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Principais aspectos da teoria da imputação objetiva

Agenda 15/10/2016 às 18:56

O presente artigo faz uma breve análise sobre a teoria da imputação objetiva no Direito Penal.

Conforme a seguir demonstrado, a teoria da imputação objetiva tem sua origem em Larenz e Honig. Os autores partiram da premissa de que a teoria da equivalência dos antecedentes era demasiadamente rigorosa no estabelecimento do nexo causal por se preocupar apenas com a mera relação física de causa e efeito entre a conduta e o resultado por ela provocado: a conditio sine qua non acabava por levar ao regresso ao infinito, de modo a responsabilizar injustamente indivíduos que, de qualquer modo, colaboraram para o acontecimento do fato. Só não levava à responsabilização penal de todos em face da exclusão do dolo e da culpa, os quais seriam imprescindíveis para a infração penal.

Sendo assim, os avós de uma pessoa que comete homicídio, por exemplo, só não seriam responsabilizados por tal crime devido à falta de imputação subjetiva, ou seja, devido à ausência de dolo e culpa. Relação causal, no entanto, existe, à medida que se não fossem os avós, o criminoso não existiria, e não teria cometido o delito. Em outras palavras, os avós concorreram objetivamente para o homicídio cometido por seu neto.

A doutrina passou a perceber que era perigoso depender exclusivamente da inexistência de dolo ou culpa para considerar ou não alguém autor de um fato típico. Isso porque, na Alemanha, antes da reforma penal de 1953, o agente respondia objetivamente pelo delito, ou seja, ainda que não o tivesse causado dolosa ou culposamente.

O dogma da causalidade precisava ser revisto. Por ser injusta a vinculação objetiva do resultado ao agente, nasce a ideia de limitar o nexo causal, conferindo-lhe um conteúdo jurídico, e não mais meramente naturalístico. Isso reduziria o âmbito de abrangência da equivalência dos antecedentes.

Aplicando-se a teoria da imputação objetiva, antes e independentemente da análise da presença de dolo ou culpa, deve-se analisar se o agente deu causa, objetivamente, ao resultado. Se não houver dado causa, torna-se irrelevante a análise do dolo ou culpa. Em outras palavras, a preocupação da teoria da imputação objetiva, a princípio, não é saber se o agente atuou efetivamente com dolo ou culpa (elementos subjetivos do tipo) no caso concreto. O problema se coloca antes dessa aferição: verifica-se se o resultado previsto na parte objetiva do tipo pode ou não ser imputado ao agente.

A teoria aqui estudada sustenta que não é suficiente proceder à eliminação hipotética para atribuir determinado resultado a alguém (o resultado naturalístico não deve ser atribuído objetivamente à conduta do autor apenas em virtude de uma relação física de causa e efeito). Surge, então, para limitar seu alcance: deixa-se de lado uma relação de causalidade puramente material, para se valorar outra, de natureza jurídica, normativa.

Rogério Greco (pág. 264), explica: “Para esta (teoria da imputação objetiva), a causalidade somente é a condição mínima; a ela deve agregar-se a relevância jurídica da relação causal entre o sujeito atuante e o resultado. Portanto, a investigação da causalidade tem lugar em duas etapas, estruturadas uma sobre a outra, enquanto em primeiro lugar deve ser examinada a causalidade (empírica) do resultado e se afirmada que ela seja, a imputação (normativa) do resultado”. Dessa forma, na sua fase inicial, a imputação objetiva criou as seguintes exigências para a existência do fato (CAPEZ, pág. 179):

a) Nexo físico, naturalístico, entre a conduta e o resultado (único requisito para a conditio sine qua non);

b) A conduta deve ser socialmente inadequada, não padronizada, proibida e, por conseguinte, criar um risco proibido para a ocorrência do resultado:

Só haverá imputação do fato ao autor da conduta se essa conduta for criadora de um risco juridicamente proibido ou se o agente, com seu comportamento, tiver aumentado a situação de risco proibido, de modo a gerar o resultado.

Em contrapartida, se a conduta do agente, apesar de contribuir materialmente para a ocorrência do resultado, apenas ocasionou uma situação de risco tolerável ou permitido, esse resultado não lhe poderá ser imputado.

Nas palavras de Fernando Capez, “antes, portanto, de se estabelecer até onde vai a imputação penal pelo resultado, é necessário extrair da sociedade quais são os seus anseios, sendo imprescindível estabelecer o papel social que cada um representa, firmando-se, a partir daí, as responsabilidades individuais. Aquele que concorre para uma lesão, mas apenas cumprindo, rigorosamente, o papel social que dele se espera, não pode ser incluído na relação causal para fins de aplicação do direito penal” (pág. 179).

Conforme a conclusão de Günther Jakobs, pode-se afirmar que, utilizada a teoria da imputação objetiva, considera-se penalmente relevantes apenas as condutas que se desviam do papel social que se espera de determinado agente. Deste modo, se o risco decorre de uma conduta socialmente adequada, permitida e tolerada pelo ordenamento jurídico, o dano dele decorrente não pode ser atribuído ao seu autor.

c) O resultado deve estar dentro do âmbito de risco provocado pela conduta:

Ocorre a imputação de um fato ao seu causador se, além de ser socialmente inadequada e provocar risco proibido a conduta por ele praticada, o resulto estiver inserido no âmbito de proteção da norma.

Exemplo doutrinário:

“Uma namorada ciumenta que surpreende seu amado em colóquio com outra pessoa. Dominada pelo egoístico sentimento de posse, traduzido pelo ciúme, efetua diversos disparos com animus necandi em direção ao fujão, vindo a acertá-lo na região glútea. Certa de tê-lo matado, se evade. A vítima é levada ao nosocômio mais próximo, mas contrai infecção hospitalar e morre. Existe nexo causal físico, pois, se não fossem os tiros, o namorado não entraria no hospital, não contrairia infecção e não morreria. O risco criado foi proibido, pois não é uma conduta socialmente padronizada atirar nos outros. Entretanto, a morte não é um desdobramento causal normal para quem recebe um tiro no pé, situando-se, assim, fora do âmbito de risco provocado pela conduta. Pela imputação objetiva, a agressiva moça responderá por tentativa de homicídio, rompendo-se o nexo causal.

Assim, não haverá imputação do resultado naturalístico quando este não estiver dentro da linha de desdobramento normal, previsível da conduta, ou seja, quando refugir ao domínio causal do agente.” (CAPEZ, PAG. 182)

Fernando Capez considera que a imputação objetiva se restringe aos crimes materiais e comissivos, uma vez que foi criada para aumentar as exigências no estabelecimento do nexo causal.

Admite, porém, a existência de uma corrente mais ampliativa, que considera ser a imputação objetiva uma exigência relacionada ao enquadramento típico, e não um problema ligado ao nexo causal. Nesse caso, seria aplicável a qualquer tipo de conduta (comissiva, omissiva, formal, material ou de mera conduta).

Damásio de Jesus, em sua doutrina, salienta que a expressão “imputação objetiva” não se relaciona com presunção de dolo e culpa, mas sim com o nexo normativo entre a conduta do agente e o resultado jurídico. Difere também da “imputabilidade penal”, a qual afere se o indivíduo, no momento da conduta, tinha capacidade de entender a situação e agir de acordo com esse entendimento.

O autor trata também do âmbito de aplicação dessa teoria. Consagra a existência de dois posicionamentos:

{C}a)       Teoria restritiva: A teoria da imputação objetiva só seria aplicável aos crimes materiais;

{C}b)      Teoria extensiva: Os princípios da teoria da imputação objetiva são aplicáveis a qualquer tipo de crime, sejam eles materiais ou não. Essa corrente é adotada pela doutrina majoritária.

Damásio ainda sustenta que, aplicada a teoria da imputação objetiva, os tipos penais incriminadores passam a conter um elemento normativo, além da conduta, do resultado, do nexo causal e da tipicidade (conforme entende a doutrina tradicional), que seria a imputação objetiva. Sem que ela exista, a conduta ou o resultado são atípicos.

Nos delitos sem resultado (formais e de mera conduta), a existência do fato típico fica condicionada à imputação objetiva da conduta criadora de risco juridicamente reprovado e relevante a interesses jurídicos.

 

1.       Origens da teoria da imputação objetiva

Pode-se dizer que a teoria da imputação objetiva, nos moldes em que é encontrada atualmente, surge na Alemanha, em 1927, com o civilista Karl Larenz, em sua tese de doutorado intitulada “A teoria da imputação em Hegel e o conceito da imputação objetiva”. Nesta obra, o autor estabelece pressupostos jurídicos para determinar os resultados que podem ser atribuídos a um agente e os que são considerados obras do acaso.

Convém observar que o autor buscou na filosofia de Hegel os fundamentos elementares para uma teria da imputação. Para a teoria da imputação desenvolvida pelo filósofo, a qual serviu de inspiração e alicerce para o desenvolvimento posterior da teoria da imputação objetiva, deveria haver preocupação dos teóricos em encontrar critérios limitadores da atribuição do injusto a possível agente causador. Só poderá ser imputado ao sujeito o resultado se por ele se responsabilizou a vontade do agente.

Em 1930, ao elaborar o artigo “Causalidade e imputação objetiva”, Richard Honig direcionou a teoria da imputação para a esfera penal, valendo-se das desavenças existentes entre os adeptos das teorias da equivalência dos antecedentes e da causalidade adequada, bem como de suas imperfeições, em busca de uma melhor maneira de se atribuir um resultado a alguém. Para o autor, o mais importante não era estabelecer o nexo de causalidade, mas estabelecer critérios que possibilitassem imputar ou não determinado resultado a um indivíduo.

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Dessa forma, Honig promove seu estudo em um contexto de crise enfrentada pelo dogma causal, afirmando que não pode ser suficiente ao Direito considerar apenas o nexo causal material entre um comportamento e um resultado. Segundo sua ótica, o juízo de imputação objetiva visa resolver a questão axiológica quanto à relevância do nexo causal para a ordem jurídica.

Larenz e Honig partiram da premissa de que a teoria da equivalência dos antecedentes era demasiadamente rigorosa no estabelecimento no nexo causal por se preocupar apenas com a mera relação física de causa e efeito, sendo que a conditio sine qua non acabava por levar ao regresso ao infinito, de modo a responsabilizar injustamente indivíduos que, de qualquer modo, colaboraram para o acontecimento do fato. Só não levava à responsabilização de todos em face da exclusão do dolo e da culpa, os quais seriam imprescindíveis para a infração penal.

Mais tarde, em 1970, Claus Roxin determina-se a escrever sobre o assunto, tendo por base o trabalho de Honig. Desenvolve, então, diversos critérios de imputação objetiva, a serem aplicados em substituição às teorias causalistas.

Atualmente, a teoria da imputação objetiva, que procede em essência dos estudos de Larenz e Honig, tem como maiores representantes Roxin e Günther Jakobs.

 2.       A Concepção de Claus Roxin

 

Sustenta Roxin que só é imputável aquele resultado que pode ser finalmente previsto e dirigido pela vontade do agente.

Equipara-se a possibilidade de domínio através da vontade humana à criação de um risco juridicamente relevante de lesão típica de um bem jurídico. Esse aspecto é independente e anterior à aferição do dolo ou da culpa.

O autor, fundamentando-se no princípio do risco, cria uma teoria geral da imputação para os crimes de resultado, com critérios acerca da aplicação da imputação objetiva (independente de dolo ou culpa) de um resultado a um agente:

1) Diminuição do risco: Se um indivíduo agente com o objetivo de diminuir o risco em relação ao bem jurídico protegido em determinada situação, o resultado não deve ser a ele imputado.

Exemplo: “ ‘A’ assiste uma pedra dirigir-se ao corpo de ‘B’. Não pode evitar que esta o alcance, mas pode sim desviá-la de tal modo que o golpe se torne menos perigoso. Nesse caso, existe uma diminuição do risco para o bem jurídico protegido. De consequência, não se pode falar em uma ação típica”. (PRADO, PAG. 332)

Nesse caso, a atitude de A claramente não teve como intuito lesionar a integridade corporal de B, mas apenas protegê-lo de uma lesão maior, que aconteceria se a pedra o atingisse. Sendo assim, mesmo que sua conduta tenha gerado um resultado naturalístico, qual seja, a lesão da integridade corporal de B, essa conduta típica, em teoria, não pode lhe ser imputada. Isso porque a conduta reduziu a probabilidade de um dano maior à integridade física de B.

2) Criação ou não criação de um risco juridicamente relevante

No caso de um sobrinho “A”, herdeiro de “B”, o enviar em uma viagem de avião com a esperança de que “B” morra, por exemplo, se a morte vier a acontecer de fato, esse resultado não pode ser imputado a “A”, visto que não houve a criação de um risco juridicamente relevante. O risco envolvido na situação é o risco normal presente em qualquer viagem de avião. Consequentemente, não há que se falar na existência de homicídio doloso ou culposo.

Dessa forma, se a conduta do agente é incapaz de criar um risco juridicamente relevante, ou seja, se o resultado pretendido não depender exclusivamente de sua vontade, tal resultado deverá ser atribuído ao acaso, se vier a se concretizar. Isso acontece por não haver domínio do resultado através da vontade humana.

No exemplo dado, é evidente que, mesmo desejando que acontecesse um acidente com o avião, “A” não tem o controle sobre essa situação, a qual independe de sua vontade. Uma vez ocorrido o pretendido acidente, ele deve ser atribuído ao acaso, e não imputado a “A”.

3) Aumento do risco permitido

Se a conduta do agente não houver, de alguma forma, aumentado o risco de ocorrência de um resultado, este não lhe poderá ser imputado.

Exemplo: “ ‘A’, industrial, infringindo o dever de cuidado, entrega a seus trabalhadores matéria prima não desinfetada para manejo, o que provoca a morte de quatro deles. Ao depois, constata-se que tampouco a desinfecção aconselhada teria eliminado a possibilidade de as mortes virem a ocorrer”. (PRADO, PAG. 334)

A morte dos trabalhadores não poderá ser imputada ao industrial, dado que sua conduta negligente não incrementou o risco da ocorrência desse resultado. Ou seja, mesmo que tivesse observado o dever de cuidado que lhe competia, ainda haveria o risco de morte dos trabalhadores.

4) Âmbito de proteção da norma

A esfera de proteção da norma só abrange os danos diretos decorrentes da conduta. Caso o dano seja indireto, não há como imputar o resultado ao autor da conduta. De acordo com Luiz Regis Prado, esse critério seria responsável por afastar a imputação:

- Nos casos em que, embora criado o perigo, este não é concretizado no resultado, sendo ele consequência de outras fontes produtoras de perigo (exemplo: um sujeito é atingido de raspão por um disparo doloso de outro e, ao ser levado para o hospital, a ambulância em que se encontra colide com outro veículo, provocando sua morte);

- Em que o resultado é reflexo do risco produzido, mas não se encontra entre aqueles que a norma procura evitar (exemplo: “A” injeta novocaína em “B”, que morre de infarto);

- Nos casos de desvio do curso natural;

- Na problemática das consequências secundárias:

Exemplo: Um indivíduo “A” atropela negligentemente alguém e lhe causa a morte. A mãe da vítima, ao receber a notícia, sofre um ataque nervoso. Esse ataque pode ser imputado a “A”?

De acordo com Roxin, “o que verdadeiramente importa para a solução do caso é perceber se há que limitar o fim protetor dos próprios preceitos que impeçam as consequências diretamente lesivas de bens jurídicos ou se pretendemos alargá-lo de modo a evitar danos secundários desencadeados por aquelas [...] Para o direito penal, parece-me político-criminalmente correta a limitação da esfera de proteção da norma aos danos diretos”. (ROXIN, Claus. Problemas fundamentais de direito penal, p. 156).

5) Compreensão do resultado no âmbito de proteção da norma: Engloba dois critérios:

- Princípio da autonomia da vítima: Aqui, cita-se como exemplo a pessoa que, sabendo da intenção de seu cônjuge de suicidar-se, deixa uma arma no banco de seu carro. Aproveitando-se da situação, o cônjuge retira sua própria vida. De acordo com Roxin, a norma que proíbe matar não alcança a produção do resultado morte em se tratando de suicídios.

- Atribuição do resultado a diversos âmbitos de responsabilidade: Quando alguém assume a responsabilidade de evitar o resultado, aquele que inicialmente a detinha deixa de ser responsável caso esse se produza.

Exemplo: “ ‘A’, dirigindo de forma imprudente, ocasiona um acidente. ‘B’, ferido nessa oportunidade, é levado a um hospital e morre em razão de uma intervenção cirúrgica realizada com imperícia pelo médico ‘C’. Ao ser o paciente conduzido ao hospital e atendido pelo médico, entra na esfera de responsabilidade deste último, que cria e realiza um risco para sua vida (cumpre ressaltar que na hipótese mencionada o acidente não gerou um risco para a vida do transeunte e sim a intervenção médica)”. (PRADO, 337)

6) Realização do plano do autor

Este critério estende a teoria da imputação objetiva à esfera do dolo.

Partindo-se de um exemplo de aberratio ictus em que A deseja matar B, mas a bala é desviada de modo a atingir C, filho de A que também se encontrava no local do crime: A chamada “teoria da igualdade de valor” entende haver homicídio doloso consumado. Roxin, no entanto, entende ter havido concurso formal entre homicídio doloso tentado e homicídio culposo consumado. Para ele, só é possível falar em fato doloso consumado quando o resultado tiver realizado o plano do autor.

 

3.       A concepção de Jakobs 

Para Günther Jakobs, a imputação objetiva é uma teoria do tipo objetivo, sendo que a relevância jurídico-penal de um comportamento manifesta-se unicamente a partir do tipo objetivo.

A partir da norma, projetam-se dois níveis de imputação objetiva: a imputação do comportamento e a imputação do resultado: Em primeiro lugar, qualifica-se o comportamento como típico (imputação objetiva do comportamento) e a partir daí, no âmbito dos delitos de resultado, constata-se que o resultado produzido se explica precisamente pelo comportamento objetivamente imputável.

1) A imputação de comportamentos: São propostos quatro critérios fundamentais de imputação, quais sejam, o risco permitido, que seria o estado normal de interação dos indivíduos na sociedade; o princípio da confiança, que seria uma adaptação dos riscos permitidos às circunstâncias concretas; a proibição de regresso; e a competência ou capacidade da vítima.

2) A imputação objetiva do resultado (da qual se ocupa prioritariamente a doutrina da imputação objetiva dominante): O comportamento não permitido só representará a explicação do acontecimento lesivo quando o curso causal dele derivado tiver sido produzido de forma que fosse possível evitá-lo.

De acordo com Jakobs, cada um de nós exerce determinado papel na sociedade. Entre autor, vítima e terceiros, deve-se analisar quem, por ter violado seu papel, administrando-o de modo deficiente, responde jurídico-penalmente: Se a vítima violou seu papel, deve assumir o dano por si mesma; Se todos se comportaram de acordo com seu papel, o resultado deve tratado como fatalidade ou acidente.  Esse raciocínio vale para delitos culposos e dolosos.

Critérios de imputação segundo Jakobs:

a) Risco permitido: Os riscos são inerentes à sociedade, e muitas vezes necessários para seu desenvolvimento. Sendo assim, os riscos inerentes à configuração social devem ser tolerados como riscos permitidos.

Dessa forma, mesmo se uma conduta importe a criação de um risco ou perigo de lesão a bens de terceira pessoa, se ela estiver dentro dos padrões aceitos e assimilados pela sociedade, o resultado dela advindo será atribuído ao acaso;

b) Princípio da confiança: As pessoas que convivem em uma mesma sociedade devem confiar umas nas outras, ou seja, confiar que cada uma irá cumprir seu papel social e observar seus deveres e obrigações a fim de que sejam evitados danos.

Exemplo: “Num ato cirúrgico, tido como um dos mais complexos, o médico preceptor é auxiliado por vários profissionais, podendo-se destacar dentre eles o anestesista, o instrumentista, a enfermeira, a auxiliar de enfermagem, etc. Quando está levando a efeito a incisão cirúrgica no abdome do paciente, confia que a pessoa encarregada de esterilizar o bisturi o tenha feito”. (GRECO, PAG. 270)

Esse princípio impede que seja imputado o resultado àquele que agiu confiando que os outros iriam manter-se dentro dos limites do perigo permitido, ou seja, que iriam agir conforme seu papel social. No caso do médico, se o paciente contraísse uma infecção decorrente da não esterilização do instrumento, o resultado morte não lhe poderia ser imputado, visto que promoveu a intervenção cirúrgica contando que o responsável por essa esterilização teria agido de acordo com o que dele se espera socialmente.

c) Proibição de regresso: Se cada pessoa se limitar a atuar de acordo com o papel a que foram incumbidas, os resultados decorrentes dessas ações não poderão lhes causar imputação, tampouco se essas condutas contribuírem para o cometimento de alguma infração penal.

Tem-se como exemplo o caso do padeiro que vende o pão a um indivíduo que pretende, por meio deste pão, envenenar outro.

De acordo com o método de eliminação hipotética, o padeiro só não seria responsabilizado se fosse comprovada a ausência do elemento subjetivo, encerrando-se, nele, a cadeia causal de modo a evitar o regresso ao infinito.

No entanto, segundo Jakobs, mesmo se o padeiro soubesse da finalidade ilícita para a qual o ‘’pão foi comprado, este não poderia ser responsabilizado uma vez que a atividade de vender pães, independentemente de sua futura utilização, consiste no seu papel como padeiro.

d) Competência (capacidade) da vítima: Aqui, Jakobs agrupa duas situações:

- Consentimento do ofendido: O fato de a vítima ter, por sua própria vontade, se colocado em uma situação de risco afasta a responsabilidade do agente produtor do resultado;

- Ação a próprio risco: A vítima, ao lesionar o dever de autoproteção ou devido à própria vontade, contribui ou facilita que a consequência lesiva lhe seja imputada.

 4.       Relevância; Compatibilidade com o finalismo bipartido (coexistem?); É necessariamente aplicável? 

Relevância:

A teoria da imputação objetiva surge com a finalidade corrigir as injustiças provocadas pela teoria da equivalência dos antecedentes (ou conditio sine qua non). Tem o objetivo de aprimorar os conceitos relativos à relação de causalidade.

Primeiramente, cumpre explicá-la:

De acordo com essa teoria, que é analisada no elemento “nexo causal” do fato típico (elemento do crime, o qual é, pelo menos, um fato típico e ilícito), considera-se causa do delito a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Para viabilizar essa tarefa de determinar as causas, a teoria utiliza-se do método de eliminação hipotética. Esse método consiste em eliminar hipoteticamente um fato e verificar se, com sua ausência, o resultado ainda sim teria ocorrido. Se o resultado deixasse de ocorrer com essa eliminação, seria o fato considerado uma causa.

A teoria da equivalência dos antecedentes, no entanto, apresenta um problema: o regresso ao infinito. Sendo assim, um agente deixaria de ser responsabilizado por um resultado do qual de alguma forma participou para a sua ocorrência se estivessem ausentes os elementos subjetivos do tipo (dolo ou culpa).

Visando corrigir esses equívocos, foi proposta a teoria da imputação objetiva. Foram criados critérios para determinar a imputação ou não de um resultado a certo indivíduo.

Para Roxin, o resultado pode ser atribuído à conduta que criou um perigo para o bem jurídico protegido, sendo que esse risco não é contemplado ou permitido pela ordem jurídica (criação de risco relevante e proibido ao bem jurídico). Para Jakobs, esse risco surge quando o agente não age de acordo com seu papel social.

Exemplo para diferenciar as duas teorias:

“A” dispara um tiro contra “B”, matando-o. Pela teoria da equivalência dos antecedentes, “A” é responsável pela morte de “B”, pois se não tivesse atirado contra este não o teria matado. O fabricante da arma seria, do mesmo modo, responsável pelo resultado, pois se não tivesse fabricado a arma, “B” não teria morrido. A responsabilidade do fabricante só é excluída pelo fato de sua conduta ser desprovida de dolo ou culpa. Ou seja, é necessária a incidência do elemento subjetivo (dolo e culpa) para aferir a responsabilidade pelo ato.

Segundo a ótica da imputação objetiva, “A”, ao disparar o tiro contra “B”, criou um risco relevante e proibido à vida deste, sendo sua conduta considerada causa do resultado. O fabricante de armas, por sua vez, não criou risco relevante ou proibido à vida de Pedro pelo simples fato de confeccionar a arma. Assim, sua conduta não é causa do resultado. Aqui, a conclusão pela inexistência de crime independe da análise do dolo ou da culpa do fabricante da arma, sendo analisados apenas elementos objetivos.

A teoria da imputação objetiva não exclui a análise do elemento subjetivo, visto que diz respeito a apenas um dos elementos do fato típico, que seria o nexo de causalidade. De acordo com o finalismo bipartido, o dolo e a culpa seriam analisados no elemento “conduta”.

A teoria da imputação objetiva, portanto, cria uma nova maneira de analisar a existência de um nexo causal. Não é, porém, necessariamente aplicável. O Código Penal brasileiro, por exemplo, adota a teoria da equivalência dos antecedentes, expressa em seu artigo 13 (“considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”).

Imputação objetiva e finalismo bipartido: coexistem?

Nosso código penal adota o finalismo bipartido. Poderia ele coexistir com a teoria da imputação objetiva?

De acordo com o finalismo bipartido, o crime é um fato típico e ilícito, sendo a culpabilidade apenas um pressuposto para aplicação de pena, e não um elemento do crime. Para a corrente finalista, o dolo e a culpa serão analisados no fato típico, ao contrário da teoria causal-naturalista, em que esses elementos integram a análise da culpabilidade.

São elementos do fato típico a conduta; o resultado; o nexo causal; e a tipicidade.

O dolo e a culpa, para o finalismo bipartido, como visto, integram a “conduta”, visto que essa deve ser um ato humano, voluntário, exteriorizado e consciente. Sendo assim, se não houver dolo nem culpa por parte do agente que produziu um resultado, não há conduta e, consequentemente, não há fato típico, nem crime.

Nosso ordenamento jurídico considera que o nexo causal é o elo que liga a conduta ao resultado. Excluído o nexo causal, não há fato típico, e não há crime. O método para estabelecer o nexo causal é a teoria da equivalência dos antecedentes, sendo que o regresso ao infinito é limitado pela possibilidade de responsabilização por dolo ou culpa do autor do comportamento logicamente relevante.

A imputação objetiva não é incompatível com o finalismo, pois apenas introduz elementos sobre a análise do nexo causal que não estão presentes na teoria finalista. Podem, ambos, coexistir. Essa análise da imputação objetiva referente ao nexo de causalidade é feita anteriormente à aferição da existência de dolo ou culpa, mas não os exclui.

Exemplo: Lesões praticadas por dois lutadores:

Para a teoria finalista, a conduta dos lutadores seria acobertada por excludente de ilicitude (exercício regular de um direito), ao passo que a imputação objetiva trata a questão como excludente da tipicidade, pois não há nexo causal se a situação em que se encontram os lutadores revela a criação de um risco permitido.

5.       Jurisprudência

 

1) STJ  - REsp 822.517/DF

CRIMINAL. RESP. DELITO DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE PENAL. DELITO CULPOSO. RISCO PERMITIDO. NÃO OCORRÊNCIA. IMPUTABILIDADE OBJETIVA. MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. SÚMULA 07/STJ. INCIDÊNCIA. PENA PECUNIÁRIA SUBSTITUTIVA. AUSÊNCIA DE CORRESPONDÊNCIA COM A PENA SUBSTITUÍDA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. I. De acordo com a Teoria Geral da Imputação Objetiva o resultado não pode ser imputado ao agente quando decorrer da prática de um risco permitido ou de uma ação que visa a diminuir um risco não permitido; o risco permitido não realize o resultado concreto; e o resultado se encontre fora da esfera de proteção da norma. II. O risco permitido deve ser verificado dentro das regras do ordenamento social, para o qual existe uma carga de tolerância genérica. É o risco inerente ao convívio social e, portanto, tolerável. (...). V. O fato de transitar às 3 horas da madrugada e em via deserta não pode servir de justificativa à atuação do agente em desconformidade com a legislação de trânsito. Isto não é risco permitido, mas atuação proibida. (...). IX. Recurso parcialmente conhecido e desprovido. (REsp 822.517/DF, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12/06/2007, DJ 29/06/2007, p. 697).

2) TJ-PR - Apelação Crime ACR 6837609 PR 0683760-9 (TJ-PR) Data de publicação: 21/10/2010

APELAÇÃO CRIMINAL. ACUSADA QUE DEIXOU DE LANÇAR, EM LIVROS PRÓPRIOS, NOTAS FISCAIS DE ENTRADA DE MERCADORIA. DENÚNCIA PELO CRIME-MEIO (FALSIDADE IDEOLÓGICA). SENTENÇA ABSOLUTÓRIA POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS DA EXISTÊNCIA DOS CRIMES. DECISÃO DO CONSELHO DE CONTRIBUINTES ATESTANDO A AUSÊNCIA DE QUALQUER PREJUÍZO À ORDEM TRIBUTÁRIA. CONDUTAS DIVORCIADAS DE PONTENCIALIDADE LESIVA SUFICIENTE A ENGANAR AS AUTORIDADES FAZENDÁRAIS. FÉ PÚBLICA NÃO PREJUDICADA. CONDUTAS MATERIALMENTE ATÍPICAS PORQUE INÁBEIS A CRIAR OU INCREMENTAR RISCO JURIDICAMENTE RELEVANTE E PROTEGIDO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA A BEM JURÍDICO PROTEGIDO QUE IMPEDE SE DENUNCIE PELO CRIME-MEIO. ABSOLUTA INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE. SENTENÇA DE ABSOLVIÇÃO MANTIDA, PORÉM, COM FUNDAMENTAÇÃO DIVERSA. 1) Pelo conceito constitucional do tipo penal, a subsunção do comportamento exige, além das dimensões formais, subjetiva e normativa, a imputação objetiva, ou seja, a criação ou incremento de risco juridicamente protegido e socialmente relevante caracterizada pelo efetivo prejuízo ao bem jurídico tutelado. 2) A falsidade ideológica, divorciada de um mínimo de potencialidade ofensiva, e, por isso, inábil a enganar as autoridades fazendárias, não se mostra materialmente típica porque incapaz de prejudicar efetivamente a fé pública, carecendo, portanto, de imputação objetiva.

3) STJ - HABEAS CORPUS: HC 46525 MT 2005/0127885-1

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Afirmar na denúncia que "a vítima foi jogada dentro da piscina por seus colegas, assim como tantos outros que estavam presentes, ocasionando seu óbito" não atende satisfatoriamente aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, uma vez que, segundo o referido dispositivo legal, "A denúncia ou queixa conterá a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime e, quando necessário, o rol das testemunhas".

2. Mesmo que se admita certo abrandamento no tocante ao rigor da individualização das condutas, quando se trata de delito de autoria coletiva, não existe respaldo jurisprudencial para uma acusação genérica, que impeça o exercício da ampla defesa, por não demonstrar qual a conduta tida por delituosa, considerando que nenhum dos membros da referida comissão foi apontado na peça acusatória como sendo pessoa que jogou a vítima na piscina.

3. Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal.

4. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa.

5. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.

6. Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal.

 7.       Bibliografia

 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. Volume 1. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 5ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

DE JESUS, Damásio. Direito Penal – Parte Geral. Volume 1. 28ª ed. Saraiva, 2005.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. Volume 1. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

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