Preliminarmente, deve-se ressaltar que para responder objetiva e tempestivamente o cerne do presente tópico basta uma simplória interpretação literal ou teleológica do art. 15 do novo Código Civil, com respaldo positivado no art. 5º, incisos II e III da CF/88, no qual se pode inferir que ninguém será constrangido a se submeter a tratamento médico ou intervenção cirúrgica que exponha ao risco de vida, visto que há uma relação de supremacia sui generis dos direitos da personalidade, que, sob a perspectiva ideológica de Pablo Stolze Gagliano (Novo Curso de Direito Civil, Parte Geral, 2012, pág.168), estes são categorizados em uma tríade: "corpo, mente e espírito"; gerando, por derradeiro, um amálgama classificatório entre vida e integridade física; esta que reconhece, também, ainda que indiretamente, o alvedrio do indivíduo, isto é, a sua autonomia intelectiva arbitrária. Destarte, faz-se ainda mais importante agravar a necessidade de entender que o direito fundamental à vida é indubitavelmente o mais relevante de todos, isto é, “o direito que se reveste, em sua plenitude, de todas as características gerais dos direitos da personalidade, devendo-se enfatizar o aspecto da indisponibilidade, uma vez que se caracteriza, nesse campo, um direito à vida e não um direito sobre a vida. Constitui-se direito de caráter negativo, impondo-se pelo respeito que a todos os componentes da coletividade se exige. Com isso, tem-se presente a ineficácia de qualquer declaração de vontade do titular que importe em cerceamento a esse direito, eis que se não pode ceifar a vida humana, por si, ou por outrem, mesmo sob consentimento, porque se entende, universalmente, que o homem não vive apenas para si, mas para cumprir missão própria da sociedade. Cabe-lhe, assim, perseguir o seu aperfeiçoamento pessoal, mas também contribuir para o progresso geral da coletividade, objetivos esses alcançáveis ante o pressuposto da vida”. (BITTAR, Os Direitos da Personalidade, 3. Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 67).
Outrossim, como precedentemente mencionado, o civilista Pablo Stolze reconheceu a figura da integridade física como princípio inerente ao sentido amplo do direito à vida, que, em lato sensu, traz a concepção da higidez humana, isto é, incolumidade física e intelectual. Nesse sentido, o jurista também reconhece a problemática sustentada pela colisão ideológica entre os limites do alvedrio e a necessidade de intervenções médicas ou cirúrgicas. Em uma exegese à luz desta contenda, JOSAPHAT MARINHO reconhece a “impossibilidade de ser constrangida a pessoa a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou intervenção cirúrgica. O Projeto primitivo referia apenas o tratamento cirúrgico. A ampliação é correta, pois hoje há múltiplos tratamentos especializados geradores de risco à vida, inclusive pelo uso de aparelhos de rigorosa precisão ou de medicamentos de dosagem inalterável”.(Josaphat Marinho, ob. Cit., p. 256). Desta forma, corroborando parcialmente com o jurista CARLOS ROBERTO GONÇALVES (Direito Civil Esquematizado, Parte Geral, 3ª edição, 2012, Saraiva: São Paulo, pág.90) no qual alega que o indivíduo que se submete a tratamento médico ou intervenção cirúrgica deve ter plena e indubitável consciência dos seus riscos, cabendo, sobretudo, ao profissional qualificado informá-lo, em contrapartida não apenas por “ deontologia profissional”, isto é, está no código de ética dos médicos, como o jurista discretamente citou, mas, também, pelo sentido repristinatório, original e aristotélico do que efetivamente é ética ou“èthos”: agir a partir daquilo que vem de dentro, isto é, da natureza onto e teleológica do homem, buscando a excelência virtuosa: o bem comum, diga-se de passagem que não só os socráticos, mas também São Tomás de Aquino, Bentham e Stuart Mill, entre outros, assim a entendem, para, por conseguinte, não ter que tratar de um direito fundamental, indisponível, impenhorável ou inalienável, irrenunciável e intransferível como a vida, apenas por “dever-ser”. Posto isso, o paciente tem, portanto, o direito de se eximir do tratamento em função do seu direito à integridade física, conquanto em caso de o paciente estar obstado de manifestar sua vontade, esta será incumbida ao seu representante legal. Nada obstante o dever de informar, em casos de emergência - como, à guisa de exemplo, uma parada cardíaca –, não havendo um interstício de tempo para a oitiva do paciente, o médico deverá realizar o tratamento prescindindo de qualquer autorização e eximindo-se automaticamente de responsabilidade. Nesta perspectiva, testifica CARLOS ROBERTO GONÇALVES: “Na impossibilidade de o doente manifestar a sua vontade, deve-se obter a autorização escrita, para o tratamento médico ou a intervenção cirúrgica de risco, de qualquer parente maior, da linha reta ou colateral até o 2º grau, ou do cônjuge, por analogia com o disposto no art. 4º da Lei n.9.434/97, que cuida da retirada de tecidos, órgãos e partes do corpo de pessoa falecida. Se não houver tempo hábil para ouvir o paciente ou para tomar essas providências e se tratar de emergência que exija pronta intervenção médica, como na hipótese de parada cardíaca, terá o profissional a obrigação de realizar o tratamento independentemente de autorização, eximindo-se de qualquer responsabilidade por não tê-la obtido. Mesmo porque o Código Penal (art. 146, § 3º, I) não considera crime de constrangimento ilegal “a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida ” 150. Responsabilidade haverá somente se a conduta médica mostrar-se inadequada, fruto de imperícia, constituindo-se na causa do dano sofrido pelo paciente ou de seu agravamento.” (Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil Esquematizado, Parte geral. 3ªedição, São Paulo: Saraiva, 2012, pág.91).
Por derradeiro, no que concerne estritamente à convicção filosófica ou religiosa como forma de não aquiescência do tratamento do indivíduo em iminente risco de vida, o Tribunal de Justiça de São Paulo teve a oportunidade de decidir que, malgrado o direito de culto que é assegurado à paciente pela Lei Maior, não lhe era dado dispor da própria vida, de preferir a morte a receber a transfusão de sangue, “a risco de que se ponha em xeque direito dessa ordem, que é intangível e interessa também ao Estado, e sem o qual os demais, como é intuitivo, não têm como subsistir”. Neste sentido, também se posiciona o nosso Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, por sua vez, enfatizou que não há necessidade de intervenção judicial para obrigar a paciente a se submeter à transfusão de sangue, “pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao tratamento da paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares”. Logo faz-se mister trazer à tona a doutrina do exímio Carlos Roberto Gonçalves que faz alusão á Resolução 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina e aos arts. 46 e 56 do Código de Ética Médica, que autorizam os médicos a realizar a transfusão de sangue em seus pacientes, independentemente de consentimento, se houver iminente perigo de vida. Destarte, a convicção religiosa só deve ser considerada se tal perigo, na hipótese, não for iminente e houver outros meios de salvar a vida do doente.(Gonçalves, Carlos Roberto, Direito Civil Esquematizado, Parte geral. 3ªedição, São Paulo: Saraiva, 2012, pág.93).