INTRODUÇÃO
Sempre que há a introdução de uma nova lei no ordenamento jurídico faz-se necessário o controle de constitucionalidade. Este controle tem por objetivo verificar se a referida lei infraconstitucional está em consonância com as regras da Carta Maior. Neste sentido, como base para o controle de constitucionalidade o Ministro Gilmar Mendes leciona: “Considera que, enquanto ordem jurídica fundamental, a Constituição contém as linhas básicas do Estado e estabelece diretrizes e limites ao conteúdo da legislação vindoura” [1], ou seja, as normas que não forem compatíveis com a Constituição devem ser declaradas inconstitucionais.
Em 2007 foi inserida uma nova norma infraconstitucional no ordenamento jurídico brasileiro: a Lei Complementar número 100 de Minas Gerais. Esta lei passou pelo controle de constitucionalidade repressivo – após a elaboração da mesma – por meio da ADI 4876 no STF, que julgou a lei parcialmente inconstitucional no que tange ao ingresso a cargos públicos sem o devido concurso, o que claramente lesa o artigo 37, II da Constituição Federal de 1988.
Na decisão da referida ADI, entretanto houve modularização dos efeitos da mesma, que significa, nas palavras de Neves:
A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade se justifica em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, dependendo da manifestação de maioria de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal. A excepcionalidade de decisão judicial de inconstitucionalidade de efeitos limitados ou restritos se presta a preservar relevantes princípios constitucionais, revestidos de superlativa importância sistêmica.
Isso ocorre, pois, corriqueiramente a decisão em sede de ADI têm efeitos retroativos, que alcançam inclusive atos pretéritos praticados com base na lei inconstitucional. Estes efeitos decorrem da tese jurídica que o ato que desrespeita a Constituição é nulo desde o seu nascimento, sendo então não apto a produzir quaisquer efeitos. Porém, com o advento da lei 9.868/99 passou-se a permitir que o Supremo, em casos de exceção, manipule temporalmente os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da ADI em razão de segurança jurídica e relevante interesse social, como determina Alexandrino e Paulo.
Esta modulação busca, acima de tudo proteger os interesses sociais de maior relevância destes servidores, como por exemplo, os que já aposentaram ou que se encontram com o processo de aposentadoria em curso.
O tema deste trabalho é então de grande importância, haja vista, que buscamos demonstrar, de forma breve, o histórico desta decisão, quais as inconstitucionalidades apontadas pelo Supremo Tribunal Federal com as devidas modulações e, por fim, elucidar como foi feita esta modulação, para refletir então como tal decisão afetou a vida dos milhares de servidores envolvidos.
1. BREVE HISTÓRICO
No ano de 2007 foi promulgada a lei complementar número 100 no Estado de Minas Gerais. Tal documento normativo instituiu a Unidade de Gestão Previdenciária Integrada - Ugeprevi - do Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos do Estado de Minas Gerais e do Regime Próprio de Previdência dos Militares do Estado de Minas Gerais e o Conselho Estadual de Previdência - Ceprev -, e alterou a Lei Complementar nº 64, de 25 de março de 2002, entre outras providências.
Esta lei complementar, que ficou conhecida popularmente como “LC100”, em seu artigo 7º incisos I, II, IV e V, efetivou como servidores não concursados a cargos públicos efetivos no Estado de Minas Gerais, como segue a letra da lei:
Art. 7º Em razão da natureza permanente da função para a qual foram admitidos, são titulares de cargo efetivo, nos termos do inciso I do art. 3º da Lei Complementar nº 64, de 2002, os servidores em exercício na data da publicação desta lei, nas seguintes situações:
I - a que se refere o art. 4º da Lei nº 10.254, de 1990, e não alcançados pelos arts. 105 e 106 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado;
II - estabilizados nos termos do art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República;
III - a que se refere o caput do art. 107 da Lei nº 11.050, de 19 de janeiro de 1993;
IV - de que trata a alínea "a" do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.254, de 1990, admitidos até 16 de dezembro de 1998, desde a data do ingresso;
V - de que trata a alínea "a" do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.254, de 1990, admitidos após 16 de dezembro de 1998 e até 31 de dezembro de 2006, desde a data do ingresso.
§ 1º O posicionamento dos servidores de que trata este artigo dar-se-á no nível e no grau correspondentes ao padrão de vencimento utilizado para pagamento de sua remuneração na data da publicação esta Lei.
§ 2º Não será computado, para a percepção de vantagem ou benefício, o período em que os servidores não estiveram em efetivo exercício, conforme definido em lei.
§ 3º Os servidores de que trata este artigo ficam vinculados ao Funfip, instituído na Lei Complementar nº 64, de 2002.
Além disso, dispõe ainda o artigo 10 da mesma lei:
Art. 10. Fica vedada a possibilidade de dispensa imotivada dos servidores de que trata a alínea a do § 1º do art. 10 da Lei nº 10.254, de 1990, admitidos até 31 de dezembro de 2006 e em exercício na data de publicação desta Lei Complementar, salvo nas hipóteses previstas na Lei nº 10.254, de 1990.
Assim, os servidores com contratos precários com o Estado de Minas Gerais passaram a ter estabilidade, que é própria dos servidores concursados. Embora esse regramento esteja em conflito com a Carta Constitucional de 1988, foi uma forma com que o Governo, na época, conseguiu “regularizar” sua situação fiscal e administrativa de servidores sem concurso.
Então, tendo em vista a latente inconstitucionalidade foi proposta a ADI número 4786 perante o STF a fim de declarar a inconstitucionalidade de tal Lei Complementar, atingindo cerca de 98 mil servidores, por ofensa ao art. 37, inciso II, da Constituição Federal, e ao art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Tal ADI foi julgada e em 2014 considerada parcialmente procedente, com modulação de efeitos para alguns casos definidos pelo STF. Modulação esta objeto deste estudo.
2. DA INCONSTITUCIONALIDADE
Segundo artigo 37, II da Constituição Federal de 1988 a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia concurso público, como vemos:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Neste sentido doutrina MEIRELLES que a obrigatoriedade de concurso público, com ressalva aos cargos em comissão e empregos com essa natureza, se refere à investidura em cargo ou emprego público, isto é, ao ingresso em cargo ou emprego isolado ou em cargo ou emprego público inicial da carreira na Administração Pública direta e indireta. Ainda, nesta contenda, preconiza MIGUEL:
Portanto, o objetivo da Administração Pública é selecionar os candidatos mais capacitados para o exercício do cargo, emprego ou função pública que se encontra vago, ou passível de breve vacância e criação. Ademais, o concurso público é um meio técnico que dispõe a administração para melhorar o serviço público, propiciando de forma igualitária a todos os interessados a oportunidade isonômica de concorreram à vaga aberta, desde que preenchido os requisitos legais determinados pela natureza e complexidade do cargo ou emprego a que se concorre, constante prescrição do artigo 37, II, da CF.
Deste modo, a contratação de servidor público por quaisquer órgãos da Administração Pública sem que haja a realização de concurso público, além de afrontar o art. 37, II da Carta Magna, constitui ato imoral atentatório à probidade administrativa e aos direitos difusos da coletividade[2], além dos princípios da administração pública de impessoalidade e da moralidade administrativa (art. 5º, caput e II, e art. 37, caput, da CF) [3].
Na ADI 4876, o Supremo Tribunal Federal, por meio do Senhor Ministro Dias Tófoli considerou em seu voto:
Com exceção do inciso III (que faz referência a servidores submetidos a concurso público), os demais incisos do art. 7º da Lei Complementar nº 100, de 2007, permitiram a efetivação de servidores da Administração Pública em cargo público com evidente burla ao princípio do concurso público (art. 37, II, CF/88). (...) Como é sabido, na atual ordem constitucional, a investidura em cargo ou emprego público depende da prévia aprovação em concurso público. As exceções a essa regra estão taxativamente previstas na Constituição, como ocorre nas nomeações para cargos em comissão, declarados em lei de livre nomeação e exoneração, ou no recrutamento de servidores temporários. [4]
Desta maneira o Superior Tribunal Federal conheceu a ação direta de inconstitucionalidade, julgando-a parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade dos incisos I, II, IV e V do art. 7º da Lei Complementar nº 100/2007, do Estado de Minas Gerais.
3. DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO
Segundo a lei 9868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, em seu artigo 27, é possível mediante maioria de dois terços dos seus membros restringirem os efeitos de sua decisão, ou até mesmo que ela só tenha eficácia a partir de dado momento.
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Neste dispositivo temos o conceito de modulação de efeitos da decisão. Em sede de controle difuso, quando se dá a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal a regra é a da atribuição de efeitos ex tunc (retroativos) a tal decisão, que considera, pois, a norma e os atos dela derivados destituídos de qualquer eficácia jurídica[5]. Ainda temos os ensinamentos de DIMOULIS:
A possibilidade de o próprio tribunal constitucional mensurar o alcance temporal de sua decisão, podendo declarar que a lei ou o ato normativo perderia sua eficácia ex tunc ou apenas ex nunc. O porquê da necessidade desta modulação residia na existência de casos especiais, em que o próprio efeito ex tunc poderia ser mais danoso ao ordenamento jurídico que a manutenção da lei ou ato normativo eivado de inconstitucionalidade. Assim, v.g., quando a falta da norma criaria um vazio normativo insuportável e representasse um retrocesso maior que a vigência da norma questionada.
Com o advento da Lei n. 9.868, de 1011-1999, positivou-se a modulação temporal no Brasil, com a inovação de admitir também a produção dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade apenas para uma data futura, pro futuro (art. 27 da lei).
Seguindo estes ensinamentos, NEVES ainda leciona que de acordo com o art. 27 da Lei 9.868/1999, além da eficácia ex tunc, a declaração de inconstitucionalidade poderá ser modulada de três diferentes formas: (a) ex tunc restritiva, com uma limitação temporal da retroatividade dos efeitos da declaração; (b) ex nunc, a partir do trânsito em julgado (efeito prospectivo); e (c) eficácia projetada para o futuro, condicionando-se a geração dos efeitos a um limite temporal definido pelo tribunal ou mesmo a um ato a ser praticado supervenientemente (declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia da nulidade). A modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade se abona em razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, dependendo de maioria de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal. A excepcionalidade de decisão judicial de inconstitucionalidade de efeitos restritos ou limitados se oferece a preservar relevantes princípios constitucionais, revestidos de grande importância, dentro de uma interpretação sistêmica[6].
Quanto à decisão da ADI 4876, foi realizada a modulação dos efeitos de forma temporal, ou seja, estabelecendo uma data a partir da qual a decisão do STF surtirá efeitos evitando assim uma possível desordem jurídica que a declaração de inconstitucionalidade poderia acarretar:
a) cargos para os quais não haja concurso público em andamento ou com prazo de validade em curso, dar efeitos futuros à decisão, para somente produzir efeitos a partir de 12 meses, da data da publicação da ata de julgamento, tempo este hábil para a realização de novo concurso público, a nomeação e a posse de novos servidores;
Tem por objetivo adequar o efeito da declaração de inconstitucionalidade de modo à somente produzir efeitos a partir de doze meses, contados da data da publicação da ata de julgamento (01/04/2014), tempo hábil para a realização de concurso público, a nomeação e a posse de novos servidores, evitando-se, assim, prejuízo aos serviços públicos essenciais prestados à população.
Os servidores alcançados pelo efeito prospectivo poderão ser mantidos nos quadros por até doze meses, a contar da publicação da ata do julgamento, sendo a data limite 01 de abril de 2015, de forma a não prejudicar a continuidade dos serviços públicos, até a realização de concurso[7].
b) cargos para os quais já se tenha concurso em andamento ou no prazo de validade, a decisão deve surtir efeitos imediatamente.
Sobre a criação deste lapso temporal na modulação dos efeitos temos os preceitos de Bonavides:
um espaço de tempo, intermediário, que assegure a sobrevivência provisória da lei declarada incompatível com a Constituição (...). Isso de tal sorte que possa o autor das leis – o Poder Legislativo – eleger um desses caminhos: revogar a lei, modificá-la ou completá-la, se para tanto for movido ou despertado pelo aresto judicial da Corte competente. (BONAVIDES, 2009, p. 341)
Além de tanto, ficam ressalvados dos efeitos da decisão: modulação restritiva que visa alcançar parte dos cidadãos atingidos pela decisão de inconstitucionalidade:
a) aqueles que já aposentados e os servidores que, até a data de publicação da ata do julgamento, tenham preenchidos os requisitos para a aposentadoria, exclusivamente para efeitos de aposentadoria, não implicando a efetivação nos cargos ou mesmo a convalidação da lei para tais servidores;
O servidor que comprovar o cumprimento dos requisitos para aposentadoria até o limite máximo de vínculo previsto no efeito prospectivo da decisão do STF, poderá se aposentar e deverá solicitar sua aposentadoria com a maior urgência.
O servidor poderá se aposentar no RPPS/MG por qualquer uma das regras vigentes (integral, proporcional, invalidez);
Poderá solicitar averbação de tempo fora do serviço público estadual, para fins de comprovação do direito à aposentadoria em 01.04.2014, por meio de certidão expedida pelo INSS, Prefeituras, etc., desde que o tempo a ser aproveitado/averbado seja anterior a 06.11.2007, data de publicação da Lei Complementar nº 100/2007, e, ainda, que não haja concomitância com tempo estadual já vinculado ao cargo[8].
b) os que prestaram concurso público em relação aos cargos para os quais foram aprovados;
c) a estabilidade já adquirida pelos servidores, que preencheram os requisitos previstos no art. 19 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.
Destarte, admite-se a possibilidade de os julgadores aplicarem a modulação dos efeitos na decisão, conforme os critérios legalmente constituídos, com a finalidade de evitar que a declaração de inconstitucionalidade cause danos maiores que os benefícios esperados pelo afastamento da norma incompatível com a Constituição.
A modulação dos efeitos, segundo o Senhor Ministro Gilmar Mendes seria a consolidação de um subprincípio do princípio do Estado de Direito, que é, na verdade, a ideia de segurança jurídica. Ao fazer a modulação de efeitos, estaria na verdade, conciliando essa ideia de legitimidade, legalidade, com a ideia de segurança jurídica, com o cumprimento da constituição, tendo em vista a ponderação, e assim podemos afirmar que se trata:
De uma válvula de segurança da efetividade do controle, de constitucionalidade, pois visa evitar que o Tribunal Constitucional deixe de declarar a inconstitucionalidade de uma lei diante das indesejadas consequências sociais que poderiam advir dessa decisão. Para que isso não ocorra, é possibilitada a adequação do decisum a situações reais. Dito de maneira mais política, o modelo da modulação permite que os Tribunais Constitucionais decidam sobre a inconstitucionalidade sem se sentir “pressionados” pelos inconvenientes do efeito retroativo quando se trata de situações consolidadas. Em nossa opinião trata-se de uma norma de calibração, que abre mão do rigor teórico (nulidade ou anulabilidade) para não comprometer a unidade e estabilidade do sistema jurídico e social. Isso torna central a figura do julgador, chamado a “ponderar” interesses e prioridades para decidir sobre os efeitos de cada decisão (LUNARDI).
No teor das discussões no Supremo Tribunal Federal acerca da ADI 4876, o Senhor Ministro Joaquim Barbosa afirma:
Adoto a modulação dos efeitos da decisão para o fim de preservar as situações jurídicas daqueles que, após prestarem serviço no Estado de Minas Gerais nos termos da lei ora declarada inconstitucional, encontrem-se aposentados ou que preencham os requisitos da aposentadoria até a data de publicação da ata deste julgamento, e desde que requeiram o benefício no prazo de 1 (um) ano, contado desta data.
Assina neste sentido TALAMINI:
A possibilidade de excepcionalmente restringir os efeitos retroativos ou mesmo atribuir apenas efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade – ao contrário do que possa parecer – confere maior operacionalidade ao sistema de controle abstrato. A regra da retroatividade absoluta e sem exceções acaba fazendo com que o tribunal constitucional, naquelas situações de conflito entre os valores acima mencionados, muitas vezes simplesmente deixe de declarar a inconstitucionalidade da norma, para assim evitar gravíssimas consequências que adviriam da eficácia ex tunc dessa declaração.
Assim sendo, a modulação então se definiu como consta no inteiro teor do acórdão:
Acordam, por fim, os Ministros, por maioria de votos, em modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade para, i) em relação aos cargos para os quais não haja concurso público em andamento ou com prazo de validade em curso, dar efeitos prospectivos à decisão, de modo que somente produza efeitos a partir de doze meses, contados da data da publicação da ata de julgamento, tempo hábil para a realização de concurso público, a nomeação e a posse de novos servidores, evitando-se, assim, prejuízo à prestação de serviços públicos essenciais à população; ii) quanto aos cargos para os quais exista concurso em andamento ou dentro do prazo de validade, a decisão deve surtir efeitos imediatamente. Ficam ressalvados dos efeitos desta decisão: a) aqueles que já estejam aposentados e aqueles servidores que, até a ata de publicação da ata deste julgamento, tenham preenchido os requisitos para a aposentadoria, exclusivamente para efeitos de aposentadoria, o que não implica efetivação nos cargos ou convalidação da lei inconstitucional para esses servidores; b) os que se submeteram a concurso público, quanto aos cargos para os quais foram aprovados; e c) a estabilidade adquirida pelos servidores que cumpriram os requisitos previstos no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.
Nota-se, finalmente, pelo trecho acima que o Supremo tribunal Federal, pautado nos pilares da segurança jurídica e relevante interesse público, decidiu a modular os efeitos no tempo, em relação aos cargos que não tiveram concurso público, para produzir efeitos apenas em doze meses, o que evita prejuízos à prestação de serviço público. Porém, para os cargos com concurso em andamento ou no prazo não houve esta modularização temporal. Em razão principalmente da segurança jurídica, o Supremo Tribunal Federal optou por ressalvar dos efeitos da decisão os aposentados e aqueles que estiverem com os requisitos para aposentadoria preenchidos, além daqueles que já prestaram concurso público e suas referidas vagas. Ressalvaram-se também os servidores que estão de acordo com o artigo 19 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ou seja, que na data da publicação da Constituição de 1988 já estivessem em exercício há pelo menos cinco anos continuados e que não prestaram concurso público, hipótese esta que os mesmo já eram considerados estáveis:
ADCT - Art. 19. Os servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, da administração direta, autárquica e das fundações públicas, em exercício na data da promulgação da Constituição, há pelo menos cinco anos continuados, e que não tenham sido admitidos na forma regulada no art. 37, da Constituição, são considerados estáveis no serviço público.
§ 1º - O tempo de serviço dos servidores referidos neste artigo será contado como título quando se submeterem a concurso para fins de efetivação, na forma da lei.
§ 2º - O disposto neste artigo não se aplica aos ocupantes de cargos, funções e empregos de confiança ou em comissão, nem aos que a lei declare de livre exoneração, cujo tempo de serviço não será computado para os fins do "caput" deste artigo, exceto se se tratar de servidor.
§ 3º - O disposto neste artigo não se aplica aos professores de nível superior, nos termos da lei.
Por fim, podemos então afirmar que a modulação da decisão que definiu a inconstitucionalidade parcial da lei complementar 100 de 2007, busca acima de tudo preservar a segurança jurídica e o claro e excepcional interesse social. A cerca destes dois institutos, o primeiro que versa principalmente sobre a estabilidade dos atos jurídicos concretizados, neles compreendidos os negócios jurídicos celebrados entre particulares ou que envolvam a administração pública, e o segundo instituto, ora o excepcional interesse social, que busca a garantir a prestação máxima do Estado que se exprime na concepção de bem-comum, este princípio confere a satisfação da coletividade enquanto esta representar a maioria[9].
Tem-se que uma Constituição deve manter sua supremacia, com a declaração da inconstitucionalidade das normas que com ela conflitem. Entretanto, ela também deve ter mecanismos para preservar a confiança depositada no ordenamento jurídico, protegendo o direito daqueles que, de boa-fé, realizaram atos jurídicos durante sua vigência, razão porque é de extrema importância a utilização o princípio da segurança, com razoabilidade e ponderação, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, em busca da finalidade última que é a justiça (GRETTER) [10].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por maioria de seus membros, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial da Lei Complementar 100 do Estado de Minas Gerais (incisos I, II, IV e V do artigo 7º), que havia promovido a investidura, sem concurso público em cargos efetivos, o que se contrapôs claramente ao princípio do concurso público inserido no artigo 37, inciso II da CF. Decisão esta que afetou aproximadamente 98 mil servidores.
Houve, porém, a modulação dos efeitos de tal decisão, com fulcro no artigo 27 da Lei 9.868 de 1999, prevendo a situação dos servidores aposentados ou que já tenham preenchido os requisitos para tanto, além de não atingir aqueles que já tenham sido aprovados em concurso público ou que tenham cumprido os requisitos previstos no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal.
Além de tanto, deu-se efeito prospectivos aos, a partir de doze meses, para os cargos em que não haja concurso público, ou em andamento, ou com prazo de validade ainda em curso.
Ficou claro que a modulação dos efeitos tem com fim a preservação da segurança jurídica e o excepcional interesse social, diante do grande número de servidores afetados pela decisão.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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LUNARDI, Soraya Gasparetto. Modulação temporal dos efeitos no processo de controle de constitucionalidade e influência de argumentos econômicos. Revista Brasileira de Estudos Constitucionais – RBEC. Material da 8.ª aula ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu Tele Virtual em Direito Constitucional – Anhanguera-UNIDERP | REDE LFG, 2009.
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VICENTE, Paulo. ALEXANDRINO, Marcelo. Resumo De Direito Constitucional Descomplicado. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense. São Paulo: Método, 2010.
[1] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
[2] REGIS, Rafael Lago. O Princípio Constitucional Do Concurso Público E O Papel Do Ministério Público Do Trabalho No Combate Aos Atos De Improbidade Administrativa. Em: http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B00E298F4-3A62-46DE-819C-47EBFE9C24A3%7D_o_principio_constitucional_do_concurso_publico.pdf. Acesso em: 2014.
[3] Conforme voto do relator, senhor ministro Dias Tófoli.
[4] Voto disponível no Inteiro teor da decisão ADI 4876.
[5] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Atlas. 2006.
[6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações constitucionais. 2ª ed.. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2013.
[7] Esclarecimentos Sobre O Cumprimento Da Decisão Do STF No Julgamento Da ADI 4876. Em: <https://www.portaldoservidor.mg.gov.br/images/stories/MASP/Apresentao_ADI_4876_2014_08_18_v3.pdf>. Acesso em 2014
[8] Esclarecimentos Sobre O Cumprimento Da Decisão Do STF No Julgamento Da ADI 4876. Em: <https://www.portaldoservidor.mg.gov.br/images/stories/MASP/Apresentao_ADI_4876_2014_08_18_v3.pdf>. Acesso em 2014.
[9] BRAGA, Luiz Felipe Nobre. A técnica da modulação dos efeitos da decisão no controle difuso de constitucionalidade: interpretação extensiva do artigo 27 da lei 9868/99. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 68, set 2009. Em: < http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6577>. Acesso em 2014.
[10] GRETTER, Eloise Mari. A modulação dos efeitos temporais da decisão em controle concentrado de Constitucionalidade: garantia à segurança jurídica. Disponível em: < http://www.revista.esmesc.org.br/re/article/view/32/36>. Acesso em 2014.