Introduzido, pela primeira vez, na Constituição de 1988, mais especificamente em seu art. 5º, inciso LXXI, o mandado de injunção foi regulamentado ainda há pouco tempo pela Lei nº. 13.300/2016. Agora, elimando qualquer polêmica, essa ação constitucional de perfil genuinamente mandamental possui rito procedimental próprio. Não é por outra razão que, desde logo, o art. 1º da Lei referida estabelece: "Esta Lei disciplina o processo e o julgamento dos mandados de injunção individual e coletivo, nos termos do inciso LXXI, do art. 5º da Constituição Federal".
Mas, muito embora possa parecer questão estreme de dúvidas, o que se pretende nessas ligeiras anotações é constatar se, realmente, tal como vem se sustentando, a Lei nº 13.300/2016 optou pela tese concretista intermediária, particularmente no que se refere aos efeitos da decisão no pedido injuncional.
Como regra, o art. 8º, incisos I e II (primeira parte), da Lei em referência, demonstra, pelo teor de suas disposições, inconfessável predisposição para se filiar à corrente concretista intermediária. Essa constatação decorre do fato de a norma estabelecer que, uma vez reconhecido o estado de mora legislativa, a injunção será deferida para determinar, em prazo razoável, que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora, como também a decisão estabelecerá as condições em que se dará o exercício dos direitos, das liberdades ou das prerrogativas reclamados na ação.
Por oportuno, no que respeita à posição concretista individual intermediária, Pedro Lenza (2015, p. 1777) minundencia, "julgando procedente o mandado de injunção, o judiciário fixa ao órgão omisso prazo para elaborar a norma regulamentadora. Findo o prazo e permanecendo a inércia, o autor passa a ter assegurado o seu direito".
Ainda sob essa perspectiva, segundo o magistério de Marcelo Novelino (2016, p. 447):
(...) "cabe ao Judiciário comunicar a omissão ao órgão competente para a elaboração da norma regulamentadora com a fixação de um prazo para supri-la. Expirado o prazo, caso a inércia permaneça, o direito poderá ser exercido pelo impetrante (concretista intermediária individual) ou por todos os que se encontram na mesma situação (concretista intermediária geral), conforme as condições fixadas na decisão".
Quanto a eficácia subjetiva da decisão, dispõe o art. 9º, da Lei nº. 13.300/2016, que se trata de efeitos "inter partes", ou seja, a eficácia da sentença será limitada aos impetrantes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora. Nada obstante, o §1º do art. 9º do mesmo Codex não exclui a possibilidade de ser conferida eficácia ultra partes ou "erga omnes" à decisão, quando isso for inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração. Ao que tudo indica, tal efeito refere-se às situações que envolvam a discussão de direitos difusos, também denominados transindividuais ou metaindividuais, a exemplo dos efeitos tomados no julgamento do MI nº. 708/DF, de relatoria do Min. Gilmar Mendes, no qual se discutiu sobre o exercício do direito de greve assegurado aos servidores públicos.
É de se ressaltar que a nova Lei, em assonância com o que fora decidido no julgamento do MI nº. 721/DF, reconheceu que incumbe ao Judiciário não apenas emitir certidão de omissão do Poder encarregado, constitucionalmente, de regulamentar o direito a liberdades constitucionais, às prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas, também, viabilizar, no caso concreto, o exercício desses direitos, afastando as consequências da inércia do Legislador. Esse raciocínio, há de ser dito, está respaldado nos respeitáveis argumentos do eminente constitucionalista Elival da Silva Ramos (2015), que, antes mesmo da aprovação e promulgação da atual legislação, tem asseverado:
"O Projeto de Lei n. 6.128, de 2009, (...) consolida, de vez, a orientação jurisprudencial que diferencia o mandado de injunção da ação direta declaratória de inconstitucionalidade por omissão, delineando-o como instrumento de controle concreto-subjetivo da omissão legislativa inconstitucional. É de se louvar que tenha a propositura prestigiado, ao menos em regra, a diretriz adotada no julgamento do MI n. 721, em 2007, segundo a qual a decisão concessiva de ordem de injunção comporta a outorga de suprimento normativo provisório, na medida da necessidade de viabilização do exercício concreto do direito ou liberdade constitucional, restringindo-se a eficácia subjetiva da decisão aos impetrantes (efeitos inter partes)".
Assim, à vista do caráter instrumental do remédio constitucional em comento, o Judiciário, além de reconhecer a mora do Poder competente, com estabelecimento de prazo razoável para edição da norma regulamentadora faltante, também colmatará o vácuo legislativo com uma decisão tipicamente satisfativa. Aquilo que até então era promessa de direito por ausência de norma infraconstitucional - após a injunção - torna-se direito eficaz e exercitável.
A respeito do que seja prazo razoável, das lições de Alexandre de Moraes (2016, p. 308) é possível extrair algumas noções iniciais:
(...)"filiamo-nos à posição concretista individual intermediária, criada pelo Ministro Néri da Silveira, parecendo-nos, com a devida venia, que a ideia do Poder Judiciário, após julgar procedente o mandato de injunção estabelecer um prazo para que a Constituição Federal seja regulamentada, antes de efetivamente colmatá-la, adequa-se perfeitamente à ideia de Separação de Poderes. Assim, a partir da decisão do Judiciário, o poder competente estaria oficialmente declarado omisso, devendo atuar. Esse prazo, no âmbito legislativo, entendemos, nunca poderia ser inferior ao processo legislativo sumário".
Saliente-se, oportunamente, que a posição manifestada pelo mencionado autor é anterior à promulgação e vigência da Lei que passou a regulamentar o procedimento do mandado de injunção individual e coletivo.
Demais disso, cumpre sublinhar, nos termos do art. 8º, inciso II, parte final, e parágrafo único, da Lei nº. 13.300/2016, a existência de medida específica para a hipótese de omissão legislativa reiterada por parte do impetrado. Com efeito, a providência judicial consistente na determinação de prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora será dispensada, por expressa determinação legal, quando comprovado que o órgão formalmente declarado omisso já tiver descumprido o prazo fixado em ação constitucional integrativa ajuizada anteriormente. Aliás, foi justamente neste ponto que a corrente concretista intermediária não foi agasalhada pela novel legislação.
Embora nos últimos anos o Supremo Tribunal Federal venha adotando a posição concretista acerca do mandado de injunção, até meados de 2007, esse mesmo Tribunal filiava-se à corrente não concretista, segundo a qual o Judiciário deve apenas reconhecer de maneira formal a inércia e, tão somente em seguida, comunicar a omissão ao órgão competente para a elaboração da norma regulamentadora. Conforme se nota, trata-se de efeitos semelhantes àqueles adotados no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO), o que, salvo entendimento contrário, reduz substancialmente a utilidade do mandado de injunção, tornando esta ação, na prática, um mero sucedâneo da ADO.
Averbe-se, dentro desse panorama histórico, que, de acordo com o Ministro Gilmar Mendes (2008), logo "após o Mandado de Injunção n. 107, 'leading case' na matéria relativa à omissão, a Corte passou a promover alterações significativas no instituto do mandado de injunção, conferindo-lhe, por conseguinte, conformação mais ampla do que a até então admitida".
Ato contínuo de estudo, prossegue Mendes (2008), "no Mandado de Injunção n. 283, o Tribunal, pela primeira vez, estipulou prazo para que fosse colmatada a lacuna relativa à mora legislativa, sob pena de assegurar ao prejudicado a satisfação dos direitos negligenciados". Além disso, conforme se depreende do teor dos precedentes do STF, o mandado de injunção nº. 20 (e não se olvide dos subsequentes, como MI nº. 670 e MI nº. 708), foi um dos julgados que mais evidenciaram essa nova compreensão do instituto, e também aquele que abriu caminho para a possibilidade de uma solução "normativa e concretizadora", aqui utilizamos das palavras de Elival da Silva Ramos, para a omissão verificada.
Nesse cenário, é comum se dizer que a Suprema Corte brasileira fez opção por uma sentença de perfil aditivo, tal como sucede no modelo italiano.
Pois bem, conquanto a corrente concretista intermediária seja a que mais se compatibiliza com o enunciado normativo contido no art. 8º, da Lei nº. 13.300/2016, alguns aspectos jurídicos e de hermenêutica parecem sinalizar para a não adoção da posição concretista intermediária de maneira absoluta ou integral. Se não, vejamos os seguintes argumentos adicionais.
De acordo com a tese concretista intermediária, o Judiciário, ao reconhecer a procedência do pedido injuncional, declarando a mora legislativa, deve primeiramente comunicar a omissão ao órgão legislativo competente, com a fixação do respectivo prazo para colmatá-la, e apenas após esta providência, isto é, o escoamento do prazo "in albis", possibilita-se o exercício concreto do direito implementado pela decisão. Nesse sentido, o então Ministro Néri da Silveira [1], reconhecido pela autoria da tese ora propalada, esclarece:
(...) "Adoto posição que considero intermediária. Entendo que se deva, também, em primeiro lugar, comunicar ao Congresso Nacional a omissão inconstitucional, para que ele, exercitando sua competência, faça a lei indispensável ao exercício do direito constitucionalmente assegurado aos cidadãos. Compreendo, entretanto, que, se o Congresso Nacional não fizer a lei, em certo prazo que se estabeleceria na decisão, o Supremo Tribunal Federal pode tomar conhecimento de reclamação da parte, quanto ao prosseguimento da omissão, e, a seguir, dispor a respeito do direito in concreto. É, por isso mesmo, uma posição que me parece concilia a prerrogativa do Poder Legislativo de fazer lei, como o órgão competente para a criação da norma, e a possibilidade de o Poder Judiciário garantir aos cidadãos, assim como quer a Constituição, o efetivo exercício do direito na Constituição assegurado, mesmo se não houver a elaboração da lei".
Ocorre, no entanto, que, empreendendo-se uma rápida interpretação teleológica sobre os artigos 9º, caput, e 11, da Lei nº. 13.300/2016, a decisão judicial que reconhece o estado de mora legislativa, independentemente da determinação de prazo razoável para que o impetrado promova a edição da norma regulamentadora, estabelecerá as condições necessárias para a satisfação do direito carente de normatização, de maneira que seus efeitos, salvo melhor juízo, serão imediatos, apesar de sua fruição estar restrita às partes integrantes da relação processual, nos moldes do §2º do art. 9º, da Lei acima citada. Não sendo o caso, portanto, de se assegurar o transcrurso do prazo razoável fixado na decisão, para daí então ela surtir efeitos concretos.
Nesse passo, dispõe o art. 9º, caput: "A decisão terá eficácia subjetiva limitada às partes e produzirá efeitos até o advento da norma regulamentadora". Veja-se que inexiste óbice quanto à produção imediata de efeitos da decisão que defere o pedido injuncional. Pelo contrário, a finalidade da aludida norma é, notoriamente, deixar claro que a decisão produzirá efeitos até o advento da norma infraconstitucional. Cuida-se, por isso, de uma decisão judicial de normatividade transitória e efeitos concretos simultâneos.
Já o art. 11, caput, enuncia que: "A norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado, salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável". Aqui, é possível inferir que, mesmo diante da produção a posteriori de norma regulamentadora, os efeitos benéficos em produção ou já produzidos pelo provimento jurisdicional solicitado não serão prejudicados ou descontituídos por ato normativo posterior, já que eventual lei menos favorável ao impetrante não poderá revogar para alcançar direitos perfeitamente titularizados.
Ademais, impende salientar que a decisão que reconhece a procedência do mandato de injunção também reconhece um estado de mora legislativa, não parecendo razoável a exigência de ratificação de uma situação que pela própria natureza já é de omissão legislativa. Esse quadro, com a devida venia, parece condicionar o exercício de um direito constitucionalmente previsto ao desatendimento formal de uma recomendação judicial antecedente. Isto porque a determinação emitida pelo Judiciária não vinculará o Legislativo, muito embora haja o dever constitucional de legislar, por força do princípio da separação de poderes.
Tais anotações, que se limitam a examinar o tipo de provimento jurisdicional a ser adotado no mandato de injunção, também se encontram alicerçadas noutros argumentos de Elival da Silva Ramos, para quem esse novo precedente adotado no MI nº. 721 representa um acerto. E, nas palavras do professor do Largo de São Francisco (2015), por trê motivos:
(...)"em primeiro lugar, ajusta-se melhor ao princípio da força normativa da Constituição e ao subprincípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais; em segundo lugar, proporciona mais adequada sistematização da matéria atinente ao combate da omissão inconstitucional, pois não há de existir dois instrumentos que o façam com os mesmos efeitos práticos; finalmente, também em atenção ao elemento sistemático, visto sob um outro ângulo, a efetivação, em concreto, de direitos fundamentais sediados em normas carentes de regulação infraconstitucional, resulta em se adensar o sentido da norma do §1º, do artigo 5º, da Constituição".
Deste último fundamento, como se sabe, emerge um princípio de interpretação pelo qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais são de aplicabilidade imediata. Insere-se naquilo que a doutrina clássica chama de elementos formais de aplicabilidade.
É por todas essas razões que se afirma que a posição concretista intermediária não foi acolhida de forma integral pela Lei do mandado de injunção (Lei nº 13.300/2016), de modo que a determinação de prazo razoável para que o impetrado promova a edição de norma regulamentadora consubstancia mera previsão pro forma, não podendo constituir argumento suficiente para impedir a fruição imediata de um direito até então carente de juridicidade. Reforça-se, desta forma, a ideia de que os efeitos da decisão, não bastasse o caráter mandamental, também são satisfativos, além de acentuar as diferenças entre o mandado de injunção e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão. Esta, sim, se compraz com a expedição de uma certidão de omissão do poder competente. Há de se considerar, portanto, vias idôneas ou propostas consentâneas com o ordemento jurídico, a fim de melhor combater a denominada "síndrome de inefetividade das normas constituticionais".
BIBLIOGRAFIA:
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. - 19. ed. rev., atual. e ampl. -São Paulo: Saraiva, 2015.
MENDES, Gilmar. Jurisdição Constitucional no Brasil: o problema da omissão legislativa inconstitucional. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaArtigoDiscurso/anexo/Lituania.pdf>. Acesso em: 26.10.2016.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. - 32. ed. rev. e atual. até a EC nº 91, de 18 de fevereiro de 2016. - São Paulo: Atlas, 2016.
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. - 11. ed. rev., ampl. e atual. - Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
RAMOS, Elival da Silva. Mandado de injunção e separação dos Poderes. Caderno Jurídicos, São Paulo, ano 16, nº 40, p. 29-42, Abril-Junho/2015. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/101617>. Acesso em: 26.10.2016.
NOTAS:
1. Esse pronunciamento, conforme Moraes (Op. cit.), está contido em: STF - Mandado de Injunção nº 107-3 (foi o primeiro a ser analisado pelo STF) - Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 21 de set. 1990, p. 9.782.