[...] as pessoas crêem que o processo penal termina com a condenação e não é verdade; as pessoas crêem que a pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; as pessoas crêem que o cárcere perpétuo seja a única pena perpétua; e não é verdade. A pena, se não mesmo sempre, nove vezes em dez não termina nunca (CARNELUTTI, 2002. p. 79).
RESUMO: Embora se perceba a falência do sistema prisional e a inutilidade social do encarceramento do infrator que, na forma em que é praticado, não contribui para a melhoria do ser humano e da sociedade em que vive, a população carcerária cresce a números alarmantes. O presente ensaio discute a prevalência da pena de prisão no ordenamento criminal brasileiro e a ausência dos propósitos pedagógicos e de ressocialização do condenado almejados pelo Direito, quando são levados ao cárcere indivíduos oriundos de uma classe social elevada, que, em tese, dispensariam os processos reeducativos das cadeias.
Palavras-chave: Prisão. Sistema Prisional. Penas Alternativas.
Introdução
De acordo com os dados do Conselho Nacional de Justiça, em junho de 2016 a população carcerária brasileira era de 711.463 presos, sendo que desse contingente, 147.937 pessoas se encontram em prisão domiciliar, o que representa 563.526 pessoas custodiadas em ambientes prisionais. Ambientes estes que são mantidos pelo estado Brasileiro e custeados com dinheiro público[1].
O mesmo relatório informa ainda que existem, em aberto no Banco Nacional de Mandados de Prisão, 373.991 ordens de prisão, o que faz com que a população carcerária do Brasil ultrapasse a casa de 1 milhão de pessoas. É o correspondente à população do estado do Acre e de Roraima, somadas.
Com estes números o Brasil passa a ter a terceira maior população carcerária do mundo, segundo dados do ICPS, sigla em inglês para Centro Internacional de Estudos Prisionais, do King’s College, de Londres.
E embora os estados da federação estejam com seus ambientes prisionais superlotados, com presos dispostos em penitenciárias, presídios, xadrezes, colônias prisionais, cadeias, carceragens e delegacias, o déficit atual de vagas no sistema prisional do país, reconhecido pelo CNJ, é de 354 vagas, ou seja, cerca de 30% do total de condenados estão soltos por falta de vagas, ou acondicionados em ambientes “menos gravosos” por força da súmula Vinculante 56 do STF[2].
Isso sem contar um número enorme de foragidos que, de alguma forma, escaparam do alcance da lei penal, ou dos incontáveis inquéritos inconclusos que pululam nas delegacias de todo país[3].
Tais números, se por um lado parecem assustadores, por outro nos levam a uma reflexão oportuna: como nos tornamos a terceira população carcerária do mundo?
E ainda que tenhamos resposta a essa indagação, outra nos apresenta igualmente incômoda: quem são esses um milhão de brasileiros, considerados indignos da vida em sociedade? Quais as razões pelas quais merecem tal exclusão da vida em grupo?
A primeira constatação, desabonadora do sistema prisional está no fato de que se temos uma das maiores populações carcerárias do planeta, a repressão ainda não é eficiente para a prevenção, já que mantemos índices de criminalidade crescentes nas cidades brasileiras, conforme divulgado pelo Atlas da Violência 2016[4].
Mais ainda, se nos detivermos na análise pormenorizada da população carcerária, veremos que o sistema prisional é retroalimentado com números incômodos de reincidência em um sistema punitivo que não corresponde aos propósitos de segurança social, recuperação do detento e função pedagógica da pena, a inibir outros delitos.
Afinal qual é o propósito final da pena de prisão? Reeducar o delinqüente e com isso desestimular a ocorrência de novos delitos ou promover a vingança social, expondo o infrator a condições sub-humanas, humilhantes e vexatórias?
No mesmo eixo pernicioso há que se perquirir qual a razão de ainda se insistir em redução da maioridade penal, que tem amplo aval da sociedade e estará apenas contribuindo para tornar ainda mais caudaloso o fluxo migratório para detrás das grades de uma população ainda mais jovem?
Este ensaio não almeja responder a essas questões de maneira terminativa, mas tão somente promover uma discussão acerca dos meios adotados pelo Poder Judiciário para punir a transgressão à lei, tendo por parâmetro quase que exclusivamente o encarceramento do infrator.
Discute-se a (in) eficiência e a (in) utilidade desta forma de sanção por segregação, travestida, muitas vezes de vindita social e que tenta justificar-se por meio de propósitos de ressocialização e reeducação.
Prender e Punir
Inicialmente poderíamos conceber a prisão, enquanto local de confinamento e acondicionamento da mentalidade criminosa para uma nova realidade de probidade e ética, ao mesmo tempo em que se segrega por esse sistema, elementos perniciosos à vida em sociedade que, na vida cotidiana nem sempre tiveram acesso aos valores e postulados que regem a convivência em comum.
No entanto, quando nos deparamos, por exemplo, com o grande número de prisões de altos executivos, políticos e pessoas oriundas das mais altas classes sociais, como vêm sendo divulgado pela imprensa nos últimos tempos, temos a sensação de que a condenação à pena de prisão soa como uma forma de espetacularização da pena, abominada por Foucault (2000), que tende a atender ao clamor popular, apenas e apresentar-se como uma vindita social.
Ao condenar à prisão pessoas que se mostram socialmente integradas e cujas condutas, embora reprimíveis, não ameaçam a integridade física das pessoas, o Estado mostra o seu lado “punitivo” sem qualquer outro propósito além de impor sofrimento ao condenado como expiação ao delito ou mera satisfação à sociedade ofendida.
Como “ressocializar” um executivo de alta performance? Como punir de maneira exemplar o tráfico de influência, originário, exatamente do convívio social em altas escalas de poder político? Como o sistema prisional se propõe a recuperar ou reeducar um detento, cujo delito só foi possível por sua inserção nos meandros mais refinados da política e da economia?
São perguntas sem respostas, às quais nos contentamos apenas em ridicularizar o infrator diante das regras internas da carceragem (cabelos, uniformes, calçados, alimentação) e infligir a ele privações, sofrimentos e humilhações, sem o propósito de uma “recuperação” ou “reinserção” social.
O artigo 59 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940), ao dispor sobre a forma de se apenar o infrator limita a conduta do magistrado sentenciante a estabelecer penas que possam ser suficientes para “reprovação e prevenção do crime”:
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:
I - as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II - a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III - o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;
IV - a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível (BRASIL,1940).
No contexto atual de preferência explícita e clamor social pela pena de prisão, a aplicação da pena se transforma em um espetáculo televisivo de catarse, com os mesmos elementos das execuções públicas de sentenças medievais. Convenhamos, é um teatro de horrores, que expõem o condenado à execração pública, lançam à ribalta advogados eloqüentes, juízes protagonistas e lançam luzes sobre um sistema claudicante de se fazer justiça. Tal condenação não raro alcança à família do condenado, com exposição de sua família, sua intimidade, sem potencial para recompor o tecido social afetado ou recuperar o bem jurídico atingido.
Forçoso concluir que o sistema prisional brasileiro é desumano, fracassado e inútil, tanto no aspecto de tutela do condenado e garantia de seus direitos fundamentais, quando no propósito de reparar o dano social e preparar o infrator para retorno à vida em sociedade. E isso se mostra evidente quando o apenado é pessoa das altas estirpes sociais e políticas, que dispensam a tutela do Estado em qualquer processo de reeducação ou reinserção social. O sistema é inútil tanto para as bases da pirâmide social, por não conseguir atingir os propósitos almejados da pena, quanto com o ápice da pirâmide que não carece ser recuperada ou ressocializada.
E se assim o é, e a população brasileira tem consciência disso, qual a razão de a sociedade exigir, cada vez mais, pena de prisão a qualquer criminoso, independente de classe social ou gravidade do crime?
No que diz respeito aos tipos de penas aplicáveis [...], deve-se ter em mente que a pena privativa de liberdade deve ser de caráter excepcional e subsidiário, tendo em vista que se trata de pena mais gravosa e que pode trazer consequências ainda maiores ao indivíduo que a cumpre e à sociedade. No entanto, não é essa, infelizmente, a tendência que acompanhamos no Judiciário brasileiro, que supervaloriza, muitas vezes, a pena privativa de liberdade em detrimento das penas alternativas, ainda que o caso concreto autorize-as.
Essa realidade é explicada, em parte, pela própria cultura da nossa sociedade, que possui a ideia de que para que seja punido, o criminoso deve necessariamente passar por um presídio, pois, caso contrário, haverá a sensação de impunibilidade (ROCHA, 2016).
O uso das penas alternativas ainda é incipiente no ordenamento jurídico brasileiro, não raro limitado a pequenos delitos, aparecendo, aos olhos da população quase que como leniência ou impunidade. Da mesma forma os efeitos secundários da pena (art. 91 do Código Penal de 1940 e art. 15 da Constituição Federal de 1988, por exemplo) não são publicizados como instrumentos de cerceamento da vida social do condenado e medida protetiva da sociedade.
A cada delito noticiado na imprensa, agiganta a voz da sociedade a exigir “cadeia” aos infratores, mesmo diante da ineficácia do sistema prisional e da falta de capacidade do Estado Brasileiro em organizar uma justiça penal que seja justa e que, de fato, se constitua uma ferramenta de pacificação social e prevenção da delinqüência.
Não se trata de ser tolerante com os crimes das altas rodas, mas de encontrar uma forma de punição que possa resultar em recomposição da sociedade afetada. Prender, simplesmente por prender não erradica a criminalidade, não melhora o homem, não prepara a sociedade e, corre-se o risco de suprimir do convívio social pessoas que, apesar do cometimento de faltas reprimíveis, são úteis para o sistema como um todo.
A pena deve apresentar-se como medida preventiva quanto a outros delitos e impedir a continuidade delitiva, de maneira preservar a sociedade do efeito nefasto da criminalidade. Neste sentido, o sistema penal carece de ferramentas que, de fato e de direito, utilizem da pena como forma de se fazer justiça e não apenas ridicularizar ou humilhar o infrator, sem qualquer utilidade à sociedade ofendida.
Dar ao sistema prisional o alcance que a Constituição Federal almejou é sem dúvida, um incômodo desafio que, embora não seja novo, permanece atual.
Da função Social da Pena
Um dos dilemas do Direito Penal é atribuir uma função social à pena, na tentativa de afastá-la do sentimento de vingança coletiva.
Muitas são as teorias firmadas na filosofia do Direito que tentaram entender o direito de punir, diante de uma ofensa individual ou social que venha a quebrar a harmonia do grupo.
Para Césare Beccaria (1997. p. 27),
É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida.
No entanto, havendo a ocorrência delitiva a sociedade criou um sistema de punição, com objetivo de retirar do indivíduo a vendeta pessoal, atribuindo ao Estado o monopólio da violência (WEBER, 2003), único legitimado a exercer medidas coercitivas.
Historicamente as penas tiveram diversas funções: promover espetáculos, aterrorizar populações, servir de exemplo como medida inibidora da delinqüência, retribuir ao infrator o mal causado ou repor ao ofendido as perdas que sofrera (FOUCAULT, 2000). A ideia da pena como “justiça” e promotora da pacificação social é contemporânea e, talvez, incompreendida.
Diversas teorias foram usadas para explicar o sentido ou a pertinência do jus puniendi na tentativa de manter a ordem jurídica pactuada e promover a pacificação social ou a prevenção delitiva.
Teoria Retributiva da Pena (teoria absoluta): Neste cenário a pena se esgota na idéia de pura retribuição, tem como fim a reação compensatória, onde o Estado responde ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor.
A intenção primeira é impingir no delinqüente um mal que possa servir de compensação ou expiação do crime cometido. A pena não possui nenhuma função orientadora, preventiva ou ressocializante. É um mero castigo.
Teoria Preventiva da Pena (Teorias Relativas): Neste contexto, a pena possui a capacidade de evitar que no futuro outros delitos sejam cometidos. Reveste-se de uma atribuição pedagógica e não somente no propósito de fazer sofrer o delinqüente.
Pode se dirigir a toda sociedade (prevenção geral) a servir de exemplo ao cidadão impoluto ou direcionar-se apena ao condenado (prevenção especial) de maneira a impedir a reincidência.
Teorias Mistas ou Unificadoras: As teorias mistas ou unificadoras tentam agrupar em um conceito único os fins da pena. Essa corrente tenta recolher os aspectos mais destacados das teorias absolutas e relativas, a de castigar e ao mesmo tempo reeducar.
As “modalidades” da pena, no entanto, foram se sedimentando ao longo dos anos, evoluindo de acordo com os grupos sociais e o direito, de modo a preservar o tecido social, a incolumidade do indivíduo e promover a justiça.
No Brasil, ao longo da nossa história, desenvolvemos um sistema de direito criminal onde a única sanção condenatória aceitável é a prisão. A sociedade brasileira, quando ofendida em seus interesses, só consegue ver-se reparada nas grades da segregação carcerária, como se fosse o único meio aceitável de punição justa, embora a Constituição Federal preveja outros meios de sanção.
A justiça penal, no entanto, quando não opta pela pena de prisão, nem sempre consegue ser reparadora, a ponto de restituir à vítima o bem jurídico ofendido ou castigar o infrator como desejado e isso frequentemente soa como impunidade. Ao bisonho soa quase como um perdão a aplicação de penas alternativas.
Por outro lado, a sanção penal condenatória, ainda que seja pena de prisão, não consegue ser retributiva, no sentido de dar ao criminoso, na mesma proporção, o castigo por sua atitude, o que soa como injustiça aos olhos da sociedade, pelos regimes diferenciados que adotamos de execução penal.
E mais ainda, o sistema penitenciário, ao acolher o delinqüente em seus labirintos, para cumprimento das penas em regime fechado, não consegue ser nada mais além do que um aparelho reprodutor da vingança social, ao impor sofrimento ao detendo (e aos seus familiares) sem lhe conceder nada de bom que possa melhorá-lo e sem corresponder, no cenário social afetado, ao alcance reparador que se espera do estado-juiz.
De que adianta, por exemplo, a prisão por crime ambiental, se a medida resultar inócua ao meio ambiente afetado, que não se restaura apenas com a detenção do infrator? Qual o bem jurídico tutelado que carece da intervenção estatal para a sua proteção e preservação?
Ao segregar o indivíduo do seu convívio a prisão promove, ainda, desestabilização do núcleo social onde o detento se insere, não raro afetando o seio das famílias que passam a ser de responsabilidade do Estado e que, ao cidadão comum, aparenta clientelismo ou benefício ao delinqüente, quase que como um incentivo à criminalidade.
Tal ocorrência afronta os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e fere os princípios da personalidade e da individualização da pena, que acaba por ultrapassar a pessoa do criminoso ou permanecer junto dele, como estigma, mesmo depois de cumprida à integridade.
Por detrás de vasta doutrina, tenta o Direito Penal encontrar uma “função social” à pena, dando a ela um sentido utilitário, para além da vingança estatal. A segregação social temporária é dita, frequentemente nos meios jurídicos como um dos meios de se “ressocializar“ o delinqüente, embora sejam poucos (muito poucos), os que acreditam nessa capacidade do sistema penal.
A Filosofia do Direito tem buscado em suas páginas, ao longo da história da humanidade, encontrar um sentido prático para o encarceramento do ser humano, talhado para viver em liberdade, diante de uma ocorrência que o desqualifique para a vida em grupo.
Vimos, pelas teorias da pena, que uma das alternativas viáveis seria usar a sanção não somente como reprimenda (castigo), mas também, no sentido pedagógico (preventivo), para coibir novas iniciativas de delinquência e evitar a reincidência.
Outro propósito seria valer-se do período de segregação para corrigir eventuais defeitos de conduta e preparar o indivíduo delinqüente para o retorno ao convívio social, cuja harmonia fora quebrada pelo delito.
A cadeia, por definição legal, não pode ser apenas uma forma de punição pelo isolamento, mas um tempo de afastamento necessário para que o indivíduo se eduque aos postulados da sociedade em que vive. Espera-se um indivíduo melhor, na porta de saída da carceragem.
Tal é a definição legal, contida no artigo 1º da Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84), que transcrevemos abaixo com nosso grifo:
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (BRASIL, 1984).
Michel Foucault (2000), em sua obra Vigiar e Punir, descrente do propósito “ressocializador” do cárcere, declara que a prisão não fracassou enquanto ferramenta de punição, pois cumpriu o objetivo a que se propunha: estigmatizar, segregar e separar os delinqüentes, sem nada lhes conferir de útil. Ou seja, a pena de prisão apenas satisfaz nossos interesses de vingança, ainda que parcialmente, nos mesmos moldes nefastos das normas bárbaras e ancestrais que tinham por objetivo trazer sofrimento ao condenado como expiação pelos seus crimes. Não auxilia o condenado na correção de suas condutas, não recompõe a sociedade das suas perdas e não se reveste em uma medida preventiva, apenas castiga. Não faz justiça, portanto.
Então, qual é o propósito da pena de prisão?
Tomando por empréstimo a função da prisão preventiva prevista no artigo 312 do Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689/1941), podemos observar que três são as principais assertivas que definem a necessidade do encarceramento:
a) a garantia da ordem pública, no sentido de segregar o indivíduo delinqüente e impedir que continue a delinqüir e, na outra ponta, impedir que a sociedade faça justiça com as próprias mãos e puna o infrator a seu modo;
b) conveniência a instrução criminal, na tentativa de impedir que o delinqüente prejudique a apuração dos fatos e interfira no devido processo legal destruindo provas ou coagindo testemunhas;
c) para assegurar a aplicação da lei penal, ou seja, garantir ao estado o exercício do seu poder punitivo e ao infrator o exercício do contraditório e da ampla defesa, impedindo a fuga, por exemplo (BRASIL, 1941).
O artigo 312 do CPP cuida da prisão preventiva, que antecede à instrução criminal e ao julgamento do fato, não sendo, portanto, instrumento hábil para apenar o criminoso, mas define claros propósitos para a manutenção do indivíduo infrator em custódia do Estado.
A prisão-sanção, no entanto, aquela exarada na sentença penal condenatória tem outros propósitos, pois trata, exclusivamente de aplicar no infrator uma admoestação, uma reprovação formal por sua conduta, exercício do jus puniendi por parte do Estado, que evoca para si o monopólio do direito de punir, concentrando as funções reparadoras, preventivas, educadoras da pena. Ou que, em tese, deveriam concentrar tais funções.
Repetindo: qual é o propósito da pena de prisão?
O uso da pena privativa de liberdade como instrumento do Estado para ressocializar o criminoso ou reeducá-lo para a vida em sociedade (art. 1º da Lei 7.210/84), que é a justificativa que se ouve com maior freqüência nos diálogos de Direito Penal, não responde a nossa indagação, já que, nem todo detento cuja condenação penal seja a privação da liberdade carece de “reeducação” ou mesmo “ressocialização”.
Aceitar essa premissa como verdadeira, a de que o cárcere é instrumento de ressocialização, é pacificar que todo criminoso seja, de fato e de direito, um elemento pernicioso, antissocial, violento ou desajustado, carente de procedimentos interventivos do Estado capazes de reeducá-lo para a vida em sociedade.
No mesmo sentido seria acreditar que o Estado, valendo dos meios havidos na execução penal, ao afastar o delinquente do convívio social por determinado período possa ser capaz de reinserir o indivíduo, melhorado, na sociedade que o admoestou.
São, na verdade, dois sofismas: há indivíduos brutos que carecem de socialização, mas o presídio, em seu ambiente ainda mais embrutecido, não consegue de fato, ressocializá-los. Outros são socializados em excesso, dispensando qualquer procedimento de ressocialização. E ambos são apresentados ao mesmo sistema!
Aos crimes violentos, onde há destempero, ferocidade, fúria e brutalidade, a contenção da grade parece ser, pelo menos em princípio, a medida mais eficaz para defender a sociedade de um dos seus membros. Como se faz com a fera indômita, cujo encarceramento em jaulas se torna a única maneira eficiente de dominação.
Não obstante, nem todo preso condenado à pena de prisão é autor de crimes violentos. Que se veja, por exemplo, os crimes de lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, evasão de divisas e outros desta espécie, que dispensam a violência em troca de uma rede de contatos sociais. São delitos de habilidosa convivência. Cercear a liberdade de tais indivíduos, com objetivo de “ressocializá-los” ou reeducá-los para vida em sociedade soa quase que como uma pilhéria.
Nesta oferta de castigo, sem um propósito maior de combate ao crime com a criação de consciência cidadã de vida em sociedade, a pena de prisão embrutece o indivíduo já bruto que se pretende ressocializar, ao mesmo tempo em que parece inútil na tentativa de reeducar aquele que, exatamente por seus muitos contatos sociais, acabou detrás das grades.
Da mesma forma, é sabido que o sistema prisional, onde o ócio ocupa a maior parte do tempo de detenção, de maneira nenhuma contribuirá para melhoria dos indivíduos, aqueles que, de fato, poderiam requerer algum procedimento de orientação para prepará-los para o retorno da vida em sociedade. A cadeia acaba sendo, para esses e para aqueles, uma escola do crime. Inútil, pois, no seu propósito inicial que seria proteger a sociedade dos indivíduos perniciosos e ineficiente no seu propósito final de devolver indivíduos melhorados à sociedade que os alijou.
Numa resposta mais “honesta” poderíamos dizer que a pena de prisão, então, é uma forma que o Estado tem de retribuir ao criminoso o mal que causou à sociedade, infringindo-lhe a perda (ainda que temporária) de um direito inalienável (a liberdade) e uma gama interminável de sofrimentos que advém desta segregação. Uma vingança, portanto, na fria Lei do Talião: olho por olho dente por dente, que acaba por piorar o indivíduo, devolvendo à sociedade um ser ainda mais perverso que aquele que fora anteriormente segregado.
Soma-se a isso o fato de que o detento, sob a custódia do Estado, não perde a sua condição de ser humano ou a tutela à sua dignidade, que é garantia constitucional.
Art. 5º...
XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (BRASIL 1988);
Desta feita, a manutenção do infrator sob as peias do Estado exige a formação de um sistema de proteção à sua integridade física, moral e espiritual, demandando elevado custeio com programas de saúde física e mental, hospitalidade, alimentação, vestuário entre outras demandas, a custo do contribuinte.