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A crítica, consagração e incorporação da teoria ponderativa dos princípios de Robert Alexy no Brasil e sua utilização no Direito Administrativo

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Agenda 21/09/2016 às 22:53

A discussão sobre princípios e regras está longe de ter um fim. No entanto, o presente artigo traz de forma bastante sucinta, mas não menos importante as principais explanações sobre o tema, contemplando os estudos de Dworkin, Alexy e Humberto Ávila.

A distinção entre princípios e regras ensinada por Ronald Dworkin tem por base a crítica desse autor sobre o positivismo. Para Ronald Dworkin “o positivismo é um modelo de e para um sistema de regras e que sua noção central de um único teste fundamental para o direito nos força a ignorar os papeis importantes desempenhados pelos padrões que não são regras” (2010, p. 36).

Para chegar a tal conclusão Ronald Dworkin estabelece três preceitos e os intitula como sendo o “esqueleto do positivismo” (DWORKIN, 2011, p. 29).

O primeiro deles se trata de um conceito do que seria o direito sob a ótica positivista. Para o positivismo, segundo Ronald Dworkin (2011, p. 27). “O direito de uma comunidade é um conjunto de regras especiais utilizadas direta e indiretamente pela comunidade com o proposito de determinar qual comportamento será punido ou coagido pelo poder público”.

Ronald Dworkin ao citar regras especiais explica que essas “podem ser identificadas e distinguidas com auxilio de critérios específicos, de testes que não tem a ver com seu conteúdo, mas com seu pedigree ou maneira pela qual foram adotadas ou formuladas” (DWORKIN, 2011, p. 28).

Ronald Dworkin afirma que esses testes de pedigree podem ser usados para distinguir regras jurídicas válidas de regras espúrias e também de outros tipos de regras sociais que a comunidade segue, mas não faz cumprir através do poder público.

O segundo preceito apontado por Ronald Dworkin (2011, p. 28) é que “O conjunto dessas regras jurídicas é coextensivo com “o direito”, de modo que se o caso de alguma pessoa não estiver claramente coberto por uma regra dessas, então esse caso não pode ser decidido mediante “aplicação do direito” e sim por alguma autoridade pública “exercendo seu discernimento pessoal”.

Por fim, Ronald Dworkin aponta como uma das características que sustentam o positivismo a de que “Dizer que alguém tem uma “obrigação jurídica” é dizer que seu quadro se enquadra em uma regra jurídica válida que exige que ele faça ou se abstenha de fazer alguma coisa” (DWORKIN, 2011, p.28).

Ronald Dworkin ainda conclui que para o positivismo “Na ausência de uma tal regra jurídica válida não existe obrigação jurídica; segue-se quando o juiz decide uma matéria controversa exercendo sua discrição, ele não está fazendo valer um direito jurídico correspondente a essa matéria” (DWORKIN, 2011, p. 28).

Ronald Dworkin deixa claro que essa é sua visão geral do positivismo e que as diferentes versões do positivismo “diferem sobretudo na sua descrição do teste fundamental de pedigree que uma regra deve satisfazer para ser considerada uma regra jurídica” (DWORKIN, 2011, p. 29).

Para fundamentar sua critica ao modelo positivista, o autor utiliza a versão do positivismo de Herbert Lionel Adolphus Hart por considerar essa a visão mais depurada e complexa do positivismo jurídico (CALSAMIGLIA, 1984).

Ronald Dworkin (2011, p. 31) explica que Hart divide as regras em primárias e secundárias. “As regras primárias são aquelas que concedem direitos ou impõe obrigações aos membros da comunidade”. Por outro lado, “As regras secundárias são aquelas que estipulam como e por quem tais regras podem ser estabelecidas, declaradas legais, modificadas ou abolidas”.

Além dessa análise, Ronald Dworkin assinala a perspectiva geral que Hart possui das regras “Se alguém está submetido a uma regra, não está simplesmente compelido, mas obrigado a fazer o que a regra determina. Portanto, estar submetido a uma regra deve ser diferente de estar sujeito a um dano, caso desobedeça a uma ordem”. (2011, p. 32).

Cumpre-se aqui destacar a diferença entre regra e ordem que o autor retira da teoria de Hart “Entre outras coisas, uma regra difere de uma ordem por ser normativa, por estabelecer um padrão de comportamento que se impõe aos que a ela estão submetidos, para além da ameaça que pode garantir sua aplicação” (DWORKIN, 2011, p. 32).

Ronald Dworkin ainda destaca que para Hart “Uma regra nunca pode ser obrigatória somente porque um individuo é dotado de força física quer que seja assim. Ele deve ter autoridade para promulgar essa regra ou não se tratará de uma regra; tal autoridade somente pode derivar de outra regra que já é obrigatória para aqueles aos quais ele se dirige” (2011, p. 32).

O autor resume o estudo de Hart em dois pontos:

  1. Uma regra pode tornar-se obrigatória para um grupo de pessoas porque, através de suas práticas, esse grupo aceita a regra como padrão de conduta.

  2. Uma regra também pode tornar-se obrigatória de uma maneira muito diferente, isto é, ao ser promulgada de acordo com uma regra secundária que estipula que as regras assim promulgadas serão obrigatórias (DWORKIN, 2011, p. 33).

Salienta-se que no segundo ponto (b), o autor traz o conceito de validade “regras obrigatórias que tiverem sido criadas de acordo com uma maneira estipulada por alguma regra secundária são denominadas regras “válidas”. Por fim, Dworkin conclui a distinção fundamental de Hart “uma regra pode ser obrigatória (a) porque é aceita ou (b) por que é válida” (2011, p. 33).

Destaca-se que para Hart uma regra secundária é uma “regra de conhecimento” que consiste em uma prática social que estabelece que as normas que satisfazem certas condições são válidas. Cada sistema normativo tem sua própria regra de reconhecimento e seu conteúdo varia e é uma questão empírica (CALSAMIGLIA, 1984).

Salienta-se que Ronald Dworkin crítica a regra de conhecimento de Hart ao dizer que “Sem dúvida, uma regra de reconhecimento não pode ser ela mesma válida, de vez que, por hipótese, ela é a última instância e não pode, portanto, satisfazer os testes estipulados por uma regra ainda mais fundamental”. O autor ainda assinala que tal regra “é a única regra de um sistema jurídico cuja obrigatoriedade depende de sua aceitação” (DWORKIN, 2011, p. 34).

Além disso, Dworkin aponta como uma das falhas do positivismo jurídico que por contemplar apenas regras no conceito de direito nos casos problemáticos que não são abarcados por tais regras “os juízes têm e exercitam seu poder discricionário para decidir esses casos por meio de nova legislação” (DWORKIN, 2011, p. 35).

Para Ronald Dworkin (2011), o ordenamento jurídico é composto por regras e princípios, devendo esses, em caso de lacuna, serem utilizados na resolução de casos difíceis. Assim a discricionariedade dos magistrados para as resoluções dos conflitos deveria ser evitada.

Segundo o jurista norte-americano, o princípio é um “padrão que deve ser observado, não porque vá promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, mas porque é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade” (DWORKIN, 2011, p. 36).

O autor explica que:

A diferença entre princípios e regras é de natureza lógica. Os dois conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula estão dados, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que fornece deve ser aceita, ou não é válida, caso em que neste caso em nada contribui para a decisão (DWORKIN, 2011, p. 39).

O autor ensina que, na análise do caso concreto, ou a regra é aplicada, ou não é aplicada, se a situação se subsome ao disposto na norma e esta é válida, ela tem que ser aplicada. Já aos princípios, por não preverem situações concretas, não se aplica a regra do tudo ou nada. Ronald Dworkin ainda assinala que “um princípio pode prevalecer sobre outro na resolução de um caso concreto quando estes estejam colidindo e, numa outra circunstância, pode ter sua aplicabilidade minorada, ante a aplicação de outro princípio” (2011, p. 42).

Nesse contexto, Ronald Dworkin (2011, p. 43) acrescenta que “Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão do peso ou importância -”. Assim, aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Para o autor, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um principio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem ou o quão importante ele é.

Ao analisar as regras, entretanto, o autor explica que “As regras não têm essa dimensão”. Para Dworkin (2011, p. 43), “uma regra jurídica pode ser mais importante que a outra porque desempenha um papel maior ou mais importante na regulação do comportamento”. O autor ressalta que “não se pode dizer que uma regra é mais importante que outra enquanto parte do mesmo sistema de regras, de tal modo que se duas regras estão em conflito, uma suplanta a outra em virtude de sua importância maior”.

Para o autor norte-americano “se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida”. Dessa forma, ele acredita que a resolução desse conflito pode se dar da seguinte maneira:

A decisão de saber qual delas é valida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão procedência à regra promulgada pela autoridade de grau superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa do gênero. Um sistema jurídico também pode preferir a regra que é sustentada pelos princípios mais importantes (DWORKIN, 2011, p. 43).

Ronald Dworkin (2011, p. 44) elucida que “a forma de um padrão nem sempre deixa claro se ele é uma regra ou um principio”. Para ele, muitas vezes, “regras ou princípios podem desempenhar papéis bastante semelhantes e a diferença entre eles reduz-se quase a uma questão de forma”.

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O autor cita como exemplos as palavras “razoável”, negligente”, “injusto” e “significativo” como termos que quando utilizados por uma regra faz com que ela se assemelhe mais a um principio”. Entretanto, o autor ainda explica que a utilização de tais termos “não chega a transformar a regra em principio, pois até mesmo o menos restritivo desses termos restringe o tipo de princípios e políticas dos quais pode depender a regra” (DWORKIN, 2011, p. 45).

Diante das explicações sobre a distinção entre princípios e regras o autor identifica os princípios como “tipos particulares de padrões, diferentes das regras jurídicas”. Dworkin acredita que os princípios podem seguir duas orientações diferentes:

  1. Podemos tratar os princípios jurídicos da mesma maneira que tratamos as regras jurídicas e dizer que alguns princípios possuem a obrigatoriedade de lei e devem ser levados em conta por juízes e juristas que tomam decisões sobre obrigações jurídicas.

  2. Por outro lado, podemos negar que tais princípios possam ser obrigatórios no mesmo sentido que algumas regras o são (DWORKIN, 2011, p. 46).

Após formular as orientações sobre os princípios, Dworkin (2011, p. 47) menciona “a possibilidade de se pensar que não há muita diferença entre essas duas linhas de ataque, que se trata apenas de uma questão verbal a respeito de como se pretende utilizar a palavra ‘direito’”.

No entanto, ele esclarece que tal suposição está completamente equivocada, pois “trata-se de uma escolha entre dois conceitos de um princípio jurídico, uma escolha que podemos esclarecer comparando-a uma escolha que podemos fazer entre dois conceitos de regras jurídicas” (DWORKIN, 2011, p. 47).

O autor explica que “Aceitar uma regra como obrigatória é diferente de adotar coo regra, para si mesmo, fazer determinada coisa”. Ele ainda cita o seguinte exemplo:

Poderíamos, por exemplo, dizer que alguém adotou como regra, para si mesmo, correr um quilômetro e meio antes do café da manhã, pois deseja ser saudável e tem fé em um método. Ao fazer tal afirmação, não queremos dizer que tal pessoa esteja de fato obrigada a seguir a regra de correr um quilômetro e meio e nem mesmo que ela se julgue obrigada por esta regra (DWORKIN, 2011, p. 47).

Isso posto, Ronald Dworkin faz a seguinte indagação: “Qual a abordagem certa?” Ele explica que “- esta não é uma questão verbal”. Para ele “a questão é saber qual das duas presta contas de um modo mais preciso da situação social”. O autor alerta que “a abordagem que escolhemos tem impacto sobre outros problemas importantes” (DWORKIN, 2011, p. 48).

Dworkin cita como exemplo:

se os juízes simplesmente “adotam a regra” de não reconhecer como válidos certos contratos, então não podemos dizer, antes da decisão ocorrer que alguém “tem direito” a esse resultado. Neste caso, essa proposição não pode fazer parte de nenhuma justificação que possamos oferecer para tal decisão (DWORKIN, 2011, p. 48).

O autor termina a discussão elucidando que “As duas linhas de ataque aos princípios correm em paralelo a essas duas abordagens de regras”. Em resumo ele define “A primeira alternativa trata dos princípios como obrigatórios para os juízes de tal modo que eles incorrem em erro ao não aplicá-los quando pertinente” (DWORKIN, 2011, p. 48).

Por fim, Ronald Dworkin aponta que a segunda alternativa trata os princípios como resumos daquilo que os juízes, na sua maioria, “adotam como princípio” de ação, quando forçados a ir além dos padrões aos quais estão vinculados” (DWORKIN, 2011, p. 49).

O autor considera as interpretações supracitadas antagônicas e devido a isso geram muitas discussões. Contudo a segunda tese é mais claramente atacada pelo autor, ou seja, a tese da discricionariedade do juiz na aplicação dos princípios

Caso se admita a discricionariedade judicial, então os direitos dos indivíduos estão à mercê dos juízes. A tese da discricionariedade supõe retroatividade. Os direitos individuais só são direitos se triunfam frente ao governo ou à maioria. Deixar à discricionariedade do juiz a questão dos direitos significa não se tomar a sério os direitos. Frente ao poder jurídico do juiz - poder criador de direito discricionário - Dworkin propugna a função garantidora - não criadora - do juiz (CALSAMIGLIA, 1984).

Diante da negativa da tese da discricionariedade judicial, Ronald Dworkin propõe que se faça um teste, baseado na regra de reconhecimento de Hart, para então descobrir se os princípios podem ser enquadrados na “primeira proposição de que o direito pode ser identificado através de testes do tipo especificado numa regra suprema” (DWORKIN, 2011, p. 63).

Como já explicitado anteriormente, Hart sugere um teste para identificar regras jurídicas válidas, Dworkin sugere que seja aplicado tal teste aos princípios:

Segundo Hart, a maioria das regras de direito são válidas porque alguma instituição competente as promulgou. Algumas foram criadas por um poder legislativo, na forma de leis outorgadas. Outras foram criadas por juízes, que as formularam para decidir casos específicos e assim as instituíram como precedentes para o futuro (DWORKIN, 2011, p. 64).

O autor, contudo, assinala que esse teste de pedigree não funciona para os princípios. Ele explica que “a origem desses princípios enquanto princípios jurídicos não se encontra na decisão particular de um poder legislativo ou tribunal, mas na compreensão do que é apropriado, desenvolvida pelos membros da profissão e pelo público ao longo do tempo” (DWORKIN, 2011, p. 64).

Ronald Dworkin salienta que “A continuidade de seu poder depende da manutenção dessa compreensão do que é apropriado”. O autor cita o seguinte exemplo:

Se deixar de parecer injusto permitir que as pessoas se beneficiam de seus próprios delitos ou se deixar de parecer justo impor encargos especiais sobre monopólios que fabricam máquinas potencialmente perigosas, esses princípios não mais desempenharão um papel nos novos casos, mesmo se eles não forem anulados ou revogados (DWORKIN, 2011, p. 64).

Para o autor, portanto, os princípios são dinâmicos, modificam-se com grande rapidez, e que toda tentativa de canonizá-los está condenada ao fracasso. Por esta razão, a aplicação dos princípios não é automática, mas exige a argumentação judicial e a integração da argumentação em uma teoria. O juiz ante um caso difícil deve balancear os princípios e decidir-se pelo que tem mais peso.

Diante do exposto, pode-se elencar três pontos essenciais da teoria abordada pelo autor, segundo esse:

  1. Se tratarmos os princípios como direito, devemos rejeitar a primeira doutrina positivista, aquela segundo a qual o direito de uma comunidade se distingue de outros padrões sociais através de algum teste que toma a forma de uma regra suprema.

  2. Nesse segundo ponto o autor deixa claro que “devemos abandonar a segunda doutrina – a doutrina do poder discricionário judicial – [...].

  3. No terceiro ponto, Dworkin apresenta a teoria positivista da obrigação jurídica que, segundo o autor, essa teoria sustenta que uma “obrigação jurídica existe quando (e apenas quando) uma regra de direito estabelecida impõe tal obrigação”. A crítica de Dworkin sobre essa teoria é que “em um caso difícil – quando é impossível encontrar tal regra estabelecida – não existe obrigação jurídica enquanto o juiz não criar uma nova regra para o futuro”. Dworkin conclui que, o juiz pode aplicar essa nova regra às partes da questão judicial, mas isso é legislar ex post facto e não tornar efetiva uma obrigação já existente (DWORKIN, 2011, p. 70).

Conclui-se que, “a finalidade do estudo de Ronald Dworkin foi fazer um ataque geral ao Positivismo, sobretudo no que se refere ao modo aberto de argumentação permitido pela aplicação do que ele viria a definir como princípios” (ÁVILA, 2013, p. 39).

Para o autor “as regras são aplicadas ao modo tudo ou nada, no sentido em que, se a hipótese de incidência de uma regra é preenchida, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida” (ÁVILA, 2013, p. 39). Em caso de colisão de regras, uma delas deve ser considerada inválida.

Ronald Dworkin entende que, os princípios, ao contrário das regras, não determinam absolutamente a decisão, mas somente contêm fundamentos, os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios (ÁVILA, 2013, p. 40).

Por isso, o autor diz que os princípios “possuem uma dimensão de peso, demonstrável na hipótese de colisão entre os princípios, caso em que o principio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca sua validade” (ÁVILA, 2013, p. 40).

Nessa direção, a distinção elaborada por Ronald Dworkin “não consiste numa distinção de grau, mas numa diferenciação quanto à estrutura lógica, baseada em critérios classificatórios, em vez de comparativos, como afirma Robert Alexy” (2011 apud ÁVILA, 2013, p. 40).

A distinção entre princípios e regras proposta por Alexy difere das anteriores porque se baseia, mas intensamente, no modo de aplicação e no relacionamento normativo, estremando as duas espécies normativas (ÁVILA, 2013, p. 40).

No próximo ponto do trabalho será abordado o estudo elaborado por Robert Alexy, bem como sua contribuição para a recepção da teoria ponderativa dos princípios no Brasil.


A CONTRIBUIÇÃO DE ROBERT ALEXY PARA A RECEPÇÃO DA TEORIA PONDERATIVA DOS PRINCÍPIOS NO BRASIL

Robert Alexy, em seu estudo sobre princípios e regras partiu das considerações de Dworkin sobre o tema, contudo, o autor deu maior precisão ao conceito de principio. Todavia, antes de revelar qual conceito dado aos princípios por ele, é necessário que se entenda de que forma Alexy construiu sua teoria, assim é relevante a compreensão clara da distinção entre princípios e regras e de critérios apontados pelo autor.

Robert Alexy assinala que “regras e princípios são reunidos sob o conceito de norma. Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser” (ALEXY, 2013, p. 87).

Para o autor “ambos podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Para ele, princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente”. Alexy afirma, portanto, que a “distinção entre princípios e regras é uma distinção entre duas espécies de normas” (ALEXY, 2013, p. 87).

Vejamos agora os critérios utilizados para distinguir regras de princípios citados por Robert Alexy. Segundo o autor, “um dos critérios que provavelmente é utilizado com mais frequência é o da generalidade. Segundo esse critério, princípios são normas com grau de generalidade relativamente alto, enquanto o grau de generalidade das regras é relativamente baixo”. Além da generalidade Robert Alexy aponta outros critérios[3] que auxiliam na distinção entre princípios e regras.

Com base nesses critérios o autor aponta três teses inteiramente diversas acerca da diferenciação entre princípios e regras. Passamos agora ao entendimento de cada uma delas e a apresentação daquela que o autor considera correta:

Segundo Robert Alexy a primeira teoria “sustenta que toda tentativa de diferenciar as normas em duas classes, a das regras e a dos princípios, seria, diante da diversidade existente, fadada ao fracasso” (ALEXY, 2013, p. 89).

O autor acredita que “só seria possível tornar essa diferenciação perceptível se na possibilidade dos critérios expostos, dentre os quais alguns permitem apenas diferenciações gradativas, sejam combinados de maneira que assim se desejar” (ALEXY, 2013, p. 89).

Neste caso, Robert Alexy afirma:

não seria difícil imaginar uma norma que tenha alto grau de generalidade, não seja aplicável de pronto, não tenha sido estabelecida expressamente, tenha um notório conteúdo axiológico e uma relação jurídica intima com a ideia de direito, seja importantíssima para ordem jurídica forneça razões para regras e possa ser usada como um critério para a avaliação de argumentos jurídicos (ALEXY, 2013, p. 89).

Quanto à tese supracitada, o autor ainda alerta que “é necessário atentar para as diversas convergências e diferenças. Semelhanças e dessemelhanças, que são encontradas no interior da classe das normas, algo que seria mais bem captado com a ajuda do conceito wittgensteiniano de semelhança de família que por meio de uma divisãoem duas classes” (ALEXY, 2013, p. 90).

A segunda tese é assim definida por Robert Alexy “aqueles que, embora aceitem que as normas possam ser divididas de forma relevante em regras e princípios, salientam que essa diferenciação é somente de grau. Os adeptos dessa tese são sobretudo aqueles vários autores que veem no grau de generalidade o critério decisivo para distinção” (2013, p. 90).

Por fim, chega-se a terceira tese a qual é vista pelo autor como sendo a forma correta de se distinguir regras e princípios. Segundo Robert Alexy, “essa terceira teses sustenta que as normas podem ser distinguidas em regras e princípios e que entre ambos não existe apenas uma diferença gradual, mas uma diferença qualitativa” (2013, p. 90).

Para o autor “há um critério que permite que se distinga, de forma precisa, entre regras e princípios”. Esse critério não se encontra naqueles elencados anteriormente, mas “declara a maioria dos critérios tradicionais nela contidos como típicos, ainda que não decisivos, dos princípios” (ALEXY, 2013, p. 90).

Tendo essa última tese como base para sua teoria sobre os princípios Robert Alexy nos traz a definição do que seria principio e do que seria regra sob seu ponto de vista:

Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes (ALEXY, 2013, p. 90).

Oportuno também salientar o conceito de regras trazido pelo autor:

As regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um principio (ALEXY, 2011, p. 91).

Assim como discutido na teoria de Ronald Dworkin no item anterior do presente trabalho, Robert Alexy também aponta a colisão entre os princípios e os conflitos entre regras. O autor acredita que a diferença entre regras e princípios se torna ainda mais clara quando examinados os casos de conflitos e colisões e quando se elucida o que há de comum entre eles.

Neste momento, será analisado o conflito de regras e a solução apontada por Robert Alexy para o problema. O autor elucida que “esse conflito só pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma clausula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida” (ALEXY, 2011, p. 92).

Assim, se a primeira opção da clausula de exceção não for possível, pelo menos umas das regras tem que ser declara inválida e, com isso, extirpada do ordenamento jurídico. Há de se ressaltar também como o autor interpreta a validade jurídica. Para Robert Alexy, o conceito de validade jurídica não é variável, para o autor ou “um norma jurídica é válida ou não é” (2011, p. 92).

Para esclarecer esse conflito Robert Alexy (2011, p. 92) faz o seguinte apontamento:

em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de duas regras com consequências jurídicas concretas contraditórias entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da introdução de uma cláusula de exceção, então, pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida.

Contudo, percebe-se que somente a constatação de que pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida quanto uma cláusula de exceção não é possível em um conflito entre regras nada diz sobre qual deverá ser tratada dessa forma.

Para isso, o autor sugere que tal “problema pode ser solucionado por meio de regras como lex posterior derogat legi priori e lex specialis derogat legi generali, mas também é possível proceder de acordo com a importância de cada regra em conflito. O fundamental é: a decisão é uma decisão sobre validade” (ALEXY, 2011, p. 93).

Passamos agora, ao entendimento dado pelo autor quanto a solução para resolver o problema da colisão entre os princípios. Robert Alexy alerta que “As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa. Quando dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um principio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder” (ALEXY, 2011, p. 93).

Entretanto, ao contrário do que acontece com as regras em que na escolha de uma a outra deve ser declarada inválida, o autor esclarece que “nem o principio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção”. Robert Alexy explica que “o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face de outro sob determinadas condições” (2011, p. 93).

O autor esclarece que “sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com maior peso têm precedência” (ALEXY, 2011, p. 94).

Robert Alexy termina a discussão dos conflitos e das colisões ao explicar que “os conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – correm, para além dessa dimensão, na dimensão do peso” (ALEXY, 2011, p. 94).

Após a análise dos conflitos entre regras e das colisões entre os princípios, é relevante que se apure o distinto caráter “prima-facie” das regras e dos princípios. Ressalta-se a importância do tema, tendo em vista o destaque dado pelo autor em sua obra (ALEXY, 2011). Além disso, o estudo contribui para que se tenha de forma mais apurada do que seria princípio para Robert Alexy.

Para o autor “os princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie”. Robert Alexy elucida que os princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas (2011, p. 104).

A partir disso o autor conclui que “A forma pela qual deve ser determinada a relação entre razão e contra-razão não é algo determinado pelo próprio principio. Os princípios, portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas” (ALEXY, 2011, p. 104).

Ao analisar as regras percebe-se que o caso é totalmente diverso. Alexy (2011, p. 104) ressalta que:

Como as regras exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, elas têm uma determinação da extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa determinação pode falhar diante de impossibilidades jurídicas e fáticas; mas, se isso não ocorrer, então, vale definitivamente aquilo que ela prescreve.

Diante disso, poderia-se até se imaginar que os princípios têm sempre um mesmo caráter prima facie, e as regras um mesmo caráter definitivo. Ressalta-se aqui, o modelo apresentado por Dworkin no ponto anterior do trabalho, quando esse autor afirma que regras, se válidas, devem ser aplicadas de forma tudo-ou-nada, enquanto os princípios apenas contêm razões que indicam uma direção, mas não têm como consequência necessária uma determinada decisão.

Robert Alexy alerta que “esse modelo é muito simples e que um modelo diferenciado é necessário. Mas também no âmbito desse modelo diferenciado o diferente caráter prima facie das regras e dos princípios deve ser mantido” (2011, p. 104).

Salienta-se que a necessidade do modelo diferenciado ao lado das regras decorre da possibilidade de se estabelecer uma clausula de exceção em uma regra quando da decisão de um caso. Pois, se isso ocorre a regra perde, para a decisão do caso, seu caráter definitivo. Robert Alexy explica que “A introdução de uma clausula de exceção pode ocorrer em virtude de um principio”. Para Ronald Dworkin (2011, p. 104), como visto anteriormente isso não seria possível.

Robert Alexy sugere que se imagine “um sistema jurídico que proíba a restrição de regras por meio da introdução de clausula de exceção”. O autor explica que dessa forma, “as regras para as quais uma tal proibição não é aplicável perdem seu caráter definitivo estrito. Contudo o caráter prima facie que elas adquirem em razão da perda desse caráter definitivo estrito é muito diferente daqueles dos princípios” (ALEXY, 2011, p. 105).

O autor entende que “um principio cede lugar quando, em um determinado caso, é conferido um peso maior a um outro principio antagônico. Já uma regra não é superada pura e simplesmente quando se atribui, no caso concreto, um peso maior ao outro principio contrario ao principio que sustenta a regra” (ALEXY, 2011, p. 105).

Desta forma, Robert Alexy (2011, p. 105) sustenta que “é necessário que sejam superados também aqueles princípios que estabelecem que as regras que tenham sido criadas pelas autoridades legitimadas para tanto devem ser seguidas e que não se deve relativizar sem motivos uma prática pré-estabelecida”. O autor chama esses princípios de princípios formais.

Robert Alexy ressalta que “em um ordenamento jurídico, quanto mais peso se atribui aos princípios formais, tanto mais forte será o caráter prima facie de suas regras”. O autor ainda salienta que “somente quando se deixa de atribuir algum peso a esse tipo de princípios – o que teria como consequência o fim da validade das regras enquanto regras – é que regras e princípios passam a ter o mesmo caráter prima facie” (ALEXY, 2011, p. 105).

Nesse sentido, o autor faz o seguinte apontamento:

O fato de o enfraquecimento do caráter definitivo das regras não faz com que essas passem a ter o mesmo caráter prima facie dos princípios, isso constitui apenas um lado da questão. O outro lado é que, mesmo diante de um fortalecimento de seu caráter prima facie, os princípios não obtêm um caráter prima facie como o das regras. O caráter prima facie dos princípios pode ser fortalecido por meio da introdução de uma carga argumentativa a favor de determinados princípios ou de determinadas classes de princípios (ALEXY, 2011, p. 106).

Da discussão sobre o caráter prima facie dos princípios e regras pode-se alegar que os princípios são sempre razões prima facie e regras são, se não houver estabelecimento de alguma exceção, razões definitivas (ALEXY, 2011, p. 106).

Robert Alexy ainda aborda as regras e os princípios como razões. O autor explica que “eles podem ser considerados razões para ações ou razões para normas; enquanto razões para normas, podem eles ser razões para normas universais (gerais-abstratas) e/ou para normas individuais (juízos concretos de dever-ser)” (2011, p. 107).

O autor sustenta que “regras e princípios devem ser considerados razões para normas, eles são também indiretamente razões para ações”. Robert Alexy defende o ponto de vista da Ciência do Direito. Segundo ele, “na Ciência do Direito são formulados juízos sobre o que é devido, o que e proibido e o que é permitido, e o juiz decide exatamente sobre isso” (2011, p. 107).

Observa-se que “o conceito semântico de norma é desenvolvido para essa tarefa. Se se compreendem regras e princípios como razões para normas, a relação de fundamentação fica limitada objetos de uma categoria, o que facilita seu manejo e, sobretudo, sua análise lógica” (ALEXY, 2011, p. 107).

Robert Alexy, contudo, afirma que um dos critérios para a diferenciação entre princípios e regras, abordados pela Ciência do Direito, classifica os princípios como razões para regras, e somente para regras. O autor alega que “se esse critério fosse correto, princípios não poderiam servir como razões diretas para decisões concretas” (2011, p. 107).

Nesse sentido Robert Alexy (2011, p. 107) esclarece que:

A compreensão de que os princípios são razões para regras e as regras são razões para decisões concretas (normas individuais) tem à primeira vista, algo de plausível. Mas, a partir de uma análise mais detalhada, essa concepção mostra-se incorreta. Regras podem ser também razões para outras regras e princípios podem ser também razões para decisões concretas.

Após o entendimento sobre a teoria da distinção entre princípios e regras de Robert Alexy e de Ronald Dworkin, pode-se apontar que a evolução doutrinária apresentada demonstra critérios que usualmente são empregados para essa distinção, Humberto Ávila (2013, p. 42-43) enumera os seguintes critérios:

As considerações feitas até o momento são da mais alta importância. De um lado, porque “a teoria dos princípios, tal como inicialmente concebida nas obras de Ronald Dworkin e Robert Alexy, foi recebida, com raras exceções, de maneira a crítica no Brasil, especialmente mediante a incorporação, sem mais, dos critério de distinção entre princípios e regras” supracitados e nos modos de aplicação e colisão (ÁVILA, 2013, p. 139).

Após analisar de forma mais aprofundada as teorias clássicas sobre princípios e regras, bem como suas distinções e especificidades. Passaremos agora, a abordagem mais atual do tema, para isso será examinado como a teoria ponderativa dos princípios de Robert Alexy foi recepcionada no Brasil e como auxiliou na construção do conceito atual de principio no ordenamento jurídico brasileiro.

Sobre a autora
Amanda Medeiros

Advogada formada pela Universidade Federal de Santa Catarina, atua na esfera do Direito Previdenciário, presta consultoria para Fundos de Pensão.

Informações sobre o texto

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