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10 anos da Lei Maria da Penha: O atendimento policial nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher

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Agenda 05/08/2016 às 07:51

No momento em que a Lei Maria da Penha completa 10 anos, o presente texto tem o objetivo de sistematizar e comentar os tópicos da lei em tela referentes ao atendimento prestado pela polícia nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

INTRODUÇÃO:

Editada em 07 de agosto de 2006 (entrando em vigor 45 dias depois), a Lei 11.340, mais conhecida por Lei Maria da Penha, em homenagem à cearense Maria da Penha Maia Fernandes, completa 10 anos em 2016. Nasceu em resposta ao crescente número de ocorrências violentas contra as mulheres no âmbito doméstico e familiar, estabelecendo políticas públicas, introduzindo institutos protetivos novos e endurecendo o ordenamento penal/processual penal, tudo em consonância com as diretrizes da Constituição Federal e Convenções internacionais1. Os efeitos foram sentidos no decorrer dos anos de sua vigência, com o aumento da procura das vítimas pelo socorro e da repressão mais efetiva aos agressores. No que toca ao atendimento policial dos casos, o sistema deficitário de antes foi melhorado, visando a uma célere e eficaz assistência às vítimas. O presente texto tem o objetivo de sistematizar e comentar os tópicos da lei em tela referentes ao atendimento prestado pela polícia.


 1. FINALIDADE, CONTEXTOS E DESTINATÁRIOS:

Conforme se extrai do artigo 5º da Lei 11.340/2006, seu objetivo é prevenir e coibir a violência – seja física, pisicológica, sexual, patrimonial ou moral – baseada no gênero feminino, ocorrente no âmbito:

a) doméstico: espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas. A doutrina majoritária inclui aqui também a empregada doméstica como potencial vítima;

b) familiar: comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa (ex: contra esposa, filha, mãe, avó, irmã, sogra, cunhada);

c) relação íntima de afeto: na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação (ex: contra namorada, ex-namorada, amante).

Como pertinentemente observa Alice BIANCHINI (2014, p. 44): "não foram contemplados, portanto, outros contextos em que a violência de gênero pode se manifestar, como por exemplo, no trabalho, na escola, ou no âmbito institucional, praticada nas instituições prestadora de serviço públicos, como hospitais, postos de saúde, delegacias, prisões".

A vitima é a mulher, violada nos contextos mencionados com base em questões de gênero. Ausente a motivação de gênero, não se aplica a lei (ex: vizinho que injuria vizinha por causa de som alto). A mulher inserida numa relação homossexual também está contemplada, tendo em vista o disposto no parágrafo único do mesmo artigo 5º, segundo o qual: "As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”. Com fulcro no mesmo parágrafo, existe corrente que defende que a transsexual (sexo biológico masculino, mas identidade de gênero feminino) na mesma medida seria admitida como beneficiária da lei, desde que já tenha transmutado o sexo, bem como retificado judicialmente o seu registro civil (no sentido de que bastaria ao transsexual apenas a sua identificação com gênero feminino: DIAS, 2010, p. 58).

O homem, pela literalidade do texto, não é alcançado como vítima. Não obstante, algumas decisões judiciais Brasil afora, em casos especiais, concederam-lhe, por analogia, medidas de proteção da lei em comento. A analogia também foi fundamento para que o mesmo se fizesse em favor de idosos, crianças e adolescentes, independentemente do sexo.

O agressor, alvo do rigor da norma, pode ser tanto homem como mulher. Estatisticamente a maioria dos agressores são maridos/companheiros, ex-maridos/ex-companheiros e namorados.


2. POLÍTICAS PÚBLICAS:

O poder público, por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, tem a missão de desenvolver políticas que “visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão” (Art. 3º, §1º).

No âmbito específico da segurança pública, a Lei Maria da Penha destaca as seguintes diretrizes para as políticas públicas (art. 8º):

a) integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. O legislador conclama os órgãos e áreas supracitados para que suprimam entraves interinstitucionais e criem mecanismos desburocratizantes e integradores para operacionalização do atendimento.

b) implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher. Ideal que sejam lotados nesta unidades policiais com treinamento especializado, preferencialmente do sexo feminino, que tenham sensibilidade para o atendimento. Aos Estados, por sua competência, cabe a criação e promoção das delegacias especializadas no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar (v. art. 35). Onde não existirem, a incumbência do atendimento cabe às unidades comuns, municipais ou distritais2.

c) capacitação permanente, quanto às questões de gênero e de raça ou etnia, das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos do Poder Judiciário, do Ministério Público e Defensoria Pública, bem como às áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação. Essa capacitação continuada pode ser fomentada através da promoção de congressos, palestras e cursos específicos.

O Sistema de Segurança Pública (SUSP) a que faz referência o art. 9º, destinado à articulação de ações federais, estaduais e municipais na seara da segurança pública, conforme princípios e diretrizes previstos em lei orgânica própria, ainda não foi implementado.


3. NOTÍCIA DO CRIME

A notícia do crime (notitia criminis), espontânea, provocada ou coercitiva, é o ponto de partida para a realização do atendimento e investigações pela polícia judiciária (no caso dos crimes praticados com violência doméstica, a polícia civil).

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Desde de 2014 o “Ligue 180”, serviço telefônico assistencial criado em 2005 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), transformou-se em disque denúncia, com envio de denúncias de casos violência para os órgãos de Segurança Pública e o Ministério Público de cada Estado. O intuito da modificação foi de ampliar as fontes de informação, ainda que anônimas.

No que toca às notícias encaminhadas pelo denúncia-anônima, recomenda-se o uso da Verificação Preliminar de Informação (VPI), procedimento administrativo policial destinado a verificar a procedência da notícia-crime ou elementos indispensáveis à instauração do inquérito3. A VPI serve, neste caso, em consonância com o parágrafo 3º do artigo 5º do Código de Processo Penal, como um filtro de notícias, prevalecendo apenas as delações verossímeis. Se o resultado da averiguação trouxer o mínimo de segurança para o início das investigações, estará viabilizada a abertura do inquérito policial. Caso contrário, a notícia do crime deve ser arquivada pelo delegado (deixando claro que o arquivamento é da notícia improcedente, não do inquérito policial, o qual, uma vez iniciado, não pode ser arquivado, por óbice legal do art. 17 do CPP).

Porém, o início do atendimento policial dos crimes que envolvem violência doméstica ou familiar contra a mulher, na grande maioria das vezes, ocorre por provocação pessoal da própria vítima. Geralmente procura socorro do Estado quando já não mais aguenta a reiteração de agressões.


4. MEDIDAS DE PROTEÇÃO E ASSISTENCIAIS

Verdade seja dita, o atendimento policial dos casos de violência contra a mulher carecia de dispositivos legais que proporcionassem ações imediatas de amparo à vítima. A Lei Maria da Penha melhorou o panorama, prevendo (não taxativamente) algumas medidas de proteção e assistenciais pela polícia, independentemente de provimento judicial. Segundo o texto do artigo 10, “na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis”. Dentre outras medidas, por mandamento inscrito no artigo 11, deverá a autoridade policial ainda:

a) garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário. A autoridade policial, dentro das possibilidades e recursos estatais disponíveis, deve proporcionar imediata proteção à vítima, representando ao juiz e ao promotor, pelas medidas de segurança e protetivas que não estejam ao seu alcance.

b) encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal. Tal providência já era praticada no sistema anterior. O atendimento médico sanatório, visa a proporcionar a tempestiva aferição de lesões corporais (exame de corpo de delito), antes que desapareçam ou se alterem com o tempo.

c) fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida. Na prática, a norma encontra dificuldades de aplicação, especialmente nos pequenos e distantes distritos do interior, onde inexistem locais adequados de acolhimento, até mesmo próximos, bem como são recorrentes a insuficiência de policiais, viaturas e combustível.

d) acompanhar a ofendida, se necessário, para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar. Como bem anotaram Rogério Sanches CUNHA e Ronaldo Batista PINTO (2008, p. 89-90), elogiando a introdução da previsão legal:

no calor da violência, a fuga da mulher, fisicamente mais frágil, é quase sempre a única alternativa que lhe resta, muitas vezes sem que tenha, inclusive, oportunidade para retirada de seus objetos pessoais. A simples confecção do boletim de ocorrência ou termo circunstanciado não lhe garantia a devolução desses bens (ao contrário, servia, muitas vezes, de moeda de troca da ´retirada da queixa´ - para nos valermos de expressão vulgar mas de uso coloquial).

e) informar à ofendida os direitos a ela conferidos na Lei Maria da Penha e os serviços disponíveis, de assistência social, saúde e segurança.


5. PROCEDIMENTALIZAÇÃO

Um fato: a grande maioria dos casos de violência contra a mulher são infrações penais de menor potencial ofensivo. Antes da Lei Maria da Penha, ocorrido um delito dessa natureza e conduzido o agressor à delegacia, cabia ao delegado, em cumprimento à Lei 9.099/1995, apenas fazer registrar o fato num Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e remetê-lo ao juizado especial criminal, liberando, ao final, o suspeito mediante Termo de Compromisso de Comparecimento ao fórum. No Judiciário, a quase totalidade dos processos se encerravam nas fases de conciliação ou transação penal, não gerando, muitas vezes, ônus relevante que intimidasse ou gerasse arrependimento, especialmente por um componente cultural machista4, tão comum aos agressores praticantes de violência doméstica. Então o ciclo recomeçava...

Partindo dessa constatação negativa, a lei protetora das mulheres recrudesceu o tratamento legal, voltando ao rigoroso sistema anterior à lei dos juizados. Neste sentido, o artigo 41 previu que: “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a lei nº 9.099/1995, de 26 de setembro de 1995”. Comentando a lei, Maria Berenice DIAS (2010, p. 08) observou que: “a ênfase em afastar a violência doméstica do âmbito dos juizados especiais nada mais significou do que reação à maneira absolutamente inadequada com que a justiça cuidava das mulheres vitimizadas no ambiente familiar”. Afastou-se, assim, o uso do brando Termo Circunstanciado de Ocorrência. Toda ocorrência (inclusive de menor potencial ofensivo) passou, então, a ensejar a prisão em flagrante do agressor e a apuração por inquérito policial.

Mas o art. 41 fala da não aplicação da lei dos juizados aos crimes; significa que as contravenções penais ficaram de fora? Segundo Guilherme NUCCI (2015b, p. 810): "onde se lê crimes, leia-se, em verdade, infração penal, o que permite abranger a contravenção penal". Parece ser esse o entendimento predominante na atualidade. Registe-se, porém, que existem posicionamentos contrários a essa interpretação extensiva, com fundamento em princípios garantistas de direito penal.

Feitas estas considerações, em conformidade com o disposto no artigo 12 da Lei Maria da Penha, tem-se que deverá a autoridade policial adotar os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:

a) Iniciais junto à vítima:

a.1) Lavrar o boletim de ocorrência:

O boletim de ocorrência (B.O.), como se sabe, é o documento oficial utilizado pela Polícia Judiciária para fazer o registro da notícia do crime destinada ao delegado. A partir dele pode ou não ser instaurado inquérito policial, para apuração criminal do fato noticiado.

a.2) Ouvir a ofendida, reduzindo suas declarações a termo:

A vítima é ouvida em termo de declarações, devendo ser questionada sobre o fato e suas circunstâncias. A autoria já é informada desde o início, sendo a apuração de baixa complexidade.

a.3) Tomar a representação a termo, se apresentada:

Colhe-se, neste momento, representação da ofendida ou de quem tiver a qualidade para representá-la, nos crimes de ação pública condicionada (ex: ameaça, perigo de contágio venéreo, estupro, etc.), ou a manifestação privativa da vítima, seu representante legal ou procurador com poderes especiais, nos crimes de ação privada (ex: calúnia, difamação, injúria, dano, etc). Não se exige rigor formal na tomada da manifestação.

Vale lembrar que, com relação ao delito de lesão corporal leve (no caso, o art. 129, § 9º, do CPB), por algum tempo se debateu sobre a permanência, após edição da Lei Maria da Penha, da necessidade de coletar representação da vítima (art. 88 da Lei nº 9.099/1995), havendo correntes tanto favoráveis quanto contrárias. Contudo, por decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 4.424), predominou o entendimento de que a ação é incondicionada (desconsidera-se a vontade contrária da vítima), em virtude da redação do artigo 41 da Lei Maria da Penha. Consolidando o entendimento, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 542, nos seguintes termos: “A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública incondicionada”.

A renúncia à representação (em verdade, retratação) apresentada no âmbito delegacia foi obstada pela lei, face ao teor do artigo 16, que só a permite perante o juiz, em audiência especialmente designada para tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

É possível afirmar, lamentavelmente, que é alto o índice de desistência dos processos pelas vítimas de violência doméstica no Brasil, por vários fatores, sejam culturais, econômicos ou mesmo afetivos (ex: arrependimento, pressão de familiares, perda do sustento financeiro, etc.). E como, então, proceder caso a vítima solicite a interrupção das investigações em andamento? Prática verificada em algumas repartições policiais especializadas consiste em parar o inquérito no estado em que se encontra (ainda que pendam diligências), após manifestação da vítima desistente reduzida a termo, e remetê-lo ao juízo, sugerindo a designação de audiência nos termos do art. 16. Entendemos, por outro viés, que, não obstante possa ser registrada a retratação nos autos, deve o delegado concluir integralmente o inquérito.

b) Protetivo:

b.1) Remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência:

A introdução das medidas protetivas pela lei estabeleceu uma nova dinâmica ao atendimento policial, proporcionando uma resposta estatal cautelar mais célere e efetiva às vítimas. O Delegado ao ser provocado pela ofendida, encaminhará o seu pedido mediante representação ao juízo competente.

Determina a lei (§ 1º) que o pedido seja tomado a termo e contenha: a) qualificação da ofendida e do agressor; b) nome e idade dos dependentes; c) descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida. Devem ser anexados ao pedido o boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em posse da ofendida (§2º).

O juiz destinatário da representação, nos termos do art. 18, deverá, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, decidir sobre o deferimento ou não das medidas protetivas de urgência, aplicáveis de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente. São elas (art. 22):

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

As medidas devem durar enquanto existir a situação que as motivou, podendo se estender até desfecho do processo. Sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, outras medidas previstas na legislação em vigor poderão ser aplicadas, como, por exemplo, as inscritas no art. 45 do Estatuto do Idoso5 e art. 101 do Estatuto da Criança e Adolescente6, bem como a cautelar do monitoramento eletrônico constante no art. 319 do Codex de Processual Penal, como bem lembrado por BIANCHINI, 2014, p. 188-189 (vide, outrossim, a aplicação subsidiária de outras leis evocada no art. 13).

Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o magistrado requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial (civil ou militar).

Registre-se, por oportuno, que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei Complementar (PLC) 07/2016, o qual propõe alteração na lei 11.340/2006 permitindo que o Delegado de Polícia possa deferir de imediato algumas medidas protetivas (passíveis de controle judicial posterior) a favor da vítima de violência doméstica e familiar. O projeto, caso aprovado, aperfeiçoará ainda mais o atendimento policial, proporcionando uma rede de proteção mais abrangente e célere.

c) De instrução:

c.1) Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias:

Em previsão específica do § 3º do art. 12 da lei, preceitua-se que: "serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde". Neste ponto há entendimentos divergentes quanto a prestabilidade destes documentos para embasar uma condenação. CUNHA e PINTO (2008. p. 97) são contrários. Para eles os referidos documentos servem apenas para oferecimento da denúncia/queixa, sendo exigido posteriormente exame de corpo de delito (cf. art. 158 do CPP) para se comprovar a materialidade.

c.2) Determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários:

A previsão replica o que já havia disposto no inciso VII do artigo 6º do CPP. Órgãos como Instituto Médico Legal (IML) e Instituto de Criminalística são acionados para tanto, conforme suas atribuições. Em reforço ao poder requisitório do delegado dentro das investigações de sua alçada, o segundo parágrafo do artigo 2º da Lei nº 12.830/2013 prescreve que: “Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos”. A negativa injustificada do atendimento à mencionada prerrogativa funcional poderá gerar responsabilidade por crime de desobediência (art. 330 do CPB).

c.3) Ouvir o agressor:

Respondendo em liberdade, é intimado a comparecer à delegacia para ser ouvido em declarações ou interrogatório. Vale frisar, neste ponto, que, por expressa proibição do parágrafo único do art. 21, “a ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor” (solicitar que a vítima o fizesse era uma prática ilógica que, por incrível que pareça, ocorria de alguma forma antes da edição da lei). A confissão, conjugada a outros elementos de convicção, configura-se importante meio probatório nesta seara.

c.4) Ouvir testemunhas em termo de depoimento, com compromisso de dizer a verdade do que souber sob pena de falso testemunho (art. 342 do CP):

Como a maioria das ocorrências dessa natureza acontecem em âmbito fechado residencial, nem sempre é fácil encontrar testemunhas. As mais recorrentes são vizinhos, parentes e pessoas próximas. A convocação dos filhos para depor, em nosso ponto de vista, deve ser evitada, salvo se indispensável, por colocá-los numa situação constrangedora em face de um dos pais envolvidos. Importante mencionar, por fim, que a Lei Maria da Penha, numa bem vinda previsão do art. 22, III, a e b, estende às testemunhas medidas protetivas.

d) De identificação:

d.1) ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele:

Segundo lição de Maria Berenice DIAS (2010, p. 171), a Lei Maria da Penha tornou obrigatória a identificação criminal, conforme regulado na Lei nº 12.037/2009, não se aplicando a regra geral de dispensa no caso de prova civil da identidade do autor. Em sentido contrário lecionam Rogério Sanches e Ronaldo Batista (2008, p. 95-96). Entendem que se o legislador intentasse incluir nova modalidade de identificação obrigatória teria se utilizado da expressão “identificação criminal”. Concordamos com este último posicionamento.

e) Conclusão:

e.1) remeter os autos do inquérito policial, no prazo legal, ao juiz e ao Ministério Público:

A regra do prazo para término da apuração é a geral do artigo 10 do CPP, a saber: "O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente, contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem ela".

Sobre o autor
Tiago Lustosa Luna de Araújo

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP. Pós-graduado em Ciências Penais pela UNISUL-IPAN-Rede LFG. Delegado da Polícia Civil no Estado de Sergipe.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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