A problemática criada em torno do grande número de ações civis públicas ajuizadas pelos Ministérios Públicos Estaduais que têm por objeto o pedido de redução do número de Vereadores, sob a alegação de que a sua fixação pelas Leis Orgânicas Municipais afronta o princípio da proporcionalidade estatuído na Constituição Federal, acabou por impulsionar um conflito não só entre aqueles estudiosos que resolveram se debruçar sobre o assunto, mas também no âmbito do Poder Judiciário. Após diversas decisões conflitantes em vários Estados da Federação, a questão foi bater nas portas do Supremo Tribunal Federal, onde também gerou controvérsias entre os seus Ministros, dos quais três pediram vistas.
Posteriormente, por maioria de votos, foi aprovado o voto do Relator, Ministro Maurício Corrêa, tendo prevalecido o entendimento que os municípios com população de até 47.619 habitantes, terão direito ao mínimo de nove Vereadores. A partir daí, a cada 47.619 habitantes adicionados, será acrescido um Vereador, essa operação aritmética é válida para os municípios com população de até 571.428 de habitantes, o município que atingir essa faixa terá direito a 20 Vereadores.
Seguindo a tabela, numa segunda faixa populacional que vai de 571.429 a 1.000.000, o município terá direito a 21 Vereadores, de 1.000.001 a 1.121.952 habitantes o número sobe para 33 Vereadores. A partir deste patamar, a operação se repete. Ou seja, somando-se o número de 121.951 há o acréscimo de mais um Vereador, finalizando essa faixa com o número de 1.975.609 habitantes, correspondente a 40 Vereadores.
Finalizando a tabela, o 3° intervalo vai de 1.975.610 até 4.999.999 habitantes, sendo aí fixado em 41 Vereadores. A partir do número de 5.000.000 é necessário para cada novo Vereador ser adicionado mais 119.047 habitantes, terminando com o número de 6.547.612 habitantes para 54 Vereadores, acima de 6.547.612 habitantes restou como limite máximo o número de 55 Vereadores
A matéria em debate, está disciplinada na Constituição brasileira vigente, no capítulo especial dedicado aos municípios (IV), no título Da Organização do Estado (III), onde estabelece em seu artigo 29, inciso IV, que:
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
IV - número de Vereadores proporcional à população do Município, observados os seguintes limites:
a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até um milhão de habitantes;
b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípios de mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes;
c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos Municípios de mais de cinco milhões de habitantes;
Antes de qualquer coisa, vale lembrarmos as lições de Joaquim José Gomes Canotilho, quando leciona sobre o método de interpretação clássica aplicado à Constituição: a articulação dos vários fatores hermenêuticos conduzir-nos-á a um ponto de partida para a tarefa de mediação ou captação das normas constitucionais bem como o limite a essa tarefa de interpretação, pois a função do intérprete será de desvendar o sentido do texto sem ir para além, e muito menos contra, o teor literal do preceito.
Assentadas essas noções introdutórias e já se debruçando sobre o tema, antes de adentramos na redução do número de Vereadores propriamente dita, nos deparamos com outro fato, que achamos válido tecer algumas considerações, até porque o mesmo está imbricado ao tema principal.
A questão levantada, refere-se ao fato de que algumas Constituições Estaduais, com relação ao número de Vereadores, trazem em seu texto disposições diversas daquelas insculpidas no texto magno, inclusive impondo aos municípios limites não previstos no artigo 29,IV da Constituição Federal.
A Constituição do Estado do Pará, é um exemplo típico disso, quando em seu artigo 70 ao invés dos três limites previstos no texto constitucional, resolveu o Constituinte estadual estabelecer treze limites, alíneas "a" a "n", que diferentemente da lei maior, impõe por exemplo aos municípios com população de até vinte mil habitantes, o direito de eleger apenas o mínimo, ou seja, nove Vereadores.
De quem é a competência para fixar o número de Vereadores em cada município?
Formula-se tal indagação porque temos como inegável que os municípios tiveram sua autonomia política, auto organizatória, administrativa e financeira, confirmadas pela Constituição Federal de 1988, (Art. 1°, 18 e capítulo IV do Título III, art. 29, 30 e 31 da CF).
O que fica claro, pela simples leitura do disposto no inciso IV do artigo 29, da lei maior, que o mesmo remeteu para a Lei Orgânica Municipal, além de outras, a competência para a fixação do número de Vereadores.
Logo, sem sombra de dúvida não têm as Cartas Estaduais competência para legislarem sobre o assunto de forma diferenciada à prevista no texto constitucional, mesmo que os limites ali estabelecidos estejam dentro do número constitucional de 9 a 55 Vereadores, sob pena de estar usurpando competência do município.
Nesse sentido, manifestou-se o Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento do Mandado de Segurança oriundo do Estado do Rio Grande do Sul, onde assevera que a Constituição Federal reservou à autonomia de cada município a fixação do número dos seus Vereadores, desde que contida entre o limite mínimo e o limite máximo correspondente à faixa populacional respectiva. Em lúcidas linhas leciona o Ministro: Se da própria Constituição não é possível extrair outro critério aritmético de que resultasse a predeterminação de um número certo de Vereadores para cada município, não há no sistema constitucional vigente, instância legislativa ou judiciária que a possa ocupar. (1)
É de fato a competência do Município, no dizer de Pinto Ferreira, ao comentar o inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal, a Constituição Estadual fixará tais proporções, mas a sua competência não lhe permite aumentar ou diminuir o número de Vereadores. Procedendo de modo desconforme com tal escala, o município prejudicado poderá promover ação de inconstitucionalidade. (2)
Mais adiante a questão foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal, que após ingresso de Ação Direta de Inconstitucionalidade, pela Procuradoria Geral da República, em várias decisões concedeu liminar suspendendo artigos similares das Constituições Estaduais de Goiás (3), Tocantins (4) e de Santa Catarina (5), sendo que nesta última a medida liminar 2708-5 restou prejudicada, pela perda do objeto tendo em vista que o artigo 111 da Constituição Estadual, que antes possuía sete escalas para a fixação do número de Vereadores, após a medida judicial, a Assembléia Legislativa daquele Estado, aprovou a Emenda Constitucional de n° 24, passando o artigo em epígrafe a ter a seguinte redação: " número de Vereadores proporcional à população do município, obedecido os limites da constituição", extirpando dessa forma o escalonamento antes existente.
A questão foi definitivamente sepultada, pela ultima decisão do STF, diante da interpretação do art. 29 da C.F. que revogou tacitamente os dispositivos das Constituições Estaduais que regulamentavam o assunto de forma diferenciada.
À vista de tais observações, neste primeiro ponto, concluímos que as Cartas Estaduais não possuem competência para fixar o número de Vereadores dos seus municípios, pois esta, com arrimo no artigo 29,IV da Constituição Federal, pertence ao município, através de sua lei Orgânica.
Ainda num enfoque inicial, nos deparamos com o fato de alguns municípios utilizarem instrumento normativo diverso para fixar o n° de Vereadores, em detrimento da Lei Orgânica.
Esta última questão também já foi dirimida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n° 172.004-2/210 e Acórdão n° 19.809, Resolução n° 18.846 e 18.083 ambas do Tribunal Superior Eleitoral, sendo em todas elas refutada a tese de que a fixação poderia ser feita pela Câmara de Vereadores através de Resolução ou Decreto legislativo.
Encerradas essas questões preliminares. E como segundo e principal ponto a ser destacado é o que envolve a questão da fixação do número de Vereadores proporcional à população do município na forma expressa no texto constitucional.
Sobre a questão que já se arrastava desde o dia 12 de dezembro de 1995, data da distribuição do processo ao Relator, ministro Maurício Corrêa, o processo somente foi julgado no dia vinte e quatro de março de 2004, pelo qual o pleno do Supremo Tribunal Federal, por oito votos a três, deu provimento parcial ao Recurso Extraordinário (RE 197917) interposto pelo Ministério Público de São Paulo contra o parágrafo único do artigo 6° da lei Orgânica do município de Mira Estrela. O voto do relator foi seguido pelos ministros Gilmar Mendes, Nelson Jobim, Joaquim Barbosa, Carlos Ayres de Brito, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Carlos Velloso, vencidos os ministros Sepúlveda Pertence, Marco Aurélio e Celso de Mello.
A decisão incidental só alcança o município de Mira Estrela, portanto com efeitos Ex nunc, não sendo com isso afetada a atual legislatura, determinando que a Câmara de Vereadores daquela cidade deve adotar as medidas necessárias para adequar sua composição aos parâmetros fixados pelo Supremo, na próximas eleições.
Após a publicação do acórdão, os critérios determinados pelo Supremo, foram submetidos ao Tribunal Superior Eleitoral, que por sua vez, através da Resolução n° 21.702, regulou a matéria, determinando no seu artigo 1°, que:
Art. 1° - Nas eleições municipais deste ano, a fixação do número de Vereadores a eleger observará os critérios declarados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE n° 197.917, conforme as tabelas anexas.(7)
A decisão em epígrafe vem contrariar o entendimento de vários doutrinadores, bem como, decisões em diversos Estados, inclusive orientações dadas através de Resolução do TSE (8), onde em maioria esmagadora reconhecia que somente a lei Orgânica do município, poderia fixar ou alterar o número de Vereadores, entendimento este, sustentado nos votos dos três Ministros divergentes.
A questão já resolvida pelo Supremo ao meu ver, permissa vênia, traz uma certa insegurança jurídica, principalmente no que concerne a autonomia dos municípios.
A matéria é instigante, e acredito que a sua discussão não se exauriu pela decisão do ultimo dia 24/03/2004, do STF, pois de um lado é inegável os excessos cometidos pelos legislativos municipais na fixação do quantitativo de Vereadores em suas câmaras.
De outra banda, a Constituição Federal conferiu autonomia aos municípios e, através da sua Lei orgânica, à fixação do n° dos Edis.
Daí mesmo diante da decisão da Suprema Corte, e a conseqüente regulamentação pelo Tribunal Superior Eleitoral, a qual sem dúvida nenhuma terá que ser cumprida, suscita-se se o judiciário poderia interpretar a Constituição, a ponto de estabelecer novos limites. Não estaria o STF, extrapolando o que o Constituinte consagrou no texto constitucional?
Fizemos questão de consignar as lições de Canotilho, no início deste artigo, pois ao nosso ver o judiciário ao interpretar o dispositivo constitucional, fixando limites diferentes aos estabelecidos no artigo 29, IV da Constituição Federal, foi além do teor literal do preceito.
Em uma tentativa de consolidar nosso entendimento, vale a pena pinçar alguns trechos da discussão plenária do STF, que ensejou a decisão em comento.
Perseguindo uma ordem inversa, falaremos dos votos vencidos, pois com as vênias de praxe, me parece embora minoritária, é a que mais se adequa ao espírito da constituição.
O primeiro a se opor ao entendimento da maioria, após pedido de vistas em 10.04.2003, foi o ministro Sepúlveda Pertence, que já havia se pronunciado antes, no julgamento do mandado de segurança, (3).
No voto-vista o Ministro manteve entendimento no plenário, a quando do julgamento do Recurso Extraordinário 197.917, no sentido de que não há instância legislativa ou judiciária que possa extrair critérios diferentes da Constituição Federal.
Pontifica o Ministro em seu voto que os municípios têm autonomia política para determinar o maior ou menor número de Vereadores que irão representar a população. Dessa forma, negou provimento ao R.E.
A hermenêutica do Presidente do TSE foi seguida pelo voto do Ministro Marco Aurélio que seguiu a dissidência aberta, ocasião em que observou que nenhuma Emenda Constitucional fixou o número de integrantes das Câmara de Vereadores.
Segundo o Ministro considerou que, ao estabelecer a proporcionalidade na representação municipal, a Constituição Federal (inciso IV, artigo 29) não teria sido matemática, mas específica. Conforme interpretou o ministro, a determinação seria no sentido de que "se tem como proporcional à composição da Câmara, proporcional a população do município, desde que se respeite, no âmbito da autonomia municipal, as balizas das três alíneas do inciso IV do artigo 29 da Constituição Federal". Estas estabelecem os limites mínimo e máximo de representação popular.
O Ministro destacou que o artigo 29 da Carta previu que o município será regido por Lei Orgânica e não Complementar. Ressaltou o fato de o artigo 45, parágrafo 1° da Carta Magna prever que o número de deputados federais, estaduais e distritais será estabelecido, proporcionalmente à população, por Lei Complementar, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados. "Não me consta, data vênia, que um acórdão do Supremo Tribunal Federal possa fazer às vezes de Lei Complementar" disse.
De acordo com o ministro Marco Aurélio, o Supremo só poderia declarar a inconstitucionalidade da Lei do município se a Lei Orgânica, editada no campo da autonomia municipal, tivesse desprezado os pisos e tetos no inciso IV, artigo 29 da Constituição Federal
"A fixação do número de Vereadores faz-se, desde que respeitado o piso e o máximo constitucionais, a partir de uma opção político-legislativa do próprio município, não havendo campo, a meu ver, para atuar-se, nessa mesma fixação, inserindo no cenário nacional um acórdão do Supremo Tribunal Federal com contornos e com conteúdo de verdadeira Lei Complementar. Peço vênia, portanto, para dissentir de V.Exa. Entendo a preocupação de V.Exa. numa quadra de dificuldades maiores em relação aos gastos públicos, mas, de qualquer forma, paga-se um preço por se viver em uma democracia e o preço é o respeito irrestrito, principalmente à Constituição federal". (10)
Por sua vez, o ministro Celso de Mello também vencido disse que: "Eu entendo que a definição do número de Vereadores representa matéria posta sob reserva exclusiva dos municípios, desde que observadas as limitações fixadas e impostas pela própria Constituição da República"
Pelo lado dos vencedores, o Relator reconhecendo a competência do município argumentou: ainda, que, embora a Constituição Federal ofereça as diretrizes para operar a regra aritmética de proporção, também ficou nela estabelecido que somente a lei Orgânica municipal fixará o número de integrantes de suas Câmaras legislativas, ajustando o número de Vereadores à sua população.
No dia 27 de junho de 2002, o ministro Gilmar Mendes pediu vistas do processo. Ao retornar em abril de 2003, no seu voto-vista ponderou o seguinte: "observa-se que eventual declaração de inconstitucionalidade com efeito ex tunc ocasionaria repercussões em todo o sistema vigente, atingindo decisões que foram tomadas em momento anterior ao pleito, e que resultou na atual composição da Câmara Municipal. Igualmente, as decisões tomadas posteriormente ao pleito também seriam atingidas".
Ao meu ver, salvo ter o voto acompanhado parcialmente o Relator, o voto-vista no restante foi de uma lucidez jurídica exemplar, pois visou evitar o caos que seria se fossem atendidos o que requeria o Ministério Público, ou seja, além do afastamento imediato dos Vereadores excedentes o depósito judicial dos valores recebidos pelos mesmos, como se esses Vereadores ditos excedentes não tivessem sido eleitos e diplomados num processo eleitoral regular amparados pela legislação vigente. Portanto terceiros de boa fé, não podendo jamais ser penalizados com o rigor pretendido pelo MP.
Outro voto que merece destaque, é o do Ministro Cezar Peluso, após o pedido de vistas ocorrido em 11.12.2003, disse que "como induvidoso que a regra constitucional guarda a intenção óbvia de limitar a representação política, independentemente do montante dos subsídios dos Vereadores, sem deixar margem à atuação discricionária da cada lei Orgânica municipal, do legislador subalterno".
Mais adiante disse o Ministro que: "A proposta do relator demonstra a meu ver, e com o devido respeito, a possibilidade aritmética de dar sentido concreto e uniforme ao mandamento da proporcionalidade, sem mutilar o disposto no artigo 29, inciso IV (da Constituição). Em linhas finais Peluso acompanhou o voto do Relator, com a Ressalva feita pelo ministro Gilmar Mendes.
A crítica respeitosa que se faz ao voto-vista do Ministro Cezar Peluso, em que pese a afirmação de que: não há margem de atuação discricionária de cada lei orgânica municipal, não pode ser considerado, haja vista que o constituinte, ao deixar intervalos para que o Legislador municipal fixasse o n° de Vereadores de acordo com suas necessidades e peculiaridades local, permitiu que este exercitasse a mesma.
Deflui-se com certa tranqüilidade que a proporcionalidade, além de implícita na Constituição é expressa no artigo 29, inciso IV, o que consolida o exercício da discricionariedade.
Quanto a existência da discricionariedade, embora em instância judiciária inferior, vale citar a decisão da Corte de Justiça do Estado de São Paulo, até para demonstrar que aqui não se trata de interpretação isolada do autor:
A previsão constitucional estabelece apenas parâmetros de fixação mínima e máxima do número de Vereadores, competindo à Câmara Municipal adotar o número adequado a cada Município, segundo o principio da discricionariedade. (TJSP – AC 40.767-5 Paraguaçu paulista – 1ª CD Pub. – Rel. Des. Carlos de Carvalho – J. 1910.99 – v.u)
Logo, ao nosso ver, é inegável a existência do poder discricionário conferido pelo Constituinte Federal ao Legislador municipal, no que tange a fixação do n° de Vereadores, caso contrário o Constituinte já teria fixado na Carta Magna, que a cada X habitantes o município elegeria um Vereador.
Pelo lado da doutrina majoritária, citamos o eminente jurista IVES GANDRA MARTINS, "A expressão "proporcional à população do Município", contida no inciso IV, refere-se à inclusão de cada município em uma das três alíneas do inciso IV".
"A constituição de 1998 estabelece apenas três faixas de população, com o que proporcionalmente cada faixa da Câmara escolhe um número com limites mínimo e máximo. As três faixas correspondem a uma distinção entre municípios de porte pequeno, médio e grande." (9)
Já é possível concluir, a essa altura, muito embora a decisão do Supremo já devidamente regulamentada pelo TSE, deverá ser cumprida pelos 5.560 municípios brasileiros, que o judiciário poderia, sem sombra de dúvida, julgar inconstitucional aquela lei Orgânica que no seu entendimento tivesse descumprido o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, e determinando que a Câmara municipal, que detém a competência adote as providências para corrigir o excesso, sem contudo impor o n° de Vereadores a ser adotado.
Por outro lado, o judiciário, ao estabelecer limites não previstos na Constituição Federal, sob a nossa óptica invadiu competência do poder legislativo municipal.
A maior crítica que se faz à decisão é que o Supremo resolveu a questão levando em conta uma proporcionalidade absoluta, ou seja aritmética, enquanto que o sentimento constitucional visou uma proporcionalidade relativa, ou seja, levando em conta não só o n° de habitantes mas também as peculiaridades de cada região.
Em artigo publicado na internet, encontramos um exemplo, nos dá plena visão desta distinção:
Comparemos dois municípios com o mesmo número de habitantes, 15 mil. O primeiro deles em Santa Catarina, com 300Km2 de território e quase todos os habitantes residentes no único centro urbano do município (área urbana contínua). O segundo município no Pará, com 3.000Km2 de território e uma população residindo em 5 distritos diferentes (área urbana descontínua) Alguém há de negar que o segundo município precisa de maior número de representantes que o primeiro? No primeiro caso os habitantes têm uma identidade quanto às necessidades coletivas, identidade esta gerada pela contiguidade de seus domicílios. No segundo caso, o mesmo número de habitantes ocupa uma área dez vezes maior, com problemas distintos, separados pela distância, pelas necessidades distintas, e, consequentemente pelas idéias.(09)
Agrava-se mais ainda, segundo os críticos, que a adoção da proporcionalidade aritmética trará como conseqüência a redução da representação partidária, e que em alguns casos pode a composição da Câmara ficar restrita somente a representação de um ou dois partidos, o que prejudicaria não só a sua função fiscalizadora como também a representatividade dos distritos mais pobres, sem que isso importe em redução de custos ao legislativo.
Finalizando, tramita no Congresso nacional em regime de urgência proposta de emenda à constituição, que dá nova redação ao inciso IV, do artigo 29 da Constituição Federal, definindo o número máximo de Vereadores em relação à população do município.
A PEC em questão, já recebeu parecer favorável da comissão de constituição e justiça da Câmara Federal, e no ultimo dia 20 de abril em votação simbólica foi aprovada por uma comissão especial da Câmara dos Deputados.
Caso seja aprovada pelo legislativo, desta vez ao meu ver, a PEC trará ao dispositivo constitucional a regularidade e a legitimidade necessária para a manutenção da integridade da constituição.
A PEC em questão vem minimizar a redução do n° de Vereadores, caso seja aprovada, deverão ser subtraídas 5.062 cadeiras das atuais 60.276 vagas autorizadas pela justiça, já pela Resolução do TSE, este número sobe para 8.528 Vereadores a menos em todo o País.
Já em linhas finais, toda essa controvérsia, ao nosso ver, deu-se pela elástica margem de discricionariedade deixada pelo Constituinte na alínea a do inciso IV do artigo 29, pelo qual foi fixado o n° de 09 a 21 Vereadores para os municípios com população de até um milhão de habitantes, que alcança aproximadamente 90% dos municípios brasileiros incluindo a maioria das capitais, o que gerou, de certa forma, abusos da parte de algumas leis orgânicas a quando da fixação desse número, e que sem dúvida nenhuma merecia ser corrigida.
Ocorre que, talvez tanto pela inércia ou pela falta de interesse do legislativo em alterar a redação constitucional, é que teve o poder judiciário que intervir nessa situação não só para combater o "annimus abutendi", mas também para evitar outro mal, que era dar fim às centenas de ações civis públicas ajuizadas em todo o País, as quais acabariam por desaguar no STF, e com isso engrossar o grande número de processos sob a responsabilidade daquela Corte Constitucional, e mais ainda uniformizar a proporcionalidade desse número, eliminando assim as mais variadas fórmulas matemáticas que haviam sido criadas pelo Ministério Público nas ações civis públicas nos diversos Estados da Federação, na tentativa coibir os abusos cometidos pelos diversos legislativos municipais do País.
NOTAS
MS nº 1.945 – RS, j. 20.05.1993.
Comentário á Constituição Brasileira, 2º volume, Saraiva, 1990, p. 272.
Adin nº 692-4.
Adimc 1038.
Adin nº 2708.
FONSATTI JUNIOR, Ruy. Redução do número de Vereadores: visão constitucional sobre o tema. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 73, 14 set. 2003. Disponível em: <jus.com.br/artigos/4260>. Acesso em: 17 mar. 2004.
Resolução n° 21.702
Resolução n° 12.437 e 13.408
OLMO, Manolo del. Ações civis públicas para redução do número de Vereadores. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n.121, 3 nov.2003. Disponível em: <jus.com.br/artigos/4321>
http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=76774&tip=UN 26/03/2004)
NOTA DE ATUALIZAÇÃO
A Proposta de Emenda Constitucinal nº 574/2002, de iniciativa do Senado Federal, foi aprovada pela Câmara dos Deputados em dois turnos, com substitutivo, e foi remetida de volta ao Senado, onde passou a tramitar como PEC nº 55-A/2001, tendo sido aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania em 03/06/2004.