RESUMO: O presente artigo aborda o tema Direitos Humanos, Democracia, Dignidade no Brasil e objetiva discutir a Educação, a partir da Filosofia da Libertação, e fazer uma reflexão sobre a Educação em Direitos Humanos na América Latina enquanto um projeto emancipatório. Identifica-se que alguns teóricos em diversas áreas do conhecimento, resolveram se preocupar com a Dominação e consequente Exclusão e a fundamentar o pensamento político e jurídico latino-americano na Teoria Crítica. Para afirmar-se se há emancipação, imperioso seja estendida a compreensão sobre a democracia e a cidadania ativa. A partir desse escopo, constata-se que sem Direitos Humanos não há que se falar em Democracia e que o fundamento dos Direitos Humanos é o reconhecimento da Dignidade inerente a todo ser humano.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos; Democracia; Dignidade; Educação em Direitos Humanos; Emancipação.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo desse artigo é engendrar uma nova perspectiva dos Direitos Humanos tendo como base pedagógica e jurídica os segmentos teóricos da filosofia da libertação. Pautando assim, a construção de uma nova metodologia do ensino dos direitos humanos tendo como fonte a práxis, a comunidade, e luta pela dignidade de direitos, principalmente, no que tange a América Latina e a construção paulatina de uma ruptura colonial epistemológica do pensamento. Cabe também ao artigo, demonstrar o papel político e sua ligação ad infinitum com a filosofia gerando como conseqüência a formação do direito na sua ontologia, ou seja, na sua essência e formação. Portanto, a consecução dos objetivos que se deve angariar levará em consideração a libertação dos paradigmas econômicos, filosóficos, políticos, pedagógicos, antropológicos e teológicos em relação a dominação européia e norte-americana, buscando assim uma alternativa principiológica fundamentada nas lutas latino-americanas e seus respectivos movimentos sociais, assim como sua emergência, independência e libertação nos aspectos supracitados. Por fim, o artigo denotará a importância do tema para uma educação em Direitos Humanos nessa perspectiva e a consolidação e legitimação jurídico-positivista do direito frente às diretrizes da filosofia da libertação consistindo numa perspectiva decolonial e num novo modelo hermenêutico interpretativo legal, assim como, a construção de uma nova democracia de viés efetivamente social, comunitário e popular.
2. A FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO
A filosofia da libertação surge para responder a um contexto latino-americano marcado pela opressão, exploração, dominação e principalmente a escravidão econômica de seus países, onde seu povo carrega consigo as marcas desses segmentos. Não se prendendo assim, em se pensar somente ao passado, mas, pensar o presente e o futuro na busca da efetivação das lutas pelos direitos sociais no objetivo do modelo de utopia latino-americano. Tendo como precursores autores como Leopoldo Zea, Rodolfo Kusch, Augusto Salazar Bondy e Arturo A. Roig que desencadearam uma filosofia libertária, sistematizadas por Enrique Dussel, Horacio Cerutti, Pablo Guattarrama e Euclides Mance. No campo pedagógico, Paulo Freire e Ilda Danke. No geográfico, Milton Santos. Na Sociologia, Ignácio Sotello, Florestan Fernandes, Orlando Fals Borda. Darcy Ribeiro e Alberto Vivar Flores no campo antropológico. E como principais defensores da teologia da libertação temos, Gustavo Gutierrez, Hugo Assmann, Juan Luis Segundo, Clodovis e Leonardo Boff.
É, portanto, um movimento histórico que não visa somente à liberdade do povo latino americano, mas sim a sua libertação e porque? Segundo Euclides André Mance “é porque ela pensa um movimento concreto, histórico de passagem de sujeitos que estão dominados e oprimidos para uma condição de pessoas que realizam a sua própria liberdade. E a palavra é muito boa pelo seguinte: libertação é um movimento, uma ação que jamais estará totalmente realizada, completa. A libertação é sempre um movimento, nunca existirá uma libertação total, porque da mesma forma nunca existe uma dominação total; há sempre uma margem de liberdade e há sempre uma margem de determinação na circunstância”. Portanto, sendo a ação de buscar a liberdade, a filosofia da libertação, deverá objetivar que os seus agentes assumam o papel de construção de sua própria história. Sendo assim, a mesma tem como objeto à análise da realidade concreta em que a população está inserida e o que fazer para romper com a dominação a que elas estão submetidas, ou seja, um meio de promover a liberdade e fazer com que o homem busque permanentemente, como afirma Carlos Wolkmer, “a realização de si mesmo e de tudo o que trava o acesso a sua liberdade e o exercício dela”.
Essa libertação só de dará primeiramente, através de uma consciência crítica, ou seja, consciência essa pautada no sentido de que não existe conhecimento desvinculado da práxis, sendo assim, a consciência crítica, no sentido de Carlos Wolkmer “emerge como elaboração instrumental dinâmica que transpõe os limites naturais das teorias tradicionais, não se atendo apenas a descrever o que está estabelecido, ou a contemplar, equidistantemente, os fenômenos sociais e reais”, ocorrendo assim, a partir da teologia, pedagogia, antropologia, geografia, e sociologia. A partir disso, percebe-se que o campode influencia da filosofia da libertação é bastante amplo tendo seu segmento e fundamentação no que consiste, que a libertação deverá vir do individuo, ou seja, dignidade concreta e emancipação. Sendo assim, essa libertação, emancipação e dignidade só se dará mediante conscientização que só será, por sua vez, possível na prática. Como afirma Dussel, pela teoria orientada para a prática, auxiliando, concretamente, na organização e na conscientização das comunidades, denunciando as injustiças do sistema.
3. POLITICA, DEMOCRACIA E FILOSOFIA DA LIBERTAÇÃO
Partindo da premissa pela qual a filosofia constrói as bases da política e que essa, conseqüentemente, cria a lei e o direito é necessário trazer o conceito de política e de como ela se dará ou poderá ser construída a partir da perspectiva da filosofia da libertação. Sendo assim, política tem a ver com a convivência, ou seja, organização da vida em coletividade que resulta em disposições, investimentos, engajamentos e condutas de seus agentes.
Portanto, não há como se pensar a política sem estar relacionada com a vivência do povo e com suas lutas pelos direitos humanos reais, não pautados na abstração européia, mas concebidos das lutas pela dignidade. Sendo assim, a política não irá se traduzir, tão somente, no que tange a concepção de liberdade do individuo, mas em denunciar a opressão e a dependência além de desenvolver bases de transformação do sistema vigente.
Contudo, a Política Crítica segundo Carlos Wolkmer “revela-se como um diagnóstico científico e uma práxis transformadora das patologias do instituído e das diversas formas da negatividade material (miséria, marginalização, exclusão, negação da cidadania)”. Partindo disso, a noção de Democracia tendo como consecução a criação de leis, desvinculado do sentido filosófico universalista que consiste no vínculo aos preceitos filosóficos e políticos da Europa, e, tomado o sentido de filosofia regionalista que configura um segmento apartado das noções européias, sendo puro e pragmatizado na America latina e nas suas relações sociais.
Por fim, como assevera Erique Dussel “a filosofia crítica da política deve atuar assumindo a responsabilidade pelo outro e contribuindo para implementar estruturas políticas justas e legitimas, mediante novas normas, leis, ações e instituições”. Esse é o sentido da Política filosófica Crítica que a Filosofia da Libertação objetivando os Direitos Humanos reais tenta engendrar na Democracia. Para que a mesma, permaneça voltada a supremacia dos interesses sociais reais, tornando o seu povo donos de sua historia, e trazendo a noção de plena dignidade, autonomia e emancipação.
4. DIREITOS HUMANOS REAIS
Joaquin Herrera Flores traz uma nova perspectiva dos direitos ''como processos institucionais e sociais que possibilitem a abertura e a consolidação de espaços de luta pela dignidade''. Assim como a filosofia da libertação, os direitos humanos devem refletir uma luta pela dignidade, onde o direito conquistado deve se adequar a realidade social do povo, um direito visando uma aplicação na prática. Os direitos humanos são conquistas para aqueles que necessitam do cumprimento dos seus desejos e necessidades. Sendo assim, a América latina precisa de direitos humanos voltados para sua realidade social.
Partindo de uma premissa européia os direitos humanos, nascem da convicção de que todos os seres humanos têm direito a serem igualmente respeitados, pelo simples fato de sua humanidade, conceito esse de amplo alcance. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em um dos seus artigos aborda que todo homem tem direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa. Esse artigo caracteriza a idéia de generalidade, e grande abstração. E tendo uma nova perspectiva dos direitos humanos hodiernamente, visa romper com esse conceito, pois, como já foi visto, os direitos humanos nascem de lutas, e são conquistas da sociedade, que refletem seus interesses para uma vida melhor.
Os direitos humanos costumam ser divididos em dimensões, e cada período tem um marco, pode ser uma revolução, uma constituição, todos eles são frutos da pugna pela dignidade. A primeira dimensão é marcada pela Revolução Francesa, traz os direitos de liberdade, pois é fruto do pensamento liberal burguês, de caráter fortemente individualista, aparecendo como uma esfera limitadora da atuação do Estado representa uma atuação negativa do Estado, uma inação. Os direitos de segunda dimensão reclamam do Estado uma ação que possa proporcionar condições mínimas de vida com dignidade, são os direitos sociais, econômicos e culturais, visa à diminuição da desigualdade. Alexandre de Morais afirma que, ''direitos de terceira dimensão, são chamados direitos de solidariedade e fraternidade, que englobam o direito a um meio ambiente equilibrado, uma saudável qualidade de vida, ao progresso, a paz, a autodeterminação dos povos e a outros direitos''. São direitos coletivos. Paulo Bonavides conceitua os direitos de quarta dimensão como “o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta para o futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência”.
Existe uma necessidade de romper com o padrão abstrato dos direitos humanos da concepção européia, já que esses só terão efetividade se estiverem baseados na prática, ou seja, é necessário a assunção de compromissos e deveres advindos das lutas e práticas sociais. Como assevera Joaquín Herrera Flores, ''nossa teoria crítica dos direitos humanos trabalha com a categoria de deveres autoimpostos nas lutas sociais pela dignidade, e não de direitos abstratos nem de deveres passivos que nos são impostos a partir de fora de nossas lutas e compromissos”.
5. A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS
A teoria da libertação prega ainda, uma ruptura com a educação tradicional de estrutura autoritária, que traz a repetição de padrões alienantes, pois essa repetição induz a perpetuação de injustiças. Tem-se a necessidade então, de uma educação escolar que se identifique com as necessidades reais da vida humana e que possibilite a emancipação cultural, a libertação das comunidades da América Latina.
Paulo Freire com a ''pedagogia do oprimido'' fornece as bases para esse novo modelo educacional direcionado as comunidades periféricas da América Latina, Antonio Carlos Wolkmer, sintetiza a proposta de Paulo Freire como ''um forte instrumento de cunho revolucionário que age íntima e permanentemente no sentido das mudanças e das transformações da sociedade. Trata-se de uma proposta metodológica que privilegia o diálogo, a participação, a formação de uma consciência crítica do mundo e uma nova relação entre os homens. Desse modo, a educação é um processo permanentemente ''refeito pela práxis, revelando-, crítica e criativa''.
Contudo, a educação na América Latina se problematizante está ligada as condicionantes históricas do colonialismo e, posteriormente, da colonialidade. Esses dois fatores deixam heranças culturais de subserviência, e isso contribui para a perpetuação da imagem de imitadores. Portanto, se faz necessário um pensamento epistemológico decolonial, para a efetivação dos aspectos condicionantes da filosofia da libertação. Sendo assim, a cópia dos países ocidentais não desenvolve o pensamento, ela segue com os erros. Uma frase de Simón Rodríguez ilustra bem essa idéia, “e sigamos imitando e errando”.
6. CONCLUSÃO
Por fim, a conclusão chegada é a de que uma filosofia política crítica vinculada aos direitos humanos reais, tendo como base uma educação libertadora, enraizada nos segmentos sociais e de cunho popular traz uma nova concepção de Democracia e consolidação de leis pautadas na práxis e na comunidade, possibilitando ao individuo a concretude dos seus direitos individuais e coletivos em uma perspectiva humanística gerando a emancipação e sua efetiva e real liberdade, ou seja, libertação. Sendo assim, o Direito originado dessa perspectiva segundo Wolkmer “deixa de legitimar e assegurar o interesse dos setores sociais dominantes, para transformar-se no instrumento vivo de humanização da sociedade latino americano”.
Contudo, a ruptura dos aspectos epistemológicos de construção e da colonialidade frente ao ocidente vivifica e modifica os aspectos engrenadores do sistema vigente nos segmentos sociológicos, teológicos, antropológicos, geográficos e jurídico-hermenêutico. Sendo assim, torna seus elementos peça fundamental da construção de um ideário igualitário onde a referencia dominadora perde seu espaço, diante do desabrochar de uma América Latina concisa em sua própria historia tendo como palco central e principal o seu povo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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