6. COMPETENCIA NOS CRIMES POLÍTICOS
A CF de 1988, em seu art. 109, IV, assim determina:
"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...)
IV - os crimes políticos (...), excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;"
A priori, necessitamos conceituar o que seja crime político. Alberto da Silva Franco assim o trata: "O conceito de crime político tem sido enfocado na doutrina sob dois ângulos diversos. Alguns autores partem da natureza do bem jurídico tutelado e dizem político todo crime que lesione ou ameace lesionar a estrutura política vigente em um país. Outros, no entanto, tomam em consideração o móvel que anima o agente à ação criminosa e dizem político todo crime que apresenta uma motivação desse caráter (26)".
Para conceituarmos o que seja crime político, devemos buscar subsídios, via de regra, na Lei n°. 7.170/83, que define os crimes contra a Segurança Nacional e a Ordem Política e Social, estabelecendo o processo respectivo. Embasados na jurisprudência e neste diploma legal, pensamos que só haverá crime político, quando estiverem presentes na conduta praticada os pressupostos do art. 2º da Lei nº 7.170/83, ao qual devem se integrar os do art. 1º da referida Lei. Ou seja, a materialidade da conduta deve lesar real ou potencialmente ou expor a perigo de lesão a soberania nacional e a ordem política, de forma que, ainda que a conduta esteja tipificada nos artigos da Lei de Segurança Nacional, será preciso que se lhe agregue o principal fator de configuração do crime em estudo: a motivação e objetivos políticos.
No regime constitucional anterior, em disposição excepcional e justificada pelo nefasto regime político em que se vivia, a competência para decisão destas lides foi destinada à Justiça Militar. Assim dispunha o art. 129, §1°, da Constituição de 1969:
"Art. 129. À Justiça Militar compete processar e julgar, nos crimes militares definidos em lei, os militares e as pessoas que lhes são assemelhadas.
§ 1º Esse foro especial estender-se-á aos civis, nos casos expressos em lei, para repressão de crimes contra a segurança nacional ou as instituições militares."
Por sua vez, a própria Lei n°. 7.170/83, em seu art. 30:
"Art. 30 - Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes previstos nesta Lei, com observância das normas estabelecidas no Código de Processo Penal Militar, no que não colidirem com disposição desta Lei, ressalvada a competência originária do Supremo Tribunal Federal nos casos previstos na Constituição.
Parágrafo único - A ação penal é pública, promovendo-a o Ministério Público."
Dispensável o comentário de que esta última norma não foi recepcionada pela Carta de 1988. A Lei de Segurança Nacional deve se compatibilizar com o sistema de competências criado pelo art. 109 da Constituição de 1988, detidamente em seu inciso IV. Ou seja, o julgamento dos crimes políticos caberá sempre à Justiça Federal, ressalvados, por sua natureza específica, os crimes tipicamente militares, definidos no Código Penal Militar, e os crimes propriamente eleitorais, descritos no Código Eleitoral, conquanto tenham eles natureza política indireta.
De lege ferenda, no anteprojeto do novo Código Penal, em sintonia com a Portaria 232, do Ministério da Justiça, publicada em 24/03/1998, os crimes políticos passarão a ser capitulados no bojo do Código Penal. Serão tratados como crimes contra o Estado Democrático. Dentre os mesmos, poderemos perceber práticas como atentado à soberania, traição, aliciamento à invasão, violação do território, atentado à federação e espionagem (crimes contra a soberania nacional); sedição, sabotagem e atentado a chefe de poder (crimes contra a estabilidade democrática); atentado a direito de manifestação (crimes contra a cidadania).
Releva observar que "ação de grupo de ‘sem-terra’ que interdita e saqueia caminhão contendo gêneros alimentícios para o próprio consumo e que não foi orientada nem acompanhada por organização política, não caracteriza crime político (Min. Fernando Gonçalves, CC 22.642-MS, DJU-I 27.09.99, p. 40). (27)"
Por fim, deve ser ressaltado que a competência recursal das sentenças proferidas nestes tipos de ações criminais não é, como sói ocorrer, dos Tribunais Regionais Federais. O recurso a ser impetrado pela parte não será a apelação, mas sim o recurso ordinário, dirigido ao Supremo Tribunal Federal, como dispõe o art. 102, II, b, da CF (28).
7. COMPETENCIA PARA OS CRIMES EM DETRIMENTO DE BENS, SERVIÇOS E INTERESSES DA UNIÃO E ENTIDADES ASSEMELHADAS
Esta é a competência criminal genérica da Justiça Federal, delineada no inciso IV do art. 109 da CF. Comumente, para que se configure esta competência serão necessários três requisitos: 1) a presença de ente federal privilegiado no pólo passivo da lide criminal; 2) o reflexo do delito em bem, interesse ou serviço de ente federal; e 3) a ocorrência de prejuízo ou dano a ente federal.
Como a competência é criminal genérica – seja o crime consumado ou tentado, doloso ou culposo, e irrelevante o sujeito ativo – podem ser praticadas quaisquer tipos de condutas criminosas, de qualquer natureza, estejam elas insertas no Código Penal ou em leis extravagantes, ressalvada a competência criminal da Justiça Eleitoral e da Justiça Militar.
Vale ressaltar, com Fernando Capez, que "o foro por prerrogativa de função estabelecido nas Constituições estaduais e leis de organização judiciária somente é válido perante as autoridades judiciárias locais, não podendo ser invocado no caso de cometimento de crimes eleitorais ou contra bens, interesses e serviços da União" (29).
7.1 Entes federais privilegiados
O conceito de entes federais privilegiados engloba a própria União diretamente, as entidades autárquicas federais (aí inclusas as fundações públicas federais), e as empresas públicas federais. Estando qualquer uma delas figurando como vítima de conduta delituosa, a competência para dirimir tais lides será da Justiça Federal. Impende ressaltar que a conduta criminosa deve afetar diretamente alguma destas pessoas jurídicas privilegiadas. A presença delas como assistentes em alguma relação processual, na medida dos arts. 268 e ss. do CPP, somente acarretará a competência da Justiça Federal se a pessoa jurídica privilegiada for também atingida pelo delito.
Logo se vê, por sua vez, que estão excluídos deste privilégio de foro, as causas relativas a crimes praticados contra as sociedades de economia mista federais, as concessionárias de serviço público federal, as fundações privadas, e os sindicatos, como se têm entendido de forma unânime. É como fulmina a Súmula 42 do STJ: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento".
7.1.1 União
O termo União, empregado no dispositivo constitucional, abrange todos os órgãos, secretarias e subdivisões da Administração Direta, como os Ministérios, Agências, Departamentos, e tudo o que mais fizer parte destas repartições, integrando seus bens, interesses e serviços.
7.1.2 Entes autárquicos federais
Entre os entes autárquicos federais, integrantes da Administração Indireta, estão englobados: a) autarquias, aí inclusas as agências, de quaisquer tipos, reguladoras ou executivas (espécies de autarquia); b) as fundações públicas; e c) os conselhos de fiscalização profissional.
7.1.2.1 Autarquias federais
Há definição legal para as autarquias, disposta no art. 5°, inc. I, do Decreto-Lei n° 200/67, onde se afirma que autarquia é: "o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada."
Todavia, preferimos seguir a sintética e feliz oração de Celso Antônio Bandeira de Mello, onde as autarquias são definidas como "pessoas jurídicas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa" (30).
As autarquias federais propriamente ditas detêm personalidade jurídica própria e liberdade administrativa de decisão, nos termos das leis que as criarem; e gozam de autonomia financeira, com o fito de desempenhar atividade tipicamente estatal. Consoante a dicção do art. 37, XIX, da CF, somente por lei podem ser criadas. Nada mais natural que estas representantes do interesse da União possuíssem uma justiça especializada para as causas em que fossem vítimas.
7.1.2.2 Fundações públicas federais
Por sua vez, já é entendimento remansoso o fato de que as fundações de direito público, instituídas pelo Poder Público para a prossecução de objetivos de interesse público, com a afetação de bens públicos, integram o gênero entidade autárquica. "Uma vez que as fundações públicas são pessoas de Direito Público de capacidade exclusivamente administrativa, resulta que são autarquias e que, pois, todo o regime jurídico dantes exposto, como o concernente às entidades autárquicas, aplica-se-lhes integralmente (31)".
7.1.2.3 Conselhos de Fiscalização Profissional
Os Conselhos de Fiscalização Profissional também têm esta natureza por exercerem atividades típicas da Administração Federal, e por ela delegadas. É consagrada juriprudencialmente esta competência da Justiça Federal para julgar os crimes praticados em detrimento destes Conselhos. Vladimir Souza Carvalho, referindo-se a eles, arremata: "A manutenção da competência da Justiça Federal para todas as suas ações, respeitadas as exceções constitucionais, é a tendência manifestada pelo STJ em inúmeros e inúmeros julgados" (32).
Ressalte-se que, embora o art. 58 da Lei 9.649/98 tenha afirmado que estes Conselhos exerceriam seu mister em caráter privado, retirando sua natureza autárquica, o STF, na decisão do HC 77.909-3-DF, já decidiu pela competência da Justiça Federal para o julgamento de crimes praticados em detrimento dos Conselhos de Fiscalização Profissional.
7.1.3 Empresas públicas federais
Por fim, o delito pode ser praticado contra empresa pública federal. Faz-se mister rememorar o conceito de empresa pública federal, junto ao Professor Celso Antônio Bandeira de Mello: "é a pessoa jurídica criada por lei como instrumento de ação do Estado, com personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes de ser coadjuvante da ação governamental, constituída sob quaisquer das formas admitidas em Direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de Direito Público interno ou de pessoas de suas Administrações indiretas, com predominância acionária residente na esfera federal (33)". É da competência da Justiça Federal, inclusive, os crimes falimentares praticados em detrimento de empresa pública federal, diante da norma especial contida no art. 109, IV, da CF.
7.2 Reflexo do delito em bem, interesse ou serviço de ente federal
A exigência constitucional é alternativa, sendo indispensável a afetação de ao menos um destes itens para que a causa seja da competência da Justiça Federal, devendo os bens, serviços ou interesses pertencer a um ente federal ou a tutela legal caber aos respectivos entes.
Bens, na dicção da norma constitucional, significam patrimônio, não importando se o dano patrimonial é diminuto, ou se é material ou imaterial. Entretanto, não é aquela noção privatística de patrimônio, no sentido do conjunto de relações de créditos e débitos de uma determinada pessoa. Patrimônio de um ente federal será, por conseguinte, o conjunto de todos os bens de um ente federal, sejam eles de quaisquer natureza, sob domínio público ou privado, afetados a seu próprio uso, ou ao uso direto ou indireto da coletividade. Na prática, pode ser atingido um número incomensurável de objetos. Observe-se a importante ressalva jurisprudencial que se criou com a edição da Súmula 125 pelo antigo TFR: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar ação instaurada em decorrência de acidente de trânsito envolvendo veículo da União, de autarquia ou de empresa pública federal".
Serviço é aquilo de que o ente federal é encarregado, a finalidade pública específica para a qual foi direcionado o ente federal. A violação, por vezes, atingirá servidor público federal, no exercício de suas funções. O serviço será igualmente violado quando for praticada violação por terceiro atribuindo-se a falsa condição de servidor público federal. A expressão serviços deve possuir um sentido demasiado largo, com o fito de abarcar qualquer tipo de destinação de um ente federal, como por exemplo, as atividades do Poder Judiciário. Daí por que o fato de usar documento falso em qualquer processo de competência das Justiças Especializadas e da Justiça Federal, mesmo em casos de delegação de competência, ter o condão de direcionar a competência para decisão do falsum a esta mesma Justiça Federal.
Interesse de ente federal, ressalve-se de início, não pode ser o interesse meramente genérico e remoto de ser visto o cumprimento de leis federais em tese. Tal interesse de ente da União deve ser direto e específico, delimitado.
Na verdade, válida é a lição terminante de Vladimir Souza Carvalho: "Essa tricotomia é de significado simples, se definindo por si só, dada a força com que cada termo encerra, embora, às vezes, se entrelacem, visto se confundirem ou serem sinônimos uns dos outros. A infração, atingindo um desses requisitos, vulnera os outros, já que é difícil delimitar a esfera do bem, do serviço e a do interesse, de forma que uma não interfira na outra. O bem é serviço e se constitui em interesse. O serviço é bem e veste o trajo do interesse. O interesse é bem e é serviço. (34)".
7.3 Ocorrência de prejuízo ou dano a ente federal
O dano causado pela conduta criminosa pode ser econômico e/ou moral. Será econômico quando atingir materialmente o patrimônio do ente federal. Será moral quando afetar serviços ou interesses1 do ente federal. Ambos os tipos de dano estão jungidos à decisão proferida pela Justiça Federal, presentes os outros dois requisitos fixadores desta competência.
7.4 Hipóteses legais
Os crimes contra a fé pública (arts. 289 a 311 do CP), entre eles o crime de moeda falsa, o delito de contrabando ou descaminho (art. 334 do CP), os crimes praticados por ou contra servidor público federal (infra, cap. 9) são hipóteses legais muito comuns em que pode ocorrer a competência da JF. Basta que sejam preenchidos os requisitos já citados.
Quanto aos delitos contra a fé pública, vejam-se as Súmulas 73 e 104 do Superior Tribunal de Justiça e a Súmula 31 do antigo Tribunal Federal de Recursos:
"Súmula 73 – A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da Justiça Estadual".
"Súmula 104 – Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento dos crimes de falsificação e uso de documento falso relativo a estabelecimento particular de ensino".
"Súmula 31 – Compete à Justiça Estadual o processo e julgamento de crime de falsificação ou de uso de certificado de conclusão de curso de 1° e 2° graus, desde que não se refira a estabelecimento federal de ensino ou a falsidade não seja de assinatura de funcionário federal".
Em suma, a competência da Justiça Federal para os crimes de moeda falsa que se subsumam no teor do art. 289 do CP, se dá diante do fato de que uma das vítimas do delito será sempre o Banco Central do Brasil, competente que é esta autarquia, de forma exclusiva, para a emissão de moeda, consoante dispõe o caput do art. 164 da Constituição. Ressalte-se que, em se tratando de falsificação de moeda estrangeira, também há interesse desta autarquia, visto que é da plêiade de funções a ela acometidas o controle da regularidade do mercado cambial brasileiro. Entretanto não serão todos os casos de moeda falsa que serão julgados pela Justiça Federal, visto que nem sempre será afetada a autarquia citada.
Assim, temos que há entendimento dominante na jurisprudência, corporificado através da Súmula 73/STJ, na direção de que, quando da prática de falsificação de moeda, somente será competente a Justiça Federal se a falsidade for capaz de iludir o homo medius. Caso contrário, sendo a falsificação grosseira, identificável à primeira vista, a competência será da Justiça Estadual, visto que a fé pública, a ser protegida nestes casos pelo Banco Central do Brasil, não terá sido lesionada, mas sim a esfera patrimonial do particular.
Com esteio na Súmula 104 do STJ, não será a Justiça Federal competente para o processo e julgamento do crime de uso de documento falsificado relacionado a instituição particular de ensino superior, considerando-se que a atividade delegada federal exercida pela mesma, como fator de fixação da competência federal, resume-se aos atos praticados pelos seus dirigentes e para fins de mandado de segurança, consoante se depreende da Súmula nº 15, do extinto TFR: "Compete à Justiça Federal julgar mandado de segurança contra ato que diga respeito ao ensino superior, praticado por dirigente de estabelecimento particular".
Por sua vez, competem à Justiça Federal o processo e julgamento do crime de extração ilegal de minérios, tipificado no art. 55 da Lei n°. 9.605/98, visto que os recursos minerais, mesmo estando no subsolo, são bens da União (art. 20, IX, CF).
O crime previsto no art. 183 da Lei 9.472/96, também compete à Justiça Federal o seu julgamento, visto que é da competência da União explorar diretamente ou mediante concessão, permissão ou autorização os serviços de telecomunicações e radiodifusão, segundo o art. 21, incisos XI e XII, a, da Constituição.
O julgamento dos crimes contra o serviço postal, previstos nos arts. 36 a 46 da Lei 6.538/78 também deve pertencer à seara da Justiça Federal. Tanto pelo fato de ser a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos uma empresa pública federal, quanto pelo fato de ser o serviço postal um serviço a ser mantido pela União, consoante o art. 21, inc. X, da CF.
O crime de contrabando ou descaminho, tratado no Código Penal no art. 334, mereceu tratamento sumular, por parte do STJ, com a edição da Súmula 151: "A competência para o processo e julgamento por crime de contrabando ou descaminho define-se pela prevenção do Juízo Federal do lugar da apreensão dos bens". Anteriormente, a regra era de que a competência se firmava na chegada da mercadoria em nosso território. Tal entendimento foi modificado para aquele esposado na citada Súmula, se coadunando com o art. 70 do CPP, que afirma ser o local de consumação do delito que firmará a competência para o julgamento de um delito. Como estes delitos são instantâneos de efeitos permanentes, que se protraem no tempo, a competência será do juízo do local de apreensão, que é onde ocorre a consumação do delito de contrabando ou descaminho. Veja-se: STJ-CC-14707, STJ-CC-14411, STJ-CC-13853, STJ-CC-12257.
Vale aqui grifar que a jurisprudência tem consagrado entendimento de que o uso de armamento proibido na prática de homicídios não indica, a priori, a prática dos delitos de descaminho ou contrabando. Estes não seriam crimes-meio para a prática de homicídios ou tráfico de entorpecentes, principalmente se levarmos em conta que há tipo penal autônomo para combater o uso e a posse de arma contrabandeada: o art. 16 do Estatuto do Desarmamento, a Lei 10.826/2003. Assim, contra a competência da JF: STJ-CC-16737, STJ-CC-22751, STJ-CC-29180, TRF1ª Reg. ACR 01000870424; a favor da competência da Justiça Federal: STJ-CC-16349. Da mesma forma ocorre com o delito de receptação de armas e produtos contrabandeados, não se presumindo a prática, pelo mesmo autor da receptação, dos delitos de descaminho e contrabando, o que levaria à competência da JF. Neste sentido: TRF 2ª Reg. ACR 9602313480. Contra: TRF 2ª Reg. HC 9602134925.
Por fim, várias condutas criminosas podem ser praticadas diante de órgão da Polícia Federal, como os crimes tratados pelo art. 109, inc. X, da CF, e outros como, por exemplo, o uso de documento falso para obter passaporte falso, uso de passaporte falso, falsidade ideológica, estelionato etc. Nestes casos, ofendida é a União e competente para julgar tais processos será a Justiça Federal.
7.5 Crimes praticados por prefeitos municipais
É sabido que a CF consagrou a idéia de que os prefeitos municipais deveriam ser julgados perante os respectivos Tribunais de Justiça, tenham eles praticado crimes de qualquer natureza. Tal idéia deflui do art. 29, X:
"Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
X – julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;"
Tal prerrogativa de foro se justificaria, no entender de Giovanni Mansur Solha Pantuzzo, visto que "a prerrogativa constitucional em exame reforça, inegavelmente, a independência funcional do Prefeito, na medida em que o distancia de fatores maléficos não raro presentes na política local, capazes de desencadear processos descabidos, lastreados em acusações inverídicas, gerando nociva inquietação à comunidade" (35).
Com tal raciocínio o Constituinte eliminou do ordenamento jurídico as diferenças de critérios de definição de competência para julgamento de crimes comuns e crimes de responsabilidade praticados, a qualquer tempo, por Prefeitos. Ambos, tipificados, v.g., no art. 1° do Dec.-Lei 201/67, pertencem à plêiade de matérias afetas aos Tribunais de Justiça.
O julgamento administrativo exercido pelas Câmaras de Vereadores acerca das infrações político-administrativas praticadas pelos Prefeitos Municipais, embasado no art. 4° do Decreto-Lei n° 201/67, não foi eliminado do ordenamento pela regra do art. 29, X, da CF. Ele nada mais é do que a possibilidade do impeachment do Prefeito.
Isto dito, passou a ser discutido nos Tribunais se seria da competência dos Tribunais Estaduais o julgamento de crimes de Prefeitos que fossem da competência da Justiça Federal e das Justiças Especializadas. O entendimento predominante passou a ser o de que, como a competência da Justiça Estadual é residual, não sendo a ela permitida julgar nas áreas delimitadas às Justiças Especializadas e à Justiça Federal; estariam os Tribunais de Justiça impedidos de decidirem causas relacionadas a Prefeitos que sejam da competência daquelas Justiças. Pensamos com Alexandre de Moraes quando diz que: "as atribuições jurisdicionais originárias do Tribunal de Justiça, constitucionalmente definido como juízo natural dos Prefeitos municipais, restringem-se, no que concerne aos processos penais, unicamente às hipóteses pertinentes aos delitos sujeitos à competência da Justiça local" (36).
Quanto a possíveis desvios de verbas repassadas pela União à municipalidade, a jurisprudência mais antiga inclinava-se pela competência da Justiça Comum Estadual, sob o pálio de que tais verbas, a partir do momento em que são entregues ao Município, passam a não mais integrar o patrimônio da União, incorporando-se aos cofres municipais. O extinto TFR, ao editar a Súmula 133, assim confirmava este entendimento jurisprudencial então predominante: "Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar Prefeito Municipal acusado de desvio de verba recebida em razão de convênio firmado com a União Federal".
Com o tempo, contudo, passou-se a entender que se a verba repassada pela União estivesse sujeita a prestação de contas perante órgão federal, aí então a competência seria da Justiça Federal. Foi como definiu a questão o STJ, na Súmula 208: "Compete à Justiça Federal processar e julgar Prefeito Municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal".
Vale ressaltar a orientação do STJ, de que as ações penais contra os Prefeitos Municipais podem ser iniciadas mesmo após o término de seus mandatos. É como dispõe a Súmula 164 do colendo Tribunal: "O prefeito municipal, apos a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1. do dec. lei n. 201, de 27/02/67.". Entretanto, isto não quer dizer que o ex-prefeito continuaria a gozar do privilégio de foro, como mencionava a cancelada Súmula 394 (37) do STF, editada em 03.04.1964: "cometido o crime durante o exercício funcional, prevalece a competência especial por prerrogativa de função, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados apos a cessação daquele exercício." Dessa forma não permanece com privilégio de foro o ex-prefeito.
Concluímos asseverando que, consoante entendimento jurisprudencial pacificado, em casos de Prefeitos que praticam crimes da competência da Justiça Federal, como aqueles praticados contra bens, serviços ou interesses da União, competente será o respectivo Tribunal Regional Federal e não o Tribunal de Justiça Estadual. Leia-se, v.g., excerto do HC n°. 78.728-RS, do Supremo Tribunal Federal, de relatoria do Min. Maurício Corrêa: "(...) Os Tribunais Regionais Federais são competentes para processar e julgar prefeitos municipais por infrações praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União (Constituição, artigo 109, IV), assim entendidas também aquelas relativas à malversação de verbas recebidas da União sob condição e sujeitas a prestação de contas e ao controle do Tribunal de Contas da União".
Por fim, sobre a questão da inconstitucionalidade da Lei n° 10.628/2002, que muito se aplicará aos casos de ex-prefeitos, causando um frisson dispensável no meio jurídico (pois os operadores do Direito se questionarão em torno de saber se competente será a 1ª ou a 2ª instância); remetemos o leitor ao item 4.2 do presente trabalho, onde dissertamos sobre este malsinado diploma legislativo.