As denominadas leis penais em branco (Blankettstrafgesetz) trata-se de expressão criada por Karl Binding, concebidas como normas que embora cominem sanção penal descrita no preceito primário do tipo penal incriminador, dependem de complementação por outra norma, geralmente de nível inferior, tais como regulamentos, portarias ministeriais, decretos, entre outros, a modo de precisar-lhe o significado e o conteúdo do preceito primário. A gênese conceitual apresentada por Binding refere-se às leis penais branco heterogêneas.
Binding sistematizou a diferenciação de norma e lei penal. A norma penal funcionava como um mandamento, uma proposição alheia ao direito posto, tratando-se de um imperativo que se fundamentava no fazer (ação) ou não fazer (omissão), e que é derivado da primeira parte da lei penal, que se entende como preceito primário. A lei penal continha regras gerais constante no direito positivado, com a descrição fática da ação e a pena correspondente ao delito praticado, o que atualmente concebe-se como preceito primário e preceito secundário constante no tipo penal.
Antonio Doval Pais menciona que “la expressión ley penal en blanco (que se corresponde con la tradución del término Blankettstrafgesetz) se debe a Binding. Este autor la propuso por primera vez en 1872.” (PAIS.1999, p.96). Binding criara esta técnica legislativa muito peculiar e largamente utilizada na atualidade, principalmente em países ditos autoritários, que a unicidade do poder encontra-se com o Poder Executivo. A expressão leis penais em branco, criada pelo mencionado autor, foi difundida pelos tribunais na Alemanha, especialmente Tribunal de Reich, também com a denominação de “leis penais cegas.”
Sobre as leis penais em branco criada por Binding, Antonio Doval Pais menciona que “para hacer referência e un particular grupo de normas que recogía el Código penal en las que, aunque se preveía la sanción a aplicar, se asignada a supuestos de infracción de disposiciones establecidas por autoridades administrativas” (PAIS. 1999,p.96). O renomado autor espanhol se refere às leis penais em branco criadas Binding, que apresentavam algumas características importantes, tais como a como a proibição estabelecida seria complementada por uma autoridade federal, local ou por outra autoridade de um poder legislativo particular.
Para Binding, a lei penal em branco tratava-se de um corpo errante em busca de sua alma, pois, a autoridade administrativa correspondente complementaria o preceito primário da lei penal, que se encontrava incompleta. Assim, Binding criava as leis penais em branco heterogênea, de duvidosa constitucionalidade na atualidade, em especial, quanto a remissão total à norma de complementação heterovitelínea.
Segundo Luiz Flávio Gomes e Antonio Garcia- Pablos de Molina, as leis penais em branco heterogêneas, em sentido estrito (ou própria) “são aquelas que exigem um complemento normativo que emana de outra instância legislativa (ou seja, outra instância distinta do legislador). Exemplo: Lei de Drogas (arts. 28 e 33 da Lei 11.343/2006)” (GOMES; MOLINA.2012, p.559).
Portanto, tal definição refere-se às normas penais em branco heterogêneas, que Binding se referia, como leges imperfectae, complementada por autoridade não imperial, que poderia acrescentar à matéria da proibição.
Como demonstrado, Karl Binding (BUSATO, 2013) apresentou como importante inovação às leis penais em branco heterogêneas, quando “el complemento provegna de instancias normativas inferiores” (PAIS.1999, p.101). Todavia, Edmund Mezger contribuiu para o desenvolvimento das leis penais em branco, antes apresentadas por Binding. Para o autor alemão, a norma de complementação se encontrava em normas de nível inferior. Entretanto, Mezger apresentou outras possibilidades de técnica de reenvio das leis penais em branco, sendo esta realizada por outra lei emanada da mesma instância legislativa, pautando-se pela homogeneidade da fonte material de produção da lei penal.
Binding se limitou a se referir às leis penais em branco em sentido estrito ou heterogêneas, todavia, Mezger criara outra modalidade denominada leis penais em branco em sentido amplo ou homogêneas, colocando-as no âmbito da teoria do tipo penal. Para Mezger, o complemento normativo poderia advir da mesma lei que estava à norma complementada ou de outra lei, contudo, de uma mesma fonte material.
O desenvolvimento apresentado por Mezger foi de grande importância para a ciência do Direito Penal, contribuindo com criação de uma nova técnica de reenvio normativo. No ordenamento jurídico brasileiro, tem-se o tipo penal do artigo 237 do Código Penal "contrair casamento, conhecendo a existência de impedimento que lhe cause a nulidade absoluta." Todavia, o Código Penal não menciona quais são os casos de impedimentos, sendo, portanto, necessário que o intérprete utilize do artigo 1521 do Código Civil para que seja realizado o complemento normativo.
Ainda, Mezger classificou os tipos penais em tipos penais abertos e tipos penais fechados. O tipo penal fechado são aqueles que possuem a descrição completa da conduta típica proibida, todavia, Mezger elencou a lei penal em branco como regra jurídica de tipo penal aberto, pois, necessitaria de complemento que viria de instrumento jurídico externo ao próprio tipo penal (BUSATO, 2013).
Todavia, os institutos dos tipos penais abertos e as leis penais em branco não podem ser confundidos, como ocorre com vários estudiosos do Direito Penal. Portanto, as leis penais em branco não são tipos penais incompletos no sentido de tipos abertos. Em síntese, nos tipos penais abertos o juiz como intérprete realiza a completude da regra jurídica, por meio de critério axiológico, enquanto nas leis penais em branco, a norma de complementação que realiza a completude da lei, que Binding chamava de imperfeita.
REFERÊNCIAS
BUSATO, Paulo César (org.). Fundamentos de Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2013, 250 p.
GOMES, Flávio Gomes; MOLINA, Antonio García-Pablos de. Fundamentos e Limites do Direito Penal. 3 Ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012. p.556-564.
PAIS, Antonio Doval. Possibilidades y limites para laformulacíon de las Normas Penales. El caso de las leyes en Blanco. Valência: Ed. Tirantlo Blanch,1999. 96-165 p.