Introdução
Como diz o ditado popular: as crises fazem surgir oportunidades. Esta é a realidade como deve ser interpretada a lei promulgada pelo Governo Federal (Lei 13.254/16) e Regulamentada pela Receita Federal (Instrução Normativa nº 1628 de 15/03/16), batizada de “Lei de Repatriação” – uma verdadeira impropriedade afinal a lei não exige a efetiva repatriação dos recursos. Afirmo que tal lei surgiu a partir de uma crise não só brasileira, mas também mundial. Primeiramente o mundo foi levado, por meio da globalização, a abstrair determinadas fronteiras que não mais poderiam servir de guarida para o isolamento, tanto de pessoas como de bens. Tanto por meio da evolução comercial, como, posteriormente, pelos atos de terrorismo cometidos ao redor do planeta, constatou-se que o paradigma havia mudado – surgia a era do compliance internacional, modificando o modo como o mundo encarava as fronteiras entre os países.
Desde então, organismos internacionais vêm se esforçando para eliminar tais fronteiras. A forte influência de organizações como a OCDE, com a assinatura de tratados internacionais de cooperação entre as entidades fiscais, tais como o FATCA e o BEPS, bem como os mundialmente famosos episódios resultados de um esforço jornalístico mundial chamados de Swissleaks e de Panama Papers, foram de extrema relevância para tal mudança. Como se sabe, por inúmeras razões, as pessoas são levadas a movimentar seus bens para outras jurisdições. Os motivos são os mais variados. Desde os mais sórdidos como o acobertamento do resultado do cometimento de crimes até alguns mais plausíveis como a insegurança no país em que se vive. Neste momento é que sempre eram lembrados os países que ofereciam alguma vantagem tributária para estas pessoas, seja mediante a estruturação de taxas abaixo da média ou então com a própria inexistência de tributação, os chamados paraísos fiscais ou tax havens sempre foram sinônimos de segurança, proteção e baixa tributação. Contudo, com este novo cenário, tais paraísos podem se tornar verdadeiros infernos para aqueles que decidem manter os bens em sigilo sem devidamente serem declarados.
Naturalmente, os países signatários se viram na obrigação/oportunidade de criarem seus regimes de repatriação de bens não declarados no exterior. Foi assim, a título de exemplo, com a Itália, Turquia, Alemanha, e diversos outros. Contudo, como havia iniciado neste texto, das crises surgem as oportunidades. No caso brasileiro a crise que levou o Brasil a criar esta oportunidade de repatriação é oriunda da péssima performance econômica que o país passou nos últimos anos[1]. Contudo, o Brasil vive uma outra barreira um tanto difícil de ser transposta: a população não sente segurança na economia do país para efetivamente declarar ou “repatriar” seus bens.
É uma constatação cultural e pragmática. O brasileiro tende a valorizar o internacional como algo melhor, algo que poderia gerar mais segurança, ao mesmo tempo que não confia no sistema econômico do país que já chegou a pregar peças das mais variadas, até mesmo nos poupadores, a titulo de exemplo o plano Collor e o confisco das poupanças. Em outras palavras, nem os brasileiros confiam plenamente no Brasil, pois, convenhamos, a história governamental fez e faz os cidadãos se sentirem desamparados e enganados: a impressão que se tem é que o tributo efetivamente não retorna para o cidadão pagador de suas obrigações. As falhas na segurança, no retorno educacional ou nos serviços de saúde são evidentes, levando a doutrina a pontuar que no Brasil, se cobra muito e se retorna pouco:
[...] na constatação do exagero fiscal, deve ser considerado o nível de retorno oferecido pelo Estado na forma de serviços, utilidades e comodidades [...] quanto mais qualificados forem os préstimos estatais, mais autorizada estará a intensidade tributária”[2].
Outro aspecto que deve ser analisado é a falta de reciprocidade do Estado Fiscal Brasileiro face às exigências do RERCT. Expliquemos: Ao mesmo tempo que se exige do contribuinte a plena transparência fiscal, o Estado Brasileiro não garante a mesma contrapartida ao cidadão. Tal aspecto foi observado por Schoueri e Galendi Junior:
O movimento internacional em prol da transparência fiscal tem entronizado a transparência do contribuinte em detrimento da transparência do Estado. [...] Onerando o contribuinte com os mais diversos deveres instrumentais, o Estado equipou-se de enormes bancos de dados, sem que houvesse preocupação com a correspondente garantia da transparência das informações neles contidas [...].[3]
Contudo, mesmo diante de tais críticas, esta mudança de paradigma mundial deve ser muito valorizada pelos brasileiros, inclusive por não existir mais opção segura para a manutenção deste tipo de atividade. O que precisa ser entendido é que a lei gera a oportunidade de anistiar as condutas que são consideradas crimes em nosso sistema positivo. A título de exemplo, a mera manutenção de depósitos no exterior sem a devida declaração, está tipificada na lei dos crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nº 7.492/86) em seu art. 22, parágrafo único, com pena de reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos. Com o nível atual de compliance mundial, não se trata mais de um jogo de SE mas sim de QUANDO tais atos serão capazes de produzir suas consequências. Em suma, diante da crise o mundo mudou e o momento é de oportunidade para aqueles que não tem outra alternativa a não ser aderir às novas regras impostas. Passemos a analisar a repatriação mundial do momento – a brasileira.
1)Alternativas ao RERCT – aderir ou não aderir, eis a questão.
Muito provavelmente a pergunta que mais foi elaborada pelos potenciais declarantes nestes 3 meses de vigência da lei é: “Devo ou não aderir? Quais as alternativas? Como não pagar tal tributo?” . A resposta mais técnica é de que não há alternativa. Na realidade, conforme explicado acima, o verdadeiro problema não é a lei criada pelo Brasil, mas sim a mudança de paradigma mundial. Exemplos não faltam. Nestes últimos meses inúmeras pessoas que estavam decididas a não aderir ao sistema do RERCT mudaram de ideia quando o banco no exterior lhes enviou uma “cartinha” explicando que todos os clientes deveriam aderir ao sistema ou seriam convidados a sair do banco. Contudo a realidade é ainda pior do que esta. Os brasileiros que ainda não se sentiram devidamente estimulados a aderir ao sistema, mesmo diante de anistias fiscais e criminais evidentes, devem se preocupar e muito com o futuro destes bens não declarados.
As evidências e experiências internacionais revelaram que, a titulo de exemplo, os bancos suíços congelaram os ativos dos clientes italianos que não aderiram ao programa de repatriação italiano. A realidade é que a era do sigilo bancário acabou. A própria Suíça foi obrigada a selar um acordo com o departamento de justiça americano por conta de ter acobertado clientes não declarantes no passado. Outros países como Liechtenstein e Luxemburgo já concordaram em assinar acordos de troca automática de informações com os fiscos de outros países. Em outros termos, um cidadão brasileiro que não opte pelo RERCT e queira fugir de uma possível fiscalização no futuro não tem alternativas pelos seguintes motivos: a) nenhum outro banco de uma jurisdição segura aceitará tais ativos sem a demonstração da devida declaração; b) será muito difícil, quiçá impossível, converter grandes quantias em espécie (notas, metais ou pedras) sem gerar preocupações ao adentrar ou sair de qualquer país do mundo e sem o cometimento de outras condutas ilícitas; c) a troca automática de informações pode, em alguns casos, abranger o passado, de forma que tais ativos ficarão “contaminados” para o futuro e as condutas serão apuradas de qualquer jeito.
Como já dissemos, o paradigma é a troca automática de informações. Expliquemos: antigamente, para os dados de um contribuinte serem divulgados para outra jurisdição, era necessário um processo muito mais complexo que passava pela necessidade de comprovação do cometimento de crimes, com fatos tipificados nos dois países, aliados a delicados processos de cartas rogatórias. Agora não é e não será mais assim. A troca automática de informações significa que os fiscos dos países trocarão informações livremente. Nas palavras de Xavier Oberson a troca automática de informações “[...] significa transmissão de informações, de forma rotineira, por intervalos regulares, sem nenhum pedido específico de outro Estado. [...] Desde 2013, um consenso global emergiu em favor da troca automática de informações como um novo modelo”[4].
Para o Brasil, como se sabe, diante da recente decisão do STF[5] a respeito da desnecessidade de intervenção judicial para a quebra de sigilo fiscal bancário pelo fisco, aliado a este cenário mundial de troca automática de informações, nos leva a crer que estamos diante da última oportunidade de se buscar a tranquilidade. Desta feita, não há alternativa: a adesão ao RERCT é a estratégia mais correta e conservadora para se ter um mínimo de tranquilidade.
Passemos a analisar os procedimentos para que o RERCT seja feito da maneira correta e o declarante não sofra a tão temida desconsideração e exclusão do regime com as nefastas conequências daí advindas.
2) Procedimento em si e aspectos polêmicos
a) A origem dos bens
O primeiro passo a ser dado pelo grupo de especialistas responsável pela adesão ao regime é uma análise profunda da origem dos bens que serão objeto de regularização. Conforme pontua a lei, em seu artigo 3º, o regime do RERCT aplica-se a “ ... todos os recursos, bens ou direitos de origem lícita”, ao mesmo tempo que em seu artigo 5º lista um rol de crimes que serão anistiados com a adesão ao regime, o que poderia causar um paradoxo: o produto de uma atividade criminosa pode ser considerado origem lícita?
Neste aspecto, somos levados a crer que a lei diferencia os conceitos de atividade e de origem lícita/ilícita. A atividade do contribuinte deve ser lícita, mesmo que alguma operação do passado tenah sido ilícita. A título de exemplo: um trabalhador autônomo com trabalho lícito remeteu ao longo de anos de profissão, uma parcela dos resultados de seu ofício para o exterior sem efetuar as devidas declarações, mantendo os recursos offshore sem declará-los ao Brasil. As condutas criminosas de evasão de divisas, sonegação fiscal e manutenção de depósitos no exterior nos levam a crer que, mesmo diante de operações ilícitas estamos diante de uma origem lícita, pois o recurso nasceu dos resultados do trabalho. Situação totalmente oposta seria a de um narcotraficante que construiu uma fortuna ao longo dos anos remetendo e mantendo tais ativos no exterior. Trata-se de uma origem ilícita e não se pode aderir ao RERCT sob pena de sua declaração ser desclassificada no futuro.
Quanto à origem, mais um aspecto relevante salta aos olhos dos operadores do direito. Um detalhe óbvio, mas que pode ser crucial para gerar um pouco mais de segurança aos aderentes: o ônus da prova a respeito da origem cabe à Receita Federal e não ao declarante do RERCT. Em outras palavras, caberá à Receita Federal e demais órgãos provarem que a origem dos bens é ilícita e não ao contribuinte provar que sua origem é lícita. Realmente, até mesmo no direito penal não se prova a inocência, mas sim defende-se de uma acusação. Se o Estado alega e não prova, a vantagem será do acusado pois estaremos diante da ocorrência de um non liquit. Em suma, mais uma vez, se um narcotraficante omitir tal informação na sua adesão ao RERCT, deverá a Receita, mediante o respeit oao devido processo legal, provar que tais recursos têm como origem a atividade de tráfico de entorpecentes e não o contrário.
Inclusive, tal interpretação foi levada a efeito no sistema de perguntas e respostas da própria Receita Federal, mais especificadamente na pergunta de número 40 reproduzida na íntegra: “40) O declarante precisa comprovar a origem lícita dos recursos? O contribuinte deve identificar a origem dos bens e declarar que eles têm origem em atividade econômica lícita na Dercat. Não há obrigatoriedade de comprovação. O ônus da prova de demonstrar que as informações são falsas é da RFB.”[6] Não obstante tais observações, o § 6º do artigo 4º da lei estabelece que o declarante deve manter sob sua boa guarda, pelo prazo de 5 (cinco) anos cópias dos documentos que dão embasamento à sua declaração. Também vale lembrar que em qualquer tentativa de exclusão do declarante do programa RERCT deverá ser observada a oportunidade de recurso administrativo, bem como, a via aberta ao Poder Judiciário.
b) A DERCAT – Declaração de regularização cambial tributária
O procedimento de declaração do RERCT não necessita de um profissional especifico para ser realizado, de forma que qualquer contribuinte pode, com seu certificado digital, acessar a página da Receita Federal na internet e efetuar sua própria declaração. CONTUDO, tal conduta é altamente não recomendada e perigosa. Desde a análise da origem, até a forma como os bens devem ser declarados é uma missão árdua e delicada.
Desta feita, a recomendação é a contratação de um profissional especializado na área, de preferência um advogado tributarista. O próximo passo será a emissão de um certificado digital apra o declarante. Alternativamente, pode-se optar pela oficialização do profissional como o representante oficial do contribuinte perante a Receita Federal, com o agendamento de um atendimento perante a unidade fiscal da Receita e a entrega de documentos originais de identificação autenticados e a procuração específica que pode ser emitida no site da Receita Federal com firma reconhecida. Contudo, esta última opção tem se mostrado um verdadeiro calvário: o agendamento nem sempre é fácil de ser realizado e muitas vezes os documentos podem ser recusados pelo fiscal, de forma que recomendamos a emissão e a declaração por meio de certificado digital do próprio declarante.
Devidamente habilitado e sempre com o auxílio do profissional/consulto eleito, o declarante poderá acessar a página da RFB e efetuar a DERCAT. Na Declaração diversos campos serão preenchidos, destacando-se a origem dos bens, os valores em 31 de dezembro de 2014, o local em que se encontram, o titular dos bens, a instituição bancária brasileira receptora das informações e demais dados competentes. Após a devida entrega da Declaração, será emitido um recibo de entrega, uma cópia da declaração juntamente com a guia DARF para pagamento até 31 de outubro de 2016.
c)Quais bem podem ser declarados?
Em seu artigo 3º, a lei 13.254/16 especifica que podem ser declarados: I - depósitos bancários, certificados de depósitos, cotas de fundos de investimento, instrumentos financeiros, apólices de seguro, certificados de investimento ou operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão; II - operação de empréstimo com pessoa física ou jurídica; III - recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, decorrentes de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas; IV - recursos, bens ou direitos de qualquer natureza, integralizados em empresas estrangeiras sob a forma de ações, integralização de capital, contribuição de capital ou qualquer outra forma de participação societária ou direito de participação no capital de pessoas jurídicas com ou sem personalidade jurídica; V - ativos intangíveis disponíveis no exterior de qualquer natureza, como marcas, copyright, software, know-how, patentes e todo e qualquer direito submetido ao regime de royalties; VI - bens imóveis em geral ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis; VII - veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro em geral, ainda que em alienação fiduciária.
Um problema a ser enfrentado é quando estamos diante de bens não totalmente líquidos. Apartamentos e veículos podem ter uma variação de valores pelos mais diversos fatores. Entendemos que o declarante deve se resguardar obtendo uma documentação comprobatória do valor do bem no país em que ele se encontra. A titulo de exemplo, no Brasil podemos utilizar o valor venal do bem para fins de aferição. No estrangeiro, deve a equipe diligenciar da mesma forma para que o declarante possa ter uma documentação para se defender em caso de eventual questionamento, sendo recomendada uma avaliação que reflita o real valor em 31/12/2014.
Vale lembrar que entendemos que as hipóteses avençadas pela Lei são típicas de um rol exaustivo (numerus clausus e não numerus apertus). Em outros termos, se não estiver na lei não fará sentido declarar pois a DERCAT poderá ser desclassificada. A título de exemplo, mais uma vez, ao visualizarmos as perguntas e respostas, o item de número 2, estabelece que pedras e metais preciosos, obras de arte e animais de estimação não podem ser declarados pelo regime do RERCT.
d)Qual o valor exato a ser declarado? O problema do saldo histórico.
Muito provavelmente este é o ponto mais polêmico da lei. A lei 13.254/16 é expressa ao declarar em seu artigo 4º que para adesão ao RERCT, deverão ser declarados os valores de que seja titular em 31 de dezembro de 2014. Contudo, o inciso V do mesmo artigo estabelece uma complicada ressalva para a hipótese de inexistência de saldo, preceituando que mesmo nesta hipótese, as condutas devem ser objeto do RERCT, descrevendo as condutas a serem anistiadas e recolhendo a tributação sobre uma estimativa.
O problema foi logo identificado pelos operadores do direito colocando em dúvida um dos principais princípios que embasam qualquer regime de declaração voluntário pelo mundo: a segurança jurídica. Ora, como saber com segurança o tempo que devemos retroagir para ter todas as condutas anistiadas e não sofrermos as consequências de uma eventual desclassificação?
A titulo de exemplo, imagine a situação, real, diga-se de passagem, de um declarante que chegou a possuir 5 vezes mais o seu saldo bancário no exterior, algo como, para simplificação, 5 milhões de dólares em janeiro de 2014 e 1 milhão de dólares em 31 de dezembro de 2014. Ou então a situação de outro declarante que possuía saldo zero em 31 de dezembro de 2014. Como declarar? Para o primeiro caso, bens consumidos parcialmente, entendemos que a estrita letra da lei não estabelece ressalvas. Apenas afirma que será levado em conta o saldo em 31 de dezembro de 2014, mesmo que a Receita entenda de outra por meio de pareceres, conforme veremos a seguir. Já para os bens consumidos integralmente, como já colocado, o inciso V estabelece uma ressalva complicada. O que fazer?
Se o escopo da lei era arrecadar recursos para os cofres brasileiros em dificuldade, a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda Nacional (PGFN) logo se prontificaram a fazer um desserviço para os operadores do direito e para o sucesso do regime, gerando mais instabilidade no sistema por meio do PARECER PGFN/CAT/Nº 1035/2016. Em suma, tentaram destruir o escopo da lei: o nascimento de um compliance não antes existente. Para tais entes, o que importa é o maior valor histórico que esteve na propriedade do declarante. Qual o prazo a ser considerado? Não se sabe. Para alguns criminalistas, pode ser o maior prazo do crime que se deseja ver anistiado, em alguns casos 12 anos ou mais. Para alguns tributaristas a segurança poderia ser alcançada levando em consideração o prazo de 5 anos decadencial estabelecido no CTN que tem status de Lei Complementar. A própria Receita Federal, em seu perguntas e respostas, questão número 39, estabelece que os bens consumidos parcialmente devem ser informados na Dercat, mas ao mesmo tempo, também não estabelece de forma segura o prazo a ser contabilizado para tanto.
Contudo, data vênia, todas estas teses são falhas. Em primeiro lugar não temos segurança legal para afirmar em um sentido ou em outro, de forma que mesmo que se busque o maior saldo histórico, estaremos diante de uma subjetividade sem fim. Em segundo lugar, também não nos surpreenderia uma tese mirabolante pró-fisco afirmando que deveria ser aplicado o princípio da actio nata para tal declaração, como já fez a PGFN ao sustentar redirecionamentos de execuções fiscais muito após a superação do tempo de prescrição, inclusive com o absurdo acolhimento pelo STJ[7]. Em outros termos, estaríamos diante de condutas imprescritíveis pois uma vez declaradas, nasceria para o ente fiscal o prazo de 5 anos para ajuizar uma demanda perante o Poder Judiciário, de forma que de nada adiantaria eleger um período retroativo específico.
É por tal motivo que somos defensores veementes da declaração do saldo/valor estático em propriedade do declarante na data de 31 de dezembro de 2014. Estamos diante de uma foto e não de um filme como quer estabelecer a ânsia arrecadatória da Receita Federal. A Lei criou uma presunção legal e atropelou inúmeros pontos que poderiam ser questionados tanto pelo Fisco quanto pelos Contribuintes. Em outros termos, pouco importa que o recurso esteja no exterior ou tenha sido constituído há décadas, em nítido prejuízo aos direitos do contribuinte pois a conduta já estaria fora do ambito arrecadatório pela ocorrencia da decadência; assim como, pouco importa que o saldo anterior tenha sido consumido, pois o que importa é o marco presuntivo. Em suma, foi estabelecido um marco temporal presuntivo: 31/12/2014.
Passando pela análise de inúmeros princípios constitucionais envolvidos, entendemos que esta é única alternativa viável de aplicação do RERCT, pois encontra-se definida na Lei e é um parametro objetivo seguro para a declaração. Inclusive, entendemos de boa exegese a aplicação do artigo 111 do CTN que afirma que deverá ser dada a interpretação literal sobre a legislação tributária que disponha sobre exclusão do crédito tributário, caso típico da anistia fiscal.
Mesmo que assim não se entenda, as anistias levadas a efeito pelo fisco não podem configurar uma armadilha para o declarante de boa-fé que segue o determinado pela lei à risca. Pouco importa que a Receita emita um ato declaratório interpretativo, como já o fez mediante o de número 5 de 11 de julho de 2016, afirmando que as disposições da lei do RERCT devem ser interpretadas conforme o Perguntas e Respostas disponível em seu sítio na internet. O paradigma é a Lei e acima desta a Constituição Federal, sendo a última o maior escudo do contribuinte contra exigências futuras exorbitantes.
e)Como declarar/discriminar os itens e investimentos? Valores individualizados ou o valor global?
A DERCAT comporta a declaração de apenas 50 itens, devendo o contribuinte, caso exceda tal número, agrupar os ativos que possuam tipo do recurso, origem, país, moeda e vínculo idênticos (resposta à pergunta 23 do Perguntas e Respostas da DERCAT). Contudo, ao se analisar saldos bancários das mais diversas jurisdições pode se concluir que tal tarefa não é das mais simples.
Algumas instituições bancárias diferenciam as contas e os números de identificação por saldos de investimento, conta corrente e demais configurações. Outras instituições possuem um numero bancário de identificação “guarda-chuva” sendo de responsabilidade da entidade bancária a diversificação dos investimentos. Existem extratos em que os clientes têm mais de 40 ou 60 fundos de investimentos, todos geridos pela mesma instituição bancária. Como declarar tais recursos? Aqui entendemos que a simplicidade deve ser a pauta do declarante. Muitas vezes não é nem mesmo de seu conhecimento a diversificação dos investimentos, de forma que defendemos que deverá ser declarado o volume global perante aquela instituição. Fazemos apenas uma ressalva: para instituições bancárias que estabelecem números de contas distintos para os clientes, como contas investimento, conta corrente, etc, recomendamos declarar item por item de forma discriminada e específica, vez que não existirá um documento comprobatório do saldo total perante a instituição.
Baseamos tal conduta no escopo da lei que é um só: a transparência fiscal. A realidade é que o declarante na maioria das vezes não sabe e nem tem como saber as exatas diversificações de seus investimentos no exterior. O importante é ser cristalino perante o fisco. Entendemos que tal objetivo é plenamente alcançado ao se declarar o volume global associado a cada carteira numerada/determinada em nome do declarante, especificando a origem e o local em que o recurso se encontrava depositado, bem como a instituição bancária e o volume total dos recursos na data de 31 de dezembro de 2014.
f) Como declarar conta conjunta? E Offshores, trusts e outra estruturas?
Eis mais uma polêmica que acabou por gerar inúmeras confusões. Como efetuar a declaração de offshores, trusts e contas conjuntas? Antes de adentrar na resposta vale ressaltar que as pessoas jurídicas também podem ser declarantes na DERCAT, com as consequências óbvias tal constatação: realização do balanço e demais obrigações das PJs constitídas perante a legislação brasielira. A partir daqui, mais uma vez, ressaltamos que o escopo da lei é de criar uma tributação fictícia sobre o patrimônio e não sobre as pessoas. Uma vez regularizado o patrimônio entendemos que as pessoas envolvidas também estejam regularizadas. Para tanto, o melhor seria a DERCAT criar a opção de que na declaração seja identificado o titular dos recursos ao lado de outros agentes envolvidos.
Para os trusts, a questão mais polêmica fica por conta de eleger o instituidor ou o beneficiário do trust como declarante da DERCAT. Até o momento a Receita não firmou um posicionamento seguro, limitando-se a, nas perguntas 35 e 36 afirmar que cabe a declaração ao beneficiário. Também na IN 1.627/16, em seu artigo 9º estabelece: “ Art. 9º É declarante da Dercat o beneficiário de trust ou de fundação de qualquer espécie, sendo de sua responsabilidade a retificação da declaração de ajuste anual ou da escrituração contábil societária correspondente. Parágrafo único. O instituidor do trust ou de fundação que não figure, em 31 de dezembro de 2014, na condição de beneficiário poderá apresentar a Dercat nos termos do inciso VIII do caput do art. 7º. Em outros termos, a celeuma continua para beneficiários e instituidores. Devem declarar duas vezes? Entendemos que não. A tributação é sobre o capital e não sobre as pessoas. Existem estruturas discricionárias e não discricionárias, de forma que enquanto não for especificado um novo campo na DERCAT a insegurança jurídica continuará vigente afastando possíveis aderentes. Tudo dependerá da análise do caso concreto para se estabelecer a estratégia mais segura de declaração.
Quanto às Offshores, Pessoas Jurídicas constituídas no exterior, a Lei também traça alguns requisitos especificos como a emissão de balancetes, a especificação do valor das quotas, os contratos sociais e a demonstração e identificação de todos os investimentos diretos e indiretos realizados. Contudo, tal documentação não é requisito para a declaração DERCAT, mas sim uma proteção ao declarante caso seja questionado no futuro. Obviamente que a recomendação é aparelhar-se com o maior número de documentos e informações para que a Offshore seja declarada de forma correta.
Para os casos de conta conjunta entendemos que se os recursos estiverem sob a propriedade das duas pessoas, ambas deverão efetuar a declaração na proporção da titularidade dos recursos, prezando sempre pela segurança da declaração. Contudo, também existe a possibildiade de se declarar, conforme já admitido pelo proprio perguntas e respostas da Receita, em apenas um CPF, o do detentor efetivo de 100% do recurso, desde que se mencione no campo descritivo os outros titulares "pró-forma" perante a instituição bancária. Outra situação divergente e específica ocorre no caso de casais que efetuam a declaração sob o mesmo CPF, como nos exemplos de casais em regime de comunhão universal em que a mulher declara os bens como dependente do marido. Aqui, também efetua-se uma única declaração em nome do titular declarante no Brasil com o saldo total dos recursos.
Este item é realmente um dos mais polêmicos e mais uma vez ressaltamos que, diante da diversidade de jurisdições e entidades jurídicas internacionais, os casos devem ser tratados na sua concretude, com soluções distintas que privilegiem a segurança jurídica do declarante.
g) Outros procedimentos: DCBE 2014 e 2015, Retificadoras de IR e apurações de fatos geradores nos anos-base 2015 e 2016, carta Swift.
Obviamente os procedimentos mais importantes são a DERCAT e o pagamento da DARF impreterivelmente até o dia 31 de outubro de 2016. Contudo, a lei estabelece outros procedimentos acessórios que deverão ser observados pelo contribuinte quais sejam: Caso possua ativos no exterior superiores a USD 100.000,00 (cem mil dólares) deve efetuar a Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior (DCBE) perante o site do Banco Central do Brasil, com a especificidade de selecionar o campo “declaração no âmbito do RERCT”. Deve ser declarado o valor global dos ativos em cada ano.
Também deverão ser retificadas as declarações de Imposto de Renda dos anos base 2014 e 2015 nas DAAs (Declarações de Ajustes Anuais). Aqui a especificidade da análise diz respeito a como declarar o ingresso do valor no âmbito patrimonial do declarante e nas retificadoras seguintes. Sugerimos que seja lançado o valor do RERCT no campo de sujeição à “tributação exclusiva” com o valor global regularizado, mencionando-se o número de recibo da DERCAT e a devida transposição para o campo “bens e direitos” com a avaliação do câmbio em reais que já constará na DERCAT. Já para o ano base de 2015, será feita apenas a declaração no campo bens e direitos, devendo o recurso ser devidamente atualizado pelo valor do dólar do período, inevitavelmente estaremos diante de um aumento patrimonial por conta da variação cambial. Contudo, tal aumento, fruto da variação cambial, não é tributável e deverá ser declarado no campo de bens isentos e não tributáveis.
Também deverão ser analisados, mês a mês, todos os fatos geradores do período dos anos base 2015 e 2016. A titulo de exemplo, caso o declarante seja detentor de aplicações em fundos que distribuem dividendos mensais será necessária a atuação de uma equipe contábil que efetuará a declaração retroativa, via carnê leão, de tais rendimentos com os juros respectivos. Mais uma vez estamos diante de uma análise a ser efetuada caso a caso pois a diversificação dos investimentos no exterior é variada. O que caberá à equipe auxiliadora do declarante é verificar como classificar tais rendas de acordo com a legislação brasileira observando as alíquotas especificas de cada fato gerador – dividendos (27,5%), ganho de capital (15% - devendo a base de cálculo ser analisada em função de se considerar o investimento realizado originariamente em real ou em moeda estrangeira), juros, cupons, etc.
Finalmente, deverá o declarante, com base no artigo 17 da IN 1627/16, mais uma vez, caso possua ativos no exterior superiores a USD 100.000,00 (cem mil dólares), solicitar e autorizar a instituição financeira no exterior a enviar informação sobre o saldo de cada ativo em 31 de dezembro de 2014 para instituição financeira autorizada a funcionar no País, via Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunication (SWIFT) além de indicar a instituição financeira autorizada a funcionar no Brasil que prestará informação à RFB em módulo específico da e-Financeira.
A carta Swift também acabou sendo um aspecto polêmico da Lei. Primeiramente pelo motivo de algumas jurisdições se recusarem ou não estarem aparelhadas a efetuar tal troca de informações por tal sistema, como é o caso dos Estados Unidos da América (EUA) em que os bancos sistematicamente estão respondendo que não operam com tal regra. Para tais casos basta o declarante comprovar que efetuou o pedido de troca de informações. Recomendamos documentar tal procedimento, seja pelo envio de carta pelos correios ou pelo e-mail da instituição bancária no exterior.
Também vale lembrar que alguns bancos internacionais estão se aproveitando desta requisição da lei para formatarem cartas Swift com cláusulas muito mais abrangentes. O intuito é claro: eximirem-se de qualquer responsabilidade futura perante o cliente ou perante o Estado Fiscal do Declarante do RERCT. Recentemente visualizamos um modelo de carta Swift de uma renomada instituição bancária europeia que havia inserido cláusulas de não responsabilidade e também alargava a troca de informações para requisitos não presentes na lei, tais como divulgação de todo o saldo e movimentação anterior a 31 de dezembro de 2014. Ora, se a lei não exige tal requisito qual o motivo de compactuar com tal conduta? Entendemos que uma simples carta documentada atingirá o objetivo de forma que o declarante deve estar atento para cláusulas indevidas inseridas de forma sorrateira pelas instituições bancárias.
h) Os funcionários públicos e os condenados criminalmente
Aqui, mais uma vez houve a eleição de um critério meramente casuístico que deverá ser combatido no judiciário. Nos artigos 11 da Lei 13.254 e artigo 4º da IN 1627/16 ficou estabelecido que o RERCT não se aplica aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem aos respectivos cônjuges e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, em 13 de janeiro de 2016.
Tal dispositivo já veio sendo devidamente combatido no Judiciário, inclusive com algumas liminares deferidas. No caso dos criminalmente condenados em primeira instância houve uma completa inobservância da Constituição Federal e do princípio da presunção da inocência, de forma que tais sujeitos podem e devem aderir ao regime sem que sejam compelidos a cometer o crime de falsidade ideológica. Veja que na DERCAT, não existe um campo em que tal situação possa ser explicada. É um critério objetivo e para se passar as próximas telas da DERCAT o sujeito é obrigado a mentir a respeito de sua condição, o que não é aconselhável. Por este motivo, uma atuação perante o Poder Judiciário, com um pedido liminar, poderá permitir a regularização desta situação especifica.
No mesmo diapasão, a situação dos funcionários públicos. A priori, apenas os detentores de cargo eletivo e funções de chefia não podem aderir ao regime. A realidade é que se cria uma presunção absurda de que todo e qualquer funcionário público nesta situação é um corrupto. Ou seja, o funcionário publico não pode ter tido outra atividade no passado, ou então ter recebido uma herança, ou então não administrar recursos financeiros sem que lhe seja dada a chance de regularizar sua situação? Mais um absurdo que deve e pode ser combatido no âmbito do Poder Judiciário.
i) O compliance bancário para repatriação – dificuldades. Pode pagar a DARF com valor a ser repatriado? Circular BACEN. O spread bancário para os aderentes ao RERCT.
Por mais incrível que possa ser, uma das etapas mais complicadas para se conseguir a efetiva repatriação se dá no âmbito bancário nacional. O governo brasileiro não se preocupou com a segurança dos bancos responsáveis pela repatriação do dinheiro no exterior.
A situação é delicada, inclusive pelo motivo fático de que muitos aderentes do RERCT não têm como pagar a guia DARF a não ser efetivamente repatriando recursos ao Brasil. A primeira celeuma se deu a partir do momento que os bancos nacionais entenderam que só poderiam ser repatriados valores após o pagamento da guia DARF. Contudo, no caso explanado acima a situação se transformava em um odioso paradoxo – para pagar precisava repatriar, mas não se conseguia repatriar sem pagar. A ânsia por lucro rápido aliado ao temor dos bancos levaram algumas instituições a recusarem valores ou então submeterem o declarante a empréstimos bancários para pagamento da guia DARF.
A situação só veio a ser resolvida com circulares do BACEN autorizando as instituições financeiras a realizarem os câmbios com a quitação imediata da guia DARF. A mais recente, circular BACEN 3.805 de 29 de julho de 2016 expressamente especifica o procedimento para os declarantes que queiram antecipar o pagamento com a repatriação de recursos.
No entanto, mais uma situação permanece sem solução: Muitas vezes os bancos não se sentem seguros no momento de efetuar o câmbio. O receio é que eles sejam responsáveis pela repatriação de valores ilícitos, de pessoas conhecidas, como políticos envolvidos em corrupção. Para tais casos, se o compliance não for muito bem efetuado com o auxílio do declarante, o banco recusará efetuar a operação restando ao declarante solicitar o envio do valor da DARF total para a instituição bancária eleita ao mesmo tempo em que deverá ajuizar uma ação judicial para ter seu direito efetivado.
Outro ponto relevante e que deve ser observado pelos declarantes do RERCT que necessitem ou queiram repatriar recursos são as taxas de spread bancário cobradas pelas instituições financeiras. A variação chega a ser gritante girando em porcentagens que vão de 0,3% a 7%. Em outros termos, se o dólar do dia está em 3.16, muito provavelmente o banco pagará ao aderente um dólar que varia de 2.90 a 3.10. Caberá ao aderente batalhar neste spread pois as perdas podem ser significativas.
j) A lei vai mudar?
Em inúmeras ocasiões são abordadas notícias a respeito da mudança da lei. Entendemos que aspectos críticos como o valor estático ou dinâmico do saldo a ser declarado, o caso dos trusts, dos funcionários públicos e dos condenados em primeira instancia, possam ainda ser objeto de uma alteração. Não obstante, aspectos mais relevantes da lei, como o prazo de adesão e o valor a ser pago no total (15% + 100% de multa) não devem sofrer alteração. Contudo, diante do legislativo brasileiro qualquer exercício neste sentido é uma completa conduta de adivinhar e apostar no futuro.
k) A possibilidade de incidência dos tributos de outros entes.
Outro aspecto relevante da lei é o fato de estarmos diante da criação de um novo tributo mediante uma ficção legal. É estabelecida a presunção de que houve ganho de capital na pessoa do declarante com uma multa de 100%. Não se observam competências constitucionalmente impostas pela Constituição Federal, no clássico termo “arquétipo Constitucional” de Roque Antonio Carraza[8].
A preocupação oriunda de tal ficção é a seguinte: como fica a tributação dos outros entes constitucionalmente competentes para tais fatos geradores? A titulo de exemplo, imaginemos uma pessoa que resolva aderir ao RERCT e declarar que a origem dos bens no exterior trata-se de uma herança recentemente recebida. Seria o Estado competente para tributar tal fato gerador mediante ITCMD[9]?
Acreditamos que não. Os motivos são os mais variados. Primeiramente, mais uma vez, o declarante não pode ser surpreendido por fiscalização posteriores de outros entes já que tal anistia não pode ser um alçapão para o aderente. Em segundo lugar entendemos que as respostas mais contundentes se encontram no artigo 6º da própria Lei do Rerct que estabelece que o montante dos ativos objeto de regularização será considerado acréscimo patrimonial adquirido em 31 de dezembro de 2014, sujeitando-se a pessoa, física ou jurídica, ao pagamento do imposto de renda sobre ele, a título de ganho de capital, à alíquota de 15% (quinze por cento), vigente em 31 de dezembro de 2014. Em outros termos, a incidência é única e perante apenas o ente federal. E mais, o próprio § 1º do mesmo artigo mencionado acima garante aos demais entes que a arrecadação referida no caput será compartilhada com Estados e Municípios na forma estabelecida pela Constituição Federal. Desta feita, neste aspecto, entendemos que não haverão surpresas desagradáveis aos aderentes no futuro pós-RERCT.
l) Críticas sobre a constitucionalidade da Lei. Nem tanto ao céu nem tanto à terra, ou melhor, nem tanto para a receita nem tanto para o contribuinte.
Uma questão que fatalmente será levada em conta no futuro é a constitucionalidade da Lei do RERCT. Ela realmente afronta inúmeros dispositivos constitucionais. Tanto para um lado como para o outro da balança. Desta feita, entendemos que os declarantes não devem temer uma possível declaração de inconstitucionalidade tornando nulos os atos efetuados com base na lei. No mínimo entendemos que seria aplicada a modulação dos efeitos pelo STF, de forma ex nunc, para não gerar um completo caos jurídico no sistema – afinal de contas, os valores seriam devolvidos? E como ficaria a moral do Estado Brasileiro perante o mundo ao criar uma lei de repatriação para depois desconstituir os atos? Seria a institucionalização do Estado Malandro. Como exemplificado acima, nem tanto ao contribuinte nem tanto ao Fisco. Se existem algumas autoridades propugnando que a lei é a instauração do jargão “o crime compensa”, também devem ficar atentas que a lei padece de problemas significativos para os dois lados. Os contribuintes também poderiam combater a constitucionalidade com a devida repetição do indébito tributário, alegando que foram violados os princípios da anterioridade tributária, da legalidade tributária, da vedação ao confisco e assim por diante.
m) Planejamento tributário Pós-RERCT.
Finalmente, um aspecto relevante deve ser ressaltado, inúmeros declarantes do RERCT são pessoas físicas detentoras de recursos não declarados no exterior. Sejam contas bancárias ou apartamentos, caso tais recursos gerem renda, o sistema de apuração será o de caixa e para as pessoas físicas tal apuração deve ser realizada mensalmente, na maioria das vezes pelo carne-leão. Em algumas estruturas de investimento a sistemática das declarações tornará a manutenção muito difícil para não dizer impossível. As alternativas devem ser avaliadas caso a caso, comportando a repatriação completa dos recursos, a aplicação em outros produtos que distribuam renda com maior parcimônia, em estruturas de pessoas jurídicas no exterior para se beneficiarem do diferimento, etc. Uma coisa é certa: não basta apenas declarar, é preciso planejar.
Conclusões
A experiência do Regime de Regularização Cambial Tributária tem sido um desafio para os operadores do direito especializados na área. Até o momento os problemas são variados, o que acaba por estimular debates calorosos no âmbito profissional e acadêmico. A Lei 13.254 de 2016 tem problemas significativos que devem ser corrigidos pelo Estado para que se possa ter um programa de repatriação/regularização efetivo. O tema é apaixonante e deve ser visto não como um problema para os aderentes, mas sim como a melhor e única oportunidade para regularizarem seus ativos, resgatando a tranquilidade para sua liberdade e para seu patrimônio.
Bibliografia
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros. 2000.
MARTINS, Marcelo Guerra. Tributação, Propriedade e Igualdade Fiscal. Brasília: Campus Jurídico. 2011, p. 234.
OBERSON, Xavier. International exchange of information in tax matters. Massachussets: Edward Elgar. 2015, p. 28.
SCHOUERI, Luis Eduardo. GALENDI JUNIOR. Ricardo Andre. Transparência Fiscal e Reciprocidade nas Perspectivas Interna e Internacional. In: Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. Dialética: São Paulo. 19º volume. 2015, p. 248.
[1] Os índices são tantos que poderíamos escrever um artigo voltado apenas a este assunto. Dentre inúmeras evidências recomendamos a leitura de matéria publicada pela revista Veja em 20 de outubro de 2015: http://veja.abril.com.br/economia/doze-indicadores-para-resumir-a-crise-brasileira-em-numeros/
[2] MARTINS, Marcelo Guerra. Tributação, Propriedade e Igualdade Fiscal. Brasília: Campus Jurídico. 2011, p. 234.
[3] SCHOUERI, Luis Eduardo. GALENDI JUNIOR. Ricardo Andre. Transparência Fiscal e Reciprocidade nas Perspectivas Interna e Internacional. In: Grandes Questões Atuais do Direito Tributário. Dialética: São Paulo. 19º volume. 2015, p. 248.
[4] OBERSON, Xavier. International exchange of information in tax matters. Massachussets: Edward Elgar. 2015, p. 28. No original consta: “[…] means transmission of information, on a routine basis, at regular levels, without any specific request from another state. […] As of 2013, a global consensus has emerged in favour of the automatic exchange of information becoming the new standard.”
[5] O Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das ADIs 2390, 2386 e 2397 em 24 de fevereiro de 2016, entendendo que a norma da Lei Complementar 105/2001, que permite à Receita Federal receber dados bancários de contribuintes fornecidos diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial, não ofende a Constituição Federal, vez que não resulta em quebra de sigilo bancário, mas sim em transferência de sigilo da orbita bancária para a fiscal, vez que terceiros continuam não tendo acesso aos dados.
[6] Acesso em 01 de agosto de 2016: http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/dercat-declaracao-de-regularizacao-cambial-e-tributaria/perguntas-e-respostas-dercat
[7] Segunta Turma, AgRg no REsp 1196377 / SP, relator Ministro HUMBERTO MARTINS (1130), DJe de 27/10/2010
[8] CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo: Malheiros. 2000.
[9] Não obstante sermos defensores da não incidência tout court de heranças no exterior por falta de previsão legal específica, no caso uma Lei Complementar.