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O contrato de mandato

Agenda 26/09/2016 às 16:31

O artigo apresenta anotações sobre o contrato de mandato, com apresentação dos entendimentos doutrinário e jurisprudencial correspondentes.

No ensinamento de Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume III, 1975, pág. 350), o mandato é o contrato pelo qual uma pessoa, mandatário, recebe poderes de outra, mandante, para, em seu nome, praticar atos jurídicos ou administrar interesses.

O direito civil brasileiro não guarda fidelidade ao direito romano e nem segue orientação germânica, para o qual o mandato não implica em representação por motivo de formalismo imperante. No direito brasileiro, a representação é essencial e a sua falta desfigura o contrato para locação de serviços. Na Alemanha, a procuração e a representação formam noções distintas.

Pelo mandato, somente atos jurídicos patrimoniais ou não podem ser praticados, como já ensinam Clóvis Beviláqua (Comentários ao Código Civil), seguido por Eduardo Espínola, Mazeaud e Mazeaud. Pelo artigo 1.288 do Código Civil revogado, que não alude a ato jurídico, como expressamente faz o Código Civil francês, o direito brasileiro alinha-se ao lado do BGB, do Código suíço, do polonês das obrigações, admitindo que também outros podem nele estar compreendidos, e não apenas e somente os atos jurídicos.

O contrato de mandato é: consensual, gratuito, intuito personae, bilateral (pois, ao contrário do direito alemão, que cria obrigações somente para o mandante – artigo 1.309), revogável.

Podem ser constituídos como mandatários os plenamente capacitados. O Código anterior falava que o menor entre 16 e 21 anos, poderia sê-lo, mas o mandante não tem ação contra ele. O pródigo e o falido não estão impedidos de representar.

No mandado escrito a procuração servir-lhe-á de instrumento. A produção por escrito público só será exigida em casos especiais: a) relativamente incapazes, com assistência do responsável; b) do cego; do mandante que não possa ou não saiba escrever.

A procuração mediante instrumento particular pode ser feita por quem estiver na livre administração de seus bens e só valerá quando contiver a assinatura do outorgante (artigo 654). O Código Civil, no parágrafo primeiro do artigo 654, acrescenta que o instrumento particular deverá conter a indicação do lugar onde foi passado, o nome e a qualificação do outorgante, a individualização de quem seja o outorgado e, bem assim, a data, o objetivo da outorga, com a natureza, a designação e a extensão dos poderes conferidos. O reconhecimento de firma no instrumento particular será condição essencial à sua validade, para comprovar a sua autenticidade. A procuração por instrumento público não requer reconhecimento de firma, por fazer prova por si mesmo.

 Admite-se o mandato por carta em que esta figurará como prova do contrato, cuja aceitação resulta de execução, e, por telegrama, desde que este seja autenticado ou legalizado na estação expedidora pela entrega do original do telegrama com firma do expedidor devidamente reconhecida, devendo esta circunstância ser comunicada à estação recebedora.

 O artigo 655 estatui que, ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular. Para substabelecer não há uma forma rígida.

 O substabelecimento poderá ser feito por instrumento particular, mesmo que a procuração originária tenha sido feita por instrumento público, embora deva contar todos os elementos necessários para o contrato de mandato; mas, se se tratar de transferência de direito real sobre o imóvel, o substabelecimento de procuração em causa própria deverá ser feito por meio de escritura pública (RT 548:104).

 O substabelecimento sem reserva de poderes, não havendo notificação do constituinte, não isentará o procurador de responder pelas obrigações do mandato (RT 492:172).

 No mandato judicial a faculdade de substabelecer bem como a responsabilidade do mandatário, são as mencionadas para o mandato em geral, realizando-se com ou sem reserva. No primeiro caso, o procurador associa o substituto na causa e continua ainda investido dos mesmos poderes. Sem reserva, o mandatário afasta-se do processo, mas a sua responsabilidade não desaparece enquanto não for notificado o mandante, cuja aprovação se presume na ausência de oposição.

 O mandatário pode cassar o substabelecimento, assumindo, de novo, a causa ou nomeando novo substituto.

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 A cessão de direitos reais envolvendo coisa imóvel e a cessão de direitos hereditários deverão ser feitas por instrumento público em cartório.

 Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 356) ensinava: “Enorme celeuma levantou-se a propósito da forma da procuração (pública ou particular), quando o ato a ser celebrado exige – a pública (compra e venda de imóvel com valor acima do valor legal), entendendo alguns que há atração de forma (Barbosa Lima Sobrinho, Das procurações, in Revista de direito, volume 47, pág. 57). Mas não há razão para isso. São dois contratos diversos: um meramente preparatório, que não tem efeito translatício da propriedade, nem constitutivo de ônus real: habilita meramente o representante para o ato definitivo e, para ele, a lei não exige o requisito formal. O outro deve revestir a forma pública, porque tem por objeto transferir o domínio. E nem cabe a invocação do art. 132 do Código Civil, porque a anuência ou autorização ali referida é a que se exige como requisito de validade do próprio ato, não se aplicando à procuração”. Nesse sentido, João Luiz Alves (Código Civil anotado, observações ao artigo 1.289) e Clovis Beviláqua.

 Se a procuração for ad judicia, o instrumento poderá ser datilografo ou impresso, bastando que seja assinado pelo outorgante, sem necessidade de firma reconhecida. A procuração pode ser assinada de forma digital com base em certificado emitido por autoridade certificadora credenciada.

 Várias outras classificações podem ser dadas ao mandato: oneroso (se a atividade do mandatário for remunerada) ou gratuito; quanto à pessoa do procurador (mandato singular ou simples); modo de manifestação de vontade (quando pode ser expresso, específico, nos casos onde haja menção a poderes especiais); mandato tácito, se a aceitação do mandato se der por atos que se presumem; forma de sua celebração (verbal ou escrito); objeto (mandato civil, comercial ou mercantil); extensão (artigo 660), quando se terá mandato geral (se compreensivo de todos os negócios do mandante) ou mandato especial (se relativo a um ou mais negócios detetminados do mandante, discriminados na procuração). Poderá ainda ser com relação: ao conteúdo (em termos gerais – artigo 661 – se só conferir poderes de administração ordinária, como pagar impostos, contatar; mandato com poderes especiais, se envolver atos de alienação ou disposição, exorbitando dos poderes de administração ordinária; e ao fim: mandato ad negotia ou extrajudicial, mandato judicial ou ad judicia, se destinado a agir em juízo.

 Dispensa-se o instrumento de mandato: a) ao defensor nomeado pela autoridade judiciária; ao advogado que postula na Justiça do Trabalho, se acompanhou as partes desde o início da causa, permitindo-se a procuração por simples termo nos autos, reclamando-se menção especial para confissão, transação, quitação, citação inicial; aos Procuradores dos Estados, Municípios, da União, porque a lei confere mandato independente de outra exigência.

 Pode haver mandato ad judicia por empreitada, se um escritório de advocacia ou um advogado constituir um mandato global com seu cliente, que abrange toda a atividade judicial, extrajudicial, administrativa e consultiva que o obriga a praticar atos necessários ao bom desempenho e à execução das tarefas previstas negocialmente para a execução de um dado resultado. No mandato por empreitada, o objeto é uma obra, como resultado das atividades advocatícias contratadas e realizadas sem vínculo de subordinação. Tem, pois, como bem explicou Maria Helena Diniz (terceiro volume, 24º edição, pág. 386), a natureza de prestação de serviços por empreitada, pois o profissional assumiu não só o dever de cuidar das causas até o seu termo, estabelecendo-se verba ad exitum, mas também de realizar uma série de atos, sempre na busca de um resultado, como elaboração de negócios, auxílio nas operações mercantis e financeiras, redação de pareceres.

 Não podem ser procuradores:

 a) Menores de 18 anos, não emancipados ou não declarados maiores;

 b) Escrivães ou outros funcionários judiciais, correndo o pleito nos juízos onde servirem; e não procurando eles em causa própria;

 c) Juiz em exercício (O Dec. 21.411/32 que foi revogado em 1991, desconsiderou esse item relativamente aos membros dos tribunais eleitorais nomeados);

 d) Pessoas inibidas por sentença de procurar em juízo ou de exercer oficio público;

 e) Ascendentes, descendentes ou irmãos do juiz da causa (CPP, artigo 252 e 267);

 f) Ascendentes ou descendentes da parte adversa;

 g) Deputados e senadores, que desde a posse não poderá patrocinar causa contra pessoa jurídica de direito público (CF, artigo 54, II, c);

 h) Vereadores, que desde a posse não poderão patrocinar causa contra o Distrito Federal ou contra a União (Lei 217/48, artigo 7º, II, d);

 i) Indivíduos que se enquadrem nos impedimentos e incompatibilidades para procurar em juízos que sejam enumerados pelos artigos 27, 28, 29 e 30 da Lei 8.906/94;

 j) Membros do Ministério Público (artigo 128, II, b).

 Será admissível outorgar mandato judicial a quem não possa exerce-lo diretamente, desde que haja substabelecimento para pessoa habilitada (RF 103:326).

 A procuração geral do foro habilita a prática de todos os atos processuais, salvo para receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação (RT 544:169).

 Será necessária a outorga de poderes especiais para ofertar queixa-crime (ação penal privada, CPP, artigo 44), renúncia ao direito de queixa (artigo 50, CPP), aceitação do perdão (CPP, artigo 55), exercício do direito de representação (CPP, artigo 39), arguição de suspeição do juiz (CPP, artigo 98) e de falsidade (artigo 146, CPP), cancelamento do bem de família, requerimento de falência.

 O advogado que tiver poderes para promover ação de despejo pode notificar o inquilino (RT 289:593).

 Registre-se que, para alienar, transigir, hipotecar (RT 226:170), dependerá a procuração de poderes especiais e expressos por serem atos que exorbitam a administração ordinária. Assim, também deverá haver procuração com poderes especiais para levantar dinheiro, substabelecer, renunciar a direito, emitir nota promissória (RT 529:121), transmitir dívidas, fazer doação, fazer novação, dar fiança.

 O mandatário é obrigado a aplicar a diligência habitual à execução do mandato e tem o dever de prestar contas ao mandante. O mandatário infiel deve pagar perdas e danos.

 O advogado que aceitar a procuração não poderá escusar-se sem motivo justo, sob pena de responder pelo dano resultante. Se houver razão plausível, deverá avisar em tempo o constituinte, a fim de que lhe nomeie sucessor. O procurador que renunciar ao mandato deverá continuar, nos dez dias seguintes à notificação da renúncia, a representar o mandate, se isso for necessário para evitar-lhe prejuízo, salvo se for substituído antes do término desse prazo.

 No silêncio da procuração, o mandatário que substabelece responde pelos danos sofridos pelo comitente por culpa do substituto, como se tivesse praticado os atos ou incorrido em falta; se o instrumento contiver uma cláusula proibitiva, o substabelecimento já é, em si, uma infração contratual, respondendo o mandatário pelo fortuito mesmo; porém, se a substituição é consentida, far-se-á livremente, e ao procurador nenhuma responsabilidade advirá da conduta do substabelecido, salvo se houver incorrido em culpa in elegendo, se fizer a escolha do substituto, eleger mal.

 O procurador pode deixar de praticar o ato que depender de qualquer gasto, se o mandante não lhe fornecer os meios necessários.

 Cabe ao mandante ressarcir ao mandatário os prejuízos sofridos no cumprimento do mandato, ainda que acidentais, ou devidos ao fortuito, desde que, para o evento, não haja concorrido a culpa do próprio mandatário.

 Havendo mais de um mandante, o antigo Código Civil (artigo 1.314) já presumia a responsabilidade solidária, por todos os encargos para com o mandatário.

 O mandatário emite declarações de vontade em nome e no interesse do mandante, em que persiste a titularidade dos direitos e obrigações.

 Há formas de extinção do mandato: a revogação, a renúncia, a morte, a mudança do estado, a terminação do prazo, a conclusão do negócio.

 O mandato é como um contrato uma relação de confiança e de boa-fé. Trata-se de um direito potestativo. Em qualquer tempo, sem necessidade de justificar a sua atitude, o mandante tem a faculdade de revogar ad nutum os poderes e, de forma unilateral, pôr termo ao contrato.

 A revogação pode ser expressa, quando o mandante declara a cassação, fazendo-a pela via da notificação, ou judicial ou extrajudicial, ou mesmo tácita, que tanto pode vir quando o mandante assumir a direção pessoal do negócio ou, ainda, de ter outorgado poderes a outro para o mesmo negócio.

 Sendo vários os mandantes, a revogação partida de um deles é válida e o desvincula sem afetar a representação dos demais, a não ser que o objeto do contrato seja indivisível.

 A revogação não produzirá efeitos para o passado, atingindo atos futuros, respeitando-se os já praticados, como ensinou Orlando Gomes (Contratos, n. 260).

 O mandante que de modo abusivo o fizer, obriga-se a ressarcir os prejuízos causados ao mandatário.

 Guarda-se ao mandatário a faculdade de abdicar da representação, comunicando a renúncia ao mandante sob pena de perdas e danos, mas essa renúncia deve ser expressa.

 Além disso, a morte de qualquer das partes faz cessar o mandato, pois este é contrato intuito personae.

Quanto à mudança de estado, em se tratando de falência, somente são atingidos atos relacionados com o comércio.

Por fim, outra causa de extinção do negócio jurídico de mandato é a terminação do prazo ou conclusão do negócio.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. O contrato de mandato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4835, 26 set. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52160. Acesso em: 2 nov. 2024.

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