5 SERVIDORES PÚBLICOS
Para que a Administração Pública venha a executar seus serviços, é claramente indispensável à utilização de recursos humanos.
Estes, que agem em nome do Estado, sejam por qual vínculo for, estatutário ou celetista, de forma definitiva ou transitória e algumas vezes sem qualquer remuneração, prestarem serviços à Administração Pública ou realizam atividades de sua responsabilidade, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura, são considerados agentes públicos, segundo texto expresso na lei 8.429/92, da qual trata sobre a improbidade administrativa.
Posto isso, para que se qualifique determinado individuo como servidor público, pouco importa se há ou não remuneração pela prestação do serviço, mas sim, que este esteja exercendo alguma atividade em nome do Estado, para a benesse da sociedade.
O código penal também trata deste assunto, expondo os casos em que haverá a qualificação de funcionário público. Tal texto, encontra-se no artigo 327, o qual se passa a transcrever:
Artigo 327, CP – Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Do texto legal, percebe-se existir distinção técnica das atividades praticadas por aqueles inseridos na Administração Pública, quais sejam, cargo, emprego e função. Tais diferenças, serão abordadas e explicadas nos próximos tópicos.
5.1. CONCEITO
A definição de servidor público poderá ser encontrada na doutrina, a qual em sua grande maioria irá trazer como definição, em sentido amplo, toda pessoa física que prestar serviços ao Estado e às entidades da Administração Pública Indireta, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos. (DI PIETRO, 2014).
Vale ressaltar que a partir da Constituição de 1988, desapareceu o conceito de funcionário público, passando-se adotar a designação ampla de servidores públicos para todos aqueles que exercem funções ao Estado.
Por servidor público, compreendem:
- Os servidores estatutários, os quais estarão sujeitos ao regime estatutário, e são os ocupantes de cargos públicos;
- Os empregados públicos, sendo que estes serão contratados pelo regime da CLT, ou seja, em conformidade com a legislação trabalhista, e são os ocupantes de emprego público;
- Os servidores temporários, sendo que estes, por sua vez, são contratados por tempo determinado para atender as necessidades temporárias e de excepcional interesse público. Estes, exercem função pública, sem estarem vinculados a cargo ou emprego público (DI PIETRO, 2014).
Ante o texto acima, para que seja possível uma melhor compreensão, se faz necessário explicar as diferenças técnicas e práticas entre cargo, emprego e função, sendo que este tema será o foco do tópico a seguir.
5.2. DISTINÇÕES TÉCNICAS (CARGO, EMPREGO E FUNÇÃO)
Como se sabe, a Administração Pública deve ser organizada, para que assim, seja possível garantir a eficiência no desempenha da função pública.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que para melhor se compreender o sentido dessas expressões (cargo, emprego e função), há necessidade de se entender que todas as competências da Administração Pública são definidas em lei e distribuídas em três níveis diversos: pessoas jurídicas, órgãos e servidores públicos (p.604,2014)
Por pessoa jurídica, ainda segundo a mesma doutrinadora, compreende-se a União, Estados e Municípios, sendo que, estas pessoas jurídicas são divididas em órgãos públicos, que são os Ministérios, Secretárias e suas subdivisões. E por fim, tais órgãos serão compostos pelos servidores públicos, ocupantes de cargos ou empregos, ou os que exercem função.
Os cargos públicos são aqueles criados por lei, ou seja, os servidores públicos serão regidos por um estatuto, no qual definirá suas atribuições e definirá o padrão de vencimentos ou remuneração.
A expressão emprego público passou a ser utilizada quando se tornou possível a contratação de servidores sob o regime da legislação trabalhista. Assim, o ocupante de emprego público tem um vínculo contratual, sob regência da CLT, enquanto o ocupante do cargo público é regido pelo Estatuto do Funcionário Público (DI PIETRO, 2014).
Frisa-se que tanto para se obter um cargo ou emprego público há necessidade prévia de aprovação em concurso público e todos os procedimentos de praxe. Costuma-se tecnicamente diferenciar da seguinte forma, concurso público para a contratação para os cargos públicos e seleção pública para a contratação para os empregos públicos. Contudo, para a sociedade em geral, a expressão correntemente utilizada é a de “concurso público”.
Acerca da função pública, está poderá ser exercida por tempo determinado ou então, em caráter permanente.
Na primeira situação, a Constituição Federal traz previsão expressa junto ao artigo 37, IX, o qual se subscreve:
Art. 37, IX – A lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Já na segunda hipótese, a contratação se faz embasada no mesmo artigo, contudo, no inciso V, que assim dispões:
Art. 37, V – As funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento.
Posto isso, quando se fala em função pública, tem-se que ter em vista as duas possíveis situações:
- A função exercida por servidores contratados temporariamente com base no artigo 37, IX, para a qual não se exige, necessariamente, concurso público, porque, às vezes, a própria urgência da contratação é incompatível com a demora do procedimento;
- As funções de natureza permanente, correspondentes a chefia, direção, assessoramento ou outro tipo de atividade para a qual o legislador não crie o cargo respectivo; em geral, são funções de confiança, de livre provimento e exoneração; a elas se refere o art. 37, V, [...](DI PIETRO, 2014).
6 DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Neste título elencaremos crimes exclusivamente praticados por aqueles que detêm a qualidade de funcionários públicos, e que por tais circunstâncias, são considerados crimes próprios, e outros que são praticados por particulares, chamados crimes comuns, sendo que em ambas situações, a vítima será sempre a Administração Pública.
6.1 CONCEITO DE CRIME
Neste tópico, abordaremos com maior afinco as definições de “crime” trazidas pelas doutrinas, e explicaremos uma a uma, tendo sempre em foco as conclusões a serem realizadas neste trabalho.
Inicialmente, cumpre salientar que o conceito de crime é artificial, podendo variar de acordo com o critério adotado para defini-lo, em outras palavras, não existe um único conceito, não existe um conceito fixo, exato, no âmbito do Direito Penal. A partir daí, verificaremos os três prismas ao conceito de crime, sendo eles, o conceito material, o formal e o conceito analítico.
No que diz respeito ao conceito material, NUCCI ensina que para que determinada conduta seja considerada crime, e, portanto, seja esta passível de punição, há necessariamente a exigência de um resultado, e a infração de um bem juridicamente protegido. (2011, p. 173).
Este conceito se difere do conceito formal de crime, uma vez que neste (material), a lei menciona a conduta do agente e o evento danoso, exigindo que este se produza, para considerar-se o crime como consumado. No aspecto formal do crime, a vontade do agente é presumida de seu próprio ato, considerando-se o crime consumado, mesmo que inexista algum resultado danoso a outrem. Ou seja, no crime formal, o tipo penal menciona o comportamento e o resultado, mas não exige a produção deste último para a sua consumação, conforme os ensinamentos do doutrinador Victor Eduardo Rios Gonçalves:
Crimes formais são aqueles em relação aos quais a lei descreve uma ação e um resultado, mas a redação do dispositivo deixa claro que o crime consuma-se no momento da ação, sendo o resultado mero exaurimento do delito. (GONÇALVES (2001) apud NUCCI, 2011).
Por fim, temos o crime conceituado sob o aspecto analítico, sendo que neste, encontramos grandes divergências doutrinárias, uma vez que há quem defina o crime, do ponto de vista analítico, como:
- Um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade apenas um pressuposto de aplicação da pena;
- Um fato típico, antijurídico, culpável e punível;
- Um fato típico e culpável, sendo que a antijuridicidade está inclusa no próprio tipo;
- Um fato típico, antijurídico e punível, sendo a culpabilidade, a conexão entre o crime e a pena; (NUCCI, 2011, p. 174)
Porém, iremos utilizar para a feitura deste trabalho, o entendimento majoritário sobre o conceito analítico do crime, o qual classifica este como um fato típico, antijurídico e culpável.
Fato típico está vinculado ao comportamento do ser humano, cuja conduta está expressamente proibida, para a qual se estabelece um sansão penal. O fato antijurídico, por sua nomenclatura, pode-se considerar autoexplicativo, pois quer dizer que determinada ação ou omissão, contraria o ordenamento jurídico e as suas imposições. Há de se observar, contudo, a relação existente entre esta contrariedade e o fato típico praticado, pois pode ocorrer em situações pontuais, a existência de tipicidade, porém, não fere o ordenamento jurídico. Como exemplo disto, temos aqueles que praticam crimes, sob legítima defesa ou estado de necessidade (MIRABETE, 2001). Por fim, fala-se da culpabilidade, tida como uma reprovação social, a qual incide sobre determinada conduta, necessitando que o agente seja imputável, atue com consciência da ilicitude, bem como, que exista a possibilidade e a exigibilidade de atuação de modo diverso, que condiz com as limitações impostas pelo Direito. A culpabilidade é fundamento e limite da pena, e embora exista divergência doutrinária, deve ser entendida como parte integrante do conceito de crime, e não como mero pressuposto para aplicação da pena. (NUCCI, 2011).
6.2 CRIMES ESPECÍFICOS PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
Diferente do que se pensa, nem todos os crimes podem ser praticados por qualquer pessoa, isto porque, como explicaremos neste capítulo, para alguns crimes é necessária a existência de uma capacidade especial, que neste caso, tratam-se dos crimes praticados pelos funcionários públicos, contra a própria Administração Pública, durante o exercício de suas funções, ou em razão dela. Justamente por esta exigência de capacidade especial, tais crimes são chamados de crimes próprios, uma vez que somente determinadas pessoas podem cometê-los.
Quanto aos crimes cometidos por funcionários públicos contra a Administração Pública, a primeira tipificação tratada pelo Código Penal é o crime de Peculato, o qual está previsto nos artigos 312 e 313 do mesmo dispositivo, o qual se subdivide da seguinte forma:
- Peculato Doloso, sendo:
- - Peculato-apropriação: art. 312, caput, primeira parte.
- - Peculato-desvio: art. 312, caput, segunda parte.
- - Peculato-furto: art. 312, § 1º.
- - Peculato mediante erro de outrem: art. 313.
- Peculato Culposo
- - O peculato culposo está descrito no art. 312, § 2º, do Código Penal.
A respeito destas condutas, salienta-se que os dois primeiros são chamados de peculatos próprios enquanto o terceiro tipo é chamado de peculato impróprio.
Na primeira hipótese, ou seja, no peculato apropriação, o dispositivo é autoexplicativo, expondo que, o crime ocorrerá quando apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo. Assim como ocorre na apropriação indébita, apropriar-se é comportar-se como se dono fosse de algo de que se tem apenas a posse ou a detenção lícita. No caso deste crime em estudo, o agente tem a posse de um determinado bem em razão do cargo, do ofício que, na condição de funcionário público, exerce.
Há de se observar, entretanto, que mesmo revestido pela capacidade de funcionário público, caso o bem venha até o agente por outras razões que nada tem haver com o cargo ou a função pública que exerce, o crime é o de apropriação indébita e não o de peculato.
O peculato-desvio, tratado na segunda parte do caput do artigo 312, traz as situações em que o funcionário público que tem a posse ou a detenção de algum bem em razão do cargo ou do ofício público que exerce, dá ao bem destinação diversa daquela que era devida. Mirabete ensina que “desviar” é o ato de mudar de direção; alterar o destino ou a aplicação; deslocar; é desencaminhar, citando como exemplo, o funcionário que, conscientemente, efetua pagamentos pela Administração Pública por serviço não efetuado ou por mercadoria não recebida, ainda que em benefícios apenas do pseudo prestador de serviço ou fornecedor. (MIRABETE, p264, 2010).
Nos peculatos apropriação e desvio há de se observar a presença do elemento subjetivo do tipo “em proveito próprio ou alheio”. Deste modo, se o funcionário público leva para casa o computador da repartição para fazer um trabalho escolar e depois o devolve intacto, pratica falta administrativa, mas não pratica peculato. Falta, no caso, o animus domini, ou seja, a vontade de ser dono. O peculato-apropriação consuma-se no momento em que o agente transforma a posse ou detenção em domínio. O peculato-desvio consuma-se no instante em que o agente dá ao bem destino diverso daquele que estava funcionalmente obrigado a dar (CAPEZ, 2010).
Adiante, no caso do peculato-furto, o agente não tem a posse ou detenção da coisa, mas a subtrai, ou concorre para que seja subtraída, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidades que a condição de funcionário público lhe proporciona.
Vale ressaltar que dentre os crimes cometidos por funcionários públicos, o crime de peculato é o único que tipifica a conduta culposa, a qual está legalmente prevista no art. 312, § 2º, do Código Penal. Nesta situação, pune-se aquele funcionário público que por negligência, imprudência e imperícia concorrer para a prática do crime de outrem, seja o agente, um particular ou outro funcionário público.
No peculato culposo, um terceiro se aproveita de uma facilidade proporcionada culposamente pelo funcionário público, e se utiliza de tal, para consumar a pratica de algum delito. Veja que para configurar-se a pratica deste crime, há necessidade de nexo causal entre a facilidade proporcionada culposamente e a conduta adotada pelo terceiro.
Fernando Capez, ao discorrer sobre este crime em analise, traz uma situação exemplificativa em que o funcionário público esquece-se de trancar a porta da frente da repartição, contudo, o criminoso adentrou pela porta dos fundos, assim, não há nexo entre o crime praticado e a negligência do funcionário. (CAPEZ, p464, 2010)
Logo à frente, no artigo 313, do Código penal, é tratado à prática do chamado peculato mediante erro de outrem, ou então, peculato estelionato. Nesta hipótese, o crime decorre da desatenção de uma terceira pessoa, a qual vem a atribuir determinado bem ou valor, a pessoa diferente daquela que seria a real responsável pela tutela deste. Para facilitar o entendimento, formaremos a seguinte situação: Um determinado funcionário da Prefeitura recebe uma ordem do tesoureiro, para que este leve certa quantia em dinheiro a outro funcionário, pertencente a repartição “X” para que este faça determinado pagamento; o funcionário incumbido de entregar aquela quantia, equivoca-se e entrega o dinheiro a um funcionário da repartição “Y”. Este, por sua vez, apropria-se do dinheiro, cometendo assim o crime em questão.
Além de tratar acerca do peculato-estelionato, o artigo 313 do Código Penal, subdividem-se em “A” e “B”, os quais tratam dos crimes cometidos pela inserção, modificação, alteração ou exclusão de dados em sistemas de informações, objetivando a obtenção de vantagem indevida para si ou para outrem. A diferença entre esses dois dispositivos, recai sobre a competência para tal ato, uma vez que na primeira situação, a conduta é tomada por funcionário público que detinha autorização para utilizar o sistema de informações, enquanto que na segunda hipótese, apesar de ser também um funcionário público, o mesmo não possuía autorização para operar no sistema.
Em continuidade, o próximo artigo (314, Código Penal), trata dos crimes praticados pelo extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento de que tem a guarda em razão do cargo, podendo inclusive o objeto ser público ou particular.
Verifica-se que são três possíveis condutas: a) extraviar: desviar, dar destino diverso do devido, fazer desaparecer; b) sonegar: não apresentar ou entregar, não relacionar ou mencionar quando é devido; e c) inutilizar: tornar inútil, imprestável, destruí-lo seja total ou parcialmente. Há de se observar a necessidade que as ações sejam praticadas por funcionário público no exercício do cargo e que tenha a guarda em decorrência de sua função. Assim, caso sejam praticadas as mesmas condutas, porém, por um particular, teremos constituído outro crime diverso deste em análise, haja vista ser crime próprio. (MIRABETE, 2010).
O próximo crime a ser tratado é o emprego irregular de verbas ou rendas públicas, cujo texto legal está estampado no artigo 315, do Código Penal, o qual visa tutelar a regularidade da atividade da Administração Pública, especialmente no que concerne à aplicação dos recursos públicos. Imagine que se não houvesse prevista uma sansão penal, ficaria ao encargo do funcionário público escolher os serviços públicos merecedores de aplicações de verbas ou rendas públicas. Desta forma, o funcionário público tem o dever legal de ser fiel às regras estabelecidas, aplicando as verbas para o alcance do objetivo previamente determinado (CAPEZ, 2010).
A concussão, próximo crime a ser analisado, com previsão legal no artigo 316, Código Penal, descreve a ação do funcionário público que exige, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida. Verifica-se que é um crime cuja conduta se parece com a adotada no crime de extorsão, contudo, neste em análise, o constrangimento ilegal não se dá por violência ou grave ameaça e sim pela submissão que a vítima se vê forçada a aceitar, em razão de necessitar daquilo que o funcionário deverá fazer. A vítima teme que se não concordar com o que lhe está sendo exigido, não receberá o que precisa, no tempo e na forma como precisa. É uma forma de extorsão com abuso de autoridade. A conduta típica está centrada no ato de o funcionário público exigir vantagem indevida para cumprir ou não cumprir sua obrigação, impondo como obrigação, sendo que a consumação se dá com a simples exigência. O eventual recebimento da vantagem é mero exaurimento do crime.
No artigo 316, § 1º, o qual trata a respeito do excesso de exação, o termo “exação” significa uma cobrança rigorosa de dívida ou tributo. O crime é praticado quando o funcionário público se excede na cobrança do que é devido à Administração Pública. Há excesso no modo empregado, e em decorrência desta conduta, vem a humilhar, ofender e menosprezar o devedor. Outro aspecto ocorre na exigência aonde vem a receber mais do que é devido, ou então, receber o que não é devido. O elemento subjetivo deste crime é o dolo.
A próxima tipificação tratada pelo Código Penal é o crime de corrupção passiva, o qual pode ser facilmente confundido com o crime de concussão. A conduta tipificada neste artigo é:
Art. 317, Código Penal: Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.
Veja, que na concussão há a exigência, e aqui, a conduta é “solicitar”. Ainda, há a possibilidade de punir, aquele que aceita promessa de alguma vantagem ilícita.
Ainda acerca da corrupção passiva, vale dizer que o crime se configura ainda que o extraneusi seja penalmente incapaz. Assim, caso o funcionário público receba alguma vantagem indevida ofertada por um menor de 18 anos, estará configurado o crime em questão (CAPEZ, 2010).
Prosseguindo, o próximo crime tratado pelo dispositivo é o de facilitação de contrabando ou descaminho, o qual tem previsão legal no artigo 318, Código Penal, cujo se dispõe que aquele que facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho, praticará ilícito penal.
Contrabando vem de contra (oposição) e bando (edito, ordenança, decreto), e, em sentido amplíssimo, quer dizer todo comércio que se faz contra as leis. [...] Contrabando é, restritamente, a importação ou exportação de mercadorias cuja entrada no país ou saída dela, é absolutamente ou relativamente proibida, enquanto descaminho é toda fraude empregada para iludir, total ou parcialmente, o pagamento de impostos de importação, exportação ou consumo (HUNGRIA, 1959 apud CAPEZ, 2010).
O artigo 319 do Código Penal, nos trás o crime denominado prevaricação, o qual dispõe sobre a conduta do funcionário público que vier a retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Segundo Edgard Magalhães Noronha:
Prevaricação é a infidelidade ao dever do oficio, à função exercida. É o não cumprimento das obrigações que lhe são inerentes, movido o agente por interesse ou sentimentos próprios. Nossa lei compreende a omissão de ato funcional, o retardamento e a prática, sempre contrários à disposição legal. O objeto jurídico é o interesse da administração pública que não se compadece com o proceder do funcionário que não cumpre seus deveres com o fito de satisfazer a objetivos pessoais, prejudicando o desenvolvimento normal e regular daquela atividade. Já não se trata de coibir a venda do ato ou conduta, como na corrupção, mas de impedir procedimento que molesta ou ofende aquele vem jurídico, sendo do mesmo modo impelido o funcionário por objetivos pessoais.(NORONHA, 1988 apud CAPEZ, 2010).
Além desta conduta expressa no artigo supramencionado, através da Lei nº 11.466, de 28 de março de 2007 fez-se introduzir o artigo 319-A ao dispositivo legal, o qual trata da seguinte conduta:
Art. 319-A - Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo.
Para Guilherme de Souza Nucci, tal inclusão se fez necessária haja vista o conhecido problema de troca de mensagens e ligações frequentes entre presos de presídios distintos, bem como entre detentos e pessoas livres, o que certamente proporcionaria aprimoramento do crime organizado e o aperfeiçoamento as formas de lideranças das organizações criminosas, tendo em vista a facilidade na comunicação (NUCCI, 2011).
Embora a lei assegure ao preso o seu direito de comunicação com o mundo exterior, esta se dará através de correspondência escrita e visitas pessoais, se for o caso. Contudo, a posse de aparelhos que permitam a livre comunicação intra e extra muros, é integralmente vedada, pois totalmente incompatível com a disciplina e segurança dos presídios (MIRABBETE, 2010)
Em continuidade ao estudo dos crimes praticados por funcionários públicos, a próxima conduta trazida pelo dispositivo penal, é o denominado condescendência criminosa, com previsão legal junto ao artigo 320, o qual dispõe: deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente.
Alguns doutrinadores entendem este crime como uma forma mais branda da prevaricação, por exemplo, MIRABBETE classifica este como uma espécie de prevaricação privilegiada, em que o sentimento pessoal do agente é a indulgência (tolerância ou benevolência), e a omissão refere-se à responsabilização do subalterno (MIRABBETE, 2010).
Embora o funcionário público não tenha competência direta para responsabilizar o subalterno infrator, há necessidade de que tal fato, seja levada ao conhecimento do superior hierárquico competente para tanto. Este tipo penal, trata-se de crime omissivo (CAPEZ, 2010).
Artigo 321 do Código Penal trata do crime de advocacia administrativa, o qual tipifica a conduta daquele que patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário.
O termo utilizado na rubrica (“advocacia”) pode dar a entender tratar-se de um tipo penal voltado somente a advogados, o que não corresponde à realidade, pois está no sentido de “promoção de defesa” ou “patrocínio”. Acrescente-se, ainda, que o patrocínio não exige, em contrapartida, a obtenção de qualquer ganho ou vantagem econômica.(NUCCI, p.1039, 2011).
Ante o texto acima, conclui-se que qualquer funcionário público, utilizando-se desta qualidade, que venha defender interesse particular perante a Administração Pública, mesmo que para isso, não venha obter nenhuma vantagem, pratica a infração penal. Pode, assim, significar para o agente um simples favor, o que, por si só, configura fato típico.
Adiante, no artigo 322, tratava-se do crime de violência arbitrária, ocorre, que a maioria da doutrina entende este crime estar tacitamente revogado pela Lei 4.898/65, a qual trata acerca dos crimes de abuso de autoridade. Assim, toda violência praticada no exercício da função ou a pretexto de exercê-la deve ser analisada e encaixada em uma das figuras previstas na referida lei, não havendo assim, necessidade em utilizar-se do artigo mencionado neste parágrafo.
Prevê a lei, no artigo 323, o crime de abandono de função, no qual a conduta típica se configura a partir do momento que o autor abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei. Tutela-se neste artigo, o regular funcionamento do serviço público, pois como se sabe, a continuidade do exercício pelos funcionários públicos é indispensável à boa ordem, à harmonia e a eficiência do serviço público. Desta maneira, não se permite o abandono de um serviço, o que pode acarretar perturbação ou até mesmo interrupção da atividade administrativa do Estado (MIRABBETE, 2010).
Seguindo o estudo, aquele que entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou suspenso, pratica o crime de exercício funcional ilegalmente antecipado ou prolongado, cuja previsão legal se da no artigo 324 do Código Penal. Aquele que, por exemplo, foi aprovado em concurso público, terá conferida as suas prerrogativas, direitos e deveres somente após a sua nomeação, assim, antes de completando todo o tramite, não pode haver o exercício de função pública. É proibido da mesma forma, aquele que vier a exercer função pública após ser exonerado, removido, substituído ou suspenso.
A seguir, dispõe o artigo 325: Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação.
Discorrendo acerca deste tema, Fernando Capez nos trás o seguinte ensinamento:
Ao contrário do crime previsto no art. 154 do Código Penal, em que se tutela a liberdade individual no que concerne à inviolabilidade do segredo profissional, protege-se aqui a inviolabilidade dos segredos da Administração Pública. O funcionário público que, em razão do cargo, venha a ter conhecimento de fatos relacionados à atividade administrativa que não possam ser revelados tem o dever de guardar segredo sobre eles, sob pena de prejudicar o regular e normal funcionamento da atividade estatal. O princípio da publicidade que norteia os atos administrativos não é incompatível com esse dever, pois há atos que, para a segurança ou regular administração do Estado, necessitam ficar sob sigilo. A divulgação desses atos pelo funcionário público pode acarretar graves consequências para a Administração Pública e para o particular.(CAPEZ, 2010).
Concluindo este tópico, a última tipificação trazida pelo Código Penal, seria o do artigo 326, que trata da violação do sigilo de proposta de concorrência, contudo, assim como o crime tipificado no artigo 322 (violência arbitrária), este se considera revogado tacitamente pela Lei 8.666/93, a qual regulamenta as licitações. O artigo 94 desta lei, que teria revogado o artigo 326 do Código Penal, assim se expressa: Devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou proporcionar a terceiro o ensejo de devassá-lo.
Visto as possíveis condutas ilícitas que podem ser praticadas por funcionários públicos, passaremos a ver a seguir, as responsabilidades inerentes a estas práticas.
6.3 TIPOS DE RESPONSABILIDADES INERENTES À ESTAS CONDUTAS
Como explicado durante todo o trabalho, o servidor público é o meio pelo qual a Administração Pública exerce suas atividades, objetivando o interesse de uma coletividade, ou seja, o servidor público no decorrer de suas funções, deve-se pautar na benesse do povo, e não em prol de seus motivos particulares.
No tópico anterior, tratamos dos ilícitos penais praticados exclusivamente pelos funcionários públicos contra a Administração Pública, sendo que agora, veremos quais são as responsabilidades administrativas impostas a estes.
Antes de iniciarmos a discorrer acerca das penalidades administrativas, vale ressaltar o ensinamento do saudoso Matheus Carvalho
É cediço que os agentes públicos que praticam atos infracionais se sujeitam, pelos atos praticados, a sanções de natureza penal, civil e administrativa, sendo que as instâncias são independentes entre si e, desta forma, a decisão proferida em uma dessas instâncias não interfere nas demais (CARVALHO, p. 1076, 2014).
A Administração Pública possui autonomia e legitimidade para averiguar determinados atos que possam vir a configurar ilícito administrativo, sendo que tal investigação, a princípio, se dará através da sindicância.
Sindicância é o procedimento de apuração do fato, sendo que esta poderá acarretar as penalidades de advertência ou de suspensão de até trinta dias, caso não configure uma conduta mais gravosa. Neste sentido, Hely Lopes Meirelles dispõe que a sindicância:
É o verdadeiro inquérito administrativo que procede o processo administrativo disciplinar. Entretanto, a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sansão aplicada (MEIRELLES, p.733, 2010).
Quanto à instauração da sindicância, esta deverá ser feita de ofício, sendo competente para tanto, a autoridade que possuir capacidade legal para a aplicabilidade da possível sanção (advertência ou suspensão de até 30 dias). Ainda, a instauração poderá ocorrer através de denúncia escrita, devendo conter a assinatura, identificação e endereço do denunciante, assim como se entende pelo artigo 144 da lei 8.112/90, que trata acerca dos procedimentos administrativos:
Art. 144. As denúncias sobre irregularidades serão objeto de apuração, desde que contenham a identificação e o endereço do denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a autenticidade.
Em prosseguimento, vale reforçar que o interessado deverá ser notificado para defender-se, a partir do momento que instaurar-se a sindicância.
Caberá a ele o ônus de promover a sua defesa e o direito de pleitear a produção de provas. Caso seja revel, dever-se-á aplicar o art. 164, nomeando-lhe defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado (JUSTEN FILHO, p.1071, 2014).
O procedimento da sindicância deverá ser concluído no prazo de 30 dias, contudo, a inobservância deste prazo não irá acarretar a nulidade do processo, podendo no máximo, ser atribuída alguma responsabilização ao agente causador do atraso.
Pois bem, finalizado o processo de sindicância, sendo apurado o fato tido como ilícito, sendo concedido ao interessado o seu direito de defesa, a qual não há necessariamente seja feita por advogado, três serão as possibilidades ao final da sindicância, são elas:
- O arquivamento do processo, nos casos em que fique constatado que o servidor não cometeu ato irregular ou então, mesmo existindo ilícito administrativo, não seja ele o autor;
- Aplicação da penalidade havendo a constatação de infração, incidindo assim, a possibilidade de aplicar-se as sanções administrativas, que neste caso, seriam a advertência e a suspensão por até 30 dias e,
- A instauração de processo administrativo disciplinar, sendo que este ocorrerá quando tratar-se de infração mais gravosa, praticada pelo servidor público, cuja penalidade a ser aplicada será mais severa do que as expostas no tópico anterior (CARVALHO, 2014).
No que diz respeito ao processo administrativo, conforme os ensinamentos de Diogenes Gasparini:
Processo Administrativo, em sentido prático, amplo, é o conjunto de medidas jurídicas e materiais praticadas com certa ordem e cronológica, necessárias ao registro dos atos da Administração Pública, ao controle do comportamento dos administrados e de seus servidores, a compatibilizar, no exercício do porder de polícia, os interesses públicos e privado, a punir seus servidores e terceiros, a resolver controvérsias administrativas e a outorgar direitos e deveres (2010, p. 1061).
Ainda, acerca do processo administrativo disciplinar, Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina o seguinte:
A lei 8.112/90 exige a realização desse processo para a aplicação das penas de suspensão por mais de 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade, e destituição de cargo em comissão; o artigo 100 do Decreto-lei nº 200, de 25-2-67, ainda exige o mesmo processo para a demissão ou dispensa do servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente no desempenho dos encargos que lhe competem ou desidioso no cumprimento de seus deveres (2003, p.519).
O processo administrativo terá inicio com o despacho da autoridade competente, determinando a instauração, sendo que está, diferentemente da sindicância, se dá através de portaria. A instauração é feita pela comissão processante, sendo que esta é composta por funcionários de categoria igual ou superior à do acusado para que não se quebre o princípio hierárquico, ainda, não estável, não interino ou exonerável. Este sistema objetiva assegurar uma maior imparcialidade, tendo em vista que a comissão é órgão estranho ao relacionamento entre o funcionário e o superior hierárquico (DI PIETRO, 20003).
O responsável pela veiculação da portaria, deverá fazer constar o nome do servidor envolvido, a exposição dos atos ou fatos ilegais atribuídos ao indiciado, bem como, a indicação dos dispositivos legais infringidos (GASPARINI, 2010).
No processo administrativo também está assegurado os princípios do contraditório e da ampla defesa, desta forma, durante a segunda fase do processo, ou seja, a fase de instrução processual, a comissão processante poderá fazer o levantamento das provas, realizando ou determinado que seja realizada todas as diligências que entender necessária, mas, em contrapartida, deve ser proporcionada ao indiciado a oportunidade de acompanhar tal instrução, seja com defensor ou não, tomando ciência e respondendo a todas as provas apresentadas. Concluída a instrução, o acusado deve apresentar defesa escrita, pessoalmente ou por advogado de sua escolha, sendo que na falta de defesa escrita, a comissão designará um funcionário para defender o indiciado (DI PIETRO, 2003).
Ao se concluir a instrução, assegurando o contraditório e a ampla defesa, a comissão processante passará a elaborar o relatório. Neste, constará a síntese de tudo que foi apurado, as provas realizadas, os fatos e informações levantadas durante o decurso do processo, e ao final, a proposta da pena que deverá ser aplicada, sendo que tal decisão, só poderá ser tomada pela autoridade competente.
Recebido o relatório, a autoridade competente profere sua decisão acerca do processo, dentro de um prazo de 30 dias, prorrogável por mais 30, desde que devidamente motivada tal decisão. Insta salientar, que cabe à autoridade competente decidir se adotará o teor do relatório como motivação para sua decisão ou não, isto porque, a proposta do relatório pode não ser aceita, sendo o processo decidido de maneira diversa, devendo apenas constar os motivos e elementos que baseiam a decisão. Findo o processo, sendo o indiciado absolvido ou penalizado, caberá pedido de reconsideração e recursos hierárquicos, o que não tem tamanha importância para este trabalho, motivo pelo qual não serão abordados.
Por fim, apenas reforçamos que com o processo administrativo disciplinar, caso o indiciado venha a ser penalizado, as possibilidades são de suspensão por mais de 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria e disponibilidade, e destituição de cargo em comissão, e ainda, por inteligência do artigo 100 do Decreto-lei 200, de 25/02/1967, a demissão ou dispensa do servidor efetivo ou estável, comprovadamente ineficiente no desempenho dos encargos que lhe competem ou desidioso no cumprimento de seus deveres.