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Contratos de compra e venda de imóvel “ad corpus” e “ad mensuram”

Agenda 14/10/2016 às 23:29

Examinaremos a diferença entre a compra e venda de imóvel na forma "ad corpus" e "ad mensuram", e suas respectivas consequências.

Cabe-nos fazer algumas observações acerca dos contratos de compra e venda de imóveis, tendo em vista que há diferença entre contrato de compra e venda “ad corpus” e “ad mensuram”.

No contrato de compra e venda “ad corpus” as medidas do imóvel têm importância secundária. Assim, as partes negociam o imóvel como corpo certo e determinado, perfeitamente individuado pelas suas confrontações, contornos e divisórias, sendo as referências de medidas meramente enunciativas. O preço do imóvel é global e as referências à área não condiciona o preço. 

Por exemplo: um aluno que, por questão de comodidade, resolve comprar um apartamento com, pelo menos, um quarto, sala, cozinha, banheiro e lavanderia, próximo da PUC-SP porque estuda nessa Universidade. 
Esse aluno o que importa é a proximidade entre o imóvel e a faculdade, porque, por exemplo, ele poderá dormir até alguns minutos antes da sua aula do período matutino iniciar.

 A medida exata do imóvel não tem relevância mínima, não sendo ela o que vai determinar preço que o aluno vai pagar pelo imóvel, mas, sim, as comodidades que o imóvel oferece.

Por outro lado, nos contratos “ad mensuram”, o preço do imóvel é estipulado pelo valor individual de cada unidade de medida multiplicado pelo número de vezes que essa unidade de medida cabe no todo. Assim, por exemplo, se um determinado imóvel é negociado pelo valor de R$ 10.000,00 o metro quadrado e sua extensão total é de 100m2, o valor total do imóvel será de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), isso porque o valor final do imóvel será o preço somado de cada metro quadrado que ele possui. 

As consequências jurídicas em caso de discrepância entre a medida da área do imóvel e aquela que consta no contrato variam de acordo com a modalidade (“ad corpus” ou “ad mensuram”) escolhida pelos contratantes.
No Código Civil de 2002, em seu artigo 500, caput, e parágrafos 1º e 2º, são reguladas a compra e venda “ad mensuram”, in verbis:

Art. 500. “Se, na venda de um imóvel, se estipular o preço por medida de extensão, ou se determinar a respectiva área, e esta não corresponder, em qualquer dos casos, às dimensões dadas, o comprador terá o direito de exigir o complemento da área, e, não sendo isso possível, o de reclamar a resolução do contrato ou abatimento proporcional ao preço.

§ 1° Presume-se que a referência às dimensões foi simplesmente enunciativa, quando a diferença encontrada não exceder de um vigésimo da área total enunciada, ressalvado ao comprador o direito de provar que, em tais circunstâncias, não teria realizado o negócio.

§ 2° Se em vez de falta houver excesso, e o vendedor provar que tinha motivos para ignorar a medida exata da área vendida, caberá ao comprador, à sua escolha, completar o valor correspondente ao preço ou devolver o excesso.”

Desse modo, a Lei dá ao comprador o direito de exigir do vendedor que complete a área faltante e, caso isso não seja possível, o adquirente terá a faculdade de pedir a resolução do negócio ou o abatimento proporcional do preço (art. 500, “caput”, CC). 

Na compra e venda “ad mensuram” a Lei considera como mera enunciação as variações que não ultrapassem um vigésimo (5%) da área total, não podendo o adquirente exercer os direitos enunciados no caput do artigo supracitado, exceto se ele comprovar que não fecharia o negócio se tais medidas não fossem exatas (art. 500, § 1º, CC). 

Por outro lado, se, em vez de faltar, houver excesso, o vendedor, provando que tinha motivos justificáveis para ignorar a medida exata, terá o direito de receber a diferença do preço ou devolução do excesso do imóvel, porém, essa escolha é feita pelo adquirente (artigo 500, §2º, CC.). 

Entendo estar presente implicitamente no § 2º do artigo 500 do Código Civil o princípio da boa-fé objetiva, porque o vendedor agindo de má-fé, não fará jus ao recebimento do valor proporcional ao excesso, nem a devolução do excesso, devendo, portanto, provar que agiu de boa-fé.  

Já o parágrafo 3º do mesmo artigo regula a compra e venda “ad corpus”, assim vejamos: 
§ 3° “Não haverá complemento de área, nem devolução de excesso, se o imóvel for vendido como coisa certa e discriminada, tendo sido apenas enunciativa a referência às suas dimensões, ainda que não conste, de modo expresso, ter sido a venda ad corpus.”

Desse modo, caso seja a venda “ad corpus” e a área do imóvel não corresponda à área mencionada no contrato, o adquirente não poderá exigir do vendedor o complemento da área ou, subsidiariamente, a resolução ou devolução do valor, uma vez que, conforme discorremos, no contrato de compra e venda “ad corpus” a menção de área é meramente enunciativa.

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Assim, caso se verifique que há divergência entre a metragem anunciada pelo vendedor as medidas exatas do imóvel recém-adquirido, para encontrar a solução mais adequada faz-se necessário verificar as cláusulas do contrato para descobrir qual é a natureza jurídica da compra e venda, se foi “ad corpus” ou “ad mensuram”. 

Assim, por exemplo, se “A” vendeu a “B” um apartamento, cuja escritura registrava 100 m2 de área construída e 130m2 de área total. No entanto, quando “A” procedeu a medição, verificou que havia apenas 97m2 de área construída e 105m2 de área total (na área total estão incluídas as áreas comuns do condomínio). Esse contrato pode ser rescindido considerando a variação da área, desconhecida por “A”?

Nesse caso, tomemos como hipótese que o contrato celebrado entre sujeito “A” e sujeito “B” tenha sido de compra e venda “ad mensuram”. 

Assim, temos que embora o caput do artigo 500 do Código Civil prevê que para essa modalidade, caso se verifique que a área do imóvel seja menor do que a negociada, o adquirente pode exigir o complemento da área e não sendo isso possível, poderá exigir o abatimento proporcional do preço ou a resolução do contrato.

Contudo, no caso ora em análise, vemos que a diferença da medida que consta como área construída e a área real construída não ultrapassa 5%. Assim, a situação se amolda a exceção prevista no parágrafo 1º do artigo 500, do Código Civil.

Portanto, no caso hipoteticamente apresentado, o contrato celebrado entre “A” e “B” não pode ser rescindido pela alegação de que a área não corresponde àquela que consta na escritura, nem tão pouco exigir o abatimento do preço. 
O legislador considerou que as diferenças de medidas que não ultrapassem 5% devem ser consideradas meramente enunciativas. 

Por outro lado, caso as partes tenham realizado o contrato de compra e venda “ad mensuram” baseando-se, além das medidas de área construída, também nas de área total (incluindo a área comum do condomínio), entendemos que a diferença apresentada entre a área total mencionada na escritura (130m2) e a área total real (105m2) ultrapassa limite de tolerância mencionado no artigo 500, § 1º do Código Civil e, nesse caso, o adquirente terá direito ao abatimento do preço ou a rescisão do contrato.

Tomando como hipótese que o contrato celebrado entre “A” e “B” tenha sido de compra e venda “ad corpus”, menos razão terá para rescindir o contrato alegando que a área não corresponde àquela constante na escritura, uma vez que, conforme já explicamos, nessa modalidade as medidas são meramente enunciativas, conforme a regra do parágrafo 3º do artigo 500 do Código Civil. 

Nesse sentido, a jurisprudência é cediça, vejamos: 

“EMENTA: COMPRA E VENDA E RESTITUIÇÃO DE QUANTIA — PRETENDIDA A RESTITUIÇÃO DE PARTE DO PREÇO PAGO — DIFERENÇA ENCONTRADA NA REFERÊNCIA ENUNCIATIVA — CARACTERIZAÇÃO DE VENDA AD CORPUS — COISA CERTA E DISCRIMINADA - MENÇÃO DA DIMENSÃO DO IMÓVEL – IRRELEVÂNCIA IMPROCEDÊNC1A DA AÇÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.” "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U." (APELAÇÃO N 2 3 0 8 . 1 57 4 / 6 - 0 0 - V O TO 14364 – Relator A.C. Mathias Cardoso – TJSP – Quinta Câmara de Direito Privado do TJSP). 

“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA - Pedido dos adquirentes de abatimento do preço acordado sob alegação de que o imóvel tem área menor do que a adquirida - Não acolhimento - Contrato com cláusula expressa prevendo a venda "ad corpus" - Negócio não vinculado às medidas do imóvel - Incidência do § 3o do art. 500 do CC – Vício redibitório não caracterizado - Necessidade, para tanto, que o defeito torne o bem imprestável ou prejudique a sua utilização – Circunstâncias não verificadas — Recurso desprovido. (APEL.N0: 994.08.138495-0 – Relator – Rui Cascaldi – 1ª Câmara de Direito Privado – TJSP).

Portanto, no caso apresentado, a rescisão contrato só ocorrerá se “A” e “B” celebrarem contrato de compra e venda “ad mensuram” baseando-se na área total (na área total estão incluídas as áreas comuns do condomínio). 
Porém, se tal contrato tenha por base apenas as medidas de área construída, nesse caso, independentemente de a compra e venda ter sido “ad corpus” ou “ad mensuram”, o contrato não deverá ser rescindido porque, no primeiro caso (ad corpus) as medidas não têm relevância, são meramente enunciativas;  se o contrato foi o segundo (ad mensuram), a diferença foi menor que 5%, ou seja, dentro do limite de tolerância (art. 500, § 1º do Código Civil).

Sobre o autor
Edson Nogueira de Oliveira

Graduado em Direito Pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Durante a graduação estagiou na Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, da Justiça Federal e na Defensoria Pública.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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