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O livramento condicional e o Conselho Penitenciário

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Agenda 04/05/2004 às 00:00

Os Conselhos Penitenciários não devem abdicar de suas atribuições institucionais, pois não perderam a competência para oficiar nos procedimentos de livramento condicional, muito menos da iniciativa deste.

1 - INTRODUÇÃO

Desde sua edição, até recentemente, o art. 70 da Lei de Execuções Penais dispunha, ipsis verbis:

"Art. 70. Incumbe ao Conselho Penitenciário:

I - emitir parecer sobre livramento condicional, indulto e comutação de pena;

II – inspecionar os estabelecimentos e serviços penais;

III – apresentar no 1° (primeiro) trimestre de cada ano, ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, relatório dos trabalhos efetuados no exercício anterior;

IV – supervisionar os patronatos, bem como a assistência aos egressos."

Com o advento da Lei n° 10.792, de 1º de dezembro de 2003, a redação do inciso I foi alterada, ipsis litteris:

"I – emitir parecer sobre indulto e comutação de pena, excetuada a hipótese de pedido de indulto com base no estado de saúde do preso".

Tal norma surge com o intuito de aperfeiçoar o tratamento relativo aos criminosos de maior periculosidade, dando maior rigor à lei, prevendo, dentre outras medidas, o aumento em doze vezes do tempo de prisão celular para as faltas graves, tendo subido dos atuais trinta dias para trezentos e sessenta dias, visando à redução dos problemas de rebeldia nos estabelecimentos carcerários.

A desumanização no cumprimento da pena parece que será a meta do legislador atual. E, assim, toda a evolução rumo à humanização e ressocialização do criminoso teria retornado à estaca zero. Só não chegou a decretar a prisão perpétua ou a pena capital. Mas este certamente será o próximo passo dos legisladores atuais, caso continue a aumentar a criminalidade.

Um ano de prisão celular, por mais saúde e resistência que possua o prisioneiro, certamente o levará para perto da morte, por causa das enfermidades que fatalmente surgirão, a depender de fatores como a idade e a consistência física, além de em nada contribuir para sua ressocialização. A Medicina Legal, a Psiquiatria, a Psicologia e a Sociologia certamente dirão a última palavra sobre o retorno, em plena democracia, da tortura física e mental.

Para nós, a própria constitucionalidade de uma brutalidade ou monstruosidade desse jaez já é algo duvidoso. De qualquer forma, fica o alerta de quem já teve a oportunidade de observar pessoalmente as modificações que surgem na pessoa sujeita a isolamento celular.

Outra face obscura da nova lei, com a devida vênia pelos dignos legisladores, diz respeito ao desprezo aos juízes da execução que nem serão ouvidos no caso de transferência de preso de um estado para outro, pois tudo dependerá do livre arbítrio dos diretores dos presídios e outras autoridades administrativas superiores, passando pelos Secretários de Segurança Pública, pelos Governadores de Estado e pelo Ministro da Justiça, entre outros.

Estamos a assistir, perplexos, a um fenômeno de desjurisdicização do cumprimento da pena, como se estivesse ocorrendo um progresso rumo à idade média, pois o Juiz da execução, cuja presença tem por escopo a garantia da vigilância da autoridade judiciária sobre os destinos dos presos, vê-se transformado em peça de atavio, perdendo certas atribuições que sempre foram imanentes à jurisdição pelo menos durante os últimos cem anos. Se no momento o respeito aos princípios constitucionais nos processos administrativos no ambiente carcerário, salvo exceções, já não passa de uma ficção, depois da nova lei, não se sabe o que se poderá esperar.

A inovação mais perigosa, a nosso ver, é a supressão do controle jurisdicional sobre as transferências de presos, a começar porque nenhum juiz, nem o de onde o preso é transferido, nem o do local para onde será transferido, terá fácil acesso à sua pessoa, pois, em princípio, nenhum deles deverá ser consultado sobre a conveniência da transferência. Se não começarem a desaparecer certos presos, sobretudo aqueles tidos como de difícil ressocialização, será um milagre.

Pela nova lei, o juiz nem sequer deverá ser comunicado sobre a transferência de preso sob sua jurisdição para outro estado. Ainda bem que alguém conseguiu introduzir uma emenda dispondo que, pelo menos depois de feita a transferência, o juiz conhecerá da movimentação. Mas neste momento, o preso já estará longe de sua alçada, já noutra jurisdição, onde o juiz também não deverá ser comunicado, pelo menos é o que esperamos que não venha a acontecer.

Em que pese todos os dirigentes de estabelecimentos prisionais, os secretários de segurança, o Ministro da Justiça, em tese, serem idôneos, é possível imaginar que alguém possa fazer uso desse excesso de autoridade para beneficiar certos presos, levando-os para os presídios de sua escolha, onde sua fuga seria mais fácil, anteriormente planejada, ou seja, dependendo apenas de uma questão de tempo. O preso poderá escolher, por exemplo, entre uma penitenciária com menor grau de segurança ou onde pessoas influentes e de seu ciclo de relacionamentos possam supri-lo de telefone celular e outras regalias, como por exemplo, as meninas que são levadas, até pelas próprias mães, para o "faire le trottoir", mediante certas recompensas. A imprensa tem divulgado fatos dessa natureza, onde a falta de rigor no controle de entrada e saída enseja ocorrências tais.

Como é de conhecimento público, até advogados já foram flagrados levando correspondência e agindo como "pombos-correio", entre as prisões, conforme recente reportagem na Revista Época.

Por outro lado, a esta altura, a experiência está a indicar que os Magistrados, de regra, dada a natureza de suas atribuições e a pletora de processos, não irão entrar em campo de batalha para fazer retornar o preso ao presídio de onde saiu. Esta espécie de atitude não é aconselhável a um juiz, embora reduzido seu prestígio, ao saber, depois, das deliberações dos diretores de presídios das quais ele seja o último a saber. A tendência mais provável é que o magistrado certamente deixará o assunto na conta dos fatos consumados.

A própria exposição de motivos do famigerado projeto que se converteu na lei, ora sub censura, dá a entender que a Justiça até atrapalha, no caso, por exemplo, de uma rebelião, quando todos os presos pertencentes a uma certa facção teriam que ser removidos imediatamente, de um presídio para outro, e o Juiz certamente não estaria apto a adotar uma tal decisão com a urgência requerida pelas circunstâncias.

Parece-nos que isto não passa de mais um passo nesta campanha de reforma do Judiciário, no sentido de minimizar suas atribuições, como se o Juiz fosse o culpado pelas cadeias superlotadas e pela impunidade, sobretudo dos corruptos, do pessoal do "colarinho branco" e assim por diante.

Aliás, os autores de crimes financeiros (colarinho branco) que o Ministério Público Federal e o Conselho Penitenciário do Distrito Federal conseguiram, a duras penas, colocar entre os não beneficiários de indulto, pelo novo decreto indultório, poderão ser indultados.

A tudo isso, pode-se acrescentar outra espécie de "tiro no próprio pé", que foi a supressão do parecer criminológico da Comissão Técnica de Classificação, existente em cada estabelecimento prisional, imprescindível para a aferição de certos requisitos subjetivos necessários à progressão e à regressão de regimes carcerários.

Mas não ficou só nisso. O legislador atual terminou por tentar suprimir também atribuições do Conselho Penitenciário, tudo, segundo anunciado, na tentativa de combater o chamado crime organizado.

Alguém já disse que não existe crime organizado. O que deve existir é um estado desorganizado, no qual o crime prolifera de forma incontrolável. Se o estado cumprir o seu papel de proporcionar segurança pública ao cidadão, conforme lhe impõe a Constituição Federal, certamente o chamado crime organizado será desorganizado.

O propósito deste estudo, entretanto, é demonstrar a imprescindibilidade do papel dos Conselhos Penitenciários na execução da pena e que não foram suprimidas suas atribuições de fiscalizar a execução das penas, inspecionar os estabelecimentos penais, dirigir ou supervisionar os patronatos e entidades similares, além do dever de prestar consultoria perante o Judiciário, não foram suprimidos pela novel legislação, sendo este um motivo pelo qual discordamos de certas autoridades que defendem, não se sabe com base em que princípios, que os Conselhos Penitenciários teriam perdido as atribuições de emitir parecer em livramento condicional, certamente partindo da interpretação meramente isolada de um dispositivo, sem fazer sua correlação com os demais.


2 - ALGUNS PRECEDENTES HISTÓRICOS DO LIVRAMENTO CONDICIONAL NOUTROS PAÍSES

O livramento condicional teve seus primeiros momentos existenciais na França, na Austrália e na Inglaterra, de onde foi se espalhando para outros países, quando ainda era confundido com a graça.

Na França, ensina ARMANDO COSTA, surge, em 1832, com aplicação restrita aos menores reclusos que tivessem dado provas de sua regeneração. A saída do menor do estabelecimento era realizada com solenidade em que se assinalava que o liberado deveria regressar à prisão caso se mostrasse indigno do favor recebido. E, depois, foi estendido aos adultos os benefícios desse instituto. (COSTA, Armando. "Livramento Condicional", Livraria Jacyntho, Rio de Janeiro, 1934, págs. 15-20).

Na Espanha, num momento seguinte, em 1835, assinala-se uma prática semelhante à da França, introduzida pelo Coronel MONTEZINOS, com relação aos menores internados na prisão de Valença, que estivessem presumidamente regenerados.

Na Inglaterra, as origens do livramento condicional referem-se aos presos deportados para a Austrália e aparece combinado com a faculdade de graça concedida pelos Governadores da Colônia. Como a deportação era temporária, para evitar o fato, em certos casos inconveniente, do retorno dos presos, depois de certo tempo, para a Inglaterra, os Governadores da Colônia perdoavam-lhes do resto da pena, sob a condição de fixarem-se na própria colônia, e doavam-lhes terras para o cultivo em seu próprio proveito.

Devido aos conflitos surgidos na Austrália entre colonos livres e colonos condenados, a Inglaterra, em 1847, passou a não remeter os condenados para lá cumprirem a pena. Aguardavam presos na Metrópole, onde, depois de certo tempo e preenchidas as demais condições, era antecipada a liberdade e mandados para a Colônia, sob a aparência de homens livres. Em 1853, a Coroa chamou a si a faculdade de conceder ou revogar a liberdade condicional (licence to be al large), instituiu a vigilância e estabeleceu as obrigações que deveriam ser impostas àqueles que obtivessem o favor legal. Em 1868, cessou completamente a deportação para a Austrália, cumprindo-se completamente a execução do livramento condicional na Coroa.

Por sua vez, o Jurista ALIOMAR BALEEIRO assinala a origem do livramento condicional em 1771, em escritos do Visconde JEAN VILAIN, ou Visconde VILAIN XIV, fundador da famosa prisão de Gand, que teria publicado, em 1775, certa memória – "Memoire sur les moyens de corriger les malfaiteurs" – lançando a concepção pioneira do livramento condicional.

Na Espanha, o Código Penal de 1822, no capítulo IX do título preliminar, esboça um rebaixamento da pena imposta aos que, condenados a mais de dois anos de prisão, cumprissem a metade da sentença. Esse dispositivo foi severamente criticado, mas, não obstante, em 1835, praticou-se a libertação condicional nesse país, graças à iniciativa do Coronel MONTESINOS que, governando a prisão de Valença, nela introduziu um sistema penitenciário cujo terceiro período era nada mais nada menos que o encurtamento da pena mediante cláusulas.

A França conheceu-o ao mesmo tempo em que a Inglaterra e foi provavelmente o primeiro lugar em que a execução leiga sucedeu a ponderação doutrinária e científica. Uma circular ministerial de 9 de dezembro de 1832 recomendava a sua aplicação aos jovens delinqüentes. E mais tarde, o Conselheiro BONNEVILLE DE MARSANGY, Procurador da República em Versailles, no "Traité des diverses institutions complementaires du regime penitentiaire", publicado em 1847, delineou medidas entre as quais nitidamente se percebe a soltura condicional.

Um projeto de lei apresentado à Câmara francesa em 1843 abrigava o livramento condicional, que, afinal, penetrou francamente no direito constituído pelo art. 3º da lei de 5 de agosto de 1850, que facultava aos jovens detidos das colônias penitenciárias, a título de experiência e mediante condições determinadas pelo regulamento da administração pública, a colocação provisória fora da colônia.

Coube entretanto à Inglaterra alcançar o êxito que disseminou a prática do livramento condicional pelo mundo afora, sendo que a experiência frutuosa iniciou-se em 1829 nas possessões da Oceania. Os resultados felizes que a coroaram nas terras longínquas da Austrália se refletiram na adaptação advogada na Escócia, em 1839, pelos irmãos FEDERICK e DAVENPORT HILL e a adoção na penitenciária construída de 1840 a 1842 em Pentonville, lugar próximo a Londres, finalmente a integração no sistema aplicado por WALTER CROFTON em 1853, ao regime carcerário da Irlanda.

O livramento condicional experimentado com êxito na Colônia foi adotado em cada uma das partes do reino insular, constituindo a outorga do "ticket of leave", carta de licença revogável que se conferia aos bons reclusos. (BALEEIRO, Aliomar. O Livramento Condicional. Bahia. Imprensa Oficial do Estado. 1926, págs. 3 e seguintes).


3 – PRECEDENTES DO LIVRAMENTO CONDICIONAL E DO CONSELHO PENITENCIÁRIO ENTRE NÓS

No Brasil, os doutrinadores situam o surgimento do livramento condicional no primeiro Código Penal da República, o Decreto nº 847, de 11 de outubro de 1890, outorgado pelo Marechal Floriano Peixoto, que dispôs sobre este instituto nos arts. 50 a 52, nestes termos:

"Art. 50. O condenado à prisão celular por tempo excedente de seis anos e que houver cumprido metade da pena, mostrando bom comportamento, poderá ser transferido para alguma penitenciária agrícola, a fim de aí cumprir o restante da pena.

"§ 1º Se não perseverar no bom comportamento, a concessão será revogada e voltará a cumprir a pena no estabelecimento de onde saiu.

"§ 2º Se perseverar no bom comportamento, de modo a fazer presumir emenda, poderá obter livramento condicional, contanto que o restante da pena a cumprir não exceda de dois anos.

"Art. 51. O livramento condicional será concedido por ato do poder federal, ou dos Estados, conforme a competência respectiva, mediante proposta do chefe do estabelecimento penitenciário, o qual justificará a conveniência da concessão em minucioso relatório.

"Parágrafo Único. O condenado que obtiver livramento condicional, será obrigado a residir no lugar que for designado no ato da concessão e ficará sujeito à vigilância da polícia.

"Art. 52. O livramento condicional será revogado, se o condenado cometer algum crime que importe pena restritiva de liberdade, ou não satisfizer a condição imposta. Em tal caso, o tempo decorrido durante o livramento não se computará na pena legal; decorrido, porém, todo o tempo, sem que o livramento seja revogado, a pena ficará cumprida."

Embora o Código Penal de 1890 já previsse o instituto do livramento condicional, conforme dispositivos que acabamos de transcrever, os autores consultados são unânimes em afirmar que este somente em 1924 foi regulado e efetivamente executado, nos termos do Decreto nº 16.665, de 6 de novembro de 1924, quando veio a assumir as características de medida jurisdicional, aliás, conforme lição de ARMANDO COSTA, um dos mais festejados monografistas sobre o tema:

"Prometida desde o Código Penal de 1890, a liberdade condicional, na execução das penas, só veio a ser praticada com o Decreto nº 16.665, de 6 de novembro de 1924." (COSTA, Armando. "Livramento Condicional", Livraria Jacynto, Rio de Janeiro, 1934, "Livramento Condicional", Prefácio, pág. IX).

A seguir, transcreve-se o Decreto nº 16.665, de 1924, nas partes que mais de perto interessam à demonstração da dependência recíproca entre livramento condicional e Conselho Penitenciário, desde suas origens:

"Art. 1º Poderá ser concedido livramento condicional a todos os condenados a penas restritivas da liberdade por tempo não menor de quatro anos de prisão, de qualquer natureza, desde que se verifiquem as condições seguintes: (...)

"Art. 2º As condições estatuídas no artigo anterior serão verificadas pelo Conselho Penitenciário, constituído pelo Procurador da República, por um representante do Ministério Público local e por cinco pessoas gradas de livre nomeação do Presidente da República no Distrito Federal e Território do Acre e pelos Presidentes ou Governadores nos Estados, onde não houver penitenciária federal, escolhidos de preferência três membros dentre professores de direito ou juristas com atividade forense, e dois dentre professores de medicina ou clínicos profissionais. (...)

"§ 5º O Conselho Penitenciário poderá funcionar com a presença de cinco dos seus membros, inclusive o presidente, com direito a voto, deliberando por maioria. (...)

"Art. 3º São atribuições do Conselho Penitenciário:

"1º Verificar a conveniência da concessão do livramento condicional e de indulto, a fim de serem promovidas as necessárias providências, a requerimento do preso, representação do diretor do estabelecimento penal, ou por iniciativa própria do Conselho;

"2º Visitar, pelo menos uma vez por mês, os estabelecimentos penais da zona da sua jurisdição, verificando a boa execução do regime penitenciário legal e representando ao governo respectivo, sempre que entender conveniente qualquer providência;

"3º Verificar a regularidade da execução das condições impostas aos liberados condicionais e aos egressos localizados em colônias de trabalhadores livres ou em serviços externos, providenciando como for conveniente;

"4º Apresentar anualmente o relatório dos trabalhos efetuados.

"Art. 4º Para os efeitos da concessão do livramento condicional deverá ser apresentado ao Conselho Penitenciário pelo diretor do estabelecimento penal um relatório que versará sobre o seguinte:

"1º Circunstâncias peculiares à infração da lei penal que possam concorrer para apreciação da índole do preso;

"2º Caráter do liberando, revelado tanto nos antecedentes, como na prática delituosa, que oriente sobre a natureza psíquica e antropológica do preso (tendência para o crime, instintos brutais, influência do meio, costumes, grau de emotividade, etc...);

"3º Procedimento do sentenciado na prisão, sua docilidade ou rebeldia em face do regime, aptidão para o trabalho e relações com os companheiros e funcionários do estabelecimento;

"4º Relações afetivas do sentenciado (família, amigos, etc.);

"5º Situação econômica, profissional e intelectual do preso;

"6º Seus projetos para depois do livramento, especialmente futuro meio de vida. (...)

"Art. 6º O Conselho Penitenciário, ao verificar as condições de cada preso, deverá ter sempre em vista que o livramento condicional se destina a estimular o condenado a viver honestamente em liberdade, reintegrando-se pouco a pouco na sociedade dos homens livres, mantido porém o temor da sua nova reclusão, caso não proceda satisfatoriamente.

"Art. 7º O livramento condicional deverá, sempre que for possível, importar na transferência do liberado para colônia de trabalhadores livre, onde lhe poderá ser concedido um lote de terra, cuja propriedade poderá adquirir mediante condições módicas e pagamentos parcelados, sendo-lhe lícito transferir para ali a família.

"Art. 8º O livramento condicional só poderá ser concedido por sentença proferida nos próprios autos do processo crime, pelo Juiz ou presidente do tribunal perante o qual tiver sido realizado o julgamento, em primeira ou em única instância, ou pelo Juiz das execuções criminais, onde o houver, em cujo cartório ou secretaria deve achar-se o processo, sem prejuízo da competência do Juiz federal.

"§ 1º O pedido de concessão será encaminhado por ofício do Presidente do Conselho Penitenciário, instruído com as cópias da ata de deliberação do mesmo Conselho e do relatório informativo que tiver sido apresentado.

"§ 2º Depois de juntos aos autos do processo crime o ofício de solicitação com os documentos, e do parecer do representante do Ministério Público competente, o Juiz ou o presidente do tribunal proferirá sentença, cabendo da concessão recurso com efeito suspensivo. (...)

"Art. 12. Em caso algum poderá o livramento condicional ser concedido por ato de qualquer autoridade administrativa, nem sem prévia audiência do Conselho Penitenciário, sendo nula de pleno direito e inexeqüível a concessão dada com preterição dessa formalidade e das constantes do art. 8º e seus parágrafos.

"Art. 13. O livramento condicional será efetuado em dia marcado pelo Conselho Penitenciário, solenemente, para estímulo da regeneração dos outros presos, observando-se o seguinte:

"1º A sentença será lida pelo presidente do Conselho Penitenciário na presença dos demais presos, salvo motivo relevante;

"2º O diretor do estabelecimento penal despertará a atenção do liberando sobre as condições a observar no gozo dessa liberdade limitada;

"3º O preso deverá declarar se aceita as condições impostas, do que tudo será lavrado, em livro próprio, o competente termo, por ele subscrito, do qual se lhe dará cópia autenticada pelo diretor do estabelecimento penal, devendo ser outra cópia remetida ao Juiz respectivo para ser juntada ao processo penal. (...)

"Art. 18. Verificando o Conselho Penitenciário que o liberado transgrediu qualquer das condições impostas, poderá, conforme a gravidade das faltas, representar ao Juiz respectivo, pedindo a revogação do livramento condicional concedido e a volta do liberado à prisão de onde saiu, ou a outra mais severa.

"Art. 19. Praticada pelo liberado nova infração penal, poderá o Juiz, ouvido o Conselho, mandar recolhê-lo ao estabelecimento penitenciário, que melhor convenha, quer durante o novo processo, quer depois dele; devendo, porém, sempre terminar primeiro o tempo da pena da infração penal anterior, sem direito algum a qualquer regalia, nem mesmo a manutenção da classe em que primitivamente se encontrava ao tempo da concessão do livramento condicional."

A propósito do livramento condicional e sua necessária vinculação com o Conselho Penitenciário, colhe-se a seguinte lição de ARY AZEVEDO FRANCO:

"Posto o instituto do livramento condicional tenha sido introduzido na nossa legislação desde 1890, a ele se referindo o Código Penal, nos artigos 50 a 52, entretanto, a sua aplicação é de data recente, pois que somente foi regulamentado pelo decreto 16.665, de 6 de novembro de 1924, elaborado por uma comissão de juristas ilustres, composta dos Doutores ASTOLPHO REZENDE, CANDIDO MENDES, MAFRA DE LAET e MELLO MATTOS, os quais receberam essa incumbência desse grande espírito que foi JOÃO LUIZ ALVES, e quando ocupava ele a Pasta da Justiça, no Governo do Presidente ARTHUR BERNARDES, sendo que a dita regulamentação adveio da delegação da Lei nº 4.577, de 5 de setembro de 1922." (Livramento Condicional. FRANCO, Ary Azevedo. Editor: A. Coelho Branco Filho, ano 1931, p. 8).

O livramento condicional, antes do Decreto nº 16.665, de 1924, seria medida a ser deferida por ato de autoridade que o Código Penal de 1890 não especificava, deixando o intérprete em estado de perplexidade.

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O art. 51 do Código Penal apenas dispunha que o livramento condicional seria concedido por ato do poder federal, ou dos Estados, conforme a competência respectiva, mediante proposta do chefe do estabelecimento penitenciário e nada mais acrescentava. Por isso que indagava o Professor ALIOMAR BALEEIRO:

"Que autoridade, a judiciária ou administrativa? A última, porque o legislador escreveu ato e não sentença – pensaram, devassando as palavras... São Paulo assim entendeu e preceitua que o Presidente do Estado concedesse a medida por decreto (L. nº 1406 de 26 de dezembro de 1913, art. 12, § 1º; Dec. nº 3.706 de abril de 1924, art. 3º). O Pará decidiu-se pelo processo misto e estabeleceu proposta do Juiz de Direito prolator da sentença, julgamento do Tribunal de Justiça e finalmente decreto do Governador (Lei nº 6, de março de 1900, art. 2º e parágrafos). Com esse mecanismo a soltura definitiva chegaria antes que os papéis fossem relatados, discutidos, julgados, remetidos e decretada enfim a liberação pelos dois anos restantes, de acordo com o § 2º do art. 50 do Código Penal.... (BALEEIRO, Aliomar. "O Livramento Condicional", Tese com que concorreu à "Livre Docência" da "2ª Cadeira de Direito Penal", da atualmente "Universidade Federal da Bahia", publicada pela "Imprensa Oficial do Estado", 1926, que pode ser encontrada na Biblioteca do Senado - L-341.5435, B 183, LCO, pág. 33).

Noutra passagem, prossegue o Jurista Baiano em sua elevada sabedoria, dissertando sobre os primórdios do instituto do livramento condicional:

"O Código Penal da República que, como Decreto nº 847, teve sanção a 11 de outubro de 1890, moldado na lei semelhante que entrou em vigor na Itália ao raiar do mesmo ano, inscreveu no seu texto a liberação antecipada.

"As condições exigidas para a sua concessão foram de tal ordem que instituto não pôde ter vida além das folhas do Código." (BALEEIRO, Aliomar. "O Livramento Condicional", cit., pág. 34)

noutra parte da primorosa monografia, prossegue o ilustre Professor, Jurista, Político e, finalmente, Ministro do Supremo Tribunal Federal, suas lições:

"Os arts. 50 a 52 do Código nunca tiveram a menor execução. Não possuímos prisões rigorosamente celulares nem penitenciárias agrícolas. O indulto do poder executivo foi em regra o encurtamento costumeiro das penas no Brasil." (BALEEIRO, Aliomar. "O Livramento Condicional", cit., pág. 36). (...)

"Como se verifica de tudo isso, o instituto existiu, letargicamente, dentro do papel durante sete lustros. Verdade é que alguns Estados da federação brasileira cuidaram da forma adjetiva correspondente aos artigos do Código Penal. O Pará, por iniciativa do Senador Turiano Meira estabeleceu na Lei nº 679 de 15 de março de 1900 o processo para a liberação antecipada que, todavia, nunca chegou a executar-se em vista do Superior Tribunal de Justiça desse Estado ter resolvido que era inaplicável o instituto enquanto se não organizasse o regime penitenciário do Código Penal. (BALEEIRO, Aliomar. "O Livramento Condicional", cit., págs. 37-38). (...)

"Latente no Código, desconhecido na prática, o livramento condicional foi prometido à Nação num programa político. De fato, o que o Congresso se não dispusera a remediar, o Executivo o fez, baseado na autorização do Dec. nº 4.577, de 5 de setembro de 1922.

"Assim foi que um projeto elaborado pelos Doutores CÂNDIDO MENDES DE ALMEIDA, ASTOLPHO VIEIRA REZENDE, J. CANDIDO MELLO MATTOS e J. H. MAFRA LAERT, depois de receber a exposição de motivos com que o Ministro JOÃO LUÍS ALVES o apresentou à sanção presidencial se transformou no Decreto nº 16.665 de 6 de novembro de 1924. Ficou por ele regulamentada a soltura condicional que por sua vez se tornou realizável dentro das condições atuais da república, enquanto se não efetua a reforma penitenciária planejada por esse saudoso titular da Pasta da Justiça." (BALEEIRO, Aliomar. "O Livramento Condicional", cit., págs. 38-39).

E, nas linhas transcritas a seguir, demonstra o Catedrático ALIOMAR BALEEIRO que o Conselho Penitenciário é instituto univitelino do livramento condicional. Enquanto não foi criado este instituto, aquele não se tornou realidade. Este foi criado para que aquele saísse do papel e se tornasse um direito concreto do preso. São as seguintes as lições do Jurista baiano:

"O Conselho Penitenciário, à feição das comissões de vigilância, do "board of managers", etc., verifica se o liberando reúne os requisitos indispensáveis à outorga do livramento condicionado e chegando á conclusão favorável, funciona como promotor do processo respectivo. O diretor do estabelecimento penal apresentará ao Conselho, como base dos trabalhos, um relatório versando sobre as circunstâncias peculiares à infração que interessarem à apreciação da índole do preso, o caráter deste revelado tanto pelos antecedentes como pelo próprio crime, servindo isso de orientação sobre a sua natureza psíquica e antropológica (tendência para o crime, instintos brutais, influência do meio, costumes, grau de emotividade, etc.), procedimento na prisão, aptidão para o trabalho, relações com os companheiros e funcionários e as de caráter afetivo, situação econômica, profissional e intelectual, enfim, os seus projetos para depois do livramento, especialmente futuro meio da vida (art. 4º). Como se vê, aí está mais que o retrato moral do preso, uma série deles, quase uma película cinematográfica: - o liberando considerado dinamicamente, visto fora da estabilidade falsa da célula...

"Neste ponto só a organização científica poderá realizar o intuito do legislador que se arrisca na prática às preferências e sentimentos dos cidadãos, que, não raro, pelas vicissitudes da vida se fazem administradores de prisões.

"Prevendo a falta de exação no cumprimento dos deveres por parte do diretor do estabelecimento penal, o parágrafo único do art. 4º dá iniciativa ao Conselho Penitenciário para conhecer diretamente dos casos passíveis destinados a individualizar o tratamento regenerador do internado e determinar o grau de sua responsabilidade." (BALEEIRO, Aliomar. "O Livramento Condicional", cit., págs. 42-43).

A propósito, assim ensinou ARMANDO COSTA:

"Os criminosos têm a mesma culpa que os morféticos e os tuberculosos, perante a Ciência – são vítimas a tratar, a salvar, se possível, ou, pelo menos, a ‘assistir’ sempre." (MARGARINOS TORRES, apud COSTA, Armando. "Livramento Condicional", Livraria Jacynto, Rio de Janeiro, 1934, Prefácio, pág. IX).

O Conselho Penitenciário surgiu com as atribuições previstas no art. 3º do Decreto nº 16.665, de 6 de novembro de 1924, conforme anota BERGAMINI MIOTTO ("Curso de Direito Penitenciário", cit., p. 713), e que são, entre outras: verificar a conveniência da concessão do livramento condicional; visitar, pelo menos uma vez por mês, os estabelecimentos penais, verificando a boa execução do regime penitenciário (...); e verificar a regularidade da execução das condições impostas aos liberados condicionais (...)."

Apresentando à aprovação presidencial o Projeto do Decreto nº 16.665, na Exposição de Motivos, o Ministro da Justiça, JOÃO LUIZ ALVES, registrou:

"Apesar das lacunas do regime penitenciário nada impede a prática do livramento condicional, como o reconheceu a Lei nº 4.577, de 5 de setembro de 1922, desde que ele seja cercado das garantias que o projeto, com muita felicidade, instituiu. Essas garantias residem: (...) d) na necessidade de ser a concessão precedida de informação minuciosa e favorável do Conselho Penitenciário, constituído de forma a assegurar o rigor e a imparcialidade dos seus atos; (...)". (ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, Anotação nº 1472, p. 120).

Segundo a lição de ROBERTO LYRA:

"O Brasil caracterizou, originalmente, o instituto, associando a intervenção administrativa, através, sobretudo, do Conselho Penitenciário – criação brasileira – e a judiciária, conferido a esta o julgamento e àquele a instauração e a crítica dos pedidos, bem como a vigilância." (LYRA, Roberto. Comentários ao Código Penal, vol. II, Revista Forense, Rio de Janeiro, 1942, p. 415).

Surge como substituto da comutação de penas, "de uso, por vezes, inconveniente", conforme assinalou o Ministro da Justiça, JOÃO LUIZ ALVES, na Exposição de Motivos de 5 de novembro de 1924.

Em 1940, o legislador voltou a tratar do assunto, conforme consta da Exposição de Motivos do Ministro da Justiça, FRANCISCO CAMPOS, encaminhando ao Presidente da República o Projeto que se converteu no Código Penal de 1940, onde anotou que o livramento condicional é:

"(...) a última etapa de um gradativo processo de reforma do criminoso. Pressupõe um indivíduo que se revelou desajustado à vida em sociedade, de modo que a pena imposta, além do seu caráter aflitivo (ou retributivo), deve ter o fim de corrigir, de readaptar o condenado. Como derradeiro período de execução da pena pelo sistema progressivo, o livramento condicional é a antecipação de liberdade ao sentenciado, a título precário, a fim de que se possa averiguar como ele se vai portar em contato, de novo, com o meio social. (...). Durante o livramento, fica o liberado sujeito à vigilância de patronatos oficiais, subordinados ao Conselho Penitenciário."

Ainda sobre o livramento condicional, assim dispunha o Código Penal de 1940:

"Art. 62. O livramento somente se concede mediante parecer do Conselho Penitenciário, ouvido o diretor do estabelecimento em que está ou que tenha estado o liberando (...).

"Art. 63. O liberado, onde não exista patronato oficial ou particular dirigido pelo Conselho Penitenciário, fica sob a vigilância da autoridade policial."

O art. 63 transcrito está com a redação dada pela Lei nº 1.431, de 12 de setembro de 1951, que também alterou o art. 725 do Código de Processo Penal, dando-lhe a seguinte redação:

"Art. 725. A vigilância do patronato oficial ou particular, dirigido ou inspecionado pelo Conselho Penitenciário, ou de autoridade policial, exercer-se-á para o fim de:

"I – proibir ao liberado a residência, estada ou passagem nos locais indicados na sentença;

"II – permitir visitas e buscas necessárias à verificação do procedimento do liberado;

"III – deter o liberado que transgredir as condições constantes da sentença, comunicando o fato não só ao Conselho Penitenciário como também ao Juiz, que manterá ou não a detenção."

A regra do art. 63 do Código Penal passou a integrar o art. 70, inciso IV, da Lei de Execução Penal:

"Art. 70. Incumbe ao Conselho Penitenciário: (...)

"IV - supervisionar os patronatos, bem como a assistência aos egressos."

O patronato, conforme o art. 78 da LEP, "destina-se a prestar assistência aos albergados e aos egressos (artigo 26)".

Nos termos dos incisos do art. 79 da LEP, incumbe ainda aos patronatos:

"I - orientar os condenados à pena restritiva de direitos;

"II - fiscalizar o cumprimento das penas de prestação de serviço à comunidade e de limitação de fim de semana;

"III - colaborar na fiscalização do cumprimento das condições da suspensão e do livramento condicional."

Todas essas atribuições devem ser desenvolvidas sob a supervisão dos Conselhos Penitenciários, evidentemente, onde existem patronatos, que, infelizmente, são bem poucos no Brasil. Mas onde não existem, outros órgãos, que exercem idênticas atribuições, ficam sob a supervisão dos Conselhos Penitenciários.

O Professor MIRABETE (Execução Penal, Comentários, Editora Atlas, 9ª edição, 2000, p. 224) anotou que uma pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça, em 1989, constatou a existência de apenas três patronatos em todo o Brasil, localizados no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e em Belo Horizonte.

O que mais releva, entretanto, é a constatação de que a lei atribui aos Conselhos Penitenciários a supervisão dos patronatos, o que, dadas as relevantes atribuições destes, é mais um indicativo de que o legislador, ao suprimir a atribuição de emitir parecer sobre livramento condicional, certamente o fez por desconhecer o rol de suas atribuições, por isso que legislou de forma contraditória e incompatível com a natureza do instituto, que nem necessitaria de previsão expressa quanto a esta atribuição, de emitir parecer em livramento condicional, tal o elenco de atribuições que a lei lhe conferiu.

Afinal, não se pode olvidar que o marco inicial para a criação do livramento condicional, foi a Lei nº 4.577, de 1922, que veiculou a "autorização legislativa" para que uma

"(...) comissão, presidida pelo Professor CÂNDIDO MENDES, pudesse preparar um anteprojeto de regulamentação, transformando o livramento condicional em um estágio normal da pena não inferior a quatro anos de prisão sem nenhuma restrição de caráter objetivo, aplicável como providência judiciária, estudada e proposta por um Conselho Penitenciário, apreciada e decidida pelo Juiz da execução da pena. Assim, o Decreto nº 16.665, de 6 de novembro de 1924, que é federal, por tratar-se de direito substantivo aplicável a todo o Brasil, adotando aquela orientação de considerar o livramento condicional medida meramente judiciária, criou os conselhos penitenciários...". (ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 4ª edição, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1956, Anotação nº 1485, p. 196).

Sendo o livramento condicional um "estágio normal da pena" e cabendo ao Conselho Penitenciário fiscalizar a execução da pena como um todo, evidentemente, estando os estágios compreendidos no todo, cabe-lhe fiscalizar também o livramento condicional, desde sua propositura, passando por sua concessão, até o seu integral cumprimento pelo condenado.

Escreveu CÂNDIDO MENDES, tido como o fundador dos Conselhos Penitenciários entre nós, no Relatório do 10º Congresso Penal e Penitenciário Internacional de Praga de 1930, que o Conselho Penitenciário é

"(...) considerado, por lei, como serviço público relevante, o que permite nomear o governo pessoas de alta posição social e de absoluta independência. São esses conselhos que, devendo visitar mensalmente as penitenciárias, verificam o procedimento dos condenados. E quando estes têm cumprido mais de dois terços da pena, ou mais de metade, em relação aos transferidos para penitenciárias agrícolas ou aplicados em serviços externos de utilidade pública, se os antecedentes não demonstram perigo de temibilidade nem tiverem incorrido em falta grave, delibera o conselho solicitar ao Juiz, incumbido de velar pela execução penal, a sentença do livramento, depois de ouvido o representante do Ministério Público." (ESPÍNOLA FILHO, Eduardo. Código de Processo Penal Brasileiro Anotado, 4ª edição, Editor Borsoi, Rio de Janeiro, 1956, Anotação nº 1485, p. 196).

Sendo certo que a execução da pena, em sua totalidade, incumbe ao Conselho Penitenciário fiscalizar e supervisionar, à luz da legislação pátria, é certo igualmente que os estágios do cumprimento da pena não podem estar fora das atribuições de fiscalização que lhe são incumbidas (LEP, art. 69).

Assim, os dois institutos, nascidos praticamente unidos pelo mesmo cordão umbilical, o livramento condicional e o Conselho Penitenciário, este para dar efetividade àquele, em realidade, não foram separados pela nova lei, nem suprimido um deles.

Tendo previsto que deveria este Colegiado ser composto por um "Procurador da República", um "representante do Ministério Público local", mais "cinco pessoas gradas, de preferência", incluindo "três juristas, professores ou profissionais militantes" e "dois médicos, professores ou profissionais militantes", na verdade, criou uma instituição tão sólida que exonerá-lo de sua missão institucional, somente com sua extinção seria possível.

A orientar-se por sua composição, na forma como fora concebido, verifica-se que se trata de um órgão com todos os requisitos tendentes a acertar em suas decisões, a começar pela idoneidade e reputação tradicionalmente ostentadas por seus Conselheiros, tendo passado por este os mais altos luminares da Ciência.

O Médico Legista FLAMÍNIO FÁVERO, Professor de Medicina Legal da então Faculdade de Direito de São Paulo, que integrou a primeira composição do Conselho Penitenciário, nele permaneceu por mais de vinte e sete (27) anos, conforme lembra em preciosíssima monografia (Livramento Condicional, Revista Forense, vol. 164, ano 53, págs. 437-444).

Como demonstrado, os Conselhos Penitenciários, como a unanimidade dos juristas atesta, mais uma instituição genuinamente brasileira, foram criados com a finalidade precípua de – no exercício de suas atribuições como órgãos consultivos e de fiscalização da fiel execução da pena, na qualidade de verdadeiro tribunal administrativo representativo da sociedade – representar aos Juízes da Execução Criminal pela concessão de livramento condicional, naturalmente quando, nas inspeções rotineiramente feitas nos estabelecimentos prisionais, seja constatado que este dever não tenha sido cumprido pelos dirigentes dos presídios.

Em verdade, doutrinariamente, a definição da autoridade a quem deve ser atribuída a competência para conceder o livramento condicional ainda não está pacificada em doutrina, conforme lição do Professor ANÍBAL BRUNO:

"Divergem a doutrina e as legislações sobre qual a autoridade a que se deve cometer a função de conceder o livramento condicional. Para alguns conviria ser entregue a comissões especiais de vigilância e assistência aos liberados e assim se procede nos Estados Unidos em referência o instituto da parole, equivalente ao livramento. (...). Outros propõem a autoridade administrativa, o diretor do estabelecimento penitenciário, mais próximo do liberando, se alega, e, assim, mais apto a julgar de sua inocuização, ou o Poder Executivo, através do Ministério da Justiça.

"Mas todas essas sugestões desconhecem a índole própria do instituto, como fase da execução da pena, a cujo decorrer se incorpora, prendendo-se, como a sua continuação, à sentença executada e à autoridade que a proferiu.

"O nosso Direito adotou a solução que se impunha, fazendo do livramento ato exclusivamente de competência judiciária, com a colaboração orientadora e opinativa do Conselho Penitenciário e do diretor da prisão, a solução mais jurídica e mais resguardadora dos interesses do condenado e mesmo da sociedade. (...).

"O Conselho Penitenciário é órgão técnico ao qual cabe verificar, em cada caso, a existência ou não dos requisitos exigidos por lei para o fim do livramento, formulando, afinal, o seu parecer, favorável ou contrário à satisfação do pedido, opinando sobre o seu cabimento, conveniência e oportunidade.

"A autoridade judiciária não fica, porém, subordinada a esse parecer. Pode decidir contra ele, concedendo ou negando o livramento. A lei confere ao Juiz essa função precisamente porque se trata de decidir e não apenas de reconhecer automaticamente, em face dos informes, o direito ao livramento." (BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, Forense, Tomo 3º, 1967, p. 186).

Após o deferimento do livramento condicional, o liberado fica sob vigilância de patronato oficial ou particular, dirigido ou inspecionado pelo Conselho Penitenciário, o que é feito com o intuito de favorecer a reintegração do condenado na vida social.

O sucesso ou não da medida depende da capacidade que revela para sua função o órgão incumbido da vigilância. Tal fiscalização não deve ser atribuída à autoridade policial, pois conforme ensinamento de ANÍBAL BRUNO:

"A vigilância policial humilha o liberado, faz crescer a desconfiança em volta dele, prejudica-o na sua atividade honesta e acaba frustrando-o nos esforços para a reconquista de um lugar na sociedade, sendo, assim, muitas vezes, causa de sua recaída no crime." (BRUNO, Aníbal. Direito Penal, Parte Geral, Tomo 3º, Editora Forense, 1967, p. 190).

Não se pode admitir que o Conselho Penitenciário tenha sido alijado do processo de ressocialização do criminoso, já nos momentos finais da execução da pena, a não ser que houvesse sido revogada a norma que dispõe que ele tem a função de fiscal da execução da pena. Ter-se-ia que admitir que estivesse revogado o art. 69 da Lei de Execução Penal, o que ainda não aconteceu.

O livramento condicional nada mais é, segundo uma das numerosas correntes doutrinárias existentes sobre o assunto, "uma execução atenuada da última parte da pena". A propósito, decidiu o Supremo Tribunal Federal, em sessão de 3 de abril de 1933, no HC 24.913, relatado pelo Min. CARVALHO MOURÃO, que o livramento condicional deve ser considerado como "a fase final da execução da pena privativa da liberdade, como liberdade atenuada, como esperança de liberdade definitiva, e, portanto, como parte integrante da pena privativa da liberdade" (Jurisprudência, vol. *, 1934, p. 358). (ESPÍNOLA, ob. cit., p. 124).

Um dos ensinamentos sempre lembrados e seguidos por nosso Conselho Penitenciário é o do Professor JULIO FABBRINI MIRABETE, que, nos comentários ao art. 69 da Lei de Execução Penal, ensina:

"O Conselho Penitenciário é um órgão consultivo e fiscalizador da execução pena, constituindo-se numa verdadeira ‘ponte’ entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário no que tange a essa matéria. Como órgão técnico, cabe-lhe zelar, com os meios que lhe são próprios, e dentro das atribuições que a lei lhe confere, pelos altos interesses da Justiça e, ao mesmo tempo, pelos interesses dos condenados, presos ou egressos. Sua missão é opinar nos casos a eles encaminhados sobre a concessão de benefícios e, em termos gerais, cuidar para que na execução da pena e da medida de segurança sejam observadas as normas gerais e supletivas pertinentes." (MIRABETE, Julio Fabbrini. "Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-84", 9ª edição, SP, Ed. Atlas, 2000, § 3.31, p. 214).

De real valor estas outras considerações sobre a atividade fiscalizadora do Conselho Penitenciário e sobre o parecer, feitas pelo Professor JULIO FABBRINI MIRABETE:

"Tal parecer, elaborado por especialistas, enfeixa uma série de preciosas informações sobre a conduta e as características particulares do preso, utilíssimas na apreciação dos pedidos de tais benefícios. Embora o Juiz não fique adstrito à manifestação do Conselho, nem a concessão do benefício dependa de parecer favorável, são inúmeros os subsídios que podem ser fornecidos ao Juiz da execução para poder melhor decidir sobre o deferimento ou não do pedido. O parecer tem caráter obrigatório.

"Cabe ainda ao Conselho, agora como órgão fiscalizador, "inspecionar os estabelecimentos e serviços penais" (inciso II). Nessa atividade, as visitas aos estabelecimentos penais permitem, além da fiscalização, intercâmbio contínuo entre o órgão e os estabelecimentos penais, a fim de que o primeiro conceda orientação e apoio aos funcionários e aos sentenciados e colabore na discussão e solução dos problemas surgidos na execução da pena ou na medida de segurança.

"As observações e conclusões obtidas tanto nas inspeções como no decorrer do exame dos pedidos de benefícios podem orientar a proposição de diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da justiça criminal e execução criminal e no estudo das pesquisas criminológicas. Por isso, é também atribuição do Conselho a apresentação, no primeiro trimestre de cada ano, ao Conselho Nacional da Política Criminal e Penitenciária, de relatório dos trabalhos efetuados no exercício anterior (inciso III).

"Pode o Conselho colaborar ativamente na atividade de encaminhamento e ajuda dos liberados condicionais, indultados e demais egressos. A fiscalização e orientação por parte do Conselho, nessa hipótese, são de suma importância para garantir a defesa dos direitos dos egressos a fim de que possam eles receber o tratamento indispensável à sua completa reintegração social.

"A enumeração das atribuições do art. 70 não é exaustiva; ao contrário, prevê a Lei de Execução Penal outras atividades do Conselho Penitenciário. Incumbe-lhe também: representar para a revogação do livramento condicional (art. 143); representar para que sejam modificadas as condições estabelecidas nesse benefício (art. 144); emitir parecer sobre a suspensão do curso do livramento condicional (art. 145); representar para a declaração de extinção de pena privativa de liberdade ao se expirar o prazo do livramento sem causa de revogação (art. 146); propor a modificação das condições da suspensão condicional da pena (art. 158, § 2º); inspecionar o cumprimento das condições desse benefício (art. 158, § 3º); suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução (art. 186, II); propor a anistia (art. 187); provocar o indulto individual (art. 188); e propor o procedimento judicial correspondente às situações previstas na lei de execução (art. 195). Compete ao presidente do Conselho a realização da cerimônia do livramento condicional (art. 137, caput) e a leitura da sentença nessa ocasião, o que pode ser delegado a outro membro do órgão (art. 137, I)." (MIRABETE, Julio Fabbrini. "Execução Penal: comentários. ..", § 3.32, pp. 215-16).

Na lição de ARMIDA BERMANINI MIOTTO, o Conselho Penitenciário:

"... é um órgão técnico que, pelas suas atribuições, faz ponte entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, no que se refere à execução das sanções penais e à observância do regime penitenciário legal.

"No âmbito federal, é um dos órgãos consultivos e deliberativos do Ministério da Justiça (...)"

"... nos Estados: em alguns ele é expressamente colocado entre os órgãos auxiliares do Poder Judiciário ou da Administração da Justiça; em outros, é órgão integrante da Justiça Pública ou da Secretaria de Justiça" e em alguns casos "ele está colocado entre os órgãos penitenciários". (MIOTTO, Armida Bergamini. "Curso de Direito Penitenciário", São Paulo, Ed. Saraiva, 1975, 2º vol., p. 747).

Embora possa ter sido a intenção do legislador suprimir a atribuição do Conselho Penitenciário de exercer suas atribuições nos processos de livramento condicional, analisando a modificação dentro do contexto em que se insere, percebe-se facilmente que não passou de mera intenção.

Para se chegar a esta conclusão, bastaria lembrar que o parecer é apenas a forma de manifestação das atribuições do Conselho Penitenciário. Sendo assim, a mera supressão da atribuição de emitir parecer, sem haverem sido suprimidas as atribuições de direito material, que se consubstanciam no parecer, acaba por não produzir efeito algum.

Para que o inciso I do art. 70, com a nova redação, tivesse reflexos no sistema, teria que ter sido abolida a própria instituição denominada Conselho Penitenciário, revogando os demais dispositivos legais que dispõem sobre suas atribuições, com especial destaque para o art. 69, que continua a dispor que:

"Art. 69. O Conselho Penitenciário é órgão consultivo e fiscalizador da execução da pena."

A pergunta que se deve responder é a seguinte: o art. 69 foi revogado? A resposta todos sabem: não.

Então, se ainda é órgão consultivo, até porque não foi criado outro para ocupar o seu lugar, e se continua como órgão fiscalizador da execução da pena, então subsiste a atribuição de dar parecer, pois esta é a forma como se manifesta o Conselho Penitenciário, no exercício de suas atribuições legais.

Como se sabe, uma vez editada a lei, a intenção do legislador não tem qualquer efeito, sabido que a norma legal, depois de editada, se desprende da autoridade que a gerou, transmudando-se em fonte autônoma do direito, a exigir, para sua compreensão, o uso dos métodos tradicionais de interpretação, com especial destaque para as interpretações histórica, lógica e sistemática.

Em primeiro lugar, tem especial destaque a investigação se uma norma aparece de forma coerente, harmônica, e não de forma incompatível com o sistema em que se encontra encartada.

Se uma norma isolada entra em rota de colisão com as demais, até de hierarquia superior, dentro do contexto normativo, tal o caso das normas que dispõem sobre as atribuições de direito substantivo incumbidas ao Conselho Penitenciário, tal norma, logo de saída, põe seu intérprete e aplicador diante do seguinte dilema: prevalece somente esta norma ou prevalecem as demais, com ela implicitamente incompatíveis?

A solução é considerar a norma recém-nascida com hierarquia inferior às demais que continuam a exigir dos Conselhos Penitenciários que prossigam no exercício das atribuições de direito material que as leis, os costumes e os princípios gerais de direito estão a lhe exigir.

Não pode o intérprete partir para uma interpretação, por exemplo, no sentido de que os Conselhos Penitenciários foram extintos, porque isto não está autorizado pela nova lei. E, embora possa ter sido esta a intenção, não passou de intenção, pois não ficou escrita em lugar nenhum na nova lei.

Pela interpretação lógica, o intérprete deve pesquisar sobre a possível existência de normas inconciliáveis entre si, para descobrir quais as normas que foram revogadas e as que sobreviveram.

A interpretação lógica aparece com especial destaque, entre as demais, porque não admite argumentar com o absurdo. Conforme ensina o Professor SÍLVIO RODRIGUES,

"(...) parte-se do pressuposto de que o ordenamento jurídico é um edifício sistematicamente concebido, de sorte que o texto é estudado em confronto com outros, a fim de não ser interpretado de modo a conflitar com regras dadas para casos análogos; examina-se a posição do artigo no corpo da lei, o título a que está submetido, o desenvolvimento do pensamento do legislador, enfim o plano da lei." (RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, vol. 1, Parte Geral, Saraiva, São Paulo, 1994, § 11, p. 26).

Como a presumível vontade do legislador não é a mesma coisa que a vontade da lei, não iremos muito longe imaginando que alguém, por sinal, presumidamente de improviso, tentou extinguir os Conselhos Penitenciários.

Em vez da vontade do legislador, esta figura hipotética que certamente não se revelará, deve-se eleger como elemento de pesquisa a vontade da lei, a ser investigada segundo os métodos de interpretação usuais, como no caso da interpretação histórica, da interpretação sistemática e da interpretação lógica.

Pela interpretação histórica de uma instituição, como no exemplo dos Conselhos Penitenciários, recomenda-se que se leve em conta, entre outros fatores, os fundamentos de fato que ditaram a necessidade do surgimento dessa tradicional instituição. Já a interpretação sistemática recomenda a pesquisa de seu papel dentro do sistema, visto como um todo harmônico de normas, dentro do qual não faz sentido alguma norma destoante, mas isolada, caso do art. 70, I, da LEP, sem forças para destruir todo o edifício.

Basta comparar a pintura em relação à estrutura e os ferros que sustentam o edifício, a pintura, como a forma como o edifício aparece aos olhos de quem o vê, e a estrutura e os ferros como os elementos materiais que o sustentam. Suprimida a pintura, o edifício permanece.

Assim também ocorre com a referência ao parecer sobre livramento condicional posta em confronto com as atribuições de direito substancial, corporificadas no elenco de responsabilidades atribuídas aos Conselhos Penitenciários como órgão de execução penal.

Feita esta comparação, perceber-se-á que a interpretação isolada de um dispositivo não leva o intérprete além do alcance do próprio dispositivo, enfraquecido por estar em desarmonia com o sistema, tal qual uma peça com defeito no motor do automóvel. Embora atrapalhe o funcionamento do motor, tudo depende apenas de um conserto, e o carro volta a desempenhar suas funções.

Ora, se os Conselhos Penitenciários permanecem com as atribuições de fiscalizar diretamente a execução das penas, junto aos estabelecimentos carcerários, além daquela de órgão consultivo perante o Poder Judiciário, atribuições, sem dúvida, maiores, mais consistentes, de maior relevância, perde relevo a intenção do legislador inscrita na letra de um dispositivo solitário, por sinal, posto fora do local em que a lei dispõe sobre o livramento condicional, a dizer que o Conselho Penitenciário não teria atribuição para emitir parecer sobre livramento condicional.

Esta vontade solitária do dispositivo que já surgiu na contramão da larga estrada da execução penal, quando muito, apenas sinaliza eventual indisposição do legislador para com os Conselhos Penitenciários, como se insinuasse a vontade de dispensá-los de suas atribuições, quiçá por algum interesse até inconfessável contrariado pela independência e solidez que informam as suas deliberações.

A tímida iniciativa materializada no recém-nascido dispositivo acaba por revelar que não dispõe de força suficiente para abalar a estrutura dos Conselhos Penitenciários, muito menos para dispensá-lo de suas atribuições maiores, simplesmente porque não encontra fundamento suficiente para tanto, até porque não instituiu outro órgão de igual dignidade para substituí-lo em suas atribuições perante o Juízo de Execução Criminal e perante os estabelecimentos prisionais.

O que ocorreu foi que a norma nascente apenas quis dispensar os Conselhos Penitenciários de uma atribuição formal, de menor relevância, olvidando que esta sempre esteve incluída nas demais atribuições de maior relevância, as quais foram mantidas, e mantidas as atribuições de fiscalização do cumprimento da pena, de maior abrangência, e de órgão consultivo, a supressão da obrigatoriedade de emitir parecer resta inócua, pois esta é apenas a forma como se manifestam estes Conselhos no exercício das suas atribuições legais.

Não é por outra razão que ao tomarem conhecimento da Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, e suas estranhas inovações, a reação do Judiciário, do Ministério Público e dos Conselhos Penitenciários, regra geral, foi de perplexidade, tendo sido praticamente unânime o repúdio a certas novidades, sendo comum a crítica de que não se trata – a nova lei – de um primor de perfeição. Muito pelo contrário. Trouxe maiores frustrações que esperanças, não tendo conseguido modificar as instituições de forma a introduzir mais eficientes institutos destinados ao combate à criminalidade. Além disso, o que fez foi tentar enfraquecer o Judiciário, afastando-o de suas tradicionais funções, de fiscalizar as transferências de presos, os Conselhos Penitenciários, estes últimos, instituições que, ao longo de oitenta anos, eis que surgidas desde 1924, umbilicalmente ligados ao instituto do livramento condicional, com a incumbência de requerer este benefício ao Juiz da Execução, jamais causaram decepção, sobretudo aos destinatários de seus relevantes serviços, os presos.

Com a nova redação dada ao inciso I do art. 70 da Lei nº 7.210, de 11 de junho de 1984, tem-se a impressão de que teria sido excluída do Conselho Penitenciário a competência de emitir parecer sobre livramento condicional.

Ocorre, entretanto, que para que esta atribuição – por sinal inscrita num inciso isolado de um artigo posto fora do tópico que trata do livramento condicional – tivesse sido suprimida, antes a lei teria que haver suprimido a atribuição maior, de órgão consultivo e fiscal da execução da pena, dos Conselhos Penitenciários, o que achou prudente não fazer ou não teve o legislador o prestígio suficiente para ao menos revelar sua intenção evidentemente por causa dos naturais constrangimentos que uma idéia desta espécie poderia causar.

A primeira pergunta que surgiu é se foi revogada a atribuição de emitir parecer dos Conselhos Penitenciários, especialmente em procedimentos de livramentos condicionais, estes diante da constatação de que permanecem as atribuições abrangentes desta.

Como se sabe, em tema de revogação de normas jurídicas, conquistou especial destaque, como norma comum a todos os ramos do direito, embora introduzida na Lei de Introdução ao Código Civil, seu art. 2º, §§ 1º e 2º, que dispõe:

"Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

"§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

"§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior."

Exemplo de revogação expressa está no art. 10 da própria Lei nº 10.792, de 1º de dezembro de 2003, que dispõe:

"Art. 10. Revoga-se o art. 194 do Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941."

O art. 194, revogado, dispunha:

"Art.194. Se o acusado for menor, proceder-se-á ao interrogatório na presença de curador."

A nova lei implicitamente dispôs que não haverá necessidade de nomear curador ao réu menor, certamente porque considerou desnecessária esta formalidade.

Mas este não é o caso.

Diante de tais diretrizes, a pergunta que se deve tentar responder é se a modificação introduzida no art. 70, inciso I, da LEP, contamina os demais dispositivos em que estão previstas atribuições até bem mais amplas do Conselho Penitenciário, tanto de forma explícita, como de forma implícita, referentes ao seu papel institucional, de fiscal da execução das penas criminais.

Ainda vige o clássico princípio: quem pode o mais, pode o menos. Quem pode fiscalizar, pode emitir parecer. Quem é órgão consultivo, também. Basta que a oportunidade lhe não seja suprimida.

Quanto à revogação, sempre vigeu o "princípio da continuidade das leis", o que implica dizer: "prolonga-se a obrigatoriedade até que a lei seja modificada ou revogada por outra lei." (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, São Paulo, Ed. Saraiva, 1990-1994, p. 27). Se não foi revogado o art. 69 da LEP, ele continua vigente, mesmo contra a vontade do legislador do momento, que deixa transparecer certa incompatibilidade com o judiciário e com os Conselhos Penitenciários, por motivos não revelados.

Além do art. 69, a nova lei também não revogou o art. 131 da Lei nº 7.210, de 11 de junho de 1984. Aliás, nem sequer fez qualquer referência a este dispositivo. E este, como se percebe facilmente, exsurge como disposição especial porque encartada, precisamente, na "Seção V – Do Livramento Condicional" – do "Capítulo I – Das Penas Privativas de Liberdade", que, quanto ao livramento condicional, prevê que, antes de sua concessão, serão "ouvidos o Ministério Público e o Conselho Penitenciário", nestes termos:

"Art. 131. O livramento condicional poderá ser concedido pelo Juiz da execução, presentes os requisitos do artigo 83, incisos e parágrafo único, do Código Penal, ouvidos o Ministério Público e o Conselho Penitenciário."

Aliás, um argumento que tem sido utilizado é que o Ministério Público sempre teve mantidas suas atribuições de oficiar perante os Juízos da Execução Penal, embora não estejam expressamente previstas tais atribuições no art. 70 da Lei nº 7.210/84. E se assim é para o Ministério Público, assim também há de ser quanto aos Conselhos Penitenciários.

É certo que o inciso I do art. 70 da LEP foi revogado na parte em que se exigia parecer do Conselho Penitenciário, tendo sido suprimida a exigência de parecer em livramento condicional. Todavia, o art. 131 da mesma LEP, específico quanto ao livramento condicional, continua a exigir que seja ouvido o Conselho Penitenciário.

Como a boa técnica legislativa sempre recomendou que as modificações de um instituto devem ser feitas no tópico da lei que cuida do próprio instituto a ser modificado e não em outro local, a intenção do legislador pode ser interpretada apenas como uma atitude de aperfeiçoamento da lei, corrigindo-lhe esta imperfeição.

No caso, modificou-se um dispositivo referente ao Conselho Penitenciário, sem, no entanto, modificar os dispositivos correspondentes às atribuições deste na seção específica que rege o procedimento de concessão do livramento condicional.

Logo, a interpretação mais aceitável, partindo do pressuposto de que os Conselhos Penitenciários não foram extintos, é que não houve a revogação que alguns, menos avisados, querem ver no inciso I do art. 70, porque esta reside noutras normas e no elenco de atribuições dos Conselhos Penitenciários.

Resumindo, não podemos presumir a existência de Conselhos Penitenciários sem a atribuição de manifestar-se em pedidos de livramento condicional, principalmente porque foram mantidas neles as atribuições de fiscal da execução da pena e de órgão consultivo.

Outro argumento irrespondível é que os Conselhos Penitenciários, dentro da atribuição de fiscal da execução das penas criminais, conservam a atribuição de presidir a cerimônia do livramento condicional (LEP, art. 137), além das atribuições cujo exercício surge nos momentos posteriores à sua concessão, como as de acompanhar o preso em sua vida fora da prisão, "inspecionando os estabelecimentos e serviços penais", além de "supervisionar os patronatos, bem como a assistência aos egressos" (LEP, art. 70, II e IV, não revogados).

Tal a relevância do papel que exercem os Conselhos Penitenciários perante os órgãos prisionais que o art. 81 da LEP chega a incumbir aos Conselhos de Comunidade o dever de, ao mesmo tempo, "apresentar relatórios mensais ao Juiz da execução e ao Conselho Penitenciário", este, evidentemente, em seu papel institucional de fiscal da execução das penas criminais.

Isto implica que a lei mantém o Conselho Penitenciário como co-responsável, lado a lado com o Juiz da Execução, pela regularidade do tratamento dispensado aos presidiários após a concessão de liberdade condicional. Se continua fiscalizando a execução da pena após o livramento condicional, onde a razão para não fazê-lo antes?

E este é mais um argumento no sentido de que a simples supressão de uma partícula de um dispositivo, de forma isolada do contexto, caso do inciso I do art. 70 da LEP, não retira as atribuições do Conselho Penitenciário de oficiar perante as Varas de Execução, como fiscal que é, da execução da pena, sobre as condições de admissibilidade, conveniência e oportunidade da concessão do livramento condicional. (CPP, art. 713).

Até mesmo o incidente de excesso ou desvio na execução pode ser suscitado pelo Conselho Penitenciário, na hipótese de concessão de livramento condicional, independente de sua prévia oitiva, atribuição esta que pode ser exercida igualmente a posteriori, conforme autoriza o art. 186, II, da LEP, nos casos em que não se disponha o Magistrado, por este ou aquele motivo, a remeter ao órgão fiscal da execução das penas os autos para apreciação prévia dos pedidos de livramento condicional.

Isto porque eventual indisposição do Juiz da Execução não tem o condão de retirar do Conselho Penitenciário a iniciativa de apresentar os pedidos de livramento condicional, nas hipóteses em que entender por bem, assim como de fiscalizar se está havendo o fiel cumprimento da sentença, das leis e dos regulamentos, nas decisões judiciais concessivas deste benefício.

Já houve um caso concreto, em que baixei os autos em diligência, porque as informações do Diretor do Presídio estavam em contradição com informação anterior. Na informação anterior foi anotada falta grave. Na posterior, foi omissa. Daí a diligência, para melhor esclarecer. O Diretor levou os autos diretamente ao Juiz da Execução, sem passar pelo Conselho Penitenciário, tendo esclarecido, porém, que o réu havia sido absolvido no procedimento administrativo instaurado. O livramento condicional foi concedido. E entendi por bem não impugnar a decisão, pois, no mérito, o livramento teria que ser concedido, como foi. Mas acaso houvesse sido deferido indevidamente, o signatário teria impugnado a decisão judicial.

Tempos depois, o Diretor do Presídio, autor daquela façanha, foi despedido, parece que a pedido, mas, à "boca pequena", comenta-se que foi por causa do episódio, ainda não devidamente esclarecido, mantido em segredo, referente à execução de um preso. Este fato aconteceu um dia antes da posse do atual Presidente deste Conselho Penitenciário.

O que releva, entretanto, é que tanto o Juiz como o Diretor do Presídio conspiraram contra o Conselho Penitenciário, decidindo o caso às escondidas.

Se fosse o caso de concessão ilegal do benefício, caberia ao Conselho Penitenciário haver suscitado incidente de desvio na execução contra o Diretor do Presídio (LEP, arts. 185 e 186) ou agravado da decisão do Juiz da Execução. (CPP, art. 581, XII).

Evidente que o agravo não poderá ser interposto pelo Conselho Penitenciário, pois não está incluído entre os legitimados a recorrer, conforme estreita previsão do art. 577 do Código de Processo Penal. Mas o Ministério Público local poderá fazê-lo, acaso comungue de idêntico entendimento.

Bem a propósito, o art. 185 da LEP dispõe que

"(...) haverá excesso ou desvio de execução sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares".

E o art. 186 dispõe que

"(...) podem suscitar o incidente de excesso ou desvio de execução: o Ministério Público e o Conselho Penitenciário."

Por sua vez, dispõe o art. 581, XII, do CPP:

"Art. 581. Caberá recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença:

(...)

XII - que conceder, negar ou revogar livramento condicional;"

O "excesso ou desvio de execução" haverá, segundo o art. 185 da LEP, "sempre que algum ato for praticado além dos limites fixados na sentença, em normas legais ou regulamentares."

A Exposição de Motivos com a qual o Ministro IBRAHIM ABI-ACKEL submeteu ao Presidente da República o projeto de lei que veio a se converter na Lei nº 7.210/84, assim justificou a necessidade da introdução do instituto do incidente de desvio ou excesso de execução, ipsis verbis:

"168. Todo procedimento está sujeito a desvios de rota. (...) todos os atos e termos da execução se submetem aos rigores do princípio de legalidade. (...).

"169. O excesso e o desvio na execução caracterizam fenômenos aberrantes, não apenas sob a perspectiva individualista do status jurídico do destinatário das penas e das medidas de segurança. Para muito além dos direitos, a normalidade do processo de execução é uma das exigências da defesa social.

"170. O excesso ou o desvio de execução consiste na prática de qualquer ato fora dos limites fixados pela sentença, por normas legais ou regulamentares.

"171. Pode-se afirmar com segurança que a execução, no processo civil, guarda mais fidelidade aos limites da sentença, visto que se movimenta pelos caminhos rigorosamente traçados pela lei, o que nem sempre ocorre com o acidentado procedimento executivo penal. A explicação maior para essa diferença de tratamento consiste na provisão de sanções específicas para neutralizar o excesso de execução no cível – além da livre e atuante presença da parte executada – o que não ocorre quanto à execução penal. A impotência da pessoa presa ou internada constitui poderoso obstáculo à autoproteção de direitos ou ao cumprimento dos princípios de legalidade e justiça que devem nortear o procedimento executivo. Na ausência de tal controle, necessariamente judicial, o arbítrio torna inseguras as suas próprias vítimas e o descompasso entre o crime e sua punição transforma a desproporcionalidade em fenômeno de hipertrofia e de abuso de poder."

Segundo a lição de JULIO FABBRINI MIRABETE,

"(...) os atos e termos da execução estão submetidos ao princípio da legalidade, de modo que não podem ser transpostos os limites da pretensão executória estabelecidos na sentença condenatória transitada em julgado ou na lei. A execução tem por objetivo efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal (art. 1º), assegurando-se ao condenado e ao internado todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei (art. 3º, caput). (...) Prevê-se, portanto, na Lei de Execução Penal, o controle jurisdicional, a fim de evitar-se o arbítrio da administração pela hipertrofia e abuso de poder que levam à desproporcionalidade entre o crime e a sua punição." (MIRABETE, Julio Fabbrini. "Execução Penal: comentários à Lei nº 7.210, de 11-7-84", 9ª edição, SP, Ed. Atlas, 2000, § 7º, 11, p. 651).

Há excesso na execução, conforme leciona MIRABETE, quando a autoridade faz com que

"(...) o condenado cumpra uma sanção administrativa além do limite fixado na lei", e há "desvio quando ela se afasta dos parâmetros legais estabelecidos", como, por exemplo, no caso de "manter o condenado em um regime quando já faz jus a outro. Além disso, é de se notar que o excesso só ocorre com a violação de direito do sentenciado, enquanto no desvio pode ser que seja ele beneficiado. Há desvio, por exemplo, quando se concede permissão de saída em hipótese não prevista, se dispensa injustificadamente o condenado do trabalho prisional, não se instaura o procedimento disciplinar após a prática de falta etc." (MIRABETE, Julio Fabbrini. "Execução Penal, cit., § 7.11, pp. 651-2).

Em qualquer destas hipóteses, pode agir o Conselho Penitenciário, no cumprimento de seus deveres institucionais.

Sintetizando, persiste, sim, a atribuição de manifestar seu entendimento acerca dos requisitos do livramento condicional, previamente à sua concessão, pois do contrário não seria órgão fiscal da execução da pena, entendimento que, se fosse real, implicaria admitir que teria, na prática, ocorrido a extinção do Conselho Penitenciário.

É que, se uma lei hipoteticamente retirasse todas as atribuições de um órgão, isto equivaleria a decretar sua extinção. Mas este não é o caso. Se a nova lei for interpretada de boa fé, verificar-se-á que não retirou qualquer das atribuições de maior relevância dos Conselhos Penitenciários. Preferiu o uso de um artifício menos nobre. Tentou atingi-lo na atribuição que lhe é mais essencial. Esqueceu-se, porém, de suprimir expressamente sua atribuição de aferir os requisitos de admissibilidade, conveniência e oportunidade da concessão de livramento condicional, conforme art. 713 do Código de Processo Penal, que não foi modificado pela nova lei. E esta atribuição, como as demais, se manifesta mediante parecer.

Outra evidência de que não houve modificação das atribuições do Conselho Penitenciário, é que, na Seção que trata especialmente sobre o Livramento Condicional, que começa a partir do art. 131 da LEP, não foi introduzida, pela nova lei, qualquer disposição em contrário, sendo esta mais uma das razões pelas quais se pode dizer que continua existente o dever de os Conselhos Penitenciários, nos autos que lhes forem remetidos, oficiarem sobre o livramento condicional, pois esta atribuição se subsume nas suas tradicionais atribuições de fiscal da execução da pena.

Interpretação diversa seria, a nosso ver, incompatível com a grandeza dos Conselhos Penitenciários, diante do elenco bem maior de responsabilidades que histórica e tradicionalmente lhes foram incumbidas por lei, as quais foram sempre exercidas plenamente, sem qualquer obstáculo.

A rigor, a única interpretação aceitável do art. 70, inciso I, é que o Conselho Penitenciário, segundo pensamos, teria ficado apenas dispensado de emitir parecer prévio nos procedimentos de livramento condicional, mas, isto, a seu critério e não a critério de qualquer outra autoridade, pois a nova lei não teve força suficiente para extinguir o Conselho Penitenciário.

Enfim, pensamos que os Conselhos Penitenciários deverão sempre ser ouvidos, posto que, como fiscais da execução da pena, são possuidores de atribuições bem maiores que as de simples pareceristas.

Basta lembrar, por exemplo, que não foi suprimida sua atribuição de "inspecionar os estabelecimentos e serviços penais" (LEP, art. 70, inciso II). E quem inspeciona é mais que um simples parecerista, como de comum saber. Isto porque, após a inspeção, acaso constatada alguma anormalidade, pode suscitar o competente incidente de excesso ou desvio na execução da pena, instrumento jurídico posto à sua disposição exatamente para corrigir e dar os rumos de legalidade à execução penal, que fiscaliza.

Sendo certo que Conselhos Penitenciários continuam com a atribuição legal de representar ao Juiz da Execução Criminal, quando constatar que alguém apesar de merecedor do livramento condicional continua indevidamente preso, sendo esta outra finalidade do ato de inspecionar os presídios, não há como sustentar que tenha perdido a atribuição de menor relevo de emitir parecer genericamente nos pedidos de livramento condicional.

Para dispensar o Conselho de tal atribuição, teria a nova lei que haver suprimido atribuições mais abrangentes que já compreendiam esta atribuição de dar parecer. Aí teria ocorrido a revogação implícita: se o Conselho tivesse perdido a atribuição de fiscalizar a execução da pena, isto implicaria ter pedido a atribuição de fiscalizar a concessão do livramento condicional e os atos subseqüentes.

Assim como não há como sustentar que um general não tenha as mesmas atribuições que um soldado, estas acrescidas de inúmeras outras de maior complexidade, também não se pode entender que foi retirada do Conselho Penitenciário a atribuição de, como órgão consultivo e fiscal da execução, pronunciar-se acerca dos livramentos condicionais, notadamente sobre as condições de sua admissibilidade, conveniência e oportunidade, conforme está previsto no art. 713 do CPP, não revogado.

Vejamos outras normas atributivas de competência ao Conselho Penitenciário.

Como todos sabem, continuam vigentes os arts. 136 e 137 da LEP que, referindo-se ao livramento condicional, dispõem, respectivamente:

a) que, "concedido o benefício, será expedida a carta de livramento com a cópia integral da sentença em 2 (duas) vias, remetendo-se uma à autoridade administrativa incumbida da execução e outra ao Conselho Penitenciário" (art. 136); e

b) que "a cerimônia do livramento condicional será realizada solenemente no dia marcado pelo Presidente do Conselho Penitenciário", oportunidade em que "a sentença será lida ao liberando, na presença dos demais condenados, pelo Presidente do Conselho Penitenciário ou membro por ele designado, ou, na falta, pelo Juiz" (art. 137).

No ato da cerimônia, o Presidente do Conselho Penitenciário, conforme determina a lei, "chamará a atenção do liberando para as condições impostas na sentença de livramento" (LEP, art. 137, II) e tomar-lhe-á o juramento, oportunidade em que "o liberando declarará se aceita as condições" (LEP, art. 137, II).

Aceitando as condições, "de tudo em livro próprio, será lavrado termo subscrito por quem presidir a cerimônia e pelo liberando" (LEP, art. 137, § 1º), devendo cópia desse termo "ser remetida ao Juiz da execução" (LEP, art. 137, § 2º).

Dessa forma, como admitir que o Conselho Penitenciário tenha perdido as atribuições de mero parecerista, se no processo de liberação condicional, foram mantidas com ele atribuições bem mais relevantes, tal a de presidir a cerimônia de liberação do preso e tomar-lhe o compromisso, como verdadeiro substituto do Juiz da Vara de Execuções, papel este que nenhuma outra autoridade, a não ser o próprio Juiz, pode assumir, mesmo assim, na falta do Presidente do Conselho ou de quem ele designar, conforme está escrito na lei (LEP, art. 137).

Volvendo mais uma vez à Lei de Introdução ao Código Civil, esta, em seu art. 2º, dispõe que "não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que a outra modifique ou revogue."

Ora, se não há norma nenhuma da nova lei que tenha revogado ou suprimido as atribuições do Conselho Penitenciário em seu "status" de órgão consultivo e de fiscalização da execução da pena, nem de presidir a cerimônia de livramento condicional, nem de representação para revogação do livramento condicional, nos casos em que, na fiscalização do cumprimento dos requisitos da sentença concessiva desse benefício, constatar que o preso tenha faltado com o compromisso prestado perante o Presidente do Conselho, não há como admitir que esteja proibido de ter vista do processo instaurado para verificar se o réu satisfaz os requisitos para a obtenção de livramento condicional.

É que o Conselho Penitenciário, ao tomar o compromisso, certamente assume, perante o Judiciário, o poder-dever de fiscalizar o cumprimento da sentença de libertação condicional, para verificar se as condições por ela estipuladas serão observadas, pelo liberado e, em caso de desobediência, representar pela revogação do benefício, conforme arts. 139, I e II, e Parágrafo Único, e 143 da Lei 7.210.

O professor Mirabete faz os seguintes comentários ao art. 139:

"Estabelece o art. 139, em primeiro lugar, a "observação cautelar", destinada a "fazer observar o cumprimento das condições especificadas na sentença concessiva do benefício". Trata-se, na verdade, de exercer uma vigilância sobre o liberado com o fim precípuo de impedir que freqüente locais em que seu ingresso é vedado e obrigá-lo a retornar a sua residência na hora fixada, quando essas condições foram impostas na sentença, bem como verificar seu procedimento e comunicar qualquer anormalidade em seu comportamento ao Conselho Penitenciário e ao Juiz da Execução para eventual revogação do benefício, modificação nas condições do benefício ou qualquer outra providência aconselhável na espécie."

Dispõem os arts. 143 e 145 da LEP:

"Art. 143. A revogação será decretada a requerimento do Ministério Público, mediante representação do Conselho Penitenciário, ou, de ofício, pelo Juiz, ouvido o liberado.

(...)

"Art. 145. Praticada pelo liberado outra infração penal, o Juiz poderá ordenar a sua prisão, ouvidos o Conselho Penitenciário e o Ministério Público, suspendendo o curso do livramento condicional, cuja revogação, entretanto, ficará dependendo da decisão final."

Comentando o art. 145 da LEP, ensina MIRABETE:

"Embora seja prática da infração penal a causa obrigatória ou facultativa da revogação do livramento condicional, esta só pode ser decretada quando a decisão revocatória transita em julgado. Entretanto, quando se tem notícia de que o liberado praticou um crime ou contravenção, é possível que as circunstâncias indiquem a necessidade de ser suspenso imediatamente o curso do benefício. Diante da gravidade do fato noticiado ou das circunstâncias que cercaram a participação do liberado, pode-se concluir que o liberado não está em condições de integrar-se socialmente. Assim, sendo o liberado indiciado em inquérito policial ou apontado como autor de infração penal em processo sumário, poderá o Juiz ordenar a sua prisão imediata. Exige-se, porém, que sejam ouvidos o Conselho Penitenciário e o Ministério Público, desde que não tenham sido esses órgãos os autores do pedido de suspensão do benefício. O Juiz, evidentemente, não fica adstrito ao parecer. Segundo jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, porém, é lícito ao Juiz mandar desde logo recolher o liberado à prisão quando o imponham as circunstâncias. Entretanto, mencionado a norma, que se refere à suspensão, apenas a hipótese da prática de outra infração penal, não se permite a suspensão do livramento por quebra de obrigação constante da sentença concessiva.

"Cumpridas as formalidades, com oitiva do Conselho Penitenciário e o do Ministério Público, decretará o magistrado a suspensão do livramento até o julgamento definitivo do processo. O liberado aguardará preso tal julgamento e, havendo condenação, será decretada a revogação do benefício."

O legislador do momento também não revogou o art. 145 da LEP, que obriga o Juiz a ouvir o Conselho Penitenciário e o Ministério Público tanto para a prisão do liberado como para a suspensão do livramento condicional com fundamento na prática de outra infração penal, durante a vigência do benefício (CP, art. 86, I).

Este é outro fundamento a indicar que não faz qualquer sentido o capricho do legislador ostentando no art. 70, I, da LEP, se mesmo durante o livramento a lei continua a exigir a presença do Conselho Penitenciário em todos os momentos, ao lado do Ministério Público, dividindo com este e com o Magistrado as responsabilidades pelo fiel cumprimento das condições estipuladas na sentença e na lei.

Também não conduz a caminho diverso a interpretação histórica da lei, a pesquisa de sua gênese, a busca dos motivos determinantes da introdução dos Conselhos Penitenciários no ordenamento jurídico e que, ao longo dos tempos, determinaram a sua permanência entre nós, sempre correspondendo às expectativas da lei e da sociedade.

Tais fatores são de real valor diante de novas ideologias tendentes a suprimir exatamente a atribuição para a qual surgiram esses Conselhos. Eles surgiram com a incumbência de emitir parecer, como órgão consultivo, sobre as condições de admissibilidade, conveniência e oportunidade da concessão do livramento condicional (CPP, art. 713).

Na interpretação histórica, ensina SÍLVIO RODRIGUES, analisam-se

"(...) os trabalhos que precederam a promulgação da lei; das discussões que rodearam sua elaboração; dos anseios que veio satisfazer; e das necessidades contemporâneas à sua feitura. Por vezes, através do exame desses elementos, consegue-se descobrir qual a efetiva vontade do legislador. (...). Através desses modos de interpretação busca-se descobrir qual o sentido atribuído ao texto, pela vontade do legislador." (RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil, vol. 1, Parte Geral, Saraiva, São Paulo, 1994, § 11, p. 26).

Como pontos de partida para a interpretação histórica, pode-se verificar o momento surgimento dos Conselhos Penitenciários entre nós, em 1924, portanto, há oitenta anos, e sua regulamentação, depois, pelo Código de Processo Penal, seguindo as linhas básicas da legislação pretérita, além de reforçar-lhe as atribuições.

Começando pelo começo, logo no art. 712, o Código de Processo Penal incluiu entre os legitimados ativos a propor a concessão de livramento condicional – ao Juiz da Execução Criminal – o Conselho Penitenciário, ao lado do diretor do estabelecimento penal, do próprio sentenciado, de seu cônjuge ou de parente em linha reta, nestes termos:

"Art. 712. O livramento condicional poderá ser concedido mediante requerimento do sentenciado, de seu cônjuge ou de parente em linha reta, ou por proposta do diretor do estabelecimento penal, ou por iniciativa do Conselho Penitenciário."

E o art. 713 do Código de Processo Penal, aliás, também não revogado expressamente pela nova lei, dispõe:

"Art. 713. As condições de admissibilidade, conveniência e oportunidade da concessão do livramento serão verificadas pelo Conselho Penitenciário, a cujo parecer não ficará, entretanto, adstrito o Juiz."

Para que o Conselho Penitenciário possa emitir parecer sobre "as condições de admissibilidade, conveniência e oportunidade do livramento condicional, prevê, logo a seguir, o art. 714 do Código de Processo Penal o seguinte:

"Art. 714. O diretor do estabelecimento penal remeterá ao Conselho Penitenciário minucioso relatório sobre:

"I - o caráter do sentenciado, revelado pelos seus antecedentes e conduta na prisão;

"II - o procedimento do liberando na prisão, sua aplicação ao trabalho e seu trato com os companheiros e funcionários do estabelecimento;

"III - suas relações, quer com a família, quer com estranhos;

"IV - seu grau de instrução e aptidão profissional, com a indicação dos serviços em que haja sido empregado e da especialização anterior ou adquirida na prisão;

"V - sua situação financeira, e seus propósitos quanto ao seu futuro meio de vida, juntando o diretor, quando dada por pessoa idônea, promessa escrita de colocação do liberando, com indicação do serviço e do salário.

"Parágrafo único. O relatório será, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, remetido ao Conselho, com o prontuário do sentenciado, e, na falta, o Conselho opinará livremente, comunicando à autoridade competente a omissão do diretor da prisão."

O Professor ROBERTO LYRA FILHO, em lapidar monografia específica sobre o tema, teceu preciosas lições sobre o papel do Conselho no ato de apreciar os aspectos da admissibilidade, da conveniência e da oportunidade deste benefício, nestes termos:

"As condições de admissibilidade são gerais, isto é, referem-se a qualquer livramento, ao passo que as condições de oportunidade e conveniência são individualizadoras, isto é, referem-se a um liberando, em particular, num determinado momento da execução penal (o momento em que são verificadas). As primeiras são legais, pré-fixadas e indeclináveis, as segundas, por outro lado, são técnico-científicas, de criação livre e aplicação facultativa. As primeiras são impostas pela lei e definem as fronteiras normativas do instituto; as segundas são recebidas pela lei, conforme sugestão do Conselho Penitenciário, que o magistrado poderá rejeitar ou acolher (art. 713, parte final, do C.P.P.).

"Em síntese, as condições de admissibilidade constituem a habilitação genérica ao livramento; as condições de oportunidade e conveniência delineiam a habilitação específica do livramento.

"Finalmente, as condições de admissibilidade, oportunidade e conveniência interessam à concessão do livramento e, nisto, se distinguem das condições relativas à execução do livramento (art. 718 do C.P.P.), embora o Conselho Penitenciário possa sugerir, também, ao magistrado as medidas concretas e individualizadoras do benefício, que julgar convenientes e oportunas para a sua execução. Nesta fase do livramento, o Conselho opera como assessoria técnico-científica do magistrado e, muitas vezes, a conveniência e oportunidade da concessão estão subordinadas a critérios de execução do benefício. Estes últimos constituem, igualmente, instrumentos de individualização – e da mais alta relevância. Como doutrina CUELLO CALON, em obra recente: <<Na imposição das condições (entenda-se: condições de execução) deve ter-se em conta, principalmente, a personalidade e circunstâncias que concorrem no liberando, condições que devem ser, tanto quanto possível, individualizadas>> (in La Moderna Penalogia, I, págs., 553/554).

"Estudar a conveniência e oportunidade do livramento é, portanto, reunir todos os dados disponíveis, individuais, específicos e concretos de índole biológica, psicológica e sociológica, e, diante deles, verificar as condições atuais do liberando. Nesse trabalho, a lei faculta ao Conselho inclusive a requisição dos autos do processo e a determinação de diligências (art. 716, § 1º, do C.P.P.)." (LYRA FILHO, Roberto. "O Conselho Penitenciário e o Livramento Condicional", Revista do Conselho Penitenciário do Distrito Federal, 1963 (out., nov., dez.), Ano I, vol. 2, pág. 22).

Como a nova lei quis excluir da competência do Conselho Penitenciário a atribuição de emitir parecer sobre pedido de livramento condicional, não direcionou as informações das autoridades carcerárias aos Juízes da Execução, nem introduziu qualquer modificação neste dispositivo do vetusto, porém sólido Código de Processo Penal, isto implica dizer que continua vigente.

Por sua vez, o art. 716 do Código de Processo Penal, que estabelece o rito do procedimento para a concessão de livramento condicional, também não foi revogado pela nova lei. Este dispositivo reza:

"Art. 716. A petição ou a proposta de livramento será remetida ao Juiz ou ao tribunal por ofício do presidente do Conselho Penitenciário, com a cópia do respectivo parecer e do relatório do diretor da prisão.

"§ 1º Para emitir parecer, o Conselho poderá determinar diligências e requisitar os autos do processo.

"§ 2º O Juiz ou o tribunal mandará juntar a petição ou a proposta, com o ofício ou documento que a acompanhar, aos autos do processo, e proferirá sua decisão, previamente ouvido o Ministério Público."

Sobre o autor
Brasilino Pereira dos Santos

procurador regional da República, mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Brasilino Pereira. O livramento condicional e o Conselho Penitenciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 301, 4 mai. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5161. Acesso em: 24 nov. 2024.

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