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O STF: legislador negativo?

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Agenda 20/08/2016 às 09:22

O Supremo Tribunal Federal pode ser considerado meramente com um legislador negativo quando exerce o controle de constitucionalidade ou tem sua atuação pautada pelo ativismo?

1.            INTRODUÇÃO

O presente trabalho se propõe a fazer uma reflexão acerca do papel Supremo Tribunal Federal, procurando identificar a sua postura frente ao desafio de assegurar a efetividade das normas constitucionais na sociedade contemporânea.

Com efeito, o estudo terá o objetivo de responder a indagação feita já no tema trabalho, isto é, se o Supremo Tribunal Federal pode ser identificado como legislador negativo.

Assim, partir da clássica visão do princípio da separação dos poderes, será analisado o que a doutrina tradicionalmente defende ser papel de uma corte constitucional em um país democrático.

Em seguida, será analisada a postura assumida pelo Supremo Tribunal Federal frente o contexto sociopolítico brasileiro. Para tanto, será discutido não somente o posicionamento doutrinário acerca do assunto, mas também precedentes exarados pela Corte Suprema em temas de relevância social, procurando identificar a dimensão assumida pela Corte nos dias atuais.


2.            A VALORIZAÇÃO DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL

Conforme lembra Luís Roberto Barroso, a jurisdição constitucional passou a gozar de reconhecimento após a II Guerra Mundial. Até então, a constituição era vista como um documento político, uma carta de intenções, cuja realização ficava a cargo dos poderes Executivo e Legislativo. Consequentemente, as cortes constitucionais até então existentes, tinham um papel tímido e pouco relevante na vida da sociedade. Finda a II Guerra Mundial, a constituição passou a ser valorizada como diretriz fundamental de atuação do Estado. Assim, foi consolidada a ideia de que “ela não apenas disciplina o modo de produção das leis e atos normativos, como estabelece determinados limites para o seu conteúdo, além de impor deveres de atuação ao Estado”[1].

Em decorrência desse fenômeno, as cortes constitucionais passaram a ser vistas como responsáveis por asseguram o cumprimento das diretrizes constitucionais, de forma a estabelecer um equilíbrio com relação aos demais Poderes do Estado.


3.            DIMENSÃO POLÍTICA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

O eminente autor português José Joaquim Gomes Canotilho[2] aduz que na doutrina portuguesa há a discussão sobre a natureza do Tribunal Constitucional. Com efeito, refere que, de um lado, há quem defenda que trata-se de um órgão de natureza política, tendo em vista, por exemplo, a sua competência extrajurisdicional e a forma de escolha dos seus membros.

Por outro lado, conforme adverte Canotilho[3], há corrente que sustenta que o Tribunal Constitucional é um órgão essencialmente jurisdicional, na medida em que, assim como os demais tribunais, e através de um processo judicial, aplica o direito às situações que lhe são submetidas à apreciação.

Após refletir sobre essas duas dimensões, Canotilho registra que ambas as dimensões são inerentes a qualquer corte constitucional. Com efeito, o eminente mestre lusitano conclui que:

“Os problemas constitucionais, num Estado de direito democrático, são irredutíveis a questões jurídicas puras ou a questões políticas juridicamente disfarçadas. A dimensão política e a dimensão jurídica são as duas dimensões necessárias e incindíveis das questões constitucionais (Ridder), sendo tão unilateral classificar as funções exercidas por um tribunal constitucional como funções políticas em forma jurisdicional, como qualificá-las de funções jurisdicionais sobre matérias políticas. O que caracteriza decisivamente a função de um tribunal constitucional é a sua jurisdicionalidade (Gerichtsformigkeit) e a sua vinculação a uma medida constitucional material de controlo (Schlaich)”[4].


4.            A SEPARAÇÃO DOS PODERES

A discussão acerca do papel dos tribunais constitucionais passa, inicialmente, pela análise da dimensão do princípio da tripartição ou separação dos poderes.

Considerado como corolário de qualquer Estado democrático, “o princípio da separação de poderes é, como princípio organizatório estrutural, uma das grandes constantes do Estado Constitucional”[5], nos termos da precisa lição do eminente constitucionalista lusitano José Joaquim Gomes Canotilho.

Conforme lembra Pedro Lenza, as bases teóricas iniciais para a construção do princípio em tela foram erigidas por Aristóteles, em sua obra Política, em que o grande pensador preludiava a existência de três funções distintas, todas exercidas pelo soberano, quais sejam, a função de editar normas gerais, a função de aplicar as ditas normas e a função de dirimir os conflitos surgidos na aplicação das leis (função de julgar)[6].

Entretanto, Aristóteles não tinha a preocupação com a limitação do poder estatal, já que entendia que as três funções antes citadas deveriam ser exercidas pelo soberano. Dessa forma, a contribuição de Aristóteles se limitou a identificar as três funções essenciais do Estado.

Somente com Montesquieu, em sua célebre obra O Espírito das Leis, é que o princípio da separação dos poderes ganha a dimensão básica que em certo sentido ostenta até os dias atuais. Com efeito, “partindo do pressuposto aristotélico, o grande pensador francês inovou, dizendo que tais funções estariam intimamente conectadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si”[7]. Conforme ensinam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo,

“A partir dessa ideia-chave, Montesquieu estruturou de forma racional a concepção de que o poder só pode ser eficazmente contido se o seu exercício for distribuído por diferentes centros independentes entre si, de tal sorte que se obtenha a “limitação do poder pelo poder”. Como foram identificadas três funções nucleares na atividade do governo, propôs o pensador francês que cada uma delas fosse atribuída a um órgão, sem que qualquer deles prevalecesse sobre o outro. Desse modo, pregava ele, há de existir um órgão encarregado do exercício de cada uma dessas funções e, ademais, não deverá existir nenhuma subordinação entre eles, o que permitirá um controle recíproco e automático de cada qual pelos demais”[8].

Inspirada pela teoria de Montesquieu, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, inclusive, declarou expressamente, em seu art. 16, que “qualquer sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos, nem estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição”[9].

Todavia, a rígida separação de poderes nascida com Montesquieu revelou ser inviável na prática. É que a completa independência que propunha conduzia os poderes a uma situação de arbitrariedade, tendo cada qual a tendência de arvorar-se em detrimento do outro.

Com isso, ficou evidente a necessidade se estabelecer “uma maior interpenetração, coordenação e harmonia entre os poderes”, consoante ressaltam Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo[10]. Em consequência, a rígida divisão cedeu lugar a um sistema mais flexível, em que cada poder exerce uma função em caráter predominante, denominado de função típica, e as demais funções em caráter acessório, conhecidas como funções atípicas. Dessa forma, embora a função predominante do Judiciário seja julgar, o citado poder também realiza, em caráter acessório, a função de editar atos normativos, quando, por exemplo, elabora o seu regimento interno, ex vi do art. 96, I, “a”, da Constituição Federal[11]. Do mesmo modo, o Judiciário também exerce a função atípica de administrar, quando, por exemplo, faz a gestão do seu pessoal e de seus bens (CF, art. 99[12]).

O ilustre José Joaquim Gomes Canotilho adverte, no entanto, que:

“Embora se defenda a inexistência de uma separação absoluta de funções, dizendo-se simplesmente que a uma função corresponde um titular principal,  sempre se coloca o problema de saber se haverá um núcleo essencial caracterizador do princípio da separação e absolutamente protegido pela Constituição. Em geral, afirma-se que a nenhum órgão podem ser atribuídas funções das quais resulte o esvaziamento das funções materiais especialmente atribuídas a outro. Quer dizer: o princípio da separação exige, a título principal, a correspondência entre o órgão e a função e só admite excepções quando não for sacrificado o seu núcleo essencial”[13].

Esse modelo de separação de poderes foi adotado no Brasil. Desse modo, a separação dos poderes é erigida pela Constituição Federal como um dos princípios fundamentais da República, tendo o art. 2º do texto constitucional previsto que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”[14]. Além disso, a separação dos poderes também foi galgada à condição de cláusula pétrea (CF, art. 60, § 4º, III), sendo vedada qualquer emenda constitucional que objetiva a extingui-la.

Todavia, na mesma medida, a Constituição Federal de 1988 criou um ambiente propício para a ascensão do Supremo Tribunal Federal[15]. Na medida em que o texto constitucional consagrou uma extensa agenda de direitos e garantias fundamentais e criou um intrincado sistema de controle concentrado de constitucionalidade, trouxe, juntamente, o Supremo Tribunal Federal para o centro do debate político.

Em decorrência disso, o Supremo Tribunal Federal se viu desafiado, em muitas situações, a ter uma postura mais ativa no enfrentamento de questões que, além de envolverem direitos fundamentais, careciam do adequado tratamento pelos demais Poderes.


5.            O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

5.1 Breve histórico, estrutura e competência

O embrião do Supremo Tribunal Federal foi lançado pela Constituição de 1824, que, seu art. 163 dispunha que:

“Art. 163. Na Capital do Império, além da Relação, que deve existir, assim como nas demais Províncias, haverá também um Tribunal com a denominação de - Supremo Tribunal de Justiça - composto de Juízes Letrados, tirados das Relações por suas antiguidades; e serão condecorados com o Título do Conselho. Na primeira organização poderão ser empregados neste Tribunal os Ministros daquelles, que se houverem de abolir”.

A denominação Supremo Tribunal Federal foi instituída pela “Constituição Provisória publicada com o Decreto n.º 510, de 22 de junho de 1890, e repetiu-se no Decreto n.º 848, de 11 de outubro do mesmo ano, que organizou a Justiça Federal”[16].

A Constituição de 1891 consagrou definitivamente essa denominação, e disciplinou a composição do Supremo Tribunal Federal em seus art. 55 a 59.

Após ser mantido nas constituições que se seguiram, o Supremo Tribunal Federal teve o seu papel de guardião da Constituição reforçado e definitivamente consolidado pela Constituição Federal de 5 de outubro de 1988, que dedicou os arts. 101 a 103 à sua disciplina.

De acordo com o art. 101 da Constituição Federal, “o Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”[17].

A escolha dos referidos ministros é feita pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.

É interessante notar que, a rigor, um membro do Supremo Tribunal Federal, embora deva ter notável saber jurídico, não necessita ser formado em Direito. Nesse sentido, Alexandre de Moraes ressalta que “a ausência de formação jurídica para os Ministros do STF é uma tradição constitucional brasileira”[18], registrando que, em 1893, chegou-se ao extremo de nomear o médico Cândido Barata Ribeiro como ministro da Corte Constitucional.

São órgãos do Supremo Tribunal Federal o Plenário, as Turmas e o Presidente, nos termos do art. 3º do seu Regimento Interno (RISTF)[19].

O Plenário é formado por todos os ministros, e tem competência, dentre outros assuntos, para julgar as ações de controle concentrado de constitucionalidade (RISTF, art.  5º, VII), bem como as arguições de inconstitucionalidade suscitadas nos demais processos (RISTF, art. 6º, II, “a”).

O Supremo possui duas turmas, com competências idênticas, e são formadas por cinco ministros cada. O Presidente do Tribunal não integra essas turmas.

As competências do Supremo Tribunal Federal estão definidas no art. 102 da Constituição Federal, e são divididas em competência originária e competência recursal.

Em razão da competência originária, o Supremo Tribunal Federal conhece de determinadas causas em única instância. As hipóteses de competência originária estão definidas no art. 102, I, da Constituição Federal.

Por outro lado, em decorrência da competência recursal, o Supremo Tribunal Federal processa e julga os feitos iniciados nas instâncias ordinárias. O rol de competência recursal está definido nos incisos II e III do já citado art. 102.

5.2  Natureza do Supremo Tribunal Federal

Importa fazer uma breve digressão sobre a natureza jurídica do Supremo Tribunal Federal. Ou seja, investigar se o Supremo Tribunal Federal pode ser considerado, ou não, como um autêntico tribunal constitucional.

José de Albuquerque Rocha, citado por Tiago do Amaral Rocha e Mariana Oliveira Barreiros de Queiroz[20], ao analisar a estrutura dos tribunais constitucionais europeus, adverte que um tribunal, para ser considerado como tal, deve reunir cinco características essenciais:

1)           ter a sua estrutura desenhada pela própria Constituição e, em muitos casos, estar situado fora do organograma do Judiciário;

2)           a escolha dos seus membros realizada por critérios político-democráticos, em regra com a efetiva participação do Poder Executivo e Judiciário, e, por vezes, da sociedade civil;

3)           os membros da Corte Constitucional são investidos no cargo para o exercício de um mandato por tempo certo e improrrogável;

4)           restrição dos membros da Corte para o exercício de outros cargos, especialmente de natureza política;

5)           competência exclusiva do Tribunal para garantir a primazia da Constituição.

O Tribunal Constitucional Português, por exemplo, reúne essas características, tendo em vista que:

1) foi concedido  especificamente para administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional, nos termos do art. art. 221º da Constituição da República Portuguesa[21] (CRP);

2) a Assembleia da República participa efetivamente da escolha de dez dos trezes membros do Tribunal Constitucional (CRP, art. 222º);

3) os membros do Tribunal Constitucional exercem mandado de nove anos e que não pode ser renovado (CRP, art. 222º, 3), bem como não podem exercer outros cargos (art. 222º, 5);

4) a estrutura do Tribunal Constitucional é prevista diretamente na Constituição da República Portuguesa, consoante se lê dos artigos 221º e seguintes.

Com efeito, não resta dúvida de que o Tribunal Constitucional Português é um autêntico tribunal constitucional.

No Brasil, por outro lado, o Supremo Tribunal Federal não reúne todas as características acima citadas.

Em primeiro lugar, o Supremo Tribunal Federal integra a estrutura do Judiciário (CF, art. 92, I), e não possui competência exclusiva para analisar a constitucionalidade de leis e demais atos normativos. É que a Constituição Federal brasileira adotou um sistema híbrido de controle de constitucionalidade, misto do modelo europeu com o modelo americano. Com efeito, no Brasil, o controle de constitucionalidade pode ser realizado tanto pela via difusa, ou seja, pelos juízes e tribunais (CF, art. 97), como pela via concentrada (CF, art. 102, I, “a”), neste último caso pelo Supremo Tribunal Federal.

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Além disso, o Supremo Tribunal Federal possui competência para matérias que, a rigor, não possuem fundo constitucional, como é o caso, por exemplo, do julgamento de ações em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados (CF, art. 102, I, “n”).

Assim, o Supremo Tribunal Federal funciona como uma corte com competência para assuntos variados, e não necessariamente constitucionais.

Por outro lado, ao contrário do que ocorre em outros países, o Poder Legislativo não participa efetivamente da escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Isto porque a Constituição Federal restringe ao Senado, apenas, a aprovação da escolha feita pelo Presidente da República (art. 101, parágrafo único). Assim, ao Legislativo cabe apenas referendar uma escolha já realizada, sendo privado de influir decisivamente no processo de escolha dos ministros da Corte Suprema.

Do mesmo modo, o cargo exercido pelos ministros do Supremo Tribunal Federal não possui limitação temporal, vez que é vitalício (CF, art. 95, I).

Diante desses aspectos, é possível dizer que o Supremo Tribunal Federal não pode ser considerado como um autêntico tribunal constitucional, ao menos nos moldes dos típicos tribunais constitucionais europeus.

Consequentemente, o Supremo Tribunal Federal pode ser considerado como um corte ou tribunal, colocado no topo do organograma do Judiciário, com competência constitucional. É com base nessa premissa que a corte será tratada no presente trabalho.

5.3  O papel do Supremo Tribunal Federal como legislador negativo

Como se sabe, no Brasil, a jurisdição, ou seja, o poder de decidir definitivamente os conflitos, é atribuição exclusiva do Poder Judiciário[22], em razão do princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, inscrito no inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal[23]. Assim, embora se reconheça a existência do que se convenciona chamar de “jurisdição administrativa”, somente o Poder Judiciário tem a palavra final em relação à aplicação das normas.

Tratando-se de normas constitucionais, cabe ao Supremo Tribunal Federal dar a última palavra.

 Analisando a competência dada pela Constituição Federal ao Supremo, é possível inferir que, conforme já adiantado, foi adotado um sistema de controle de constitucionalidade misto, “que concilia a jurisdição difusa, na competência de Juízes e Tribunais, de um modo geral, com a jurisdição concentrada, na competência do Supremo Tribunal Constitucional, guarda da constituição”[24]. Assim, o sistema brasileiro conjuga a matriz americana, que permite a todos os juízes e tribunais a declaração de inconstitucionalidade de leis, com o modelo de matriz europeia, que concentra essa tarefa nas mãos dos tribunais constitucionais, conforme rememora Luís Roberto Barroso[25].

No caso em tela, a análise será centrada apenas na postura do Supremo Tribunal Federal.

Mesmo antes da entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal entendia que somente poderia atuar como legislador negativo. A título exemplificativo, colhe-se do voto condutor do julgamento da Representação 1451/DF, da lavra do Ministro Moreira Alves, o seguinte ensinamento:

“Ora, a jurisprudência desta Corte é firme no entendimento de que, por via de declaração de inconstitucionalidade de lei, não pode ela alterar o sentido inequívoco desta, o que implicaria, em última análise, criar lei nova, por diversa, em seu sentido, da existente. Corte Constitucional só pode atuar como legislador negativo, não, porém, como legislador positivo”[26].

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, esse entendimento continuou sendo adotado. Em recentes manifestações, o Supremo Tribunal Federal reafirmou esse entendimento, conforme demonstram as ementas abaixo transcritas:

Agravo regimental no agravo de instrumento. Tributário. Prazo de parcelamento diferenciado. Poder Judiciário e atuação como legislador negativo. Multa. Caracterização de efeito confiscatório. Fatos e provas dos autos. Súmula nº 279 desta Corte. Taxa Selic. Constitucionalidade. Precedentes. 1. Quanto ao pedido do parcelamento dos créditos tributários, o acórdão recorrido não destoa da jurisprudência desta Corte, fincada na impossibilidade de o Poder Judiciário atuar como legislador positivo, resguardada a sua atuação como legislador negativo nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade. 2. O caráter confiscatório da multa somente seria aferível mediante exame do quadro fático-probatório, o que é vedado na via estreita do recurso extraordinário, nos termos da Súmula nº 279 desta Corte. 3. O Plenário desta Corte, enfrentando o assunto à luz do princípio da isonomia, consolidou entendimento no sentido da legitimidade da incidência da taxa SELIC na atualização de débito tributário, desde que exista lei legitimando o uso desse índice. 4. Agravo regimental não provido”[27] (original sem negrito).

“EMENTA: TRIBUTÁRIO. PARCELAMENTO DE DÉBITOS PREVIDENCIÁRIOS. EXTENSÃO DE BENEFÍCIO CONCEDIDO APENAS A EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE. I - Não é dado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo, mas apenas como legislador negativo nas hipóteses de declaração de inconstitucionalidade. II - Impossibilidade de extensão, às demais empresas, do prazo concedido pela Lei 8.620/93 às empresas públicas e sociedades de economia mista para parcelamento de débitos previdenciários. III - Agravo regimental improvido”[28] (original sem negrito).

Edilson Pereira Nobre Júnior acentua que a ideia de que o Tribunal Constitucional somente pode agir como legislador negativo remonta a doutrina de Hans Kelsen. Com efeito, aduz que, na visão do jurista austríaco, a única forma de compatibilizar a atuação do tribunal constitucional com a ideia de independência entre os poderes seria limitar a sua atuação, de forma que apenas se restringisse a analisar a compatibilidade entre uma determinada norma e o texto constitucional. O aludido autor traz à colação a seguinte lição de Hans Kelsen:

“É aqui que aparece a distinção entre a elaboração e a simples anulação das leis. A anulação das leis se produz essencialmente como aplicação da Constituição. A livre criação que caracteriza a legislação está aqui quase completamente ausente. Enquanto o legislador só está preso pela Constituição no que concerne ao seu procedimento – e, de forma totalmente excepcional, no que concerne ao conteúdo das leis que deve editar, e mesmo assim, apenas por princípios ou diretivas gerais –, a atividade do legislador negativo, da jurisdição constitucional, é absolutamente determinada pela Constituição. E é precisamente nisso que sua função se parece com a de qualquer outro tribunal em geral: ela é principalmente aplicação e somente em pequena medida criação do direito”[29].

Rui Barbosa, citado por Hugo Machado Horta, também possui prelação nesse sentido:

“Os Tribunais só revogam sentenças de Tribunais. O que eles fazer aos atos inconstitucionais de outros poderes é coisa tecnicamente diversa. Não os revogam: desconhecem-nos. Deixam-nos subsistir no corpo das leis, ou dos atos do Poder Executivo, mas, a cada indivíduo, por eles agravado, que vem requerer contra eles proteção, ou reparação, que demanda a manutenção de um direito ameaçado, ou a restituição de um direito extorquido, a cada litigante, que usa, com esse fim, do meio judicial, os magistrados, em homenagem à lei, violada pelo Governo, ou à Constituição, violada pela Congresso, têm obrigação de ouvir, e deferir”[30].

5.4 O Supremo Tribunal Federal como legislador positivo

Muito embora formalmente ainda seja possível dizer que, regra geral, o Supremo Tribunal Federal se comporta eminentemente como legislador negativo, na prática atual é possível verificar que a sua atuação, em muitas situações, tende a revelar uma postura de verdadeiro legislador positivo.

Nesse sentido, Gabriel Nogueira Dias faz uma interessante reflexão sobre o real papel desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal atualmente:

“Uma das famosas anedotas envolvendo o físico dinamarquês Niels Bohr conta que, certa vez, ao receber em sua cabana de inverno um velho amigo, viu-se frente a uma inesperada e provocativa indagação. O amigo, após ter lançado um olhar sobre o batente superior da porta de entrada e ali avistado uma já meio carcomida "ferradura da sorte", disparou intrigado: "Ferraduras da sorte?

Você acredita nelas, Niels?". O notável cientista, com seu elevado bom humor e apurada perspicácia, não titubeou na resposta: "De fato, eu não acredito em ferraduras da sorte. Quem me presenteou com o objeto garantiu-me, porém, que elas funcionam, ainda que nós não acreditemos nelas...

Uma visão atenta sobre o conceito "legislador negativo" (no original em língua alemã: der negative Gesetzgeber) através das lentes portadas pela prática constitucional brasileira, notadamente aquela cristalizada em nosso ordenamento através do rotineiro trabalho decisório do Supremo Tribunal Federal, parece poder guardar alguma semelhança com a resposta de Bohr sobre ferraduras da sorte: o conceito desenvolvido originalmente pelo talvez maior teórico do direito do século XX, Hans Kelsen, surge pendurado (rectius: citado) em extenso rol de decisões exaradas pelo pretório excelso mesmo que, no fundo, no fundo, ao que se extrai tanto do conteúdo quanto da construção das decisões nem mesmo ele pareça muito acreditar no seu significado e verdadeiros poderes”[31].

Em interessante artigo intitulado “O STF e o Dogma do Legislador Negativo”[32], Rodrigo Brandão demonstra que a ideia de que a Corte Constitucional brasileira deveria funcionar apenas como legislador negativo está em dissonância com a atual demanda posta pela sociedade, e com a própria postura adotada pela corte suprema em inúmeras situações. Inicialmente, o citado autor discorre sobre o modelo “minimalista” de cortes constitucionais proposto por Kelsen, e baseado na ideia de que ao Judiciário somente é admissível agir como legislador negativo, sob pena de usurpação da função legislativa e criação de um ambiente de “aristocracia de toga”. Em seguida, analisando a atual compreensão sobre a posição ocupada pelas cortes constitucionais, e os desafios que se colocam no caminho, Rodrigo Brandão destaca ser necessário desconstruir o dogma da corte constitucional como mero legislador negativo, e identificar as situações em que admite-se a sua atuação como verdadeiro legislador positivo:

“...a jurisprudência do STF vem progressivamente reconhecendo a característica mais essencial da teoria dos princípios, qual seja, a força normativa dos princípios jurídicos, assim entendida a noção de que os princípios constitucionais são normas jurídicas, imperativas aos três poderes e judicialmente sindicáveis, e que se aplicam mediante ponderação. Com efeito, a normatividade dos princípios vem sendo cada vez mais afirmada pela jurisprudência das Cortes Constitucionais ao redor do mundo, inclusive e notadamente do Supremo Tribunal Federal, e a proporcionalidade se destaca como o principal instrumento metodológico para a ponderação entre princípios jurídicos.

(...)

Assim, avulta a contradição entre o emprego do conceito kelseniano de “legislador negativo” e a aceitação de princípios constitucionais abertos como parâmetros de controle de constitucionalidade. Porém mais grave do que equívocos conceituais, é o fato de o dogma do legislador negativo obscurecer a atuação criativa (como legislador positivo) do Judiciário quando aplica diretamente princípios constitucionais”[33].

Ainda que de forma esparsa, e muito tímida, há vozes no Supremo Tribunal Federal que já reconhecem não somente a atuação, em muitas situações, da corte suprema como verdadeiro legislador positivo, mas a necessidade de analisar e discutir profundamente o assunto. Com efeito, no julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3510/DF, o ministro Gilmar Mendes reconheceu essa realidade, ponderando que:

“O Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma kelseniano do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se deparar com situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma decisão interpretativa corretiva da lei.

Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é possível verificar que, em muitos casos, a Corte não se atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador.

No recente julgamento conjunto das ADIn 1.105 e 1.127, ambas de relatoria do Min. Marco Aurélio, o Tribunal, ao conferir interpretação conforme a Constituição a vários dispositivos do Estatuto da Advocacia (Lei n° 8.906/94), acabou adicionando-lhes novo conteúdo normativo, convolando a decisão em verdadeira interpretação corretiva da lei.

Em outros vários casos mais antigos, também é possível verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação conforme a Constituição a determinados dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas de efeitos aditivos”[34].

Endossando essa premissa, Francisco Campos, citado por Edilson Pereira Nobre Júnior, acentua, inclusive, que:

“O poder de interpretar a Constituição envolve, em muitos casos, o poder de formulá-la. A Constituição está em elaboração permanente nos tribunais incumbidos de aplicá-la; é o que demonstra a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal, e, particularmente, a da Suprema Corte Americana. Nos Tribunais incumbidos da guarda da Constituição, funciona, igualmente, o poder constituinte”.

Nessa ordem de ideias, é preciso reconhecer que, tendo em vista a natureza das normas constitucionais, que muitas vezes carregam preceitos baseados em cláusulas gerais e indeterminadas, imbuídas de valores tão caros ao ser humano (dignidade da pessoa humana, v.g.), é natural que a corte constitucional tenha tendência de agir de forma criativa e com liberdade para concretizar as normas e princípios constitucionais. Aliás, a atividade criativa do Supremo Tribunal Federal surge não raro como reação a paralisia do Poder Legislativo, que muitas vezes se omite na tarefa de regulamentar determinados direitos constitucionais, em especial as normas de conteúdo programático.

Essa tendência está ligada àquilo que se convencionou denominar de judicialização da política e das relações sociais[35], fenômeno no qual se percebe a transferência de importantes questões da vida política e social para o Judiciário. Decorrente de diversos fatores, tal fenômeno pode ser percebido em diversos países e revela uma redefinição dos papéis exercidos pelos poderes do Estado. Com maestria, Luís Roberto Barroso identifica as principais causas desse fenômeno:

“Há causa de naturezas diversas para o fenômeno. A primeira delas é o reconhecimento da importância de um Judiciário forte e independente, como elemento essencial para as democracias modernas. Como consequência, operou-se uma vertiginosa ascensão institucional de juízes e tribunais, tanto na Europa como em países da América Latina, particularmente no Brasil. A segunda causa envolve certa desilusão com a política majoritária, em razão da crise de representatividade e de funcionalidade dos parlamentos em geral. Há uma terceira: atos políticos, muitas vezes, preferem que o Judiciário seja a instância decisória de certas questões polêmicas, em relação às quais exista desacordo moral razoável na sociedade. Com isso, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas divisivos, como uniões homoafetivas, interrupção de gestão ou demarcação de terras indígenas. No Brasil, o fenômeno assumiu proporção ainda maior, em razão da constitucionalização abrangente e analítica – constitucionalizar é, em última análise, retirar um tema do debate política e trazê-lo para o universo das pretensões judicializáveis – e do sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, em que é amplo o acesso ao Supremo Tribunal Federal por via de ações diretas”[36].

Como bem adverte Joaquim José Gomes Canotilho, em um Estado Democrático de Direito, os problemas constitucionais “são irredutíveis a questões jurídicas puras ou a questões políticas juridicamente disfarçadas”. Ambas as dimensões “são necessárias e incindíveis das questões constitucionais”[37].

Rodrigo Brandão ressalta que modernas técnicas empregadas pelo Supremo Tribunal Federal revelam a sua disposição de atuar como legislador positivo, como é o caso da interpretação conforme a Constituição, declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto e sentença aditivas ou modificavas e, ainda, a inconstitucionalidade por omissão.

Em termos de instrumentos processuais, o mandado de injunção tem revelado uma das facetas mais evidentes de como o Supremo Tribunal Federal atua, em muitas situações, como legislador positivo.

Como se sabe, o mandado de injunção é um remédio constitucional, previsto no art. 5º, LXXI, da Constituição Federal[38], e que tem como finalidade conceder segurança quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Com efeito, o mandado de injunção não possui mero efeito declaratório, mas mandamental, concedendo ao impetrante as condições para o exercício de um direito de fundo constitucional.

Não obstante a clareza do texto constitucional com relação a função do mandado de injunção, durante muito tempo o Supremo Tribunal Federal entendeu que, diante da constatação da omissão legislativa, cabia a ele, em respeito ao princípio da separação dos poderes, apenas declarar a dita omissão e comunicá-la ao Congresso Nacional, a fim de que este último promovesse a regulamentação respectiva. Entretanto, nos últimos tempos, esse posicionamento foi sensivelmente alterado.

No julgamento do Mandado de Injunção (MI) 721, o Supremo Tribunal Federal analisou a situação de uma servidora pública que argumentava que a falta de regulamentação da aposentadoria especial no serviço público, conforme exigia o § 4º do art. 40 da Constituição Federal, seria o fator que a impedia de ser aposentada. Com efeito, a dita servidora pleiteava fosse a omissão legislativa suprimida pelo Poder Judiciário, aplicando-se ao caso as normas relativas a aposentadoria especial do Regime Geral de Previdência Social, ou seja, as regras aplicáveis aos trabalhadores celetistas.

Ao analisar a situação, o Supremo Tribunal Federal verificou, inicialmente, que, até então, passados 15 (quinze) anos da promulgação do texto constitucional, o legislador ainda não havia regulamentado a questão em debate.

Em seguida, analisando a postura historicamente adotada pelo Corte Constitucional em relação a colmatação de lacunas legislativas, sempre pautada pelo excesso de passividade, o relator do caso em pauta, Ministro Marco Aurélio, conclama seus pares a uma revisão da visão da corte sobre tais situações, de forma a adotar uma atitude proativa, a fim de assegurar o gozo do direito pleiteado, e não apenas declarar a mora legislativa. Nesse ponto, convém destacar o seguinte trecho do referido voto:

“É tempo de se refletir sobre a timidez inicial do Supremo quanto ao alcance do mandado de injunção, ao excesso de zelo, tendo em vista a separação e harmonia entre os Poderes. É tempo de se perceber a frustração geral pela postura inicial, transformando o mandado de injunção em ação simplesmente declaratória do ato omissivo, resultado em algo que não interesse, em si, no tocante à prestação jurisdicional, tal como consta no inciso LXXII do artigo 5º da Constituição Federal, ao cidadão. Impetra-se este mandado de injunção não para lograr-se simples certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, a prerrogativas inerentes a nacionalidade, à soberania e à cidadania. Busca-se o Judiciário na crença de lograr a supremacia da Lei Fundamental, a prestação jurisdicional que afaste as nefastas consequências da inércia do legislador. Conclamo, por isso, o Supremo, na composição atual, a rever a óptica inicialmente formalizada, entendendo que, mesmo assim, ficará aquém da atuação dos tribunais do trabalho, no que, nos dissídios coletivos, a eles a Carta reserva, até mesmo, atuação legiferante, desde que, consoante prevê o § 2º do art. 114 da Constituição Federal, sejam respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho”[39].

Prosseguindo, o Supremo Tribunal Federal verificou que, no que diz respeito ao Regime Geral de Previdência Social, direcionado aos trabalhadores celetistas, a legislação de regência previa a figura da aposentadoria especial, ex vi do art. 57 da Lei n. 8.213/91[40]. Em consequência, a Corte Constitucional concedeu a segurança vindicada, de forma a, diante da omissão legislativa, determinar a aplicação das balizas do citado art.  57 da Lei n. 8.213/91, inclusive, ao serviço público. Com efeito, foi exarado acórdão que conta com a seguinte ementa:

“MANDADO DE INJUNÇÃO - NATUREZA. Conforme disposto no inciso LXXI do artigo 5º da Constituição Federal, conceder-se-á mandado de injunção quando necessário ao exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Há ação mandamental e não simplesmente declaratória de omissão. A carga de declaração não é objeto da impetração, mas premissa da ordem a ser formalizada. MANDADO DE INJUNÇÃO - DECISÃO - BALIZAS. Tratando-se de processo subjetivo, a decisão possui eficácia considerada a relação jurídica nele revelada. APOSENTADORIA - TRABALHO EM CONDIÇÕES ESPECIAIS - PREJUÍZO À SAÚDE DO SERVIDOR - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR - ARTIGO 40, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Inexistente a disciplina específica da aposentadoria especial do servidor, impõe-se a adoção, via pronunciamento judicial, daquela própria aos trabalhadores em geral - artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91”[41].

No julgamento do Mandado de Injunção 708, impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa em face do Congresso Nacional, a Corte Excelsa analisou o direito de greve dos servidores públicos. In casu, o impetrante alegara que omissão legislativa impedia os servidores públicos ao exercício do direito de greve, dependente de regulamentação específica, nos termos do art. 37, inciso VII, da Constituição Federal.

Da mesma forma como ocorreu no caso anteriormente analisado, no julgado do MI 708, o relator do caso, Ministro Gilmar Mendes, também desafiou os seus pares a revisar a postura do Supremo Tribunal Federal diante das situações de omissão legislativas. Lê-se, no voto condutor do feito, a seguinte reflexão:

“A não-regulamentação do direito de greve acabou por propiciar um quadro de selvageria com sérias consequências para o Estado de Direito. Estou a relembrar que Estado de Direito é aquele no qual não existem soberanos.

Nesse quadro, não vejo mais como justificar a inércia legislativa e a inoperância das decisões desta Corte.

Comungo das preocupações quanto à não-atuação pelo Tribunal de um protagonismo legislativo. Entretanto, parece-me que a não-atuação no presente momento já se configura quase como uma espécie de “omissão judicial”.

Assim, tanto quanto no caso da anistia, essa situação parece exigir uma intervenção mais decisiva desta Corte”[42].

Em seguida, o relator do feito em questão aduziu que, a fim de suprir a omissão legislativa quanto ao direito de greve dos servidores públicos, deveria ser aplicada a Lei n. 7.783/89, que disciplina o exercício do direito de greve dos trabalhadores da iniciativa privada, no que foi seguido pelos seus pares. Para tanto, colhe-se do voto em estudo, uma interessante lição de Rui Medeiros:

“A atribuição de uma função positiva ao juiz constitucional harmoniza-se, desde logo, com a tendência hodierna para a acentuação da importância e da criatividade da função jurisdicional: as decisões modificativas integram-se, coerentemente, no movimento de valorização do momento jurisprudencial do direito.

O alargamento dos poderes normativos do Tribunal Constitucional constitui, outrossim, uma resposta à crise das instituições democráticas.

Enfim, e este terceiro aspecto é particularmente importante, a reivindicação de um papel positivo para o Tribunal Constitucional é um corolário da falência do Estado Liberal. Se na época liberal bastava cassar a lei, no período do Estado Social, em que se reconhece que a própria omissão de medidas soberanas pode pôr em causa o ordenamento constitucional, torna-se necessário a intervenção activa do Tribunal Constitucional”[43].

Outra discussão que demonstra a postura criativa e inovadora da Corte Suprema no Brasil se deu entorno da discussão do uso de algemas por partes de pessoas presas. Embora a legislação penal e processual penal não previsse qualquer regra acerca do assunto, historicamente, o Supremo Tribunal Federal possuía entendimento firmado no sentido que o uso de algemas somente se justificaria em situações excepcionais, diante da patente periculosidade do preso ou do risco concreto de fuga. Nesse sentido, no julgamento do Habeas Corpus 91.952-9, com arrimo no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), o Supremo Tribunal Federal reiterou esse entendimento, concedendo ordem para anular a realização de um julgamento pelo Tribunal de Júri em que o réu permanecera algemado durante toda a instrução. Em interessante reflexão sobre o assunto, o relator do feito, Ministro Marco Aurélio, ponderou que:

“O julgamento perante o Tribunal do Júri não requer a custódia preventiva do acusado, até então simples acusado - inciso LVII do artigo 5º da Lei Maior. Hoje não é necessária sequer a presença do acusado - Lei nº 11.689/08, alteração do artigo 474 do Código de Processo Penal. Diante disso, indaga-se: surge harmônico com a Constituição mantê-lo, no recinto, com algemas? A resposta mostra-se iniludivelmente negativa.

Em primeiro lugar, levem em conta o princípio da não culpabilidade. É certo que foi submetida ao veredicto dos jurados pessoa acusada da prática de crime doloso contra a vida, mas que merecia o tratamento devido aos humanos, aos que vivem em um Estado Democrático de Direito. Segundo o artigo 1º da Carta Federal, a própria República tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Da leitura do rol das garantias constitucionais - artigo 5º -, depreende-se a preocupação em resguardar a figura do preso. A ele é assegurado o respeito à integridade física e moral - inciso XLIX. Versa o inciso LXI, como regra, que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei". Além disso, existe a previsão de que a custódia de qualquer pessoa e o local onde se encontre hão de ser comunicados imediatamente ao juiz competente, à família ou à pessoa por ele indicada - inciso LXII. Também deve o preso ser informado dos respectivos direitos, entre os quais o de permanecer calado, ficando-lhe assegurada a assistência da família e de advogado - inciso LXIII. O inciso LXIV revela que o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial. Mais ainda, a prisão ilegal há de ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária - inciso LXV - e ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança - inciso LXVI.

Sob o ângulo do cumprimento da pena, impõe-se a separação em estabelecimentos prisionais considerada a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado - inciso XLVIII. Ora, estes preceitos - a configurarem garantias dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no país - repousam no inafastável tratamento humanitário do cidadão, na necessidade de lhe ser preservada a dignidade. Manter o acusado em audiência, com algema, sem que demonstrada, ante práticas anteriores, a periculosidade, significa colocar a defesa, antecipadamente, em patamar inferior, não bastasse a situação de todo degradante. O julgamento no Júri é procedido por pessoas leigas, que tiram as mais variadas ilações do quadro verificado. A permanência do réu algemado indica, à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta periculosidade, desequilibrando o julgamento a ocorrer, ficando os jurados sugestionados”[44].

Após o dito julgamento, a Corte Constitucional editou a Súmula Vinculante n. 11, que consolida esse entendimento de forma definitiva e, ainda, acentua que a desobediência ao seu comando pode implicar em responsabilidade civil, penal e administrativa do agente, além da responsabilidade civil do Estado. Eis o teor da dita súmula vinculante:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado”[45].

Embora nos julgamentos acima citados não tenham os julgadores reconhecido de forma expressa uma tendência a agir como órgão legiferante, percebe-se claramente uma completa revisão da postura até então adotada pelo Supremo Tribunal Federal. Com efeito, fica evidente a disposição da Corte Suprema de, a partir da interpretação das normas constitucionais, regular diretamente situações que não encontram solução na legislação positivada.

5.5 O Supremo Tribunal Federal e o ativismo judicial

A nova postura adota pelo Supremo Tribunal Federal, conforme exposto no tópico anterior, está intimamente ligada ao movimento denominado de ativismo judicial, terminologia que “está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes”, conforme pontifica Luís Roberto Barroso[46].

Em célebre obra sobre o assunto, Carlos Alexandre de Azevedo Campos formula um interessante conceito sobre ativismo judicial:

“Observando a realidade decisória dessas cortes quando expandem seu espaço institucional e a influência sobre os outros poderes do governo, será possível fixar cinco premissas que têm implicações normativas sobre a construção do que defendo ser a definição mais adequada e útil de ativismo judicial – a primeira premissa diz que o ativismo judicial é uma questão de postura expansiva de poder político-normativo de juízes e cortes quando de suas decisões, e não de correção de mérito dessas decisões judiciais; a segunda, que o ativismo judicial não é aprioristicamente legítimo ou ilegítimo; a terceira aponta o caráter dinâmico e contextual da identificação e da validade do ativismo judicial; a quarta diretriz afirma a pluralidade das variáveis contextuais que limitam, favorecem, enfim, moldam o ativismo judicial; e a última – e mais importante – é aquela que explica o ativismo judicial como uma estrutura adjudicatória multidimensional.

A partir dessas cinco diretrizes – desenvolvidas no Capítulo 3, item 3.1, infra – definirei o ativismo judicial como o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, de poderes políticos-normativos por parte de juízes e cortes em face dos demais atores políticos, que (a) deve ser identificado e avaliado segundo os desenhos institucionais estabelecidos pelas constituições e leis locais; (b) responde aos mais variados fatores institucionais, políticos, sociais e jurídico-culturais presentes em contextos particulares e em momentos históricos distintos; (c) se manifesta por meio de múltiplas dimensões de práticas decisórias”[47].

O ativismo judicial não é um tema restrito a esse ou aquele sistema jurídico. De um modo geral, está presente em todos os ordenamentos, com maior destaque para aqueles que possuem mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade, como é o caso brasileiro.

Os Estados Unidos são apontados como o “berço” do ativismo judicial[48]. A gênese dessa discussão ocorreu em razão do famoso caso  Marbury vs. Madison, em que, em 1803, a Suprema Corte Norte-americana declarou, pela primeira vez, a inconstitucionalidade de uma lei federal, o que teria dado ensejo a criação do sistema de controle de constitucionalidade.

Na Europa, o fenômeno ganhou folego após a segunda guerra mundial, especialmente em razão da consagração e consolidação da ideia de supremacia normativa da constituição. Em decorrência disso, foram sendo instituídas as cortes constitucionais, que tinham o papel de velar pela defesa e consecução dos direitos fundamentais, e demais diretrizes constitucionais.

É possível dizer, ainda, que o ativismo judicial é um fenômeno que transcende as fronteiras dos países. Nesse sentido, a Corte Europeia de Justiça “é reconhecida como um órgão que opera com alto grau de criatividade judicial em manipular os significados dos dispositivos e princípios gerais da legislação e dos Tratados da Comunidade Europeia”[49]. Tal postura tem contribuído significativamente para a integração dos países que compõem o bloco europeu.

O ativismo judicial é visto, por muitos, como uma forma de abuso da função judicial, de forma a violar o princípio da separação dos poderes e uma verdadeira ameaça ao ideal democrático. Com efeito, o termo ativismo judicial é empregado, em geral, de forma pejorativa, como sinônimo de arbitrariedade judiciária.

Por outro lado, os defensores do ativismo judicial asseveram que ele representa uma espécie do gênero “decisão judicial”, devendo ser “exercido dentro da zona racional de criação judicial do direito, estando inserido nos limites da legitimidade judicial”[50].

Carlos Alexandre de Azevedo Campos sustenta que uma decisão judicial ativista não pode ser considerada, a princípio, legítima ou ilegítima. Defende, o citado autor, que a legitimidade da decisão judicial dita ativista dependerá das circunstâncias em que ela é exarada, bem como da conformidade dessa decisão com o texto constitucional. Com efeito, o autor em tela defende que:

“Não há, segundo a perspectiva conceitual deste trabalho, como afirmar aprioristicamente que uma decisão judicial ativista é legítima ou ilegítima, pois isso dependerá, em cada caso concreto, da conformidade do exercício do poder judicial com os limites institucionais mais ou menos claros impostos pela respectiva constituição de regência e pelas diferentes variáveis políticas e sociais presentes. Mais do que um problema puramente terminológico, trata-se de compreender que a extensão do papel do juiz pode desempenhar em democracias constitucionais depende de uma variedade de elementos que não permite avaliação de legitimidade abstrata e apriorística, nem mesmo do tipo tudo ou nada das decisões ativistas. O ativismo judicial pode ser bom ou ruim, legítimo ou ilegítimo, e isso é contingente”[51].

Na prática, o que se percebe é que o ativismo judicial ganha contornos mais definidos em um determinado ordenamento jurídico na medida em que ocorre o reconhecimento do papel político institucional do Poder Judiciário. Com efeito, a partir do ponto em que as decisões judiciais são reconhecidas como forma de assegurar a consagração das diretrizes constitucionais consagradas pela constituição de um determinado país, maior é a tendência do ativismo judicial se fortalecer e criar raízes profundas. Mais uma vez, importa destacar a seguinte preleção de Carlos Alexandre de Azevedo Campos:

“Nos últimos anos do século XX e, com mais destaque, neste século XXI, houve alteração quantitativa e qualitativa do espaço ocupado pelo Supremo no espaço sociopolítico brasileiro. As grandes transformações institucionais, políticas, sociais e jurídico-culturais, que gradualmente se seguiram ao marco constitucional de 1988, tiveram, como um dos efeitos mais visíveis, a ascensão institucional do Poder Judiciário e, especialmente, do Supremo Tribunal Federal. Na realizada, a Corte foi reinventada em diferentes aspectos: na abrangência dos temas julgados – temas de alta voltagem política e moralmente hipercontroversos ao lado de muitas questões não tão importantes assim; no tipo de argumentos da decisão – redução progressiva do positivismo formalista para a adoção de uma metodologia mais criativa e orientada a valores; no alcance das decisões – julgamentos que repercutem sobre todo o sistema político e por toda a sociedade; na própria afirmação da identidade institucional – os ministros passaram a defender como nunca, inclusive fora dos autos, o valor de suas funções e a relevância do Supremo”[52].

Outro fator que pode contribuir para o aprofundamento do ativismo judicial é a extensão do texto constitucional. Consequentemente, é possível dizer que quanto mais abrangente for uma determinada constituição, consagradora de uma grande extensão de direitos formal ou materialmente constitucionais, mais intenso será o ativismo judicial e a tendência de judicialização de demandas envolvendo temas constitucionais. A esse fenômeno, Carlos Alexandre de Azevedo Campos denomina de “exercício expansivo de poder decisório”[53].

Logo, constituições analíticas, como são o caso da Constituição Federal Brasileira e a Constituição da República Portuguesa, tendem a induzir as Cortes Constitucionais a um papel cada vez mais ativista, a fim de assegurar a consolidação dos direitos inseridos ao longo do texto constitucional.

No caso brasileiro, a extensa agenda de direitos fundamentais exposta na Constituição Federal ainda auxilia na intensificação desse fenômeno. É que a discussão sobre a efetividade dos direitos humanos tem induzido à politização das decisões da Corte Constitucional, chamada, invariavelmente, a resolver situações que somente desaguaram no judiciário porque os demais poderes se revelaram omissos no seu papel institucional a fim de concretizá-los.

Assim, a dinâmica dos direitos fundamentais em um determinado ordenamento jurídico tem o condão de ditar a medida do ativismo judicial da respectiva Corte Constitucional.

5.6 Autorrestrição judicial e critérios para atuação da Corte Constitucional

Em um sentido contrário ao até debatido, há a corrente que apregoa  a autorrestrição judicial, que tenciona limitar e condicionar o exercício da jurisdição no que toca questões que envolvem outros poderes, de forma a não interferir de forma demasiada no papel constitucional delegado a esses últimos. Baseado na experiência norte-americana, Carlos Alexandre de Azevedo Campos define a autorrestrição judicial como sendo “a filosofia adjudicatória ou mesmo a prática decisória que consiste em retração do poder judicial em favor dos outros poderes políticos, seja por motivos de deferência político-democrática, seja por prudência político-institucional”[54].

Calcado nessa premissa, ao agir com deferência aos poderes políticos, a corte judicial deveria evitar tomar decisões morais, ainda que com o escopo de concretizar direitos civis, políticos ou sociais, quando isso implicasse em invadir o âmbito de atuação dos agentes eleitos democraticamente. Essa ideia é baseada na premissa da clássica divisão dos poderes, e encontra razão de ser na autoridade conferida pela constituição a cada poder constituído.

Consequentemente, não caberia ao Judiciário agir positivamente na criação de regras normativas, tarefa relegada ao Legislativo, poder estatal que representa a vontade popular. Nessa ordem de ideais, a postura judicial deveria ser orientada a uma interpretação mais restritiva e literal do texto constitucional, não interferência em políticas públicas, salvo quando gritante a eventual inconstitucionalidade, bem como presunção de constitucionalidade das leis.

Por outro lado, a dimensão prudencial da autorrestrição judicial objetiva preservar a integridade institucional da corte, na medida em que evita reações contrárias dos órgãos políticos, especialmente manifestado através da edição de normas prejudiciais a atuação do Judiciário. Além disso, a dimensão prudencial também evitaria a amplificação de demandas judiciais, pois diminui o espaço de discussão sobre temas de grande repercussão social, reduzindo drasticamente o número de demandas judiciais.

Esses argumentos, embora revelem uma profunda preocupação com a higidez do sistema de tripartição dos poderes, carecem de respaldo porquanto tudo aquilo que já foi dito e identificado nos tópicos anteriores.

Todavia, é certo existir a necessidade de se estabelecerem critérios mais objetivos para pautar a postura ativista das cortes constitucionais.

Depois de raciocinar acerca dos critérios propostos por autores norte-americanos, Carlos Alexandre de Azevedo Campos[55], citando a doutrina de Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento, propõe critérios para pautar a atuação do Supremo Tribunal Federal na apreciação temais constitucionais. São eles:

1) grau de legitimidade democrática: quando maior tiver sido o grau de participação popular na elaboração de um determinado ato normativo, mais intenso será a postura de autocontenção da Corte Constitucional em sua análise. Assim, lei que tenham sido submetidas a referendo popular, ou tenha sido deflagrada por iniciativa popular, por exemplo, por terem um apelo democrático mais evidente, demandariam uma análise mais restritiva por parte do Judiciário;

2) condições de funcionamento da democracia: a função jurisdicional deve ter a sua atuação precipuamente voltada a institutos diretamente relacionados a ideia de democracia, como é o caso dos direitos civis e políticos.

3) Proteção de minorias estigmatizadas: objetivando concretizar valores de efetiva isonomia entre todos os setores que compõem a sociedade, cabe ao Judiciário uma postura mais ativista quando se deparar com situações que envolvam grupos tradicionalmente excluídos;

4) Fundamentalidade material dos direitos em jogo: “normas que restrinjam direitos básicos – mesmo aqueles que não são diretamente relacionados com a democracia – merece um escrutínio mais rigoroso do Poder Judiciário, tendo a sua presunção de constitucionalidade relativizada”[56].

5) Comparação de capacidade institucionais: Em matérias que demandem um alto grau de capacidade técnica em áreas que não o Direito, cabe ao Judiciário uma postura mais contida, favorecendo a atuação dos órgãos predispostos a essas tarefas. É o caso, por exemplo, de questões relacionadas ao setor de aviação civil, que requerem um alto grau de especialidade e, portanto, são objeto de normatização por um órgão regulador específico (No Brasil, pela ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil).

6) Época de edição do ato normativo: normas que tenham sido editadas antes da Constituição em vigor, não gozam de presunção de presunção de constitucionalidade da mesma forma que as editadas posteriormente. No caso do Brasil, por exemplo, as normas editadas durante o regime militar, em que tinha como pedra de toque mais característica a baixa valorização de uma séria de direitos fundamentais, possuem baixa presunção de legitimidade.

Os critérios acima estabelecidos, sem dúvida alguma, tem o mérito de criar balizas mais objetivas e factíveis para orientar a atuação da Corte Constitucional na discussão de temas que envolvam outros poderes, especialmente no que toma a omissões legislativas.

Sobre o autor
Leo Dias da Silva

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (2006). É sócio administrador da sociedade Dias & Teodoro Advogados e Consultores Jurídicos S/S (OAB/GO 1438). Atualmente, é mestrando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa. Atua na área cível, com ênfase em Direito Cooperativo e Direito Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Leo Dias. O STF: legislador negativo?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4798, 20 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51390. Acesso em: 23 nov. 2024.

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