O princípio da segurança jurídica não está radicado num dispositivo constitucional específico, mas decorre da própria natureza do direito, uma vez que o ordenamento jurídico existe justamente para que as pessoas possam orientar suas condutas sem receio de serem por elas sancionados[1].
O novo Código de Processo Civil reforça o princípio da segurança jurídica garantindo-o em sua dimensão subjetiva, através do princípio da proteção da confiança[2].
A Lei Federal n° 13.105/15, que trouxe à luz o novo Código de Processo Civil, não deixou dúvidas sobre sua aplicabilidade ao processo administrativo. Com efeito, seu art. 15 é explicito quanto à aplicabilidade supletiva e subsidiária das normas de processo civil ao processo administrativo. Assim, a Lei Federal n° 13.105/15 é aplicável aos processos em curso nos Tribunais de Contas. Desta forma, o princípio da proteção à confiança, prestigiado pelo novo Código, na forma do § 4°, art. 927, terá reflexo nos processos das Cortes de Contas.
Nesse sentido, o processo, tanto de natureza cível como administrativa, é um meio de produção de normas jurídicas. A decisão final, em ambos os casos, produz tanto uma norma jurídica individualizada (que resolve o caso concreto) como geral, uma vez que “serve de modelo para a solução de casos futuros”[3]. Enquanto ato normativo, a decisão proferida ao final de um processo, serve de base de confiança para a orientação das condutas dos jurisdicionados. Esta confiança merece proteção, conforme o espírito do novo Código de Processo Civil. Disto decorrem consequências práticas importantes.
Assim, passa a existir verdadeiro dever de uniformização da jurisprudência dos Tribunais[4]. Um entendimento consolidado num determinado âmbito (num Tribunal de Contas, por exemplo) gera nos jurisdicionados uma legítima expectativa de confiança, que, para ser rompida, impõe um ônus argumentativo especial. Assim, o julgador deve reconhecer explicitamente que a decisão diverge do entendimento pacificado e fundamentar as razões da divergência.
Não apenas isto. Surge para o Tribunal o dever de modular os efeitos da decisão inovadora, “resguardando as posições jurídicas de quem havia confiado no entendimento que até então prevalecia”[5].
No caso dos Tribunais de Contas, surge o dever de considerar os fatos avaliados de acordo com sua jurisprudência à época de sua ocorrência. Assim, caso o fiscalizado tenha agido de modo que, na forma do entendimento do Tribunal à época, não seria sancionado, o entendimento posterior não poderá condená-lo. Trata-se de consequência do princípio da proibição do venire contra factum próprio.
É evidente que os entendimentos dos Tribunais de Contas não são imutáveis ou irrevogáveis. Não obstante isto, não pode o jurisdicionado ser sancionado por conduta que, à época de sua prática, à luz do entendimento dos Tribunais, não seria reprovável. Neste caso, o Tribunal pode entender a conduta como irregular, mas deve relevá-la e realizar recomendação. Apenas para condutas posteriores à mudança de entendimento caberiam sanções, como as de multa. Isto serviria como regra de transição, com o fim de proteger a confiança do fiscalizado nas normas proferidas pelo Tribunal (isto é, suas decisões).
Feitas essas considerações, a prática dos Tribunais de Contas deve ser revista à luz do princípio da proteção da confiança, consagrado no novo Código de Processo, para que os julgadores atentem para a necessidade de relevar atos praticados em conformidade com a jurisprudência da Corte na época de sua realização.
Notas
[1] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2015, pp. 127-128.
[2] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 18ª Ed. Salvador: JusPodium, 2016, p. 138 e ss.
[3] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 18ª Ed. Salvador: JusPodium, 2016, p. 142.
[4] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 18ª Ed. Salvador: JusPodium, 2016, p. 144.
[5] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. 1. 18ª Ed. Salvador: JusPodium, 2016, p. 143.