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Internação compulsória de dependente de drogas: limpeza social ou proteção urbana?

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3. FISCALIZAÇÃO E REPRESSÃO DO ESTADO NO COMBATE ÀS DROGAS E A UTILIZAÇÃO DA INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA COMO FATOR DE PROTEÇÃO SOCIAL

O Estado, por gozar de legitimidade, tem o papel de atuar e fiscalizar no combate às drogas, criminalizando sua circulação e seu consumo, perseguindo e punindo quem as produz, vende ou consome.

A problemática trazida ao usuário e a sociedade pelo consumo de drogas, é alarmante, na medida em que seus efeitos suspendem o julgamento normal dos indivíduos, levando a ações inconsequentes e, muitas vezes, violentas, agravadas pela incapacidade que muitos dependentes enfrentam para bancar a compra de novas doses.

Dado esse conjunto de danos e considerando que o consumo dessas drogas é totalmente prescindível, já que elas, em sua grande maioria, não têm aplicação médica, cabe ao Estado proibi-las.

Sendo assim, existem duas vertentes conferidas ao Estado para agir: impedir a produção e o comércio dessas substâncias e reprimir seus consumidores.

Nesse sentido, por se tratar de um assunto delicado e polêmico principalmente no que concerne ao papel do Estado, na busca pela repressão e levando em consideração a Internação Compulsória frente ao risco social que um dependente químico pode trazer para a sociedade, é imprescindível tal ato, haja vista que, muitos dos dependentes químicos internados compulsoriamente apresentam quadros de surtos psicóticos em face do consumo contínuo e abusivo de tóxicos, não apresentando condições de decidir sobre a submissão aos tratamentos possíveis.

A inércia do Estado frente ao risco social de um dependente químico pode trazer problemas para a sociedade com o passar do tempo. Portanto, para não sofrer desse risco, o Governo criou medidas para o cumprimento mais eficiente da Lei. No dia 11 de janeiro de 2013, o Estado de São Paulo viabilizou uma parceria inédita no Brasil entre o Judiciário e o Executivo, entre médicos, juízes e advogados, com o objetivo de tornar a tramitação do processo de internação compulsória mais célere, para proteger as vidas daqueles que mais precisam. O que o Estado está fazendo, em parceria com o Judiciário, é aplicar a lei para salvar pessoas que não têm recursos e perderam totalmente os laços familiares. Essas pessoas estão abandonadas, e é obrigação do Estado tirá-las do abandono. A presença do Judiciário vai aumentar as garantias aos direitos dos dependentes químicos.

É considerável esclarecer que essas internações sob outra ótica a de que não seja a de violar o direito fundamental de ir e vir de um cidadão, também pode acontecer para assegurar e garantir os direitos fundamentais à vida, a integridade física do dependente químico e à segurança de todos os cidadãos. Um caminho possível para devolver ao convívio da sociedade aqueles que enfrentam o grave problema da dependência química.

Sendo assim, o objeto tratado no percurso do trabalho foi a internação compulsória como método de tratamento para dependentes químicos, por ser um assunto muito frágil, que carece de ser analisado de mais profunda, tanto na circunferência jurídica, como na esfera legislativa e no executivo, pois, a busca se refere ao resgate do indivíduo que vive em situação precária, recuperando assim sua dignidade que é um direito fundamental perpetuado na Constituição, de forma que deve ser protegido pelo Estado Democrático de Direito sem prejuízo.

Por isso, é possível uma solução estratégica nacional para tratar de dependência química. Porém cada Estado tem uma história e uma cultura diferente e interesse sociopolíticos, mais não pode se esquecer de que isto é um problema de saúde pública. Cabendo ao Estado apresentar medidas, seja preventiva ou repressiva, tendo em vista que é o responsável por garantir à ordem pública e a paz social, bem como assegurar a efetividade aos direitos fundamentais narrado na Constituição Federal do Brasil.

Diante de todos os argumentos expostos na pesquisa, verificou-se que a medida de Internação compulsória referente aos dependentes químicos, quando aplicada compulsoriamente pelo Estado – Juiz, como medida de ultima ratio inteiramente executável e constitucional, pois respeita todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana e tem o desígnio de desintoxicar, cuidar e reinserir o dependente químico na sociedade, assegurando a vida, a saúde e a dignidade humana.

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4. PARALELO ENTRE CLÍNICAS DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA (ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE ENFERMIDADE MENTAL PELA DEFESA EM PROCESSOS CRIMINAIS) E O A SUPERLOTAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO

A problemática com as drogas no Brasil já é algo que ocorre há muito tempo, e diversos são os meios criados para buscar uma melhoria neste assunto. No entanto, uma questão que vem gerando discordâncias e grande polemica, é a questão da internação compulsória.

A internação compulsória, que existe no Brasil já ha alguns anos, porém tratada de forma individualizada, passou agora a ser caso de Saúde Pública, e é a partir daí que vem toda a discursão estabelecida ao redor do assunto. Para os defensores da ideia, a internação compulsória fará com que o numero de usuários de drogas no Brasil diminua, além de que aqueles que já se encontram nos caminhos das drogas possam ter o tratamento devido, para que assim possam se reestruturar na sociedade. No entanto, há aqueles que digam que esses argumentos não transparecem a realidade do país.

Para os que se colocam contra a ideia, a internação compulsória fere os direitos humanos, pois o governo Brasileiro não teria estrutura para dar um tratamento adequado aos usuários, além de coloca-los em situações desumanas, o que faz parecer que a questão “saúde publica” não passa de um disfarce para interesses econômicos e políticos ligados à higienização, e outros interesses de particulares. Ou seja, o governo está apenas tentando retirar os viciados das ruas ou está tentando de fato tratá-los?

É fato que o usuário de drogas, em estados mais graves, na maioria das vezes, apresente um comportamento agressivo, e as vezes até criminoso para que consigam manter o seu vício, porém se não houver o tratamento adequado para esse tipo de patologia, a sua reabilitação a sociedade nunca será alcançada. Infelizmente, o sistema psiquiátrico no Brasil não é realizado de forma especializada, em clinicas comprometidas a tais feitos, mas sim em situações de maus tratos, de abandono, é um sistema que ainda guarda muito da herança do sistema carcerário, e essas pessoas que deveriam ser tratadas como enfermas, acabam sendo tratadas como criminosas. O governo não pode simplesmente internar e esquecer o dependente, ou internar sem prover a estrutura necessária, pois se isso ocorre a internação, então, seria só um meio de tirar os usuários das ruas e não reitera-los a sociedade, o que acaba se tornando uma punição e não uma medida de saúde.

Pode-se usar como um exemplo claro para essa questão o que ocorre nos presídios brasileiros, onde cada vez mais a situação do preso se torna desumana, cruel e sem objetivo de melhoria na vida desses. É muito comum escutar que um criminoso quando vai à cadeia “sai ainda pior do que entrou”, isso ocorre por causa do sistema repressivo usado, são centenas de pessoas tratadas sem o mínimo de dignidade. Sem tocar no que tange a superlotação que esses presídios sofrem.

No filme passado em sala “O poder e a Lei”, um filme de Brad Furman com Matthew McConaughey, pode-se ver um exemplo claro de uma usuária de drogas, que buscou a internação como meio de “fugir” do sistema carcerário, esta, para que não tivesse de ser condenada a pena de reclusão, muitas vezes aceitou a internação como um meio de fuga, no entanto, o filme mostra que todas as vezes ela não foi tratada para uma reabilitação, mas sim para que não causasse mais “problemas” a ordem pública, logo, ela sempre acabava voltando ao vicio.

Desse pequeno exemplo, pode-se ver que nem sempre a internação é a resolução do problema, na verdade, enquanto não houver um sistema eficaz e comprometido a um tratamento onde se possa encontrar apoio médico, psicológico e social, o problema nunca será resolvido.


5. ALEGAÇÃO DE EXISTÊNCIA DE ENFERMIDADE MENTAL PENAL DEFESA EM PROCESSO CRIMINAL

Em sede de processo criminal, apresenta-se muito comum a alegação de superveniência de enfermidade mental ou superveniência de insanidade como meio de defesa, buscando a suspensão do feito ou aplicação de medidas de segurança. Como já dito alhures, há de se relembrar o exemplo citado da jovem que busca a internação como uma forma de “fugir” do sistema carcerário.

Tal alegação será confirmada por meio de laudo pericial elaborado por profissionais da área, em que, por conta do sistema liberatório adotado pelo Brasil, o Juiz, no exercício de suas funções, não ficará adstrito ao laudo produzido, podendo rejeitá-lo no todo ou em parte, devendo, para tanto, fundamentar tal decisão.

Insta frisar, que os exames periciais de sanidade mental que os suspeitos de apresentarem qualquer enfermidade, devem ser apresentados por meio de laudos formulados por psiquiatras forenses e solidamente fundamentados, referindo qual a patologia mental do examinado, o tratamento a ser dispensado e o grau de sua periculosidade.

Porém, no Brasil, tal realidade se mostra extremamente precária e ineficaz, onde inúmeros Estados não apresentam a quantidade de peritos especialistas em psiquiatria forense necessários, o que vai de encontro com o aumento na demanda para a produção de exames de insanidade mental e seus respectivos laudos.

Tal realidade, com a pequena quantidade de profissionais e falta de interesse do poder público em investir na formação destes, gera a paralisação de inúmeros processos judiciais que dependem da formulação de laudo pericial para que possa seguir seu curso normal, acarretando o comprometimento da eficácia do judiciário, sem a aplicação de penas ou medida de segurança, acabando, muitas vezes, gerando a impunidade.

Assim, o tempo despendido para que se realizem os exames e confecção dos respectivos laudos, gera ofensa ao art. 150, § 1º, do Código de Processo Penal, que dispõe que o prazo para realização do exame de sanidade mental será de 45 (quarenta e cinco) dias, prorrogável somente em caso de necessidade devidamente fundamentada.

A presença de doença mental do acusado pode ser constatada em sede de inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente (art. 149, § 1º, CPP), cabendo unicamente ao juiz determinar a realização de perícia para apurar a mesma. O magistrado poderá agir ex ofício, ou ainda, por requisição do Ministério Público ou do curador, defensor, ascendente, descendente, irmão ou conjugue do acusado.

Em muitos casos a requisição se mostra como forma de protelar ou tumultuar o feito, não tendo razão de ser. Nesses casos, poderá o juiz indeferir a realização do exame (art. 184, CPP), quando inexistir dúvidas acerca da integridade mental do acusado. Porém quando houver suspeitas sobre a higidez mental do acusado, o indeferimento constituirá cerceamento de defesa, sendo obrigatória a sua realização.

De mais a mais, pode ainda a defesa trazer como a tese a alegação de que a doença mental sobreveio à infração penal cometida e nesse caso, se for concluindo tal fato pelos peritos, deverá suspender o processo e aguardar o restabelecimento do réu para que a causa criminal volte a ter andamento, nos moldes do art. 152. do CPP.

Além disso, se o resultado do laudo vier após a inquirição de testemunhas, uma vez suspenso o processo, poderão elas ser reouvidas, nos termos do § 2º do art. 152. Tal medida, de suspensão do processo até restabelecimento do acusado, encontra respaldo no princípio da ampla defesa, visando que com a recuperação do acusado, ele possa se defender com eficácia.

Urge destacar acerca da possibilidade de internação antes da conclusão da culpa que existem duas posições. Sobre estas posições, Nucci explica:

[...] quando a doença mental ficar evidenciada, mas tiver ocorrido após o cometimento do injusto penal, preceitua a lei poder o juiz determinar a internação do penal, aguardando-se a sua cura, a fim de haver prosseguimento do feito. Logicamente, só se fala a possibilidade de internação, quando houver periculosidade. Há duas posições nesse sentido: (a) é medida inconstitucional, pois fere a presunção de inocência. Estaria o magistrado determinando a internação (medida coercitiva), sem a formação da culpa. Assim, o correto seria prosseguir o feito, até a sua conclusão, a despeito do previsto neste artigo; (b) é constitucional, pois a internação assegura proteção devida ao doente mental, considerado perigoso, não somente à sociedade, mas também a si mesmo, se não tiver tratamento adequado e continuar solto. Por outro lado, ainda que a internação dure tempo razoável, não ofensa à presunção de inocência, pois o fim visado é garantir justamente a ampla defesa e o contraditório. Afinal, um réu não consegue defender-se a contento se for considerado doente mental. É a posição que preferimos. Além disso, a constitucionalidade é sustentável, pois a Carta Magna assegura que não haverá prisão se não por ordem legal da autoridade judiciária. Ora, nessa hipótese, o juiz fundamenta e decreta uma internação, fruto de expressa previsão do Código de Processo Penal. Note-se, inclusive, que o art. 152, § 2º, prevê a possibilidade de reinquirição das testemunhas, quando elas tiverem prestado declarações longe da presença do acusado, o que demonstra a nítida preocupação legislativa com a proteção à ampla defesa. Lembremos, entretanto, que a prescrição não está suspensa. Logo, se ocorrer o prazo prescricional para a pena em abstrato do delito em questão, o juiz deve julgar extinta a punibilidade, transferindo a questão da interpretação para o juízo cível. Conforme o caso, o Ministério Público poderá propor a interdição do réu e ele continuará seu tratamento (NUCCI, 2011, p. 252).

Portanto, o processo incidente mostra-se cabível quando restarem dúvidas acerca da integridade mental do acusado podendo ser instaurado em qualquer fase da persecução penal, tanto durante a ação penal, quanto no inquérito policial.

Insta frisar que o prazo prescricional continuará correndo, não tendo a suspensão do processo por conta da superveniência de insanidade mental qualquer influência em relação a tal prazo. No caso de haver constatação de que o acusado já era inimputável ao tempo da infração, o processo retomará seu curso normal, com a presença de curador nomeado pelo juiz.

Por fim, pode-se constatar que a alegação de insanidade mental mostra-se corriqueira em sede de processos criminais por conta dos “benefícios” trazidos aqueles que apresentam moléstias, do ponto vista punitivo, haja vista ter um tratamento diferenciado e, em muitos casos, por conta do tempo gasto na verificação, elaboração de laudo, suspensão do processo, gerar efeito protelatório ou até mesmo conduzir à impunidade do acusado.

Sobre os autores
Lorhanne Sá Velôzo Tourinho

Acadêmica do VI Semestre do curso de Direito da Faculdade de Ilhéus.

Clarisse Silva Brito

Acadêmica de Direito na CESUPI

Giovanna Santos Tavares

Acadêmica de Direito na CESUPI

Débora Thaine Pereira Marques

Acadêmica de Direito na CESUPI

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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