Resumo: Com intuito de resguardar um direito Constitucional, este trabalho analisa as aplicações do adicional de insalubridade ao servidor público. Demonstra os conflitos existentes entre servidores públicos regidos por Estatuto, os quais regem a insalubridade de forma divergente do que é importo pela Constituição Federal e pelas Normas Regulamentadoras. Analisa qual a norma mais benéfica ao servidor, trazendo embasamentos e discussões jurisprudenciais.
Palavras–chave: constitucional – insalubridade – servidor público – divergente – embasamentos.
1. O DIREITO À PERCEPÇÃO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO VIGENTE
O propósito do trabalho é traçar uma análise acerca do direito à percepção ao adicional de insalubridade para o servidor público estatutário, demonstrando uma reflexão sobre as consequências geradas pelo modelo jurídico vigente em relação ao direito ora referido.
A Constituição Federal garante como direito dos trabalhadores urbanos e rurais o adicional de remuneração para aquelas atividades consideradas penosa, insalubre ou perigosa, nos termos do art. 7°, inciso XXIII.
Já no âmbito do serviço público, a normatização se dá especialmente pela Lei 8.112/90, a qual trouxe regras básicas para a orientação da Administração Pública quanto à questão, senão vejamos:
Art. 68. Os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida, fazem jus a um adicional sobre o vencimento do cargo efetivo; § 1º O servidor que fizer jus aos adicionais de insalubridade e de periculosidade deverá optar por um deles; §2º O direito ao adicional de insalubridade ou periculosidade cessa com a eliminação das condições ou dos riscos que deram causa a sua concessão. (BRASIL, 2015: 1527)
Já com relação aos percentuais perquiridos do adicional de insalubridade incidentes sobre o vencimento do cargo efetivo, estes foram fixados pela Lei 8.270/91, da seguinte forma:
Art. 12. Os servidores civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais perceberão adicionais de insalubridade e de periculosidade, nos termos das normas legais e regulamentares pertinentes aos trabalhadores em geral e calculados com base nos seguintes percentuais: I - cinco, dez e vinte por cento, no caso de insalubridade nos graus mínimo, médio e máximo, respectivamente; (BRASIL, 2015: 1544)
O trabalho em pauta busca estabelecer uma reflexão entre a problemática decorrente do confronto estabelecido entre o direito ao adicional de insalubridade para o servidor público previsto na Constituição Federal e o direito estabelecido nas Legislações Municipais, os quais por muitas vezes mostram-se divergentes e ferem o princípio da dignidade da pessoa humana.
Princípio este construído ao longo da história e que consagra um valor que visa protegem o ser humano contra todos os possíveis atos que lhe possam levar ao menosprezo ou que por um acaso venham a ferir determinado direito pessoal.
Consoante a isto, e no tocante à insalubridade, esclarece-se que atividades insalubres são aquelas que ensejam algum risco à saúde, na forma prevista no art. 189 da CLT, em consonância com o Ministério do Trabalho e Emprego, que regula através da Norma Regulamentadora n° 15 e seus anexos, sobre os tipos de atividades consideradas insalubres, os níveis de exposição permitidos, os limites de tolerância, os valores a serem perquiridos e os procedimentos adequados à proteção do trabalhador.
Nota-se, portanto, que este adicional tem relação direta e decorrente da atividade exercida, inserindo-se no conceito de salário condição, ou seja, enquanto durar a condição o trabalhador terá direito ao adicional, sendo cessada tal percepção, quando este, parar de exercer a atividade insalubre.
Traçado o adicional de insalubridade, iremos fazer uma breve análise sobre o servidor público e o princípio da legalidade, a começar com sua definição que, nos termos os dizeres do jurista Hely Lopes Meirelles, “[...] os servidores públicos constituem subespécies dos agentes públicos administrativos.”(MEIRELLES, 1982: 228)
Neste diapasão, temos o entendimento do professor Maurício de Carvalho Góes, o qual aduz:
Os servidores da administração pública se dividem em funcionários públicos, servidores admitidos para serviços temporários, servidores contratados em regime especial e servidores contratados sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Já os servidores autárquicos podem ser estatutários e contratados no regime da CLT. (GOÉS, 2009: 1)
Para o nosso trabalho, iremos analisar especialmente o funcionário público legalmente investido nos cargos públicos da Administração Pública Direta e sujeitos às normas do Estatuto da entidade estatal a que pertencem. Neste sentido, leciona Valentin Carrion:
Os funcionários públicos são investidos em cargo público, os quais são criados por lei e regem-se pelas normas de Direito Administrativo, unilateralmente impostas pelo Poder Público, que constitui o respectivo Estatuto dos funcionários públicos da União, dos Estados ou do Município, e que estão, entretanto, subordinadas às normas e princípios da Constituição Federal.[1](CARRION, 2013: 331)
Portanto, por legalidade, como princípio administrativo, temos os ensinamentos de Meirelles:
Em toda a atividade funcional, o administrador público está sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, sendo que deles não pode se afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido ou incorrer em responsabilidade disciplinar, civil ou criminal, conforme o caso. (MEIRELLES, 1982: 331)
Portanto, nota-se que, mesmo tendo a Administração Pública um estatuto próprio para regular todas as atividades e conceitos dos funcionários públicos, esta, deve estar em concordância com os preceitos já estabelecidos na nossa Carta Magna de 1988.
Porém, o que ocorre no âmbito Municipal é que o adicional de insalubridade possui uma regularização baseada em seus Estatutos, divergente daquela embasada pela Norma Regulamentadora, fato que coloca em conflito os direitos individuais regulados na CF/88.
2. SERVIDOR PÚBLICO
Servidor Público são todas as pessoas que mantém um vínculo empregatício profissional com órgãos e entidades governamentais, integrados em cargos ou empregos provenientes da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas respectivas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista.
A Lei 8.027/90, a qual dispõe sobre normas de conduta dos servidores públicos civis, traz em ser art. 1° a definição de servidor público, qual seja:“Para os efeitos desta lei, servidor público é a pessoa legalmente investida em cargo ou em emprego público na administração direta, nas autarquias ou nas fundações públicas.”(BRASIL, 2015: 1795)
A relação jurídica que compreende a relação de trabalho existente entre o Poder Público e os titulares de cargos públicos é de natureza estatutária e constitucional e integra o quadro da administração direta, autarquia ou fundação pública.
A Constituição Federal de 1988 passou a adotar uma designação mais ampla de servidor público, abandonando o antigo conceito de funcionário público. Em seu conceito genérico, o servidor público não faz apenas parte da administração pública, mas também é efetivamente o estado, ente abstrato, representado por pessoas físicas, que exercerão seu cargo ou função visando o interesse público e o bem comum.
Urge destacar que para a doutrina, existem três tipos principais de servidores públicos, os servidores estatutários, os empregados públicos e os servidores temporários, que se divergem quanto ao fato do primeiro ser regido por estatutos, estabelecidos em lei, o segundo, aqueles contratados sob o regime celetista, submetendo-se a todos os demais preceitos constitucionais previstos no Capítulo VII da CF/88 e o terceiro, contratados para exercer funções temporárias e regidos por meio de um regime jurídico especial.
2.1. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
O adicional de insalubridade é um direito concedido aos servidores que trabalham diretamente expostos a agentes nocivos à saúde, como agentes químicos e biológicos, radiações, vibrações, frio, umidade, exposição de calor e outros, podendo ser em grau mínimo (10% sob o valor do salário), médio (20% sob o valor do salário) e máximo (40% sob o valor do salário).
Portanto, o exercício do trabalho em condições de insalubridade assegura ao empregado à percepção de adicional incidente sobre o salário base do empregado, ou previsão mais benéfica em Convenção Coletiva de Trabalho, senão vejamos a súmula 228 do TST: “O adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo”. (BRASÍLIA, 2015: 2117)
Este adicional ainda é regido pela nossa Carta Magna em seu art. 7°, que define a insalubridade como um direito do trabalhador, assim como a Consolidação das Leis Trabalhistas, CLT, em seus artigos189 a 192, a qual aduz sobre a responsabilidade do Ministério do Trabalho em regular quais atividades serão consideradas insalubres, a caracterização da insalubridade, os limites de tolerância, os meios de proteção e o tempo máximo de exposição:
Art. 7º CF/88 - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; (BRASIL, 2015: 25).
O Artigo 190 da CLT complementa o artigo 7° na CF/88 dando a legitimidade ao Ministério do Trabalho para aprovar o quadro de atividades insalubres:
Art. 190 CLT – O Ministério do Trabalho aprovará o quadro das atividades e operações insalubres e adotará normas sobre os critérios de caracterização da insalubridade, os limites de tolerância aos agentes agressivos, meios de proteção e o tempo máximo de exposição do empregado a esses agentes. (BRASIL, 2015: 721)
O Ministério do Trabalho, portanto, irá regular o adicional de insalubridade através da Norma Regulamentadora n° 15, que servirá de base para todos os trabalhadores, inclusive os servidores públicos.
2.2. SERVIDORES PÚBLICOS E O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
Este é o ponto principal do presente artigo, haja vista que existem divergências entre as normas municipais e constitucionais no tangente ao valor do adicional de insalubridade que alguns dos servidores públicos possuem direito.
Primeiramente, deve-se analisar o Decreto-Lei n° 1.873/81, que dispõe sobre a concessão de adicionais de insalubridade e de periculosidade aos servidores públicos federal e que determina logo em seu art. 1°, que as normas trabalhistas sejam aplicadas aos servidores públicos no que diz respeito à insalubridade: “Os adicionais de insalubridade e de periculosidade serão concedidos aos servidores públicos federais nas condições disciplinadas pela legislação trabalhista”. (BRASIL, 2015: 993)
O problema é que, se tratando de servidores públicos municipais, estes normalmente são regidos por estatutos, os quais regulamentam sobre o adicional de insalubridade de uma forma contrária à aquilo que preza o Ministério do Trabalho, a CLT e Constituição Federal. Muitas vezes, os estatutos desclassificam o grau devido da insalubridade para pagarem um adicional menor ao servidor.
Como exemplo, podemos pegar os servidores públicos da área de limpeza, que são resguardados pela NR 15 e possuem o direito ao recebimento do adicional em grau máximo, ou seja, 40% sobre o salário base, porém, os estatutos, descaracterizam a intensidade do adicional e enquadram estes servidores na insalubridade média, ou seja, 20% sob o salário-base.
Neste sentido, o TST estabeleceu que o adicional de insalubridade previsto em lei não pode ser reduzido em Convenção Coletiva. Os Ministros analisaram o processo de um gari que estava recebendo insalubridade em grau mínimo, quando o mesmo deveria receber em grau máximo. Neste sentido, o Ministro Pedro Paulo Manus afirmou o seguinte:
[...] apesar da Constituição reconhecer o acordo coletivo como um direito do trabalhador, os benefícios estabelecidos em Convenções Coletivas não podem ser inferiores aos estipulados por lei.(MANUS, 2013: 1)
O Ministro Manus ainda conclui seu voto reconhecendo que os benefícios estabelecidos em Convenções Coletivas não podem ser inferiores aos estipulados por lei: “O adicional de insalubridade constitui norma de ordem pública, que visa proteger a saúde do trabalhador, não podendo, portanto, ser restringida”. (MANUS, 2013: 1)
A Lei, juntamente com a medicina do trabalho, busca eliminar ou diminuir os efeitos das atividades insalubres sobre a pessoa humana, no sentido do fornecimento de aparelhos de proteção pelo empregador para o trabalhador, neste sentido aduz Valentin Carrion:
A eliminação da insalubridade ou diminuição de seus efeitos sobre a pessoa humana é uma preocupação constante da medicina do trabalho, como o é da lei. As normas de proteção ao ambiente ou ao trabalhador, individualmente, dirigem-se e procuram não só os aerodispersoides, como diz a norma, mas todos os agentes. Os órgãos administrativos receberam uma faculdade legal importantíssima: a de determinar às empresas que introduzam as medidas adequadas para eliminar ou mitigar os efeitos do mal. (CARRION, 2013: 191-192)
Entende-se, portanto, que a diminuição do grau da insalubridade é válida caso o empregador, no caso o Município, fornecer todos os materiais necessários a evitar os efeitos das suas atividades sobre a pessoa humana e, seja comprovado por meio de perícia, que estes materiais, são eficazes. Desta forma, o adicional de insalubridade poderia ser diminuído para um grau mais baixo do que é devido.
O que vem ocorrendo, no entanto, é que, mesmo sem a utilização do material necessário e, independente de perícia ou decisão judicial, os órgãos da administração municipal, tem reduzido o grau de insalubridades da maioria dos servidores públicos, prevalecendo a Lei Municipal frente às Normas Constitucionais, Celetistas e Regulamentadoras.
2. 3. NORMA CONSTITUCIONAL
Como já afirmado na primeira parte do desenvolvimento, a Constituição Federal traz o adicional de insalubridade como um direito do trabalhador que exerce determinadas atividades que são consideradas como danosas à pessoa humana.
É sabido ainda que a Constituição Federal é a norma superior no nosso ordenamento jurídico, e, por esta razão, todas as normas produzidas, seja no âmbito Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, devem estar em total consonância com a Carta Magna.
Juridicamente a Constituição pode ser entendida como a norma fundamental e suprema que vigora em um determinado Estado, da qual todas as demais normas embasam o seu fundamento de validade. É nela que contém normas referentes à estruturação e organização do Estado, bem como as garantias e deveres dos cidadãos. Nesse entendimento seguem os dizeres de José Afonso da Silva:
[...] a constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado. (SILVA, 2012: 37)
Assim, determinamos que a Constituição Federal é hierarquicamente superior as demais normas infraconstitucionais, e estas, encontrarão sua fundamentação de validade apenas na Constituição Federal, assim, Hans Kelsen explica:
[...]o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior. (KELSEN, 1998: 135).
Portanto, uma norma que esteja em discordância com o imposto na Constituição, torna-se inválida e perde de imediato o seu valor e a sua aplicação, ou seja, estas normas servem apenas como auxiliares à Carta Magma.
2.4. NORMA MUNICIPAL
Urge destacar que os Municípios possuem competência constitucional para legislar sobre alguns assuntos de interesse local conforme art. 30 da Constituição Federal. Porém, não podem legislar sobre assuntos os quais a Carta Magna determinaqual será o ente público responsável legitimamente para tratar sobre o tema.
Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006); VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.[2](BRASIL, 2015: 34).
Contudo, as normas municipais, aquelas criadas afim de solucionar determinado conflito no âmbito Municipal, sofrem um controle de constitucionalidade, previsto pela Constituição Federal, podendo ser declaradas inconstitucionais por tratarem de assuntos que não são de sua competência, como se enquadra o tema da insalubridade em questão. De acordo com Ricardo Costa Bruno,
Em nosso ordenamento jurídico existe a hierarquia das normas jurídicas, cuja Constituição Federal ocupa o ápice da pirâmide. Assim, as demais normas devem respeitá-la para não ter sua validade questionada, pois se isso ocorrer é previsto meios para a respectiva norma ser expurgada do sistema legal. (BRUNO, 2013: 1).
Portanto, mesmo que o Município seja eivado para elaborar os seus estatutos e suas leis específicas, estas, devem passar por um controle para verificar se ferem os princípios estipulados pela Carta Magma, e, caso assim sejam, devem ser decretadas inconstitucionais.