Introdução. 1. Análise da teoria dos jogos no direito penal brasileiro. 2. Institutos Despenalizadores e a possibilidade de negociação na aplicação penal. 3. Incidência da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro. 3.1Previsão Normativa. 3.2 O impacto da delação premiada no crime previsto pela lei 12.850/2013.Considerações Finais.
RESUMO
A presente pesquisa mostra-se atual e relevante no que visa investigar o instituto da delação premiada no Brasil, avaliando sua incidência diante das legislações específicas, assim como no Código Penal Brasileiro. O conceito de delação premiada consiste na figura de um delator que entrega seus comparsas, podendo inclusive restituir objetos e produtos decorrentes do crime, sob a condição de ter redução da pena, substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos ou obtenção do perdão judicial. O tema sempre foi alvo de intensos questionamentos, mas atualmente com a Operação Lava Jato, deu-se um maior enfoque ao assunto, deste modo, busca-se compreender a delação premiada como reflexo da teoria dos jogos, assim como as benesses oferecidas aos delatores e o conceito de negociação e estratégia, o que induz a uma possível negociação na aplicação da sanção penal.
Palavras-Chave: Teoria dos Jogos, Delação Premiada, Estratégia, Negociação
INTRODUÇÃO
A Teoria dos Jogos, criada e desenvolvida por John Nash, teve seu uso inicialmente pelos matemáticos, onde eles usavam tal teoria para solucionar casos envolvendo a lógica no processo de tomada de decisões. De acordo com o autor Alexandre Morais da Rosa, o Estado impõe as regras do jogo processual e tais regras são sustentadas pelo magistrado. Deve haver desta forma uma interação entre jogador e julgador, pois o resultado depende basicamente dessa interação, em conjunto com o seguimento correto das regras do jogo, haja vista que o jogo individual não é aceitável e pode vir a ser considerado nulo.
A partir do dilema do prisioneiro e a teoria dos jogos, pode-se afirmar que há uma clara estratégia, na qual o fim maior é beneficiar-se, o que gera, portanto, um conflito de interesse, já que se, diferentes, as ideias do prisioneiros haverá um que será mais prejudicado, ou na pior das hipóteses os dois sairão em prejuízo. Com dilema do prisioneiro, a cada decisão, este poderá satisfazer o seu próprio interesse, não confessar; ou atender ao interesse do grupo, confessar (ALMEIDA, 2006: 04). Mas é certo que não há nenhuma garantia que um vá cooperar com o outro, por isso, não é visto como um equilíbrio, nem cooperativismo, vez que os jogadores vão procurar satisfazer suas próprias vontades.
Não se pode começar um processo penal de maneira imediata, deve haver todo um estudo sobre o caso, preparação e investigação acerca dos sujeitos envolvidos, em seguida, uma busca de elementos que possam justificar a instauração do processo contra aquele determinado indivíduo, haja vista que cercear o direito de liberdade da pessoa, tem que ser utilizado apenas em ultimo caso.
Em relação aos institutos despenalizadores observa-se que eles são utilizados em casos em que a Constituição Federal permite, em juizados especiais, que foram criados para a solução de conflitos em casos de infrações que possuem procedimento oral, o que acaba tornando mais célere o processo. Casos em que sejam utilizados os institutos como a própria delação premiada, que será abordada futuramente, bem como a transação penal, composição civil entre outros.
É necessário de antemão afirmar que despenalização não é o mesmo que descriminalização, pois a despenalização não irá retirar a ilicitude do ato, o ato continuará sendo ilícito, entretanto, o que ocorre é a implantação de medidas alternativas de pena, penas mais brandas, que dessa forma, evita a pena maior que é a pena privativa de liberdade, em casos, por exemplo, de menor potencial ofensivo.
A delação premiada, ou o chamamento do correu, ocorre quando o acusado faz uma afirmação, quando interrogado em juízo, ou pela polícia, onde além de confessar que cometeu uma infração penal, também atribui a outra pessoa, participação no mesmo crime, como se o terceiro fosse seu comparsa.
A delação premiada, para ser considerada como meio de prova, necessita de três requisitos. Badaró (p.315,2014) afirma que são: 1. O correu que fez a delação tenha confessado sua participação no crime, 2. A delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos, e 3. No caso da delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo.
Segundo o autor supracitado, sem a presença desses três requisitos, e sem o devido respeito ao contraditório, a delação não irá possuir qualquer tipo de valor para o processo, sendo, portanto, um ato sem nenhuma eficácia jurídica.
A confissão que o delator fará, é considerado elemento essencial. Se houver negação da autoria por parte do delator, este, apenas induzindo que um terceiro cometeu a infração, este ato não possuirá valor de prova. Será apenas uma espécie de ato de defesa do indivíduo.
Dessa forma, é necessário demonstrar como se dá verdadeiramente a delação premiada, bem como, os outros institutos depenalizadores, fazendo uma intrínseca relação com a teoria dos jogos, demonstrando que os jogadores devem mostrar um interesse nas estratégias, saber com quem está lidando, no caso, com o julgador, que é o juiz, para saber como se defender para obter êxito em todo o andamento do processo.
1 ANÁLISE DA TEORIA DOS JOGOS NO ORDENAMENTO PENAL BRASILEIRO
A teoria dos jogos no ordenamento brasileiro pode ser aplicada por várias áreas, como por exemplo, ser aplicado em questões sociais, políticas e econômicas. Como o próprio nome diz, tem a participação de três jogadores, sendo um deles o julgador, que é o Estado, representado pelo Juiz, e os outros dois jogadores.
A teoria dos jogos pode ser aplicada em institutos despenalizadores, onde cada passo que o jogador irá tomar será decisivo para o ganho ou não do jogo, só que deve se observar que o jogador deve possuir uma estratégia, ele não deve “jogar sozinho”, pois cada ato seu, irá interferir em algum tipo de ato que o outro jogador possa dar.
Cabe ressaltar que o jogo em que tanto se fala, não é um jogo qualquer, jogo de azar comumente dito por aí. É apenas uma expressão para que se entenda melhor o que a teoria dos jogos quer dizer:
No jogo processual as regras são impostas pelo Estado e sustentadas pelo magistrado. Limita o tempo, desde a denúncia até o trânsito em julgado, bem como o espaço que é o Tribunal, em que será jogado. É dinâmico e com a possibilidade de mudança, alternância, vitória, empate ou derrota. O Tribunal é o lugar sagrado onde as condutas tidas como criminosas entram em campo. Nele acontece o espetáculo do crime e do castigo. Especialmente no Direito, Huizinga aponta o processo como uma competição. Os jogadores estão dominados pela recompensa, vitória, afinal ninguém entra no jogo para perder. No julgamento há sempre uma parcela de sorte/azar e uma guerra de argumentos. (DA ROSA, p. 15, 2014)
Alexandre Morais da Rosa (2014) ainda expõe que existem três planos paralelos e simultâneos onde existe a atuação do jogo processual. Existe o plano do reconhecimento das normas processuais, onde incide os princípios e as regras que são utilizados pelos jogadores e julgadores. Existe o plano da teoria da informação probatória em conjunto com seus fatores de convencimento, que indica os condicionantes internos e externos, e o terceiro plano, o plano da singularidade do processo, onde há a presença das táticas e estratégias do jogador e julgador. Dessa forma, afirma-se que os três planos existem de forma paralela e vão se desenrolando no transcorrer do jogo, de forma contingente.
É necessário que se tenha uma intima e complexa relação entre os jogadores e o julgador. Para que o resultado seja considerado válido, é preciso que se tenha atuação dos jogadores conforme a regra do jogo. Se não houver defesa, por exemplo, poderá ocorrer anulação do processo. O jogo individual não é aceito, como já foi anteriormente citado, haja vista que cada passo de cada jogador, interfere na atuação do outro jogador. Para que se tenha o jogo processual, de acordo com a teoria dos jogos, são necessários alguns requisitos, bem como: os jogadores (tanto de acusação, quanto de defesa); julgador, que deve ser um terceiro e imparcial; as normas processuais devem ser compartilhadas, ou seja, todos devem ter acesso as normas para que não haja um desequilíbrio entre os jogadores; e os payoffs, que é a análise dos ganhos e das perdas possíveis dos jogadores, as consequencias de cada ato dos jogadores serão observadas.
Existe uma questão que também deve ser abordada que é sobre se há ou não racionalidade nos jogadores na hora de praticar algum ato durante todo o processo. Alguns autores dizem que sim, que deve haver racionalidade, pois é um jogo, e um jogo precisa de estratégias, e outros afirmam que não necessariamente precisa de racionalidade por parte dos jogadores.
Herbert Simon, pai do behaviorismo, defendeu a tese da racionalidade limitada. Por ela os sujeitos devem separar os assuntos que exigem o estabelecimento de metas, projetar as táticas que podem ser exitosas e avaliar e decidir entre as alternativas. A atitude do jogador será fundamental. Caso não saiba como apresentar as informações pode sofrer os efeitos de táticas diversas. A abertura para que as emoções sejam uma variável no julgamento é nova. Se um jogador ou julgador participará de um jogo processual em que (não) gosta de um dos envolvidos, esse fato, isoladamente, poderá ser determinante. Não se sabe. Orgulhosamente se responde que não, pois devemos ser imparciais. (DA ROSA, P. 29, 2014)
Não há como falar de Teoria dos Jogos sem citar o Dilema do Prisioneiro, que foi criado por Merril Flood e Melvin Dresher. É uma situação em que dois prisioneiros se encontram e ficam na dúvida se confessa, ou se fica calado.
“Um delegado oferece a dois prisioneiros que aguardam julgamento as seguintes opções. (A situação é simétrica para os prisioneiros; eles não podem se comunicar para coordenar as ações em resposta à proposta do delegado ou, se puderem, ele não tem nenhum meio para forçar qualquer acordo que possam desejar). Se um prisioneiro confessar e outro não, o primeiro é liberado e o segundo recebe uma pena de 12 anos de prisão; se ambos confessarem, cada um recebe uma pena de 10 anos de prisão; se nenhum confessar, cada um recebe uma sentença de 2 anos.” (DA ROSA, P.31, 2014)
Se houver a confissão, cada um irá obter um resultado melhor para si mesmo, ou seja, se não houver cooperação entre eles. Nota-se, portanto, que existe um paradoxo nessa situação, haja vista que quando se busca um maior benefício individual, os dois prisioneiros conseguirão um resultado pior caso tivessem cooperado entre si.
Existe uma confusão entre o calculo do beneficio individual e um resultado coletivo melhor. Se os dois jogadores confessarem, cada jogador irá piorar o resultado obtido, caso optasse por não confessar. A estratégia de não cooperar, leva a um resultado pior. O que o Dilema do Prisioneiro demonstra é “Que o resultado coletivo não decorre necessariamente de escolhas individuais utilitaristas, mas de contingências e interações inerentes ao jogo processual.” (Da Rosa, 2014)
2 INSTITUTOS DESPENALIZADORES E A POSSIBILIDADE DE NEGOCIAÇÃO NA APLICAÇÃO PENAL
Por uma busca de um processo mais efetivo e célere, o legislador procura sempre criar meios onde todos possam ter uma justiça rápida e acessível. Existem casos onde não é necessário que se prolongue por muito tempo o processo, casos de infração de menor potencial ofensivo, por exemplo, surgiu então, os institutos despenalizadores.
Ressalta-se que geralmente ocorre a aplicação dos institutos despenalizadores, nos procedimentos de menor potencial ofensivo, nos procedimentos sumaríssimo nos juizados especiais criminais. A lei 9.099/95, mais especificamente em seu artigo 61, expõe o que é infração de menor potencial ofensivo: “As contravenções penais e os crimes em que a lei comine pena máxima não superior a 1 ano, excetuado os casos em que a lei preveja procedimento especial.”
Com a introdução da lei 9.099/95 no nosso ordenamento jurídico brasileiro, nota-se que através dela, surgiram quatro institutos despenalizadores, que são medidas alternativas que tem como objetivo, evitar a aplicação da pena privativa de liberdade, sendo eles: a transação penal, suspensão condicional do processo, reparação do dano implicando renúncia ao direito de queixa ou representação e a necessidade de representação nos crimes de lesões corporais culposas e dolosas leves. (Badaró,2014)
Ao que tange a transação penal, o princípio que rege tal instituto é o da discricionariedade regulada por lei, haja vista que não é uma discricionariedade total. Só é válida em casos em que a lei determina, com suas consequencias também previstas em lei. Dessa forma, dentro das hipóteses em que a lei dispõe, torna-se possível a aplicação de uma medida restritiva de direito, ou aplicação de multa, sem que tenha ocorrido um processo penal anterior.
Diante disso, conclui-se que através desse princípio da discricionariedade, traz uma exceção ao princípio que rege o Direito Penal brasileiro, o “nulla poena sine judicio”, haja vista que a transação penal aceita o cumprimento de uma pena, de multa ou de restrição a um direito, sem um devido processo prévio. (Badaró, 2014)
A composição civil de danos ocorrerá nas ações penais de iniciativa privada e nas ações penais públicas que são sujeitas a representação do ofendido. Este instituto aduz que haverá renúncia ao direito de queixa e ao direito de representação. Dito isto, nota-se que haverá extinção da punibilidade, retirando, assim, a pena privativa de liberdade.
É possível a tentativa de requerer a composição civil de danos nos crimes de ação penal publica incondicionada, entretanto, cabe ressaltar que desta forma, tal composição não terá natureza de causa de extinção de punibilidade. A composição, quando realizada dessa forma, terá que ser realizada por juiz ou por conciliador sob orientação do próprio juiz.
Não sendo realizada a composição civil, nos crimes de ação penal publica condicionada, abre-se a oportunidade para que o ofendido ofereça a representação. O ofendido, então, poderá assumir uma das seguintes posições: (1) oferecer representação, com o que o Ministerio Publico poderá formular a proposta de transação penal; (2) renunciar ao direito de representação, com o que estará extinta a punibilidade; (3) por fim, poderá aguardar, para oferecer a representação posteriormente, antes do término do prazo decadencial. Neste ultimo caso, o juiz deverá declarar encerrada a audiência preliminar. (BADARÓ,p.451,2014)
De acordo com o artigo 88 da lei 9.099/95, os crimes de lesão corporal dolosa leve e lesão corporal culposa, não importando o seu resultado, serão processados em ação penal pública condicionada à representação do ofendido; anteriormente estes crimes eram processados mediante ação penal pública incondicionada.
Esta representação terá natureza jurídica de condição de procedibilidade, podendo ser oral ou feita de forma escrita, e sua não apresentação não irá implicar em decadência da ação. Se houver uma audiência preliminar, e essa audiência ocorrer além do prazo estipulado do artigo 38 do CPP, a vitima poderá oferecer a representação, de forma escrita, em um prazo de seis meses, aí sim sob pena de ocorrer decadência.
A suspensão condicional do processo não é um instituto exclusivo dos juizados especiais criminal. Pode ser realizado em crimes de competência da justiça comum, desde que sejam obedecidos os requisitos legais. É um instituto que se assemelha à transação penal, e existe uma divergência com relação a sua natureza jurídica. Uma parte da doutrina afirma que é um direito publico subjetivo do acusado, onde o Ministério Publico, não poderia se ausentar, e não formular uma proposta. Outra parte da doutrina expõe que se trata de um ato consensual, não sendo possível obrigar que o Ministério Publico faça uma proposta.
A parte da doutrina que entende que é direito subjetivo publico do acusado, defende que o juiz pode de oficio, pode formular uma proposta. A corrente contrária, por sua vez, afirma que se não existir uma proposta do promotor de justiça, o juiz deve “remeter o processo ao procurador-geral de justiça para que este (1) formule a proposta; (2) designe outro promotor para formular a proposta; (3) insista na não formulação da proposta. (Badaró, p.457,2014). Cabe ressaltar que a segunda posição foi referendada pelo STF, na Súmula 696.
Para que se tenha a suspensão condicional do processo é necessário que tenha acontecido uma contravenção penal, ou de crime com pena menor que 1 ano. E a suspensão condicional também pode ser realizada no procedimento sumaríssimo, contanto que não tenha havido a transação penal, e a denuncia ou queixa tenha sido oferecida.
Existem dois requisitos para a suspensão condicional do processo, que são eles “o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, e presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena.” (Badaró, p.458,2014).
Dessa forma, estes são os institutos despenalizadores em que o sujeito terá que usar de sua estratégia para conseguir com que o magistrado atenue sua pena, conceda uma pena mais branda, para que não tenha seu direito a liberdade restrito.
3 A Incidência da delação premiada no ordenamento jurídico brasileiro
A ocorrência da delação, o ato de entregar o seu comparsa, ocorre desde os primórdios. Com o decorrer dos anos, os ordenamentos jurídicos possibilitaram a previsão desse instituto como uma possibilidade de premiar o delator. A delação premiada pode ser conceituada no ordenamento jurídico brasileiro como:
A possibilidade do participante e/ou coator de ato criminoso de não ser processado, de ter sua pena reduzida, substituída por restritiva de direito, ou até mesmo extinta, mediante a denúncia de seus comparsasàs autoridades, permitindo, a depender da conduta delituosa, o desmantelamento do bando ou quadrilha, a descoberta de toda a trama delituosa, o desmantelamento do crime, ou , ainda, a facilitação da libertação do sequestrado. (BRASILEIRO, 2011, p. 1084)
Partindo do conceito colacionado, é necessário fazer-se uma ressalva, para a caracterização da delação premiada, é imprescindível que o delator/acusado confesse a autoria delitiva do crime em comento, deve haver uma participação por parte daquele que delata, caso contrário, se este se retira do sujeito ativo do crime, o relato faz às vezes de um testemunho.
Nesse intento, há alguns autores que defendem uma diferenciação entre delação premiada e colaboração premiada, sendo estes institutos completamente diferentes. Para Luis Flavio Gomes(apud, BRASILEIRO), delação premiada e colaboração à justiça são diferentes, sendo esta mais abrangente que aquela. O requerido, no curso da ação penal pode assumir a autoria sem apontar terceiros. Já a delação premiada trata-se da o imputado assume a culpa, portanto confessa e delata outras pessoas. Sendo assim, para o autor a colaboração premiada seria um gênero, da espécie Delação Premiada.
3.1 Previsão Normativa
No Brasil o crescimento da violência direcionada aos seguimentos sociais mais privilegiados, e que à época estavam imunes aos ataques mais agressivos (sequestro, roubos a estabelecimentos bancários), o crescimento do tráfico de drogas, o aumento da criminalidade em massa, principalmente nos centros urbanos, levou o legislador sob a necessidade de se corresponder a expectativa da imprensa e sob o clamor da opinião pública, a editar uma série de leis penais mais severas. Nesta senda, vários dispositivos legais passaram a dispor sobre o instituto despenalizador da delação premiada.
A Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990) prevê a incidência do instituto, em seu artigo 8º, parágrafo único: “o participante e o associado que denunciar a autoridade o bando ou quadrilha possibilitando seu desmantelamento, terá pena reduzida de um a dois terços.”
Nesse contexto, há uma previsão expressa contida no código penal, em decorrência da Lei dos Crimes Hediondos, é o §4º do art. 159, alterado pela Lei nº 9.269/1996 com a seguinte redação: “se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.” Desta forma, conforme entendimento jurisprudencial do STJ, para o aumento trazido no § 4º, art. 159 não é necessário que o crime tenha sido praticado em quadrilha ou bando, basta o concurso de pessoas.
Por conseguinte, a Lei nº 9.080/1995, em seu arts. 1º e 2º proporcionaram significativas mudanças na lei que define os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/1986) e na lei que define os crimes contra ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo (Lei nº 8.137/1990). Essas duas leis preveem a possibilidade de os crimes, cometidos em quadrilha ou co-autoria, o co-autor ou partícipe que através da confusão espontânea revelar a autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa, terá sua pena reduzida de um a dois terços.
Nessa ordem de ideia, a lei nº 9034/1995, atualmente revogada pela nº. 12.850/2013, que dispõe sobre as ações praticadas por organizações criminosas, também prevê uma redução de um a dois terços quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e autoria.
Renato Brasileiro (2011) defende que a o benefício trazido pela delação premiada no contexto dessas leis, não é muito atrativo, tendo em vista que só poderá ter sua pena diminuída, a depender do grau de sua colaboração. Partindo do pressuposto de quea traição tende a ser punida com a morte pelos criminosos, não há um efetivo estímulo à delação, tendo em vista que o relator continuará cumprindo pena, correndo rico de assim cumpri-la junto com seus antigos comparsas.
Contudo há uma inovação trazida pela Lei de Lavagem dos Capitais, o art. 1º, §5º da Lei 9.613/1998 dispõe: A pena será reduzida de 1 (um) a 2/3 (dois terços) e começará a ser cumprida em regime inicial aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimento que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou àlocalização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.”
Percebe-se que essas alternativas são mais atrativas para o delator, e permitem assim uma maior segurança e um maior poder de barganha, já que prevê a possibilidade de cumprir a pena em regime semi aberto, ou até mesmo a aplicação do perdão judicial. Contudo, para haver aplicação de um dos três benefício trazidos pela Legislação estudada, o critério de escolha é unicamente do juiz e este deve “sopesar o grau de participação do delator no crime, a gravidade do delito, a magnitude da lesão causada, a relevância das informações por ele prestadas e as consequências decorrente do crime de lavagem”. (BRASIELIRO, 20011, p.1088)
As legislações até aqui explanadas, não são as únicas a preverem benefícios ao delator, há outras previsões expressas em lei, mas por hora os exemplos aqui expostos são suficientes. No ensejo, as pesquisadoras ressaltam que, conforme entendimento do autor Renato Brasileiro:
Para que agente faça jus aos benefícios penais estipulados em cada um dos dispositivos legais, é indispensável aferir a relevância e a eficácia objetiva das declarações prestadas pelo colaborador. Não basta, pois, a mera confissão acerca da pratica delituosa. Essa confissão deve vir acompanhada de fornecimentos de informações que seja objetivamente eficaz, capaz de contribuir para a identificação dos comparsas e da trama delituosa. (2011, p. 1090)
3.2 O impacto da delação premiada no crime previsto pela lei 12.850/2013
A lei 12.850/201 trata especificamente das Organizações Criminosas, esta as conceituou de forma bem definida em seu art. 1, §º, “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penas cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
O tipo penal específico da organização criminosa está elencado no art. 2º da lei em comento: “Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa.” O objeto material do delito é a organização criminosa, para restar configurada a associação, é necessário que estejam presentes todos os elementos descritos pelo artigo anterior.
Nos dizeres de Capez (2014), o tipo penal para subsumir-se ao caso concreto necessita de um dolo acrescido de um especial fim de agir, seria esse, a efetiva comprovação de que o sujeito ativo agiu não só com a mísera intenção de promover, constituir, patrocinar ou integrar um grupo criminoso, formado a partir de quatro de pessoas, mas o fez com uma finalidade especifica de obter uma vantagem para si, impondo-se o ônus de demonstrar um interesse pessoal.
A lei 12.850/2013, em seu capítulo II, rege a cerca das investigações e dos meios de obtenção de provas, mencionando aqui a hipótese do instituto da colaboração premiada, regulamentado pelo art. 4º a 7º do dispositivo.
Conforme preconiza o art. 4º da Lei das Organizações Criminosas:
Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Nesse artigo está disposto de forma expressa a possibilidade de colaboração premiada ou eficaz, a lei trouxe um título diferente de delação premiada, mas os dos institutos compartilham do mesmo conceito e finalidade. “Consiste em beneficiar o agente que trair o seu grupo, delatando a pratica de crimes cometidos pela organização criminosa e apontando seus respectivos autores e partícipes”. (CAPEZ, 2014, p.275)
Além da redução da pena, há outros benefícios para os colaboradores (Art. 4, Lei 12.850/2013):
§2 Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
§ 3o O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.
§ 4o Nas mesmas hipóteses do caput, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador:
I - não for o líder da organização criminosa;
II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.
§ 5o Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
Contudo, em todas essas possibilidades elencadas pela lei, não há uma obrigatoriedade de diminuição da pena, já que como dito anteriormente, a aplicabilidade dessas benesses estão condicionadas “a análise da personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração” (Art. 4º, § 1º, Lei 12.850/2013). Desta forma, conforme a referida lei há a possibilidade de o juiz recusar homologação à proposta que não atender os requisitos legais, ou adequá-la ao caso concreto.
Além disso, para que o agente faça jus aos benefícios previstos pela delação, se faz necessário uma colaboração espontânea por parte deste, a vontade tem que partir do agente, sem a interferência de terceiros. Nesse intento, assevera a doutrina:
A espontaneidade é um dos requisitos essenciais, reconhecendo-se como tal a que é praticada de livre-vontade, sem ser forçado, voluntário, não aconselhado e nem forçado, como dizem os léxicos. Não se exige a motivação do ato, se o arrependimento, o medo ou mesmo a obtenção da vantagem abjeta prometida pela lei. Eventual confissão e delação fruto de pressões, ameaças ou atos assemelhados não se enquadrariam na hipótese, mesmo porque não se poderiam premiar tais situações. (JESUS, apud, BRASILEIRO, 2013, P. 1089)
Por fim, quanto ao momento da colaboração, extrai-se do entendimento de Capez (2014), que esta pode ocorrer em qualquer fase da persecução penal, inclusive após o trânsito em julgado, tendo em vista que a lei não estabeleceu um limite temporal para o benefício ser interposto. Inclusive há determinação expressa na lei, no sentido de que caso a colaboração se dê em momento posterior a sentença a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É certo que a teoria dos jogos está intimamente relacionada com os institutos despenalizadores previstos no Código de Processo Penal, ao longo do trabalho explanou-se a possibilidade de utilizar-se a teoria dos jogos como uma espécie de resolução dos conflitos.
Inicialmente as pesquisadoras fizeram um apanhado sobre a teoria dos jogos, demonstrando que no jogo processual as regras são impostas pelo Estado e sustentadas pelo magistrado. Somado a isso, no âmbito do processo penal o jogo se dá através da antecipação e buscando a recompensa da vitória, esse jogo é consequência de uma complexa interação entre os jogadores e os julgados.Por conseguinte atrelado a Teoria dos Jogosestá o Dilema do Prisioneiro, que pode ser considerado o pilar de movimentação deste jogo processual.
Posteriormente, constatou-se a presença de diversos institutos despenalizadores, tais como: a composição de danos, transação penal, representação e suspensão condicional do processo. Esses métodos de resolução de conflito visam dentre outros finalidades dar celeridade ao processo, almeja-se a diminuição na aplicação de penas privativas de liberdade e proporcionar benesses aqueles que colaboram com a efetiva aplicação moral e justa da justiça.
Por fim as pesquisadoras se restringiram a abordagem do instituto despenalizadorda delação premiada no Brasil, avaliando sua incidência diante das legislações específicas, assim como no Código Penal Brasileiro, em continuidade, as autoras fizeram uma pesquisa específica da delação premiada dentro da lei que rege as Organizações Criminosas, 12.850/2013.
Nesta senda, demonstrou-se que a delação premiada é utilizada como um meio de prova, tendo em vista a dificuldade que a justiça tem em estancar essas atividades, além do que, dentro dessas organizações vige uma lei do silêncio, o que prejudica o desenrolar das investigações, a lei traz expressamente a possibilidade de o juiz reduzir em até 2/3 a pena, quando houver colaboração espontânea do agente que levar a esclarecimento de infrações penais e sua autoria.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ALMEIDA, Alecsandra Neri de. Teoria dos jogos: as origens e os fundamentos da Teoria dos Jogos.UNIMESP - Centro Universitário Metropolitano de São Paulo, Novembro de 2006. Disponivel em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/diaadia/diadia/arquivos/File/conteudo/artigos_teses/MATEMATICA/Artigo_Alecsandra.pdf>. Acesso em: 20 de maço de 2014.
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