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A União e o Município no Brasil.

História das relações administrativas, políticas e subordinativas

Agenda 01/09/2016 às 17:32

Uma análise histórica da disputa entre a União e o Município pela administração local de cada cidade brasileira desde a sua independência até a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e também apresenta os reflexos contemporâneos da história.

Resumo: Esse artigo apresenta uma análise histórica da disputa entre a União e o Município pela administração local de cada cidade brasileira desde a sua independência até a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 e também apresenta os reflexos contemporâneos dessa nossa história de forma a deixar compreensível o porquê de tamanho “jogo de poderes” e “guerras de forças” entre os partidos políticos brasileiros e as posições que cada um ocupa. O artigo apresenta como referência grandes autores do Direito Constitucional brasileiro, bem como cientistas políticos e historiadores especializados nos antigos governantes, escolhidos com o intuito de validar esses estudos da História, da tentativa de desmanchar a óptica de Municipalismo como descentralização do poder que emana da União, e também do atual Federalismo Cooperativista que vigora no Brasil com todas as suas estranhezas, sim, prefiro optar por um eufemismo nesse resumo, caro leitor, para você entender o que ele quer dizer ao certo, continue a leitura.

Palavras-chave: União; Município; História; Federalismo Cooperativista; Brasil.

1. INTRODUÇÃO

O Federalismo no Brasil sofreu altos e baixos ao longo da sua história, pontos altos como a transição da Monarquia para o Presidencialismo Democrático, e pontos baixos como as duas fases de governos ditatoriais. Ao longo desse roteiro as relações da União com o Município sofreram várias transformações de modo a confundir os mais desatentos, muitas vezes se tem dúvida sobre como foi de fato o regime adotado em determinado momento histórico, e também se observa algumas repetições de fatos/decisões, que também geram confusão.

Ao término da análise política de pouco mais de 150 anos de história pós-independência, se chega ao modelo de Federalismo Cooperativista que vigora atualmente e merece uma atenção especial, porque possui várias peculiaridades, que normalmente se faz estranhar a utilização do termo “Cooperativismo” na definição do regime atual, sobre tudo, em decorrência do descumprimento de determinações constitucionais por aqueles que detêm o poder tanto da União como do Município.

2. A HISTÓRIA CONTADA DE ACORDO COM AS CONSTITUIÇÕES

 

É evidente que ao se falar da relação da União com o Município ao longo da História será feita uma ligação com a entrada em vigência de novas Constituições, pois essa é a lei maior do Brasil e é em seus artigos que se define a separação de poderes entre esses dois pilares do Estado brasileiro. A seguir se observará que os tópicos foram divididos de acordo com cada Constituição que já vigorou no Brasil.

2.1 A Carta Outorgada de 1824 e o Ato Adicional de 1834: Período Anterior à opção pela República Federativa

 

O apelido da Constituição de 1824 não é à toa, Dom Pedro I elaborou e promulgou a constituição sem perguntar a opinião de nenhum dos partidos da época em resposta à tentativa de oficializarem a Constituição da Mandioca (1823) que enfraqueceria os poderes do então Imperador e “herói” da independência.

Com essa constituição foi criado um quarto poder, o poder Moderador, que era soberano sobre os outros três e exercido pelo próprio Imperador. O Estado tornou-se altamente centralizado, e as Províncias passaram a ser governadas por presidentes escolhidos pelo Imperador, dessa forma, o poder regional enfraqueceu consideravelmente e o Municipal praticamente foi extinto. O imperador ainda tinha o direito de dissolver as Câmaras locais, que tentaram inutilmente impugnar alguns pontos da constituição (caso da de Itu e de Salvador).

O que se viu em seguida foi várias revoltas populares locais, os antigos detentores do poder municipal queriam seus poderes de volta, tais revoltas foram um dos motivos da abdicação do imperador na ordem de deixar o trono para seu filho quando ele assumisse a maior idade. Foi no Período Regencial (entre os governos de Dom Pedro pai e filho) que os aristocratas que buscavam o avanço liberal e a descentralização publicaram o Ato Adicional de 1834 numa tentativa de conter as agitações populares, para fins do tema desse artigo, vale destacar o aumento da autonomia das províncias e seus municípios com a criação das Assembleias Legislativas Provinciais, formadas por deputados eleitos.

Entretanto, em 1840, no governo do regente Araújo Lima, o ministro da Justiça, Bernardo Pereira de Vasconcelos, publicou a Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834 que anulou a descentralização política concedida pela lei anterior. Segundo a Lei de Interpretação, as Assembleias Legislativas Provinciais somente poderia legislar sobre assuntos locais, os municípios, e assim mesmo, desde que não se chocassem com os interesses gerais da nação, nesse momento o poder municipal foi extinto no Brasil, ele agora era a função exclusiva do poder provincial.

2.2 A proclamação da República e a Constituição de 1891

 

Toda estudante com conhecimentos básicos em história do Brasil sabem que assim como a declaração de independência, a proclamação da república é apresentada de forma bem idealizada se comparada aos fatos reais, na prática a pressão da elite em busca de poder e o isolamento de Dom Pedro II sem quase nenhuma base aliada permitiram a tomada de poder do Imperador, usar a palavra “tomada” já é uma idealização, se sabe que o Marechal Deodoro da Fonseca avisou seu amigo Dom Pedro II que estavam colocando ele para liderar a troca de faixas, um expressão bem mais adequada que “tomada”, vale destacar, afinal, “o federalismo no Brasil surgiu por uma decisão política, e não por fruto da necessidade, como solução para a sobrevivência da Nação, como aconteceu nos Estados Unidos” (FERREIRA, 2001, p. 51).

Explicado que tudo se tratou de formalidades, prever que a condição do Município continuou a mesma não é algo muito difícil, para ser mais exato, “com a proclamação da República e a adoção da forma federativa de Estado, o poder local foi ainda mais reduzido, chegando às instituições municipais serem consideradas questões internas dos Estados-membros” (SOUZA JR; AVILA, 2007, p. 308). “Nos Estados do tipo federal, o município está sob a autonomia dos Estados particulares, que gosam de atributos de soberania, têm órgão judicante e poder legiferante” (NUNES, 1920, p. 54).

Na Constituição de 1891 se encontrava o art. 68 que dizia: “Os Estados organizar-se-ão de forma que fique assegurada a autonomia dos Municípios em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse” (www.planalto.gov.br, acesso em 21/02/2013), mas na prática, durante o período de vigência dessa Constituição, se viu crescer e virar modelo em todo o país o Coronelismo no qual os eleitores eram verdadeiros animais dentro dos Currais Eleitorais e os municípios eram propriedades particulares dos coronéis como afirma Meirelles (1998, p. 37):

Durante os 40 anos em que vigorou a Constituição de 1891, não houve autonomia municipal no Brasil. O hábito do centralismo, a opressão do coronelismo (grifo do autor) e a incultura do povo transformaram os Municípios em feudos de políticos truculentos, que mandavam e desmandavam nos “seus” distritos de influência, como se o Município fosse propriedade particular e o eleitorado um rebanho dócil ao seu poder.

Nesse momento o que se ver no Brasil é o oposto do Federalismo Cooperativista, no Federalismo que vigorava Estados-membros e Municípios dividiam o poder sobre a mesma área, “ou seja, o aumento do poder de um obrigatoriamente diminui o do outro” (SOUZA JR; AVILA, 2007, p. 312).

2.3 A Constituição de 1934

Chamar essa Constituição de a mais criativa de todas não é exagero, apesar da sua efemeridade, vigorou por pouco mais de três anos (16/07/34 – 09/11/37), funcionou como uma espécie de renascimento para o Municipalismo, já que anteriormente havia se afirmado que ele tinha sido extinto no Brasil.

A Constituição anterior já possuía artigos que garantiam a soberania dos municípios, entretanto, foi na constituição de 1934 que isso deixou de ser apenas teórico e se viu em prática, infelizmente, por pouco tempo.

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O Artigo da Constituição referente aos direitos dos municípios era o de número 13, que dizia:

Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite o seu peculiar interesse, e especialmente:

I – a eletividade (conforme texto original) do Prefeito e dos Vereadores da Câmara Municipal, podendo aquele ser eleito por esta;

II – a decretação dos seus impostos e taxas, e a arrecadação e aplicação das suas rendas;

III – a organização dos serviços de sua competência [...] (www.planalto.gov.br, acesso em 21/02/2013).

Observa-se que notoriamente o texto teve como base o Artigo 68 da Constituição de 1891.

 

2.4 A Constituição Outorgada de 1937 e o Estado Novo

 

Getúlio Vargas, considerado até hoje o presidente vai populista da história do Brasil, havia se tornado presidente primeiramente com a Revolução de 1930, quando tomou o poder do recém-eleito Júlio Prestes, após dois anos de governo provisório, foi eleito em 1932 para governar até 1938, entretanto, um ano antes do fim do seu governo, na intenção de continuar no poder, implanta um governo autoritário no Brasil, conhecido como Estado Novo, alegando que o Brasil corria perigo de ser tomado pelos Comunistas, provas falsificadas pelo governo não faltaram para validar o ato do Presidente.

O ponto central do Estado Novo foi a Constituição de 10 de Novembro de 1937, que deu base para os seus mais de oito anos de duração.

Explicado o contexto, sobre Federalismo pode-se afirmar com segurança que nesse período ficou apenas no nome, o que se via no Brasil era um Estado unitário, prático, que não admitia divergências de poderes e nem oposições.

Os Artigos que faziam menção ao Município eram do 26 ao 29 e diziam o seguinte:

Art. 26 - Os Municípios serão organizados de forma a ser-lhes assegurada autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse, e, especialmente:

a) à escolha dos Vereadores pelo sufrágio direto dos munícipes alistados eleitores na forma da lei;

b) a decretação dos impostos e taxas atribuídos à sua competência por esta Constituição e pelas Constituições e leis dos Estados;

c) à organização dos serviços públicos de caráter local.

Art. 27 - O Prefeito será de livre nomeação do Governador do Estado.

Art. 28 - Além dos atribuídos a eles pelo art. 23, § 2, desta Constituição e dos que lhes forem transferidos Pelo Estado, pertencem aos Municípios:

I - o imposto de licença;

II - o imposto predial e o territorial urbano;

III - os impostos sobre diversões públicas;

IV - as taxas sobre serviços municipais.

Art. 29 - Os Municípios da mesma região podem agrupar-se para a instalação, exploração e administração de serviços públicos comuns. O agrupamento, assim constituído, será dotado de personalidade jurídica limitada a seus fins.

Parágrafo único - Caberá aos Estados regular as condições em que tais agrupamentos poderão constituir-se, bem como a forma, de sua administração. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm, acesso em 21/02/2013).

Ainda há uma referência anterior na Constituição que o Art. 28 faz alusão (também retirada do site do Planalto): Art. 23, “§ 2º - O imposto de indústrias e profissões será lançado pelo Estado e arrecadado por este e pelo Município em partes iguais”.

Do ponto de vista teórico, desconsiderando a realidade ditatorial, a Constituição de 1937 tem de regresso em relação à de 1934 que os Prefeitos dos Municípios seriam não mais escolhidos por meio de votação, mas sim por escolha dos Governadores dos Estados, é o que percebemos ao comparar o Artigo 27 da primeira com o Inciso I do Artigo 13 da segunda respectivamente.

Do ponto de vista prático, era bem mais discriminada a diferença, pode-se afirmar com segurança que o poder do Município nesse momento era inferior ao que tinha durante o centralismo imperial, na Monarquia, porque durante o Império os interesses locais eram discutidos, nesse período não, já que o Brasil foi governado durante os oito anos de Estado Novo de acordo com o Artigo 180 da Constituição: “Enquanto não se reunir o Parlamento Nacional, o presidente da República terá o poder de expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União” (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm, acesso em 21/02/2013), e também porque os Prefeitos não podiam contar com o apoio de nenhum grupo popular, em uma página anterior, afirmei que Vargas foi o mais popular dos Presidentes, ele tinha todos os grupos populares sobre seu controle pois tratava de os agradar com leis que os beneficiavam, nessa época foram dados direitos a classe baixa nunca antes fornecidos, dessa forma, a classe baixa era defensora do Estado Novo.

2.5 A Constituição de 1946: Um renascimento mais duradouro do Municipalismo e a Tridimensionalidade do Federalismo brasileiro

 

A quinta constituição do Brasil foi do ano de 1946, o Governo Ditatorial de Getúlio Vargas já apresentado como Estado Novo havia sido derrubado no Brasil não por pressão Municipal, Estadual ou Popular, mas por pressão da oposição que além de controlar a imprensa tinha um grande questionamento a seu favor: Como Vargas apoiava em plena Segunda Guerra Mundial o Estado Federalista dos Estados Unidos e exercia no Brasil um regime autoritário que pouco ou nada descentralizava o poder a estilo do que se via nos países Fascistas.

Nessa situação, Vargas teve que abandonar a presidência, mas ajudou a eleger Dutra, responsável pela elaboração da Constituição de 1937, essa restaurou os poderes dos Municípios lhes dando autonomia política, administrativa e financeira novamente através do Artigo 28 que dizia:

A autonomia dos Municípios será assegurada:

I – pela eleição do prefeito e vereadores;

II – pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse, e especialmente,

a)         À decretação e arrecadação de tributos de sua competência e à aplicação das suas rendas;

b)         À organização dos serviços públicos locais [...](http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao37.htm, acesso em 21/02/2013).

Nesse momento, embora o Município não integre o conceito de Federalismo, no sistema brasileiro passa a ser indispensável e acaba por revelar a Tridimensionalidade do Federalismo brasileiro, União, Estados-membros e Município, que foi vista na constituição de 1934, se agravou em 1946 e nada mais é do que a realidade atual do Brasil, ao menos teoricamente.

 

2.6 A Constituição de 1967

 

Como o que interessa neste momento são as transformações da relação União versus Municípios no Brasil, pularei a volta de Vargas para a presidência, seu suicídio, governo de Café Filho, governo do famoso Juscelino Kubitschek, mudança da capital federal para Brasília, presidentes ameaçados por forças ocultas (aqui se faz referência a Jânio Quadros), João Goulart e a acusação desse ser comunista, Golpe Militar de 1964... Pararei por aqui os pulos, porque em 1967, no governo de Castelo Branco, presidente militar, o abre-alas da Ditadura Militar, uma nova Constituição foi criada, pois algo tinha que ser feito para tranquilizar esse país que era ameaçado pelo “monstro” comunista (comentário irônico e talvez seja desnecessária a explicação que essa foi a justificativa dos militares para implantar o Golpe de 64).

Os militares pegaram o lema “Ordem e depois Progresso” escrito na bandeira do nosso país e fizeram uma constituição a partir dele. Era isso que os livros de história de meados da década de 70 diziam... Sabe-se que não foi bem desse modo que as práticas se sucederam.

Federalismo ficou só no nome, comparar a uma montanha-russa a variação de poder dos municípios ao longo da história das Constituições possui muita pertinência, nesse momento para ser mais específico, o poder do Município inclina 75º rumo ao chão novamente, os militares centralizaram tudo em matéria de governo em suas mãos, os outros governantes eram meras extensões dos seus braços ou alvos de sequestros inexplicáveis até hoje de acordo com o atual Poder Executivo brasileiro.

Os Artigos da Constituição que abordavam a temática “Município”, mesmo que tenha sido só no campo teórico, foram o 15 e o 16, e diziam o seguinte:

Art. 15 - A criação de Municípios, bem como sua divisão em distritos, dependerá de lei estadual. A organização municipal poderá variar, tendo-se em vista as peculiaridades locais.

Art. 16 - A autonomia municipal será assegurada:

I - pela eleição direta de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores realizada simultaneamente em todo o País, dois anos antes das eleições gerais para Governador, Câmara dos Deputados e Assembleia Legislativa;

II - pela administração própria, no que concerne ao seu peculiar interesse, especialmente quanto:

a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação de suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade, de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei estadual;

b) à organização dos serviços públicos locais.

§ 1º - Serão nomeados pelo Governador, com prévia aprovação:

a) da Assembleia Legislativa, os Prefeitos das Capitais dos Estados e dos Municípios considerados estâncias hidrominerais em lei estadual;

b) do Presidente da República, os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional, por lei de iniciativa do Poder Executivo.

§ 2º - Somente terão remuneração os Vereadores das Capitais e dos Municípios de população superior a cem mil habitantes, dentro dos limites e critérios fixados em lei complementar.

§ 3º - A intervenção nos Municípios será regulada na Constituição do Estado, só podendo ocorrer:

a) quando se verificar impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo Estado;

b) se deixarem de pagar, por dois anos consecutivos, dívida fundada;

c) quando a Administração municipal não prestar contas a que esteja obrigada na forma da lei estadual.

§ 4º - Os Municípios poderão celebrar convênios para a realização de obras ou exploração de serviços públicos de interesse comum, cuja execução ficará dependendo de aprovação das respectivas Câmaras Municipais.

§ 5º - O número de Vereadores será, no máximo, de vinte e um, guardando-se proporcionalidade com o eleitorado do Município (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao67.htm, acesso em 21/02/2013).

Não adiantava a Constituição afirmar que o Prefeito e sua população podiam guiar seu Município de acordo com sua peculiaridade se havia os aparelhos repressivos pelas ruas só esperando para represar qualquer um que fosse contra a vontade do sistema.

Outra observação era a possibilidade de intervenção dos Estados-membros, que consistia em outra estratégia dos militares para controlar o país inteiro, qualquer justificativa podia ser usada como desculpa para os Governadores intervirem, já que não existia nenhum órgão independente para fiscalizá-los.

2.7 O Ato Institucional Nº 5 de 1968 e a Constituição de 1969

 

De início, explico que a Constituição de 17 de outubro de 1969 foi na realidade uma emenda constitucional que regulou todos os AI (Atos Institucionais) a partir do AI 5, de 13 de dezembro de 1968.

Anteriormente, eu comparei a autonomia do Município a uma montanha-russa, comparação justificada pelas constantes subidas e descidas das mesmas, mas em 1969, ela não subiu de novo, a descida em direção ao chão de 75º, inclinou logo para 90º e foi em direção ao subterrâneo naquele momento. O Ato Institucional Nº 5 de Costa e Silva era tão ditatorial que o próprio reconheceu haver um “exagero de cautela”, o Presidente da Linha Branda disse que iria e elaborou um Documento anulando o AI-5, que voltava o regimento do Brasil para a Constituição de 1967, mas uma semana antes de assiná-lo, sofreu um sequestro? Não, um AVC, hoje em dia sabe-se da existência de medicamentos que provocam absurdamente o aumento da pressão vascular, vá saber qual era a água que davam para o presidente.

O pequeno parágrafo de intervenção dos Estados-membros encontrado na Constituição de 1967 virou artigos e ainda teve um detalhe adicionado, a eleição de prefeitos ficou restrita a alguns municípios. Leia o Artigo 15:

Art. 15. A autonomia municipal será assegurada:

I - pela eleição direta de Prefeito, Vice-Prefeito e vereadores realizada simultaneamente em todo o País, em data diferente das eleições gerais para senadores, deputados federais e deputados estaduais;

II - pela administração própria, no que respeite ao seu peculiar interesse, especialmente quanto:

a) à decretação e arrecadação dos tributos de sua competência e à aplicação de suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; e

b) à organização dos serviços públicos locais.

§ 1º Serão nomeados pelo Governador, com prévia aprovação:
a) da Assembleia Legislativa, os Prefeitos das Capitais dos Estados e dos Municípios considerados estâncias hidrominerais em lei estadual; e
b) do Presidente da República, os Prefeitos dos Municípios declarados de interesse da segurança nacional por lei de iniciativa do Poder Executivo.

§ 2º Sòmente farão jus a remuneração os vereadores das capitais e dos municípios de população superior a duzentos mil habitantes, dentro dos limites e critérios fixados em lei complementar.

§ 3º A intervenção nos municípios será regulada na Constituição do Estado, sòmente podendo ocorrer quando:

a) se verificar impontualidade no pagamento de empréstimo garantido pelo Estado;

b) deixar de ser paga, por dois anos consecutivos, dívida fundada;

c) não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;

d) o Tribunal de Justiça do Estado der provimento a representação formulada pelo Chefe do Ministério Público local para assegurar a observância dos princípios indicados não Constituição estadual, bem como para prover à execução de lei ou de ordem ou decisão judiciária, limitando-se o decreto do Governador a suspender o ato impugnado, se essa medida bastar ao restabelecimento da normalidade;

e) forem praticados, na administração municipal, atos subversivos ou de corrupção; e

f) não tiver havido aplicado, no ensino primário, em cada ano, de vinte por cento, pelo menos, da receita tributária municipal.

§ 4º O número de vereadores será, no máximo, de vinte e um, guardando-se proporcionalidade com o eleitorado do município.

Art. 16. A fiscalização financeira e orçamentária dos municípios será exercida mediante controle externo da Câmara Municipal e controle interno do Executivo Municipal, instituídos por lei.

§ 1º O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado ou órgão estadual a que for atribuída essa incumbência.

§ 2º Sòmente por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal deixará de prevalecer o parecer prévio, emitido pelo Tribunal de Contas ou órgão estadual mencionado no § 1º, sobre as contas que o Prefeito deve prestar anualmente.

§ 3º Sòmente poderão instituir Tribunais de Contas os municípios com população superior a dois milhões de habitantes e renda tributária acima de quinhentos milhões de cruzeiros novos (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao69.htm, acesso em 21/02/2013).

Meirelles (1998, p. 42) afirma nesse momento que a distribuição da renda entre os três tripés da Tridimensionalidade do Federalismo brasileiro estava mais balanceada, mas não compartilho da sua ideia, porque isso ocorreu para os municípios industrializados que arrecadavam mais, os municípios agrários, a grande maioria, foram esquecidos.

E ainda mais um ato de perda de autonomia pode ser observada nesses artigos, que deixo para serem entendidas pelas palavras de Souza Junior e Avila (2007, p. 323):

A Constituição de 1967 deixava a remuneração dos Vereadores ao poder das próprias Câmaras, e a Constituição de 1969 restringiu tal possibilidade aos Vereadores das Capitais ou Municípios com população superior a duzentos mil habitantes, ainda, exigindo observância às regras previstas em lei complementar.

Nesse momento fica evidente que a Ditadura Militar não realizava represália apenas com os esquerdistas, estudantes e cantores da Tropicália.

3. A CONSTITUIÇÃO DE 1988: O TEÓRICO E O PRÁTICO DO FEDERALISMO COOPERATIVISTA BRASILEIRO NA ATUALIDADE

 

Garantida a autonomia dos Estados-membros e do Município. Talvez pareça estranho eu começar esse último tópico antes da conclusão desse artigo científico com uma frase nominal, mas essa frase é interessante, porque ao mesmo tempo em que ela define teoricamente o que é a Constituição de 1988 para o Federalismo do Brasil, ela abre espaço para muitas críticas relacionando o que tem escrito nas leis a como ocorre de fato.

Os constituintes dividiram os poderes e as áreas de atuação de cada um, de forma que não enfraquece a União sobre os Estados-membros e estes sobre o Município, pelo contrário, balanceiam os três, cada um tem suas competências definidas, é o chamado Federalismo Cooperativo, nesse momento nenhuma das forças atua mais sobre a mesma área, logo o aumento de uma não implica a diminuição da outra, a montanha-russa que representa a autonomia do Município subiu 90º em 1988, e ao se aproximar do fim, vem assumindo uma posição plana.

O problema é que na prática não funciona assim, os governantes que ocupam cada um dos tripés do Federalismo andam longe de obedecer ao que as normas definem. Tudo gira em torno não do livro da capa dourada, e sim do jogo de interesses, cada um que tirar a sua parte na renda da União, muitas vezes para fins particulares, e ainda registrar seus nomes como atuantes em qualquer atividade governamental já pensando em ter créditos com a população para a reeleição.

Dessa forma, em várias ocasiões, União, Estados-membros e Município competem entre si, mesmo que a Constituição determine não haver necessidade disso ao menos no sentido administrativo e financeiro, entretanto para fins políticos e relações de subordinação, os ocupantes, quando de partidos políticos adversários, fazem questão de boicotar as práticas dos outros através de vetos em suas áreas de atuação ou retenção de verba com o intuito de prejudicar a imagem do outro para que, em eleições futuras, um aliado político seu tenha mais chance de assumir o lugar daquele adversário.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 O que se tem certeza na contemporaneidade é que o Município é fundamental para a administração de todo o território nacional feita pela União. Também que é errada a ideia de que o desenvolvimento do municipalismo no Brasil enfraquece o poder Estadual e a União, é como afirma novamente Souza Junior e Avila (2007, p. 328):

Ocorre que, ao longo da história, a concepção de federalismo, de repartição de competências foi alterada, de modo a não se entender mais a relação Estado-membro e Município como uma guerra de forças, mas como uma constante busca pelo bem comum. E, portanto, o Município é peça chave para a efetivação da Federação.

Dessa forma, o que falta é os governantes, que detêm o Poder dentro desse Federalismo Tridimensional brasileiro, seguirem o roteiro (a Constituição de 1988) para que se pare de questionar o nome Federalismo Cooperativista, afinal, na análise de como funciona o controle de toda uma nação, se a Constituição deixa tudo bem definido, não deveriam caber dúvidas sobre como funciona o regime de fato e como ele deve ser. Nesse momento, caro leitor, abandono qualquer eufemismo.

 

 REFERÊNCIAS

FERREIRA, Aloysio Nunes. Desafios atuais do federalismo no Brasil. In: Federalismo na Alemanha e no Brasil. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, Série Debates nº 22, Vol. I, 2001, p. 51.

MEIRA, Antonio Carlos. Brasil: Recuperando a nossa História. São Paulo: FTD, 1998.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 37 e 42.

NUNES, José de Castro. Do Estado Federado e sua Organização Municipal. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro e Maurillo Editores, 1920, p. 54.

SOUZA JR., Cezar Saldanha; AVILA, Marta Marques. Estudos sobre o Federalismo. 1. Ed. Porto Alegre: Dora Luzzatto, 2007.

Sobre o autor
Caio Victor Andrade Gabina de Oliveira

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Maranhão (São Luís).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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