A cada dia surgem várias questões acerca dos procedimentos que cercam o universo fiscal tributário, onde necessário se faz esposarmos nosso entendimento doutrinário com o objetivo precípuo de tentar deslindar várias questões que ainda permanecem na seara da incerteza, levando muitas vezes a procedimentos deletérios que trazem prejuízos, tanto para o contribuinte como para a fazenda estadual.
No caso vertente, observa-se na labuta diária de agentes fazendários e contadores, os quais atuam respectivamente no pólo ativo e passivo da relação jurídica tributária, já que os profissionais de contabilidade são os responsáveis direto pelos lançamentos fiscais/contábeis dos contribuintes, que vários procedimentos não têm ainda uma uniformização quanto ao aspecto legal, ensejando uma grande disceptação acerca do que seja o procedimento correto.
Destarte, dentre os vários assuntos que ensejam essa incerteza, vislumbra-se a figura do crédito fiscal, mormente das operações efetuadas com notas fiscais calçadas, quando da constatação de que a 1º via lançada na escrita do adquirente foi calçada, tendo em vista a comprovação de que a 2º via foi registrada pelo emitente da nota fiscal na sua escrita com valor e tipo de mercadorias divergentes do alocado na 1º via.
"In casu",
antes de adentrarmos no mérito da matéria, urge ressaltar que o calçamento de notas fiscais é considerado crime de sonegação fiscal, o qual é definido pela Lei nº 4.729, de 14-7-1965, como consistindo em:"Alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública."
Tendo a Lei nº 8.137, de 27-12-1990, delineado os crimes contra a ordem tributária e fixado as pena a serem aplicadas aos mesmos, onde dentre os crimes explicitados chamamos atenção para o descrito abaixo:
"Falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda ou qualquer outro documento relativo à operação tributável".
Portanto, sendo constatado em uma fiscalização, quer seja no estabelecimento emitente da nota fiscal ou no adquirente, a existência de divergência entre as diversas vias do documento fiscal, máxime quando a divergência se opera quanto a 1º via e 2º via da nota fiscal, tal fato enseja repercussão tributária direta no recolhimento do ICMS, tanto no estabelecimento emitente como no adquirente.
Visto que a repercussão no emitente se opera por falta de recolhimento do ICMS, já quanto ao adquirente repercute em crédito indevido, quando não comprovado que foi efetivamente pago o valor constante da 1º via da nota fiscal.
Perfilhando essa tese é de bom alvitre tecermos considerações no tocante à repercussão tributária e a legalidade da exigência do ICMS não recolhido concernente ao emitente e destinatário da nota fiscal.
Quanto ao emitente da nota fiscal, situado este dentro do Estado, quando a 1º via constar à mesma mercadoria consignada na segunda via, porém com valor superior, deve-se cobrar a diferença de preço constatada entre as vias, outrossim, sendo a divergência constatada entre os valores e mercadorias, é devido a exigência integral do imposto concernente as mercadorias constante da 1º via, com a penalidade cabível.
Todavia, verificamos na prática reiterada que existe grande disceptação acerca da legalidade do crédito fiscal quando nos reportamos ao destinatário (adquirente das mercadorias), cujas notas fiscais foram calçadas, posto que, no caso "in comento", existem duas opções, quais sejam: ou o crédito fiscal é considerado legal, cabendo a exigência apenas do emitente da nota fiscal, ou o crédito fiscal é considerado indevido, cabendo o estorno do mesmo e a cobrança relativa à constatação de que o creditamento indevido ensejou repercussão tributário no recolhimento do ICMS.
Neste norte, o RICMS/PB é hialino quando na inteligência emergente do art. 143, § 1º, explicita que o documento contendo divergência entre suas diversas vias é considerado inidôneo, conforme transcrição ipsis literis abaixo:
"Art. 143 –...
§ 1º É considerado inidôneo, para todos os efeitos fiscais, fazendo prova apenas em favor do Fisco, o documento que:
III - não guarde as exigências ou requisitos previstos neste Regulamento;
IV - contenha declarações inexatas, esteja preenchido de forma ilegível ou apresente emendas ou rasuras que lhe prejudiquem a clareza;
V – apresente divergência entre os dados constantes de suas diversas vias."
(Grifo nosso)Corroborando o entendimento esposado na norma supra, o art. 82, incisos X e XII, alínea "b" do RICMS/PB proíbe o creditamento quando a mercadoria está acobertada com nota fiscal inidônea, conforme disciplinamento infracitado:
"Art. 82. Não implicará crédito do imposto:
X - entradas de mercadorias acobertadas por documento fiscal inidôneo, nos termos do § 1º do art. 143;
XII - a operação ou prestação acobertada por documentação fiscal falsa, assim entendida a que:
b) embora revestida das formalidades legais, tenha sido utilizada para fraude comprovada;"
Assim, diante da nívea clareza com que se revestem as normas transcritas, não haveria muito que tergiversarmos acerca da matéria, pois o documento em questão, que apresenta divergência entre suas diversas vias é considerado inidôneo, ou seja, é imprestável para legalizar o crédito fiscal.
Dessa forma, mesmo diante da clareza das normas quanto à ilegalidade do crédito fiscal, surge uma dúvida, a qual atormenta a maioria das pessoas que labutam na área tributária, qual seja: será que caberia realmente o estorno do crédito?; será que o crédito fiscal estaria legal cabendo a exigência a ser efetuada na pessoa do emitente da nota fiscal?; já que o adquirente das mercadorias agiu de boa-fé poderia o mesmo sofrer a penalidade do estorno do crédito?.
Ora, com a devida vênia, para deslindar as questões suscitadas acima, necessário se faz, a priori, saber se realmente o adquirente pagou o valor constante da 1º via da nota fiscal, sendo esta condição sine qua non para resolver a pendenga.
Pois como é cediço, o ICMS é um imposto indireto, onde o contribuinte de fato é o adquirente da mercadoria, sendo o remetente considerado contribuinte de direito, ou seja, aquele que é responsável pelo recolhimento ao Estado, assim, para que o crédito fiscal seja considerado legal, mister se faz a comprovação de que o adquirente pagou o valor real da operação consignada na 1º via.
Tendo em vista nesse caso ser pacífico e uníssono ser também o ICMS um imposto não-cumulativo, onde o Princípio da não-cumulatividade explicita de maneia cristalina que o imposto pago na operação anterior deverá se compensado com o imposto devido na operação subseqüente, assim, se ficar comprovado que houve o pagamento efetivo do valor da operação concernente a quantia consignada na 1º via, e como em tal numerário estará embutido o ICMS, esta-se-á comprovado que o adquirente agiu de boa-fé, haja vista o mesmo não poder ser responsabilizado pela não repasse ao Estado, pelo contribuinte de direito, do ICMS concernente à operação, caracterizando assim a legalidade do crédito fiscal.
Outrossim, caso o mesmo não comprove através de provas materiais que pagou o valor constante da 1º via da nota fiscal, tal fato caracteriza o aproveitamento de crédito ilegal e indevido, pois já que o adquirente não pagou o valor da operação, conseqüentemente também não pagou o ICMS como contribuinte de fato, portanto, também não terá direito ao crédito do ICMS não pago, pois o direito ao crédito fiscal se opera com o intuito de evitar o efeito cascata do imposto, com arrimo no Princípio da não-cumulatividade tributária, onde se compensa do valor a recolher quando da saída a quantia já recolhida no momento da aquisição das mercadorias, o que não é o caso, já que não se provou o pagamento efetivo concernente à operação.
Assim sendo, cabe o expurgo do crédito fiscal apropriado indevidamente através de estorno, onde mister se faz ressaltar, que concomitantemente, também cabe a exigência do ICMS não recolhido pelo emitente da nota fiscal.
"In casu",
surge a seguinte pergunta: o crédito fiscal do adquirente das mercadorias não estaria legalizado quando da exigência do ICMS do emitente da nota fiscal, mesmo quando o adquirente não comprove o efetivo pagamento do valor consignado na 1º via da nota fiscal?A resposta legal e perfeitamente cabível seria "Não", pois a exigência do pagamento do ICMS estará se operando sobre o emitente da nota fiscal calçada, o qual irá recolher o ICMS não recolhido na operação com o acréscimo de multa por infração, assim, já que o responsável pelo calçamento da nota fiscal vai desembolsar a quantia relativa ao ICMS, verifica-se que o adquirente das mercadorias não desembolsará tal quantia, portanto, como o direito ao crédito se opera pelo pagamento efetuado quando da aquisição das mercadorias, conforme o princípio da não-cumulatividade, e como, no caso vertente, o adquirente não assumiu o ônus do pagamento do ICMS da operação, conseqüentemente o mesmo não terá direito ao crédito de um ICMS não pago, assim, não terá direito ao creditamento.
Portanto, é condição essencial para a fiscalização considerar o crédito fiscal legitimo quando das aquisições de mercadorias com notas fiscais calçadas, que o adquirente comprove através de provas materiais que pagou efetivamente o valor da operação, através de duplicatas, recibos, extratos bancários e lançamentos fiscais/contábeis, não tendo guarida a alegação que muitas empresas se utilizam de que teriam efetuado o pagamento em dinheiro em espécie e a vista, já que mesmo que isso tenha ocorrido, mister se faz demonstrar o registro do lançamento, no livro caixa, da saída do numerário, visto que a existência da nota fiscal prova apenas a propriedade das mercadorias, não servindo para ratificar que o pagamento já teria sido efetuado, pois se assim fosse, não existiria a figura do "Protesto".
"In fine",
diante das considerações tecidas, não há como alegar que o crédito fiscal é legítimo enquanto o adquirente não comprovar o efetivo pagamento do valor constante da 1º via da nota fiscal, onde a não comprovação garante ao fisco o direito da cobrança concomitante da repercussão tributário originada do crédito indevido e da falta de pagamento do ICMS concernente à nota fiscal calçada, sendo este procedimento medida da mais lídima legalidade.