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O surgimento da Lei Maria da Penha e a violência doméstica no Brasil

Agenda 05/10/2016 às 09:16

Este artigo tem por objetivo trazer à tona uma questão presente no dia a dia de muitas mulheres: a violência cometida dentro de seu ambiente familiar. Será apresentada a história da Lei 11.340/06 e os tipos de violência que se enquadram nesta.

Introdução

Diante o cenário atual, vemos que a violência doméstica praticada contra mulher se tornou algo notório diante a sociedade.

Para Melo e Teles (2003) a cena da violência doméstica contra a mulher sempre foi algo habitual em todos os cantos do mundo, onde fora calada ao decorrer da história, sempre sendo ridicularizada e considerada algo sem importância.

Além do que, constata-se que a violência acontece no âmbito familiar especialmente proveniente do parceiro intimo, e não de outros familiares ou pessoas estranhas, o que por si só manifesta a falta de informação e conscientização do homem na relação com a mulher no cotidiano.

Assim sendo, o grande objetivo da presente pesquisa é trazer à tona uma questão que está presente e se tornou tão comum na vida de muitas mulheres:o desrespeito, a desigualdade de gênero etodos os inúmeros tipos de violência
praticados, e quais os dispositivos legais e jurisdicionais que existem para que haja proteção a dignidade de cada uma delas.
 

1- O dispositivo legal utilizado antes da Lei Maria da Penha

Segundo pesquisa do DataSenado, realizada no ano de 2015, foi revelado que uma em cada cinco mulheres no Brasil já foi agredida fisicamente por seu parceiro íntimo, e mesmo sendo 100% o conhecimento delas sobre a Lei Maria da Penha, estas ainda se sentem desrespeitadas.

No entanto, antes da referida Lei entrar em vigor, o dispositivo legal utilizado para proteger a mulher da violência doméstica era a Lei 9.099/95, Lei dos Juizados Especiais, que no âmbito penal foi instituído o Juizado Especial Criminal (JECRIM), visando primeiramente à conciliação entre acusado e vítima.

Segundo Melo e Teles (2002, p.86), a criação do JECRIM foi bem aceita pela comunidade jurídica sendo vista como um grande avanço para a resolução de conflitos de natureza penal, se estes fossem de menor potencial ofensivo.

Tal lei, assim como já citado, apenas reconhece crimes cuja pena máxima não ultrapasse dois anos, sendo consideradas de menor potencial ofensivo, ou seja, menor gravidade, sendo possível a aplicação de penas alternativas ao indivíduo, ou um acordo entre as partes através da transação penal.

Desta maneira, quando havia a ocorrência de violência doméstica, habitualmente crimes de ameaça e lesão corporal leve, as penas impostas ao agressor eram de multa, pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços à comunidade. Não obstante, as vítimas que sofriam com violência praticada por seu parceiro íntimo eram atormentadas não só pelo fato ocorrido mas também pela falta de punição adequada imposta pelo Estado. 

Desta maneira, de que a sensação de impunidade persistia por parte da vítima, que não encontrava adequada guarida de seu direito; e a terceira, na maioria dos casos, em se tratando de cônjuges conviventes, durante o decorrer do processo acusado e vítima dividiam a mesma residência, causando constrangimento e transtorno à vítima, consubstanciados nas repreensões e ameaças por parte do agressor.

Este sistema, no entanto, não foi eficaz no combate a violência contra a mulher pois neste juizado somente poderiam ser julgados infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles crimes cuja pena máxima não seja superior a dois anos; também em virtude dos diversos benefícios penais que o próprio código traz ao infrator, notadamente as possibilidades de penas convertidas em prestação pecuniária e cestas básicas, suspensão condicional da pena e suspensão condicional do processo, o julgamento trazia certa percepção de impunidade ao infrator que não tinha maiores problemas, visto que sua condenação sempre poderia ser revertida, em raríssimos casos lhe causaria prisão. 

2- O surgimento da Lei 11.340/06 : " Lei Maria da Penha"

Diante tantos anos sendo aplicada a Lei 9.099/95, percebeu-se a necessidade da criação de uma nova norma que regulasse efetivamente a violência cometida contra a mulher, advindo principalmente por um trágico fato ocorrido  em 1983.

A Lei Maria da Penha tem esse nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes, cearense e biofarmacêutica, foi casada com Marco Antonio Herredia Viveiros, professor universitário, que agrediu durante 6 anos. 

Em maio de 1983, tentou assassiná-la duas vezes, primeiramente com um tiro de espingarda enquanto dormia, deixando-a paraplégica. Seu marido relatou à policia que assaltantes invadiram a casa e dispararam o tiro; e a segunda vez foi na tentativa de eletrocutá-la e afogá-la durante o banho.

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Após as entativas de homicídio, Maria da Penha procurou a delegacia de polícia para buscar proteção do Estado, tendo primeiramente conseguindo resguardo judicial para ela e suas filhas contra o marido agressor.

Somente após 20 anos o julgamento foi concluído, no entanto, o agressor foi condenado, mas ficou poucos meses encarcerado. 

Após ter passado parte da vida sendo agredida, Maria da Penha escreve o livro “Sobrevivi... posso contar”, e juntamente com defensores dos direitos humanos, a denúncia feita por esta, no ano de 1998 conseguiu chegar até a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, sendo que esta alegava que o Brasil era tolerante diante a situação vivida  por muitas mulheres no Brasil, não punindo de forma efetiva o agressor. 

A referida Comissão após analisar os fatos, advertiu o Brasil para que adotassem medidas legais efetivas para punição do agressor.

Tendo em vista a repercussão do caso  a nível internacional,  foi sancionada a lei 11.340 de 07 de agosto de 2006, que ficou popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha”.

 Esta lei teve como principal finalidade a criação de mecanismos que visam coibir a violência sofrida às mulheres, buscando a proteção de sua integridade física, psíquica, moral e patrimonial do gênero feminino que historicamente tolera a desigualdade de gênero. 

Diante a visão de Amaral (2012), a Lei Maria da Penha foi criada para proteger as mulheres, que tradicionalmente ocupam uma posição de vulnerabilidade social em relação ao homem, devendo ser vista também como a busca de implementação de políticas publicas de proteção e combate a violência de gênero, em razão da necessidade de prestação de tutela jurisdicional rápida para casos de urgência, como estes. 

É sabido que não é só de violência física que a mulher sofre, e a lei 11.340/06 traz em seu “Capítulo II: Das formas de violência doméstica e familiar contra a mulher” no artigo 7°, sua conceituação de sobre alguns tipos de violência, não excluindo outras possíveis formas do surgimento desta.

O primeiro inciso indica o que é a violência física, demonstrando ser qualquer comportamento que ofenda a integridade física ou saúde mental da mulher. É aquela que se resume em promover uma lesão proposital, utilizando-se de força física a fim de causar dor e sofrimento com o intuito de demonstrar quem é o subordinado da relação, sendo que grande parte das condutas violentas não são praticadas uma única vez contra a mulher.

[...]a violência física continuada, mesmo que mais sutilmente empregada
(sem marcas), pode gerar transtornos psicológicos que promovem o
aparecimento de enfermidades psicossomáticas e oportunistas decorrentes
de baixas imunidades. (FEIX. 2011, p. 220)

A violência sexual apresentada no inciso III, haja vista que na maioria das vezes é atentada pela pessoa com quem a vítima mantém um vinculo amoroso, forçando a mulher a manter relações sexuais contra sua vontade, retirando assim, sua liberdade sexual.

Pode haver também a violência patrimonial, elencada no artigo 7°, IV,  onde qualquer comportamento que configure destruição, subtração ou retenção de documentos pessoais, objetos, economias, dentre outros. No entanto, esta conduta não é punível no Código Penal, tendo em vista que o indivíduo que cometer ato danoso contra o patrimônio do cônjuge é isento de pena, salvo se houver representação.

E finalmente a violência moral, que engloba qualquer conduta que caracterize calúnia, difamação ou injúria.

Pesquisa DataSenado 2011 revelou que 57% das entrevistadas afirmaram que conhecem alguma mulher que já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar; e 42%, que não conhecem. Setenta e oito por cento das entrevistadas que afirmaram conhecer alguma mulher que já sofreu algum tipo de violência doméstica ou familiar responderam que o tipo de violência sofrida pela pessoa conhecida era física; 28%, que era moral; 27%, psicológica; 5%, sexual; 4%, patrimonial; e 6%, todos os tipos de violência. (BIANCHINI, Alice. 2011.)

Segundo outra pesquisado DataSenado realizada no ano de 2015, o tipo de violência mais praticada contra a mulher ainda é a agressão física, revelando ser em 66%, tendo em vista que houve também o crescimento de 10% no índice de violências psicológicas, somando em 48% este ano, contra 38% em 2013. Houve, entretanto, redução na violência moral, de 39%, em 2013, para 31%.

Dentre estes tipos de violência já mencionados, cumpre demonstrar que a violência familiar não tem como principal foco só a mulher, que segundo Jesus (2015, p 6.) violência familiar, intrafamiliar ou doméstica, é toda ação ou omissão praticada dentro da família por um de seus componentes, ameaçando a vida, integridade física ou psicológica,
abrangendo também a liberdade, ocasionando um grande detrimento ao desenvolvimento da personalidade da vítima.

Reforça também o CNJ (Conselho Nacional de Justiça):

Violência familiar - violência que acontece dentro da família, ou seja, nas relações entre os membros da comunidade familiar, formada por vínculos de parentesco natural (pai, mãe, filha etc.) ou civil (marido, sogra, padrasto ou outros), por afinidade (por exemplo, o primo ou tio do marido) ou afetividade (amigo ou amiga que more na mesma casa).

Já a violência de gênero é específica e praticada em relação ao gênero da vítima, como por exemplo o feminicídio, que é o homicídio praticado contra a mulher por ser mulher.

Novamente reforça o CNJ :

Violência de gênero - violência sofrida pelo fato de se ser mulher, sem distinção de raça, classe social, religião, idade ou qualquer outra condição, produto de um sistema social que subordina o sexo feminino.

A socióloga Lourdes Bandeira (2013), descreve o feminicídio como:

A última etapa de um continuum de violência que leva à morte. Precedido por outros eventos, tais como abusos físicos e psicológicos, que tentam submeter as mulheres a uma lógica de dominação masculina e a um padrão cultural que subordina a mulher e que foi aprendido ao longo de gerações, trata-se, portanto, de parte de um sistema de dominação patriarcal e misógino.

Segundo Araujo (2013) o Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre a Violência contra a Mulher (CPMI) do Congresso Nacional discorre que:

O assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres é chamado de “feminicídio” – sendo também utilizados os termos “femicídio” ou
  “assassinato relacionado a gênero” - e se refere a um crime de ódio contra
 as mulheres, justificada sócio-culturalmente por uma história de dominação
da mulher pelo homem e estimulada pela impunidade e indiferença da
sociedade e do Estado.

Por fim, o que antes não era punido pela Lei dos Juizados Especiais, com a referida lei passou a ser. Como por exemplo ser decretado prisão preventiva ao agressor, como descreve seu artigo 20:

  Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.

E também medidas protetivas, com a finalidade de impedir o agressor à pratica de violência, assim como relata o artigo 22:

Art. 22.  Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Conclusão

Por fim, observado o já exposto, podemos perceber que a legislação atual, se interpretada de maneira saudável e correta, presta-se a albergar e tutelar o direito das mulheres, independente de sua orientação sexual, segundo a própria lei, seja por sua ausência de força física, ou caráter psicológico, apresenta uma espécie de hipossuficiência em relação a outros, seja no relacionamento familiar, ou principalmente naqueles domésticos de caráter íntimo.

Ainda com o advento da Lei Maria da Penha, muitas mulheres tem receio de denunciar seus agressores por motivos econônimos, ou mesmo medo do agressor, por isso, torna-se importante a criação de Políticas Publicas para maior conscientização das vítimas, e para que estas entendam que o Estado tem o dever de proteger qualquer indivíduo.

REFERÊNCIAS

ARAUJO, Luciana. Relatório Final da CPMI da Violência contra a Mulher: propostas de mudanças na legislação e exemplos de “boas práticas". 2013. Disponível em:  <http://www.compromissoeatitude.org.br/relatorio-final-da-cpmi-da-violencia-contra-a-mulher-propostas-de-mudancas-na-legislacao-e-exemplos-de-boas-praticas/> Acesso em: 05/10/2016

BANDEIRA, Lourdes. Feminicídio: a última etapa do ciclo da violência contra a mulher. 2013.Disponível em:<http://www.compromissoeatitude.org.br/feminicidio-aultima- etapa-do-ciclo-da-violencia-contra-a-mulher-por-lourdes-bandeira/>Acesso em: 27/12/2015.

BIANCHINI, Alice. Quais tipos de violência doméstica são mais conhecidos e, dentre eles, quais são considerados mais graves? Com a palavra, a sociedade. 2011. Disponível em:
<http://institutoavantebrasil.com.br/quais-tipos-de-violencia-domestica-sao-mais-conhecidos-e-dentre-eles-quais-sao-considerados-mais-graves-com-a-palavra-a-sociedade/> Acesso em: 05/10/2016.

BRITO,Auriney. Lei do feminicídio: entenda o que mudou. 2015. Disponível  em: <http://aurineybrito.jusbrasil.com.br/artigos/172479028/lei-do-feminicidio-entendaoque-mudou> Acesso em: 10/03/2016.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Formas de violência. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/lei-maria-da-penha/formas-de-violencia> Acesso em: 05/10/2016.

FEIX, Virgínia. Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídicofeminista.
EditoraLumen Juris, Rio de Janeiro. 2011. Disponível em: <http://www.compromissoeatitude.org.br/wpcontent/
uploads/2014/02/LMP_editado_final.pdf>Acesso em: 14/01/2016.

JACINTO, Maria de Fátima. Perfil do agressor da violência da mulher. 2010. Disponível em:<http://araretamaumamulher.blogs.sapo.pt/40558.html>Acesso em: 13/10/2015.

JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher: aspectos criminais da Lei n.11.340/06. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

PORTAL PMPF. Tipos de violência cometida contra a mulher. 2015. Disponível em: <http://www.pmpf.rs.gov.br/servicos/geral/files/portal/tipos-violencia.pdf>Acesso em: 23/02/1016.

TELES, Maria Amélia de Almeida; MELO, Mônica de. O que é violência contra a mulher? São Paulo: Brasiliense, 2002.

Sobre a autora
Maiara Ribeiro

Estudante de Direito.

Informações sobre o texto

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