INTRODUÇÃO
O tema que será desenvolvido neste trabalho cientifico é o reconhecimento da adoção por pessoas do mesmo sexo, tendo como pilar central a desmistificação da homoafetividade, o não prejuízo ao menor, visando demonstrar e fornecer toda uma estrutura social e jurídica para manter este sistema familiar em perfeitas condições.
No âmbito jurídico o preceito Constitucional que se refere à adoção, reconhece somente entre um homem e uma mulher ou solteiros. Por outro lado, há tribunais e doutrinadores que afirmam que a Constituição Federal e o ECA podem ser utilizadas nos casos das adoções homoafetivas, pois intrinsecamente as normas visam o bem estar do menor, ora adotado e não dos adotantes.
Mesmo com entendimentos múltiplos, negando a adoção a casais homoafetivos, observa-se que os princípios Constitucionais são os principais reguladores do reconhecimento destas adoções, pois o principio da dignidade humana, engendra necessariamente o respeito e proteção da integridade física, emocional e psicológica dos componentes familiares, bem como a máxima proteção do menor.
Este trabalho tem como principal problema, demonstrar a dificuldade do judiciário em pacificar e reconhecer a adoção homoafetiva, bem como a morosidade dos recursos nos Tribunais do Estado e Superiores para ver reformada a decisão que denegou a adoção homoafetiva. Fato este pode ser visto em todos os Tribunais brasileiros, mesmo após a decisão prolatada na ADI 4277 e ADPF 132 no pleno do STF.
Tem-se como objetivo, a utilização da Reclamação Constitucional direto ao STF, da negativa de adoção homoafetiva pela inexistência de norma, com fundamento no descumprimento da ADI 4277 e ADPF 132, visando à celeridade processual pela não utilização da via ordinária recursal ( Apelação, Resp e Rext), com fim de maior proteção ao adotado, adotante e a família como um todo.
Para chegar a um objetivo cientifico, será utilizada a metodologia indutiva e as técnicas de pesquisa empírica e a bibliográfica.
O presente trabalho é dividido em três capítulos, sendo que o primeiro capítulo tange essencialmente os aspectos históricos e sociológicos da homossexualidade, frente às culturas, gregas e romanas, passando se a idade media com o advento do cristianismo, do qual se finaliza com um ensaio sociológico sobre a questão da homossexualidade.
Já no segundo capítulo aponta-se primordialmente a questão da família e adoção, seu conceito, origem, histórico, evolução, tipologia, psicológica, tendo como foco o reconhecimento da adoção por casais homoafetivos.
No ultimo capítulo, ocorre visivelmente a fusão entre os capítulos acima, mais o conceito e utilização da Reclamação ao STF, quando há o descumprimento por outros Tribunais dos fundamentos da decisão da ADI 4277 e ADPF 132, ou seja, em denegar a adoção a casais homoafetivos por ausência de norma.
1. CONCEITO E FUNDAMENTOS DE FAMÍLIA E NÚCLEO FAMILIAR
A palavra família tem como sua origem o latim “famulus” que para
Pontes de Miranda vem do período romano que significa “[...conjunto do patrimônio, ou a totalidade dos escravos pertencentes à um senhor...] (MIRANDA, 1983, p. 172).
O Código Civil de 1916 apenas reconhecia o direito a sucessão e alimentos, apenas aos filhos advindos do casamento legítimo, excluindo ou diminuindo os direitos dos filhos gerados fora do casamento ou concebidos pela adoção, ou seja, a antiga norma civil alocava os filhos adotivos em um patamar abaixo dos filhos legítimos.
O grande choque entre as antigas e novas concepções ocorreram com a promulgação da Constituição de 1988, especificadamente em seu art.226 que reconhece outras entidades familiares diversas daquelas advinda do casamento, tomando como exemplo a união estável, concubinato e a entidade monoparental.
Para Ney de Mello Almada, o conceito contemporâneo de família para o direito provém “A rigor, vincula-se não ao Direito, mas à Sociologia a validade cientifica da idéia de instituição. Contrato no ponto de vista jurídico e instituição, no sociológico, é o casamento, dependendo de uma ou outra acepção do contexto.” ( 1978, p. 41).
Semy Glanz (2005, p. 30) classifica os tipos de entidades familiares que são:
- Família Nuclear: aquela formada por um ou mais indivíduos, que estão ligados por laços biológicos ou sociopsicológicos, em geral sobre o mesmo teto.
- Família Monoparental: aquela formada por duas pessoas, casadas ou em união livre, de sexo diverso ou não, com ou sem filho ou filhos; um dos pais com um ou mais filhos.
- Família Unipessoal: é aquela na qual uma pessoa mora sozinha, solteira, viúva, separada ou divorciada, podendo ser casada mais com residência diversa do cônjuge.
- Família Sucessória: aquela formada por pessoas ligadas por parentesco ou afinidade.
- Família Alimentar: abrange ascendentes e descendentes e colaterais até o segundo grau.
Conforme visto acima, a Constituição Federal na data de sua promulgação, especificamente em seu art.226, §4 reconhece e protege outros núcleos familiares diverso do casamento, com a abrangência do conceito de família, a união estável entre o homem e a mulher, ou da formação entre um dos pais e seus descendentes agora se encontram protegidos pela lei, bem como conferia igualdade entre os filhos, legítimos, ilegítimos ou adotivos.
Já o Código Civil de 2.002, modificou a concepção familiar individualista em uma concepção afetiva, solidificando o contorno já esboçado pela Constituição Federal de 1988.
Mesmo com todas estas classificações de estruturas familiares, pelo avanço social durante as décadas, fortificou-se hoje um norte familiar baseado na felicidade, solidariedade, comunhão de objetivos e sentimentos (DIAS, 2001. p. 63) de referencia, ou seja, constituído pelo afeto.
Mesmo sendo o objetivo central da constituição familiar o afeto, não havia norma que autorizasse reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo e a possibilidade de adoção por estes casais, mas apenas decisões esparsas sobre o assunto, sendo que muitas vezes havia decisões contrárias dentro de um mesmo tribunal, como era o caso do Tribunal do Paraná.
Frente ao reconhecimento e garantia da união homoafetiva como entidade familiar, a doutrinadora Maria Berenice Dias (Op. cit. p. 88) lembra: “[...]nada se justifica que se desqualifique o reconhecimento dela, pois o só fato dos conviventes serem do mesmo sexo não permite que lhe sejam negados os direitos assegurados aos heterossexuais.
O núcleo familiar contemporâneo não corresponde mais aos moldes taxativos do Código Civil de 1916 ou até mesmo o de 2002, através do estereotipo da família composto por um pai e uma mãe, unidos por um casamento civil, a que só assim se confira filiação legitima, deixando ao léu inúmeras famílias não registradas civilmente, proveniente de uniões estáveis (heterossexuais e homossexuais), monoparentais, concubinária e etc, a qual deverá abrir maiores possibilidades às pessoas, para além de um único modelo familiar.
Após longos anos de dissintonias jurisprudências sobre o reconhecimento como entidade familiar formada por pessoas do mesmo sexo e sua possibilidade de adotar, o STF em data de 05.12.2011, tendo como Ministro Relator Carlos Ayres Britto, passaram a analisar o (ADI) 4277 e a (ADPF) 132, e a Corte por unanimidade julgaram no sentido de reconhecer a união homoafetiva em todos os seus prismas e efeitos, inclusive como entidade familiar, pois, alegaram que art.1.723 C.C. apresentava um dispositivo de interpretação Extensiva em face dos princípios e postulados esculpidos na Constituição, estendendo todos os efeitos da união estável heterossexual as uniões homossexuais, inclusive a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo.
2. DA ADOÇÃO
O instituto da adoção surgiu durante o período da Antiguidade, como comprovam os primeiros textos legais de que se tem notícia. É o instituto mais antigo de quase todos os povos, varia somente de acordo com a época, as tradições e costumes de cada um.
A bíblia relata entre outros, “o caso de Moisés, adotado pela filha do Faraó no Egito. O próprio Jesus Cristo, concebido pelo Espírito Santo, foi adotado por José”. (BÍBLIA SAGRADA, Êxodo, 2, 1-10)
O Código de Hamurabi, do período de 1728 a 1686 a.C., já ditava as regras relativas à adoção na Babilônia.
O instituto da adoção passa por um processo de renascimento com o início da Idade Moderna, destacando-se, o Código Civil francês de 1792, o Código de Napoleão, o qual possuía fortes propósitos políticos ao restaurar a adoção na França, pois Napoleão necessitava de um sucessor.
Segundo o jurista Valdir Sznick, o Código Civil francês previa quatro tipos principais de adoção, quais sejam:
A ordinária, realizada através de contrato, sujeita à homologação por parte do magistrado, a qual concedia direitos hereditários ao adotado. Era permitida somente a pessoas maiores de cinqüenta anos que não tivessem filhos, exigindo-se uma diferença de idade mínima de quinze anos entre adotante e adotado;
a remuneratória, concedida a quem tivesse salvado a vida do adotante, caracterizando-se pela irrevogabilidade;
a testamentária, feita através de declaração de última vontade, permitida ao tutor somente após cinco anos de tutela;
a tutela oficiosa ou a adoção provisória, criada em favorecimento a menores, regulando questões de tutela da criança. (SZNICK, 1993, p.23)
No Brasil a adoção ganhou contornos com a introdução do Código Civil de 1916, pois, houve uma evolução em relação ao tema, a adoção consistia num ato bilateral e solene, onde era indispensável à manifestação de vontade do adotante e do adotado, e imprescindível a forma notarial, era, portanto, um contrato de direito de família, com o objetivo de dar a oportunidade aos casais estéreis de terem filhos.
A Lei 6.697/79 instituiu o Código de Menores, elaborado por um grupo de juristas selecionados pelo governo substituindo a lei anterior, pode-se observar um significativo avanço na proteção à criança e ao adolescente.
Estabelecia o Código que: “a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado [....]” (CÓDIGO DE MENORES, art. 5º).
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal que concedeu outras diretrizes quanto a adoção, principalmente, afastou a discriminação existente entre filhos advindos do casamento e os adotivos.
Em seguida foi instituída o Estatuto da Criança e do Adolescente, que revogou o Código dos menores, trazendo novos princípios voltados a maior proteção do menor.
Com o advento do novo Código Civil de 2002, a adoção passou a ser vinculada com a vontade dos menores. As adoções reguladas pelo Código Civil aliada ao Estatuto da criança e do Adolescente apresentam exigência de várias vontades, ou seja, dos pais biológicos, dos adotantes e do adotado, e por fim a manifestação judicial.
Somente em 2004, foi deferido no juiz da Vara Única de Infância e Juventude de Catanduva – SP, pela primeira vez no Brasil, de forma oficial a adoção a um casal homoafetivo, sob o manto da Equidade, haja vista que não a legislação referente à adoção, não se aplicava para casais homossexuais.
Conforme já dito, no ano de 2011, ocorreu o julgamento da ADPF 132 e ADI 4277 que reconheceu não somente a união estável de casais homossexuais, mas também autorizou a estes casais a possibilidade de adotarem, sob a proteção de garantias, direitos e deveres que a lei impõe aos casais heterossexuais.
Neste sentido o Juiz e Professor Sergio Luiz Kreuz (2012, p.126) apresenta o seguinte posicionamento:
[...] a orientação sexual é indiferente e não pode ser mais um motivo de preconcieto e discriminação. A criança não será mais ou menos feliz na família em se encontra em razão da orientação sexual de seus membros [...] Mais importante que a orientação sexual é o afeto, é o carinho, é o amor que os une.
Sob o mesmo prisma, a Doutrinadora e Ex. Desembargadora do TJPR Maria Berenice Dias trás a luz o seguinte entendimento (2009, p. 439/340):
Há a crença de que se trata de relacionamento isento de perfil de retidão e moralidade.Isso tem nome de discriminação.A aparente intenção de protegeras crianças só as prejudica.Vivendo o infante em família homoafetiva e possuindo vínculo jurídico com somente um par, resta absolutamente desamparado com relação ao outro, que também considera pai ou mãe.
[...]
Porém, pesquisas revelam que aqueles que foram adotados, logo, criados, por homossexuais tiveram vida digna e feliz da mesma forma que os filhos adotados por pessoas heterossexuais.O tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por decisão unânime reconheceu à adoção a um casal formado de pessoas do mesmo sexo adotarem conjuntamente, dando efetividade aos princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana.
De outra banda, muitos julgadores mostravam-se preocupados com as severas discriminações sociais que o menor poderia sofrer por estar inserido em uma família composta por dois pais ou de duas mães, sendo que na duvida sob estes pontos e visando o bem estar do menor, deixavam de conceder a adoção, fundamentando seus julgados na falta de dispositivo legal que autorizasse a adoção para casais homossexuais, já que o art.42, §2, da Lei n° 8.069/90 apenas autorizava a adoção entre cônjuges ou concubinos, não havendo espaço para os companheiros heterossexuais oriundos da união estável, quem dirá às uniões estáveis homoafetivas.
Entretanto com advento lei n° 12.010/09 o art.42, §2 ganhou uma nova redação:
Art. 42. [...]
§ 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.
Porém, mesmo com a nova redação do art.42§2, da Lei 12010/09, que autorizava a adoção a casais em união estável, tal legislação e dispositivo não era aplicado à união homoafetiva, pois estas uniões não eram reconhecidas, e por não haver respaldo no Eca e muito menos no Código Civil de 2002, tais pedidos eram indeferidos, havendo entretanto raros deferimentos.
Porém, mesmo com o reconhecimento pelo STF da união estável homoafetiva através da ADPF 132 E ADI 4277, e com o preenchimento dos requisitos do art.42, §2 do ECA, parcela dos julgadores, indeferem o pedido de adoção a casais homoafetivos alegando que irá causar sérios problemas de ordem afetiva e psicológica no adotante se inserido neste núcleo familiar.
Sobre os posicionamentos dos Julgadores em indeferir sem qualquer fundamentação jurídica e científica a adoção de crianças e adolescentes a casais homoafetivos, o jornal da comunicação da Universidade Federal do Paraná no ano de 2012, através da Reporter Leda Samara[1] apresenta a seguinte reportagem:
Hoje, a legislação brasileira não apresenta nenhuma especificação em relação à adoção homoafetiva. Não há proibição, mas não há lei que regulamente o processo. O assunto gera polêmica nos tribunais no Brasil e a decisão, favorável ou não à adoção, fica a critério do juiz responsável. Segundo a advogada e desembargadora Maria Berenice Dias, por não haver previsão expressa na lei, a tendência é de recusa aos pedidos de adoção feitos por casais homossexuais. “A justificativa é sempre preconceituosa, juízes alegam que ter dois pais, ou duas mães, não é o melhor para as crianças, afirma.
Vale ressaltar que mesmo sem uma lei que regulamente o assunto já houve decisões no sentido de favorecer casais do mesmo sexo a adotar em conjunto uma criança ou um adolescente. Isto porque os juízes que decidiram os casos se pautaram nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, igualdade, analogia e o melhor interesse da criança para justificar a adoção de crianças e adolescentes a casais homossexuais, conforme posicionamento do STF:
Ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 615.261 (608) ORIGEM : AC - 5299761 - TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADUAL PROCED : PARANÁ .-RELATOR :MIN. MARCO AURÉLIO .-RECTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ PROC(ES) : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ .-RECDO : ANTONIO LUIZ MARTINS DOS REIS .-RECDO : DAVID IAN HARRAD ADV: GIANNA CARLA ANDREATTA ROSSI .-DECISÃO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO - RAZÕES - DESCOMPASSO COM O ACÓRDÃO IMPUGNADO - NEGATIVA DE SEGUIMENTO. 1. Contra a sentença proferida pelo Juízo, houve a interposição de recurso somente pelos autores. Pleitearam a reforma do decidido a fim de que fosse afastada a limitação imposta quanto ao sexo e à idade das crianças a serem adotadas. A apelação foi provida, declarando-se terem os recorrentes direito a adotarem crianças de ambos os sexos e menores de 10 anos. Eis o teor da emenda contida à folha 257: [...] 2. Delimitar o sexo e a idade da criança a ser adotada por casal homoafetivo é transformar a sublime relação de filiação, sem vínculo biológicos, em ato de caridade provido de obrigações sociais e totalmente desprovido de amor e comprometimento. 2. Há flagrante descompasso entre o que foi decidido pela Corte de origem e as razões do recurso interposto pelo Ministério Público do Estado do Paraná. O Tribunal local limitou-se a apreciar a questão relativa à idade e ao sexo das crianças a serem adotadas. No extraordinário, o recorrente aponta violado o artigo 226 da Constituição Federal, alegando a impossibilidade de configuração de união estável entre pessoas do mesmo sexo, questão não debatida pela Corte de origem. 3. Nego seguimento ao extraordinário. 4. Publiquem. Brasília, 16 de agosto de 2010. Ministro MARCO AURÉLIO – RELATOR.
Há uma necessidade sócio-jurídica de se criarem mecanismos concretos que autorizem os casais do mesmo sexo a poderem adotar uma criança, através de requisitos legais objetivos, sem que haja necessidade da benevolência dos magistrados em entenderem pela aplicação da norma vigente da adoção aos casais homoafetivos, ou seja, adequar um sistema visando não somente a dignidade dos adotantes, mas principalmente a proteção do adotado.
Além do mais, adoção realizada por casais homo ou heterossexuais deverá ser fundadas não somente nos requisitos legais, mas precipuamente fundada no afeto, pois este é o cerne que caracteriza os núcleos familiares, e é está amálgama que leva a um casal convier e permanecer juntos, a dividirem bons e maus momentos e logicamente a criarem seus filhos biológicos ou adotivos, como aponta o doutrinador, Carlos Henrique Souza da Cruz (2009, p.98):
“Como vimos, a família é uma instituição construída socialmente para dar conta de necessidades econômicas, religiosas, de filiação e pertencimento, sociais, etc., mas não há uma concepção de família pronta e acabada, pois os modelos sociais da constituição familiar são transitórios e consoantes à ideologia dominante. Seus membros cumprem, com isso, papéis específicos e distintos. Nesse constante devir, chega-se a modelos familiares na contemporaneidade que contemplam a diversidade, a pluralidade e as concepções variadas de agrupamentos de pessoas, que prioriza vínculos de solidariedade, amor e companheirismo. Nesse registro afetivo, ganha visibilidade o casal composto por duas pessoas do mesmo sexo, que passa a deter o direito, como qualquer outro casal heteroativo, de adotar uma criança conjuntamente.”
Por fim, cumpre salientar que a finalidade moderna da adoção, tanto nos núcleos familiares compostos por uniões estáveis hetero ou homossexual é oferecer um ambiente familiar favorável ao desenvolvimento de uma criança, que por algum motivo, ficou privada de sua família biológica.
3. A ADI 4277 e ADPF 132 NA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS
No presente estudo, trataremos de ações constitucionais, sendo apenas da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, que o doutrinador Alexandre de Morais (2012, p. 696/697 e 669) irá tratar abaixo:
O objetivo pretendido pelo legislador constituinte de 1988, com a previsão da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, foi conceder plena eficácia às normas constitucionais, que dependessem de complementação infraconstitucional. Assim, tem cabimento a presente ação, quando o poder público se abstém de um dever que a Constituição lhe atribuiu.
[...]
As hipóteses de ajuizamento da presente ação não decorrem de qualquer espécie de omissão do Poder Público, mas em relação às normas constitucionais de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo, em que a constituição investe o Legislador na obrigação de expedir comandos normativos. Além disso, as normas programáticas vinculadas ao princípio da legalidade por dependerem de atuação normativa ulterior para garantir sua aplicabilidade, são suscetíveis de ação direta de inconstitucionalidade por omissão.
Já a ação de descumprimento de preceito fundamental é conceituada pelo STF[2] como:
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
Descrição do Verbete: É um tipo de ação, ajuizada exclusivamente no STF, que tem por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Neste caso, diz-se que a ADPF é uma ação autônoma. Entretanto, esse tipo de ação também pode ter natureza equivalente às ADIs, podendo questionar a constitucionalidade de uma norma perante a Constituição Federal [...]
O Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes[3], apresenta a conceituação de preceitos fundamentais:
É muito difícil indicar, a priori, os preceitos fundamentais da Constituição passíveis de lesão tão grave que justifique o processo e julgamento da argüição de descumprimento.
Não há dúvida de que alguns desses preceitos estão enunciados, de forma explícita, no texto constitucional.
Cumpre esclarecer que mesmo sendo a ADI e a ADPF sistemas parecidos, sua diferenciação é clara, pois a ADI é argüida quando no sistema jurídico a norma abaixo da Constituição esta agindo de forma omissiva ou comissiva que contraria o sistema Constitucional, sendo que esta ação somente pode ser levantada para atacar normas Federais e Estaduais, nunca municipais.
Já a ADPF, tem a função de fazer cumprir os preceitos fundamentais descrito na Constituição em face dos sistemas jurídicos Federais, Estaduais e Municipais, além do mais, a ADPF por força do art.4, §1, Lei nº 9.882/99[4] é uma ação supletiva, ou seja, somente poderá ser impetrada se as outras ações Constitucionais não se amoldarem ao fundamento argüido.
Tanto ADI por omissão quanto a ADPF[5], apresentam seu rol de legitimados conforme o art.103, CF:
Art.103 [...]
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV - a Mesa da Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa
do Distrito Federal;
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal;
VI - o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – Confederação sindical ou entidade de classe de Âmbito
federal.
Mesmo havendo rol de legitimados, não podemos chamá-los de partes, pois a ADI e a ADPF não são consideradas lides, mas sim procedimentos objetivos e as partes são meramente formais.
Em sintonia a inexistência de partes na ADI e ADPF o doutrinador J. J Gomes Canotilho (2003, p.891) nos ensina:
Não obstante se ter falado de legitimidade processual activa e de legitimidade processual passiva, o processo abstracto de controlo e de normas não um processo contraditório, no qual as partes "litigam" pela defesa de direitos subjectivos ou pela aplicação de direitos subjectivamente relevantes.
A decisão da ADPF e ADI serão oponível contra todos e vinculante aos demais órgãos, com Exceção ao legislativo, tendo como única diferenciação a ADI por omissão, que sua decisão será encaminhada ao órgão competente para ser suprida a omissão porém, até que a mesma seja suprida, a decisão terá efeitos com aparência de força normativa.
Por conter uma natureza objetiva, apresentar partes apenas no aspecto formal e ser essencialmente Geral e Impessoal, a ADI 4277 e ADPF 132 no caso em tela, por apresentarem os mesmo fundamentos, a mesma causa de pedir, sobre o mesmo fato e mesma norma, foram incorporados os fundamentos de ambas as ações constitucionais, como se ADI 4277 fosse, e ainda o Ministro Relator assim se posicionou:
4. Seja como for, o fato é que me foi redistribuída a ADI nº 4.277, versando o mesmo tema central da ADPF nº 132. Dando-se, por efeito mesmo dessa distribuição, uma convergência de objetos que me leva a subsumir ao mais amplo regime jurídico da ADI os pedidos insertos na ADPF, até porque nela mesma, ADPF, se contém o pleito subsidiário do seu recebimento como ADI. Por igual, entendo francamente encampados pela ADI nº 4.277 os fundamentos da ADPF em tela (a de nº 132-DF).
[...]
É o que me basta para converter a ADPF em ADI e, nessa condição, recebê-la em par com a ADI nº 4.277, a mim distribuída por prevenção. (anexo 1)
Para que possamos entender como funciona a decisão emitida pelo STF nas suas ações constitucionais originárias (ADPF e ADI), devemos primeiro perguntar qual a formatação da decisão que é prolatada no caso concreto, se é Acórdão, Decisão Inominada ou Sentença.
Como é sabido, em nosso sistema jurídico brasileiro, especificamente as questões processuais, o Código de Processo Civil é o instrumento principal, onde todos os outros dispositivos legais processuais se envergam e o reverenciam, não havendo nenhum sistema processual que não utilize-o de forma primária ou secundária.
Mesmo sendo ações constitucionais, a ADPF e a ADI necessitam da deferência do Código de Processo Civil, pois suas leis não abarcam todos os aspectos processuais.
Quanto as decisões proferida na ADPF e na ADI, o Código de Processo Civil em seu art.163 declara que as mesmas serão denominadas como Acórdãos: “Art. 163 - Recebe a denominação de Acórdão o julgamento proferido pelos tribunais.”
Conforme o Professor José M. G. Medina (2012, pag.198) Acórdão é: “No tribunal, as decisões oriundas de órgãos colegiados são chamados de acórdão (art.163) [...]”.
Por ser o CPC um dos instrumentos mais completos e complexos, descreveu em seu art.165 a forma que o Acórdão deve ter:
“Art. 165 - As sentenças e acórdãos serão proferidos com observância do disposto no Art. 458; as demais decisões serão fundamentadas, ainda que de modo conciso.”
O artigo acima do Código de Processo Civil remeteu a outro artigo dentro do seu texto, sendo ele, o art.458 que apresenta os seguintes requisitos indispensáveis que deve conter em um Acórdão:
Art. 458 - São requisitos essenciais da sentença:
I - o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
III - o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões, que as partes lhe submeterem.
Conforme a norma acima, o Acórdão como a sentença deverá conter o relatório, fundamentação e Dispositivo.
Compreende-se por relatório a primeira parte da decisão onde conterá a qualificação sumária das partes e um resumo claro e lógico dos atos no curso da marcha processual.
Quanto ao Relatório, Pontes de Miranda (1974, pag.125) o conceitua da seguinte forma:
relatório é a exposição, que o juiz faz, de todos os fatos e razões de direito que as partes alegam, e da história relevante ao processo.
[...]
há de ser resumo, com indicação dos pontos necessários e suficientes aos fundamentos de fato e de direito que terão de ser examinados.
Já os fundamentos é um dos requisitos mais importantes do Acórdão ou sentença, se não é o mais importante, pois é através dele que o Magistrado analisará as questões de fato e de direito.
Além da Analise dos fatos e de direito, Sergio Nojire (2001, p. 807) entende que:
A fundamentação eficaz é, também, uma forma de legitimar a atuação do Poder judiciário, na Medida em que todos são iguais perante a lei e o cidadão tenderá a conformar-se com a decisão judicial caso esta seja fundamentada em bases racionais, e não apenas por temor ou por respeitar, de forma heterônoma, a autoridade do magistrado.
Por fim, o acórdão conta com o dispositivo que é a expressão dos fundamentos do qual as partes devem acatar, ou seja, o dispositivo são os comandos do Acórdão.
Moacyr do Amaral Santos (1982, p. 408) compreende que o dispositivo é:
[...] dispositivo, conclusão, ou decisão, é a parte final da sentença. Aí se encontra a conclusão, das operações lógicas desenvolvida pelos juízes na motivação, e, pois, os termos da sua decisão, ou seja, as proposições em que se consubstancia o decisum. É no dispositivo que reside o comando, que caracteriza a sentença.
Nas ações subjetivas, a sentença ou acórdão deve ficar dentro dos limites propostos pelas partes, para que a decisão não seja considerada, extra petita, infra petita ou citra petita.
Conforme a Teoria Restritiva de Giuseppe Chiovenda as partes ficam adstritas ao que declara o dispositivo da sentença e não sua fundamentação, ou seja, a parte não poderá se utilizar da fundamentação da sentença ou Acórdão para perseguir seu direito, se este não foi descrito expressamente no dispositivo (CHIOVENDA. 1965. p. 330)
Já na ADI e ADPF por conterem natureza objetiva, geral, impessoal e abstrata, o STF adota a Teoria Extensiva ou Transcendência dos motivos Determinantes, ou seja, mesmo que não esteja descrito expressamente no dispositivo, toda a fundamentação Ratio Decidenti[6](2011, p.378) vincula e emana seus efeitos como se estivesse descrito no dispositivo do Acórdão:
“Efeito vinculante das decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade. Eficácia que transcende o caso singular. Alcance do efeito vinculante que não se limita à parte dispositiva da decisão. Aplicação das razões determinantes da decisão proferida na ADI 1.662. Reclamação que se julga procedente." (Rcl 2.363, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 23-10-2003, Plenário, DJ de 1º-4-2005.) (grifos nossos)
Como é sabido, os pedidos formulados pela ADI 4277 e ADPF 132 foram no sentido de considerar Inconstitucional por omissão o art. 1723 do Código Civil de 2002, ou seja, visava apenas o reconhecimento da União Homoafetiva.
Além da união homoafetiva, o Ministro Relator em seu voto, reconheceu Inconstitucional por Omissão os dispositivos do Código Civil e do ECA quanto a adoção por casais homoafetivos, passando em seus fundamentos a determinar, que tais dispositivos da adoção sejam aplicados integralmente aos casais em união estável homoafetivo:
36. Por último, anoto que a Constituição Federal remete à lei a incumbência de dispor sobre a assistência do Poder Público à adoção, inclusive pelo estabelecimento de casos e condições da sua (dela, adoção) efetivação por parte de estrangeiros (§5º do art. 227); E também nessa parte do seu estoque normativo não abre distinção entre adotante “homo” ou “heteroafetivo”. E como possibilita a adoção por uma só pessoa adulta, também sem distinguir entre o adotante solteiro e o adotante casado, ou então em regime de união estável, penso aplicar-se ao tema o mesmo raciocínio de proibição do preconceito e da regra do inciso II do art. 5º da CF, combinadamente com o inciso IV do art. 3º e o §1º do art. 5º da Constituição. Mas é óbvio que o mencionado regime legal há de observar, entre outras medidas de defesa e proteção do adotando, todo o conteúdo do art. 227, cabeça, da nossa Lei Fundamental. (grifos nossos)
Como o STF adota a Teoria Extensiva ou Transcendência dos motivos Determinantes e os fundamentos do Acórdão do Relator foram no sentido de conceder na ADI por omissão à possibilidade da adoção por casais homoafetivos, nos mesmos moldes da adoção casal heterossexual.
Com há aplicação dos efeitos da ADI 4277 nos procedimento de adoção, existe instrumento legal para tanto, em sendo negado a adoção aos casais homoafetivos, poderá ser impetrado Reclamação direto ao STF:
O DESRESPEITO À EFICÁCIA VINCULANTE, DERIVADA DE DECISÃO EMANADA DO PLENÁRIO DA SUPREMA CORTE, AUTORIZA O USO DA RECLAMAÇÃO. O descumprimento, por quaisquer juízes ou Tribunais, de decisões proferidas com efeito vinculante, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade ou de ação declaratória de constitucionalidade, autoriza a utilização da via reclamatória, também vocacionada, em sua específica função processual, a resguardar e a fazer prevalecer, no que concerne à Suprema Corte, a integridade, a autoridade e a eficácia subordinante dos comandos que emergem de seus atos decisórios. Precedente: Rcl 1.722/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO (Pleno).” (RTJ 187/151, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
Como pode ser visto, reconhecer a aplicação dos fundamentos do Acórdão da ADI 4277 nos procedimentos de adoção a casais homoafetivos, além de estar em sintonia com a Constituição, estará primando pela dignidade da pessoa humana, e visando o princípio da celeridade, haja vista que poderá agora em um só ato se dirigir ao STF, a aplicação dos fundamentos da ADI acima que garantirá maior proteção ao processo de adoção a casais homossexuais, bem como a instituição familiar homoafetiva.
CONCLUSÃO
Com o estudo do tema objeto desta monografia, foi possível extrair a conclusão de que é possível a utilização da Reclamação ao STF quanto juízos, Tribunais de Estado e Tribunais Superiores, Lesionam os fundamentos da decisão da ADI 4277 e ADPF 132, denegando a adoção a casais homoafetivos pela ausência de norma.
Todavia, com o escopo de resumir as ideias principais acerca da autorização da adoção por casais homoafetivos, esculpidos nos fundamentos da decisão da ADI 4277 e ADPF 132, é apresentado a seguir as seguintes conclusões.
Como foi visto no capítulo dois, o conceito bem como a estruturação de família e adoção sofreram grandes mudanças e avanços, principalmente a inversão arcaica do rol taxativo que constituía uma família para união familiar constituída somente pelo prisma financeiro.
Mesmo com o novo posicionamento do STF em 2011 em reconhecer a união homoafetiva e sua possibilidade de adoção, vem sendo entendido ainda pelos Juízes de primeiro grau, Tribunais Estaduais e Superiores que a adoção homoafetiva não é reconhecida pela legislação pátria, por tanto não há fundamentos para autorizar tal situação.
Diante dos indeferimentos, os Adotantes, em face da morosidade do judiciário, levam anos para conseguirem reverter a sentença em 1° grau, o Acórdão de Apelação e ou Acórdão proferido no STJ por meio de Resp.
Como nos fundamentos da decisão da ADI 4277 e ADP 132 há previsão de adoção por casais homoafetivos, e visando a celeridade processual e o bem estar do menor, faz-se necessário a utilização do procedimento Constitucional da Reclamação ao STF, para fazer valer os fundamentos da decisão acima descrita.
Entende-se que qualquer sujeito lesado, pode propor Reclamação Constitucional ao STF, visando garantir direito já apreciado pelo pleno deste Tribunal.
Em sendo assim, por todos os pontos apresentados neste trabalho científico, o não reconhecimento da adoção homoafetiva por omissão da lei, fere frontalmente a Constituição Federal que determina que as decisões do STF, precipuamente as prolatadas no Pleno, tem força Vinculante e “Erga Omnes”, devendo ser, portanto seguida por todos os órgãos que compõe o sistema judiciário, e caso haja o descumprimento, é passível apresentação da Reclamação ao STF, para compelir os órgãos do judiciário a cumprirem a decisão do STF, sendo no caso em tela, fazer valer os fundamentos da ADI 4277 e ADPF 132, ou seja, aplicar os dispositivos do ECA e do Código Civil nas adoções por casais homoafetivos pelos Ministros, Desembargadores e Juízes Estadual ou Federal do STJ, Tjs e TRFs.
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[1] Jornal Comunicação. 30 jun 2010. Disponível em: http://www.jornalcomunicacao.ufpr.br/materia-8488.html. Acesso 05 maço. 2013
[2] STF JUS. ____ . Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=481. Acesso: 11 março 2013.
[3] STF JUS. ____ . Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/legislacaoAnotadaAdiAdcAdpf/verLegislacao.asp?lei=1. Acesso: 11 março 2013.
[4] Art. 4º [...]
§1º Não será admitida argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade.
[5] Lei 9.882 - Art. 2o Podem propor argüição de descumprimento de preceito fundamental:
I - os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade;
[6] São as Razões que levam a corte a se manifestar de determinada maneira.