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Neoconstitucionalismo:avanços em favor da dignidade da pessoa humana

Estuda-se o avanço da Constituição Federal Brasileira para o que temos hoje como “Neoconstitucionalismo”. Tendo como premissa que toda alteração ou avanço constitucional se dá pela necessidade de resguardar a dignidade da pessoa humana.

1. introdução

Este percurso tem como objetivo estudar a nova interpretação constitucional, baseada nas transformações ocorridas na relação Estado versus cidadão, tendo em vista que a Constituição Federal Brasileira, datada de 1988, torna-se por diversas vezes obsoleta, cabendo aos códigos e leis, criados paralelamente a esta, cuidarem da atualização das normas, adequando-as a realidade da população para qual é destinada. A falta de efetividade das sucessivas constituições brasileiras decorre do não reconhecimento da força normativa de seus textos, alinhado a falta de interesse e ânimo político em dar-lhes aplicabilidade direta e imediata, resultando disto, a incredulidade dos cidadãos por parte do rigor e da função de nossa Constituição.

Como tentativa de resolução destes entraves, surge a proposta de ter a Constituição como centro e fonte norteadora de todo ordenamento jurídico, ou seja, a “Constitucionalização do Direito”, com a ideia de um efeito expansivo nas normas constitucionais, cujo conteúdo material e axiológico se irradia. Tal movimento tem a proposta de retomar e fortalecer a supremacia da Constituição, expressando-se de duas formas: a) o acolhimento pela Constituição de institutos e regras antes relegadas ao campo infraconstitucional; b) a releitura dos institutos previstos na legislação por meio dos princípios fundamentais. Uma vez que a Constituição Federal compõe um conjunto de direitos e deveres de todos os cidadãos naturais ou naturalizados que vivem em nosso país, todos os códigos, normas e leis devem, por adequação, basear-se e limitar-se às diretrizes trazidas na Constituição Federal. O objetivo deste é descrever as evoluções da Constituição até o Neoconstitucionalismo, movimento atual, e analisar, à luz dos pensadores atuantes nesta questão, a funcionalidade e objetivo de tais evoluções e interpretações.

Em tempos de insatisfação da população com relação à Justiça, mais especificamente, a atuação ou falta de atuação da mesma, bem como a morosidade dos procedimentos e resposta à população, a tentativa de aproximar a Justiça da população, aumentando a aplicabilidade, rigor e extensão de suas leis, é uma prática atual e pertinente a todos os cidadãos. Diante disto, todos os esforços realizados por parte dos três poderes, sendo eles Legislativo, Judiciário e Executivo tornam-se extremamente relevantes por se tratarem de questões que permeiam a vida de todo e qualquer cidadão.

Neste artigo, aborda-se o fenômeno do Neoconstitucionalismo, procurando entender sua origem, conceitualização e o modo pelo qual ele tem alterado a interpretação do ordenamento jurídico, promovendo uma revolução ao favorecer uma releitura de todo o Direito sob a ótica do texto constitucional.

A pesquisa será desenvolvida com fundamento na Constituição Federal de 1988 e doutrinadores dentre os quais: Barroso (2009), Figueroa (2003), Guastini (2003), de modo a esclarecer quanto ao contexto neoconstitucionalista de nosso país.

No transcorrer deste trabalho, serão apresentadas sugestões acerca do tema, obviamente que este não será esgotado somente por intermédio do presente artigo.

2. NEOCONSTITUCIONALISMO

O movimento denominado Neoconstitucionalismo caracteriza-se primordialmente, por englobar valores e diretrizes políticas em favor da promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais.

Utilizada pelo doutrinador italiano Riccardo Guastini, a sentença “Constitucionalização do Ordenamento Jurídico” faz menção ao fenômeno do Neoconstitucionalismo. Segundo Guastini (2003), são perceptíveis traços de constitucionalização, contaminando a ordem jurídica por diretrizes constitucionais. Na menção do autor, observa-se elevados e/ou pequenos, porém existentes, graus de constitucionalização em determinado ordenamento jurídico.

Assim como as Constituições da Itália (1947), Alemanha (1949), Portugal (1976) e Espanha (1978), a Constituição Federal do Brasil (1988) representa um dos exemplos da mudança delimitadora do constitucionalismo contemporâneo, com o acesso das constituições aos valores, através dos princípios constitucionais seguido da necessária inserção destes em todo o ordenamento jurídico.

A inserção destes valores verifica-se no cenário de ataque aos regimes políticos regidos à base da opressão, do autoritarismo e da barbárie e, grifado ao mesmo passo, pelo desconhecimento do outro, pela não aceitação ou forjada aceitação da diversidade e a carência de solidariedade.

As transformações acima mencionadas podem ocasionar, na perspectiva de alguns autores, a conversão do Estado de Direito para o Estado Constitucional de Direito ou, nas palavras de Figueroa (2003), para o “paradigma do constitucionalismo”. Este novo olhar perante o Direito constrói um novo pensar jurídico, segundo Figueroa:

Como acabo de señalar, la constitucionalización del ordenamiento jurídico no se há limitado a transformar el Derecho, sino que se predica también Del estilo de pensamiento de juristas y teóricos Del Derecho. La constitucionalización de pensamiento jurídico há dado lugar al “constitucionalismo”. Se denominado genericamente “constitucionalismo” (y mas precisamente “neoconstitucionalismo” com el fin de acentuar el nuevo carácter que há adquirido em la actualidade) a la teoria o conjunto de teorias que han proporcionado uma cobertura iusteórica conceptual y/o normativa a la constitucionalización Del Derecho em términos normalmente no positivistas (FIGUEROA, 2003, p. 160).

Diante de todo o exposto, faz-se imprescindível salientar que a finalidade deste estudo não é, em hipótese alguma, defender o Neoconstitucionalismo ou impô-lo como bandeira e sim explorar o tema e os assuntos pertinentes e remanescentes deste, a fim de informar acerca de tal “movimento”.

O Neoconstitucionalismo resguarda e enaltece os direitos fundamentais, já devidamente mencionados em nossa Constituição Federal (1988), no Art. 5º. Posteriormente a Segunda Guerra Mundial, verificou-se que o duradouro constitucionalismo europeu, designado pelo tributo ao legislador e pela adoração à lei tornou-se incapaz de bloquear o aparecimento de comandos arbitrários compromissados com violações aos direitos fundamentais. Desta feita, sobrepondo os resquícios do velho continente, surge um movimento, nomeado “Neoconstitucionalismo”, que se ocupa em redefinir, redesenhar as estruturas do Direito Constitucional.

Primordial ao desenvolvimento do Neoconstitucionalismo foi a publicação de constituições de viés social e democrático, centradas na confirmação de princípios jurídicos, e com base em inúmeros catálogos de direitos fundamentais. Preliminarmente, na Itália (1947) e na Alemanha (1949) e, posteriormente, em Portugal (1976) e na Espanha (1978), esses regimentos rompem com o absolutismo e  firmam o pacto  dessas civilizações com a paz, o adiantamento e a deferência aos direitos humanos.

Em justa sinopse, Coelho (2008), nos mostra que o “Novo Constitucionalismo” ou Neoconstitucionalismo determina-se pelos aspectos: “a) mais Constituição do que leis; b) mais juízes do que legisladores; c) mais princípios do que regras; d) mais ponderação do que subsunção; e) mais concretização do que interpretação” (COELHO, 2008, p. 127).

De acordo com Barroso (2009), são características do Neoconstitucionalismo: “a redescoberta dos princípios jurídicos (em especial a dignidade da pessoa humana) a expansão da jurisdição constitucional com ênfase no surgimento de tribunais constitucionais e o desenvolvimento de novos métodos e princípios na hermenêutica constitucional”. Neste ponto, Gustavo Binenbojm (2008) assinala:

 [...] toda legislação infraconstitucional tem de ser interpretada e aplicada à luz da Constituição, que deve tornar-se uma verdadeira bússola, a guiar o intérprete no equacionamento de qualquer questão jurídica. Tal concepção, que vem sendo rotulada como neoconstitucionalismo, impõe aos juristas a tarefa de revisitar os conceitos de suas disciplinas, para submetê-los a uma releitura, a partir da ótica constitucional. Trata-se de uma verdadeira filtragem constitucional do direito, de modo a reinterpretar os seus institutos, buscando-se não só evitar conflitos com a Lei Maior, mas também potencializar os valores e objetivos que esta consagra (BINENBOJM, 2008, p. 65).

Em contrapartida aos adeptos do movimento neoconstitucionalista, destaca-se a doutrina de Ramos (2010), que discorre acerca da “fragilidade teórica do neoconstitucionalismo”, mencionando:

        A referência ao marco histórico do neoconstitucionalismo não revela nada que permita distingui-lo do constitucionalismo tout court, vale dizer, da proposta de se assegurar estabilidade (segurança jurídica) e dinamismo (liberdade) ao sistema político democrático, a partir de Constituições documentais e rígidas. O Estado constitucional de Direito consolidou-se em períodos históricos diversificados, em relação a cada sociedade política, usualmente coincidindo com a consolidação do próprio sistema político democrático, não existindo fundamento algum para se afirmar que se trata de um fenômeno simultâneo e de abrangência universal, contemporâneo às últimas décadas do século XX. Quanto ao marco filosófico, intitulam-se os neoconstitucionalistas de pós-positivistas, como se o positivismo jurídico, com as renovações por que passou e continua passando, tivesse deixado de ser o modelo dominante nos domínios da Teoria do Direito e, consequentemente, da Dogmática Jurídica. [...] Na verdade, os neoconstitucionalistas brasileiros são antipositivistas (e não pós-positivistas), mas preferem dedicar um epitáfio ao positivismo jurídico do que se afirmar em combate com essa variante teórica, que continua extremamente influente no campo da Ciência do Direito (mera estratégia deslegitimadora, portanto, que não faz jus ao brilhantismo intelectual dos que a utilizam). [...] A despeito das deficiências jurídico-institucionais vivenciadas no passado, refletindo o subdesenvolvimento socioeconômico do País, o Direito Constitucional Brasileiro não começa com a Constituição de 1988, tendo prestado relevantes contribuições sob a Constituição de 1824 e as republicanas de 1891 (basta lembrar a “teoria brasileira do habeas corpus”), 1934 e 1946. Não há, assim, que se falar em “pré-história constitucional brasileira”, antes do advento do “neoconstitucionalismo”. (RAMOS, 2010, pp. 280-284)

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3. NEOCONSTITUCIONALISMO NO BRASIL

A disseminação da expressão “Neoconstitucionalismo” no Brasil é contemporânea, advém da grande divulgação realizada pela Academia Brasileira de Letras da obra Neoconstitucionalismo(s), organizada por Miguel Carbonell, com publicação em 2003. A partir de então, tem-se escrito significativamente sobre o tópico e diversos autores nacionais são adotantes de tal corrente, entre os quais: Luis Roberto Barroso, Ana Paula de Barcellos, Antonio Cavalcanti Maia, Paulo Ricardo Schier, Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Eduardo Moreira, Thomas Rosa de Bustamante, Écio Otto Ramos Duarte e Lênio Luiz Streck.

Em seus discursos, os “neoconstitucionalistas” citam como características centrais do movimento: o enaltecimento dos princípios; o reconhecimento de métodos e/ou estilos mais amplos e maleáveis dentro da hermenêutica jurídica; a ênfase na ponderação nos julgamentos; a maior aceitação e inserção da Moral na argumentação jurídica, sem assemelhar-se aos dizeres metafísicos do jusnaturalismo; o acolhimento da constitucionalização do Direito e o destaque do Judiciário no processo de incorporação dos fundamentos da Constituição.

No terreno brasileiro, o Neoconstitucionalismo é fortemente acompanhado por um “fenômeno cultural”: a descrença da população a respeito da política majoritária e, em principal, a desonra do Poder Legislativo e dos partidos políticos.

A visão da população sobre a questão, enaltecida por recorrentes vexames por parte da política parlamentar e partidária, classificando estas, devido a suas ações, como esferas essencialmente corrompidas, que se movimentam somente em razão de interesses e não de valores, traz a expectativa de que somente o Poder Judiciário poderá dar luz e solução aos problemas nacionais. Tal visão se dilata quando a Justiça toma decisões galgadas não somente em seus princípios, mas também na opinião pública. Temos como exemplo o recebimento da denúncia criminal no episódio "mensalão".

Por esta razão, o Neoconstitucionalismo poderá ser bem recebido no Brasil, com a proposta de promover cada vez mais a conservação dos direitos fundamentais perante essa sociedade descrente no âmbito da Justiça.

4. CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO

Há razoável consenso de que o marco inicial do processo de Constitucionalização do Direito foi estabelecido na Alemanha. Ali, sob o regime da Lei Fundamental de 1949 e consagrando desenvolvimentos doutrinários que vinham anteriores a isso, o Tribunal Constitucional Federal assentou que os Direitos Fundamentais, além de sua dimensão subjetiva de proteção das situações individuais, desempenham outra função: a de instituir uma ordem objetiva de valores. O sistema jurídico deve proteger determinados direitos e valores, não apenas pelo eventual proveito que possam trazer a uma ou a algumas pessoas, mas pelo interesse geral da sociedade na sua satisfação. Tais normas constitucionais condicionam a interpretação de todos os ramos do Direito, público ou privado, e vinculam os poderes Judiciário, Legislativo e Executivo. Destacam-se, ademais, com a Lei Fundamental de Bonn, a Constituição da Itália (1947), e, já na década de 1970, a reconstitucionalização de Portugal e Espanha. Superou-se, a partir de então, a respeitada ideia de Constituição como documento meramente político e desvestido de eficácia jurídica e, pois, impassível de imediata aplicação. O texto fundamental, em absoluto, ganha maior significação.

No Brasil, o marco histórico é a Constituição Federativa da República de 1988, símbolo do processo de redemocratização iniciado depois de findados os anos da ditadura militar. Representa a Carta, o despertar da democracia, esquecida durante as duas décadas do Regime Autoritário, marcado pela constrição dos Direitos Fundamentais e pelo desprezo a quaisquer outros reflexos do ideal de liberdade. A recente Constituição tem permitido, de fato, a subsistência, sem rupturas, das liberdades democráticas, num ambiente de estabilidade institucional em que se valorizam, paulatinamente, os princípios constantes do documento político fundamental.

O texto refletiu os anseios de liberdade e democracia de todo o povo, consagrando-se como marco inicial da restauração do Estado Democrático no Brasil e reafirmando os direitos fundamentais, especialmente os de cidadania e dignidade da pessoa humana, firmando-os a partir de novas bases de valores e buscando realizá-los a partir do cumprimento de objetivos específicos.

A Carta foi uma inovação no estabelecimento de um novo Constitucionalismo brasileiro, definindo a República Federativa do Brasil como Estado Democrático de Direito, cuja concepção pode ser alcançada em seu conteúdo transformador da realidade. 

Acerca do Estado Democrático de Direito, relata Morais (2003) que:

Quando assume o feitio democrático, o Estado de Direito tem como objetivo a igualdade, e, assim, não lhe basta a limitação ou a promoção da atuação estatal, mas referenda a pretensão à transformação do status quo. A lei aparece como instrumento de transformação da sociedade, não estando mais atrelada inelutavelmente à sanção ou à promoção. O fim a que pretende é a constante reestruturação das próprias relações sociais. [...] Ou seja, o Estado Democrático de Direito é uma fórmula de Estado Social que vai além de um projeto de bem-estar, como dito acima, previamente fixado e promove uma inovação nas relações entre o princípio democrático e o princípio (função) de garantia que advém das origens do constitucionalismo no que alude ao marco filosófico do neoconstitucionalismo, impõe-se destacar o pós-positivismo, situado, teoricamente, entre o jusnaturalismo e o positivismo e considerado, de certo modo, uma terceira alternativa entre tais opostas correntes de pensamento, porquanto [...] não trata com desimportância as demandas do Direito por clareza, certeza e objetividade, mas não o concebe desconectado de uma filosofia moral e de uma filosofia política. (MORAIS, 2003, p.105-108)

Indo contrariamente ao postulado positivista de separação entre Direito, Moral e Política, não em negativa a especificidade do objeto de cada um desses domínios, mas para reconhecer a impossibilidade de tratá-los como espaços totalmente segmentados, que não se influenciam mutuamente.

5. DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os Direitos Fundamentais estão profundamente presentes nos debates constitucionalistas, tendo em vista que estes refletem todos os aspectos da vida política, social e econômica da sociedade em toda a sua evolução.

Para José Afonso da Silva e Bobbio (1997), respectivamente há um caráter evolutivo nos Direitos Fundamentais. O primeiro ressalta que o reconhecimento dos Direitos Fundamentais do homem em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e estão longe de se esgotarem suas possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução da humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira em proprietários e não proprietários. O segundo explica que o rol de direitos do homem vem se modificando e continua a se transformar com a alteração das condições históricas, das necessidades e interesses das classes no poder.

Carmem Lúcia Antunes Rocha (2015) conclui que as garantias constitucionais dos Direitos Fundamentais estão:

a) no conjunto de instituições concebidas no sistema para realizar as condições sócio-econômicas e políticas aptas ao exercício daqueles direitos; b) no conjunto de instituições que ordenam o poder e definem o seu limite a fim de que eles sejam resguardados de desbordamentos praticados pelos detentores dos cargos que o compõe; ou c) no conjunto de procedimentos e institutos concebidos para que, em casos específicos, violações por abstenção ou por cometimento ocorridas contra aqueles direitos tenham os seus titulares vias próprias, constitucionalmente estabelecidas, para a pronta restauração do seu respeito. (ROCHA, 2015, sem página)

Temos que considerar que os direitos fundamentais são a concretização da dignidade humana ou de suas exigências. A Constituição Federal de 1988, ao considerar e garantir os direitos fundamentais do ser humano, expressamente consagrou normas e princípios essenciais à sua proteção. Em especial, o texto Constitucional afirma expressamente que a cidadania e a dignidade da pessoa humana são fundamentos do Estado Democrático de Direito. No Art. 1º, inciso III, a Constituição Federal Brasileira expressa que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos, dentre outros, a dignidade da pessoa humana. A garantia da dignidade da pessoa humana é reconhecida por outros ordenamentos, sua amplitude é maior do que simplesmente seu conceito.

Alexandre de Moraes (2001) também entende que:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana, pode ser definido como direitos humanos fundamentais. (MORAES, 2001, p. 37)

Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002) explica que esses direitos declarados são os que derivam da natureza humana, são naturais, portanto, e, por estarem vinculados à natureza, são abstratos, são do Homem, imprescritíveis, inalienáveis, individuais e universais.

Mesmo não havendo uma definição imperativa para os direitos fundamentais, a doutrina, em peso, os admite como aqueles contidos nas Declarações históricas, trazidos aos ordenamentos modernos, com características próprias e que têm como base a concretização da dignidade humana. A liberdade e a igualdade, se não decorrentes, estão fortemente ligadas à dignidade humana.

6. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O ROL DE LEIS

 Alguns princípios, a despeito de não se revelarem exata novidade, têm sido cada vez mais estudados, com relevante alcance prático na atualidade jurídica. É o caso do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, cuja travessia do campo ético para o cenário jurídico operou-se, de maneira vagarosa, após a Segunda Guerra Mundial, passando ele a constar em importantes documentos internacionais, tais como a Declaração dos Direitos Humanos, de 1948, e as Constituições italiana (1947), alemã (1949), portuguesa (1976) e espanhola (1978). Em nosso país, a Constituição Federal de 1988 o prevê como um dos fundamentos da República em seu art. 1º, III (Brasil, 1988).

O princípio representa o núcleo essencial de cada um dos direitos fundamentais do ordenamento, conferindo-lhes unidade de sentido e de valor e, inspirando a interpretação e aplicação de todos os dispositivos jurídicos, bem como a legitimação da ordem jurídica e constituição de tal valor como fonte do Direito, incitando desta forma, o tratamento de cada ser humano como um fim em si mesmo e priorizando o “ser” ao “ter”, a fim de demarcar a primazia do homem sobre o Estado.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada pela Organização das Nações Unidas de 1948, traz em seu artigo 1º o seguinte: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, concluímos que, segundo esse documento, os titulares dos direitos fundamentais são “todos os homens”.

Se compararmos o texto acima ao de nossa Constituição de 1988, que optou por “todos são iguais perante a lei [...]”, verifica-se que a diferença se encontra na expressão “todos”. No texto da ONU o significado está entendido como: “... significa cada um e todos os humanos do planeta, os quais haverão que ser considerados em sua condição de seres que já nascem dotados de liberdade e igualdade em dignidade e direitos”.

Para Sarmento (2004, p. 110), o princípio da dignidade da pessoa humana qualifica-se como o “epicentro axiológico da ordem constitucional”, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico. O princípio seria o mais relevante de todo o sistema, por constituir alicerce da ideia de que todas as pessoas são iguais e titulares do direito a um tratamento igualmente digno. Nesse sentido, transmite Barroso (2009):

  O princípio da dignidade humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar. (BARROSO, 2009, p. 252)

O valor constitucional do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana simboliza seu potencial em alimentar e atravessar todos os direitos fundamentais, os quais, em maior ou menor intensidade, fortaleceriam sua concretização.

Fundamento do Estado Democrático, o princípio serve de norte para a conduta estatal, que, concomitantemente, deve perseguir os valores que ele representa e impedir que estes restem violados. Serve de orientação também para os particulares, que devem pautar-se pela conduta de moral, ética, respeito e tolerância que tal princípio busca difundir.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana tem em seu âmago, igualmente, a proteção do mínimo existencial, que identifica o conjunto de bens e necessidades básicas idôneas à subsistência material e moral do indivíduo, seja com relação a sua capacidade de gozar outros direitos, seja pela sua capacidade de meramente existir, e, devido a isso, sobreviver.

Abaixo de determinado patamar, que abrangeria ao menos um mínimo substancial de renda, educação e saúde, não haveria dignidade. Tal mínimo seria, para alguns, o núcleo essencial dos direitos sociais em sua condição de direitos fundamentais e não se confundiria com o mínimo vital ou de sobrevivência, o qual tem a ver com a garantia da vida humana sem o necessário atingimento de condições dignas. Com efeito, “não deixar alguém sucumbir à fome certamente é o primeiro passo em termos da garantia de um mínimo existencial, mas não é – muitas vezes nem sequer de longe – o suficiente”. (SARLET, 2007, p. 334).

Abaixo serão relacionadas algumas Leis e artigos que decorrem da Carta Magna e que se utilizam as expressões basilares deste trabalho -  quais sejam: dignidade da pessoa humana, cidadania, direitos humanos, direito fundamental, dignidade e liberdade, a fim de traduzir a aproximação destas a Constituição Federal de 1988, por meio dos direitos fundamentais

LEI Nº 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências

Art. 2º. O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Art. 3º. É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

Art. 9º. É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade.

Art. 10. É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis

Art. 28. O Poder Público criará e estimulará programas de:
 II – preparação dos trabalhadores para a aposentadoria, com antecedência mínima de 1 (um) ano, por meio de estímulo a novos projetos sociais, conforme seus interesses, e de esclarecimento sobre os direitos sociais e de cidadania;

LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.
 Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Art. 5º. Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006.


             Art. 2.º  Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. 

Art. 3.º  Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1o  O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão

Art. 8º.

V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;

VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;

Art. 8º. A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O novo Direito Constitucional ou Neoconstitucionalismo desenvolveu-se no Brasil após a Constituição Federal de 1988, tendo como principais mudanças de paradigma, no plano teórico, o reconhecimento de força normativa à Constituição, a expansão da Jurisdição Constitucional e a elaboração das diferentes categorias da Nova Interpretação Constitucional.

Fruto desse processo, a constitucionalização do Direito importa na irradiação dos valores abrigados nos princípios e regras da Constituição por todo o Ordenamento Jurídico, notadamente por via da Jurisdição Constitucional, em seus diferentes níveis. Dela resulta a aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações, a inconstitucionalidade das normas incompatíveis com a Carta Constitucional e, sobretudo, a interpretação das normas infraconstitucionais conforme a Constituição, circunstância que irá conformar-lhes o sentido e o alcance.

A constitucionalização, o aumento da demanda por justiça advinda e da sociedade brasileira e a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram, no Brasil, uma intensa judicialização das relações políticas e sociais.

Dentre as principais características do Neoconstitucionalismo, a ideia de eficácia valorativa da Constituição parece contemplar todas as demais. Isto porque todas as facetas do Neoconstitucionalismo objetivam, em maior ou menor grau, extrair o sentido axiológico do texto constitucional, fundado, principalmente, na dignidade da pessoa humana.

O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana identifica um espaço de integridade a ser assegurado a todas as pessoas somente por sua existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. O desrespeito a esse princípio terá sido um dos estigmas do século que se encerrou e a luta por sua afirmação, um símbolo do novo tempo. Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar.

O valor constitucional do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana simboliza seu potencial de alimentar e atravessar todos os Direitos Fundamentais, os quais, em maior ou menor intensidade, revelar-se-iam suas concretizações. Fim e fundamento do Estado Democrático, o princípio serve de norte para a conduta estatal, que, concomitantemente, deve perseguir os valores que ele representa e impedir que estes restem violados. Serve de orientação, também, para os particulares, que devem pautar-se pela conduta de moral, ética, respeito e tolerância que tal princípio busca difundir.

Em que pese haver inúmeras correntes doutrinárias acerca das características do Neoconstitucionalismo, pode-se sintetizar como fatores marcantes: (i) a constituição como centro e fonte norteadora de todo ordenamento jurídico, gerando uma “Constitucionalização do Direito”; (ii) o reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos e sua efetiva utilização nas hipóteses de aplicação do Direito ao caso concreto; (iii) substituição do formalismo da subsunção pela ponderação; (iv) concretização da influência da Moral, da Ética e da primazia da Justiça no Direito; e (v) o ativismo judicial.

Portanto, chama-se Neoconstitucionalismo o movimento do Direito que garante, preserva e promove os direitos fundamentais. Representa, em sentido amplo, a superação do positivismo jurídico, pois promoveu a reestruturação do ordenamento jurídico, que deixou de ser pautado no estrito respeito à lei para ser totalmente influenciado pela Constituição, natural berço dos Direitos Fundamentais. Com isso muda-se também, o sistema de interpretação do Direito, não mais adstrito ao método silogístico, mas voltado para a análise valorativa das normas em face da Constituição. Seus efeitos são: supremacia do Texto Constitucional, promoção dos Direitos Fundamentais, força normativa dos Princípios Constitucionais, a Constitucionalização do Direito e a ampliação da Jurisdição Constitucional.

Mas, cabe neste momento uma pergunta: por que dar essa valoração ao texto constitucional? É preciso entender que o Neoconstitucionalismo não se ocupa da Norma Constitucional de forma simplória e material, mas sim da natureza conceitual, já que as Normas Constitucionais são as definidoras dos Direitos e Garantias Fundamentais, que numa expressão latu sensu se resume em Direitos Humanos.

Para complementar esse raciocínio é preciso trazer à baila o entendimento de Jaime Cárdenas Gracia (2006) para quem a Supremacia Constitucional é orientada pelo Princípio Democrático, que não cuida da vontade da maioria, mas sim respeita os direitos da minoria.

Assim, é garantido à todos os setores da sociedade o respeito aos direitos fundamentais ou humanos, o que promove um efeito reflexo importantíssimo: a atuação dos poderes constituídos, Legislativo, Judiciário e Executivo, legitimada no ponto de vista democrático, o que impede atuações ilegítimas que coloquem em risco a vida, liberdade, a igualdade e dignidade de qualquer indivíduo.

REFERÊNCIAS

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Sobre as autoras
Luci Mendes de Melo Bonini

Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, Professora de Filosofia e Pesquisadora no Mestrado em Políticas Públicas da Universidade de Mogi das Cruzes. Área de interesse: Direitos Humanos e Políticas Públicas.

Angélica Resende

Bacharel em Direito pela Universidade de Mogi das Cruzes

Informações sobre o texto

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