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Dewey e o ensino jurídico:a busca por uma nova perspectiva da experiência

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Agenda 29/10/2016 às 12:34

[1]           Em Dewey, a afirmação da democracia é a proposição de um programa de luta, é um projeto cujo propósito é desencadear atitudes de mudança, transformação, movimento (CUNHA, 2001).

[2]           França sintetiza com bastante lucidez e propriedade algumas das principais críticas relacionadas ao pensamento de Dewey: “Uma crítica ao pensamento de Dewey, ainda que não central, merece destaque ao menos numa nota de rodapé. É necessário dizer que subscrevemos às análises do pensamento de Dewey que defendem que a forma de escrever do autor é por algumas vezes truncada e pouco esclarecedora. Edmondson afirma que o descuido de Dewey com a sintaxe e a lógica marcam seu discurso filosófico e frustram freqüentemente seus leitores. Outrossim, a obscuridade de sua escrita conferiu a Dewey um misticismo propiciador de sucessivas gerações de filósofos e educadores a defenderem certas idéias em nome do autor que, segundo ele, em nada se relacionavam efetivamente com o que pregava. O exemplo marcante dessa dinâmica é o livro Experiência e Educação, escrito por Dewey em 1938 com o propósito específico de deslegitimar práticas educacionais que supostamente se relacionariam com leituras suas, mas de fato se afastavam delas. Bernstein diz que, por diversas vezes em que Dewey realiza suas críticas, podemos perceber contra o quê está se posicionando, mas não exatamente o que defende, pois, apesar de protestar contra categorias abstratas e estáticas, e de sua insistência no que é concreto e contingente, o autor não nos orienta com clareza acerca de quais categorias se utiliza para formular suas teorias. Na mesma linha Westbrook nos lembra das impressões de Oliver Wendell Holmes sobre a obra de Dewey Experiência e Natureza: ainda que incrivelmente mal escrito, havia um sentimento de intimidade com o interior do cosmos que eu achei inigualável. Pareceu-me como Deus teria falado caso ele fosse inarticulado mas intensamente desejoso para lhe dizer como era. A linguagem de Dewey era imprecisa, suas definições precárias e seus argumentos com freqüência eram truncados. Numa época em que clareza e rigor eram altamente valorizados, muitas reflexões de Dewey pareciam primitivas e lacunosas. Como Bernstein escreve: Dewey admirava as virtudes da especificidade e análise cuidadosa, mas certamente não as praticava. Por conta de seu desejo de superar todas as dicotomias engessadas, distinções analíticas importantes são confusas” (2007, p. 93).

[3]           Sobre o sentimento de esperança dos cientistas e pensadores da época, que por seu turno também influenciaram Dewey, o autor diz “em suma: a ciência representa o papel da inteligência no planejar e regular novas experiências desenvolvidas sistemática e intencionalmente e na escala permitida pela emancipação das limitações do hábito” (DEWEY, 2007, p. 150).

[4]           A respeito das escolas de hoje, cita-se Lynda Stone: “Even a quick look at the tropic connection of democracy and schools, and indeed of actual presence today, reveals a somber picture. It is one in which seemingly less and less democracy exists now than in the past. For example, consider how much time is spent on achievement testing about which teachers and their students have little or no say. Consider conventional school governance, hierarchically if not autocratically ordered, in the hands of ham-strung administrators with little representation for those not in charge. Consider the diminished role of student government and indeed the virtual absence of youth autonomy and choice over daily lives in schools. Consider the all-too-familiar recognition that some few are members of and attend school board meetings, and most parents and community members do not participate. If schools are places where democracy ought to matter, as training grounds for and exemplars of larger and more comprehensive democratic societies, one wonders how such societies flourish at all” (STONE, 2007).

[5]           Tobia (1972), assim como Dewey e Anísio Teixeira, apresenta a Escola Nova em oposição à Escola Tradicional. Segundo ele, “educação tradicional, educação antiga, pode significar: primeiro, toda pedagogia e todo método pedagógico que não sejam os preconizados pela escola Nova; segundo, todas as filosofias da educaçào que não sejam as nascidas modernamente, de modo especial as que não sejam da educação social-radical, nomeadamente da educação positivsta e da educação marxista; terceiro lugar toda educação tida como superada e fossilizada; finalmente, em significado, tipicamente brasileiro, fruto da Escola Nova, que se esparramou pelas escolas oficiais sobretudo, educação clássica é sinônimo de educação ministrada nas escolas particulares, é sinônimo de educação cristã” (p. 373). Ao avesso desse conceito, continua o autor “a pedagogia da Escola Nova nada mais é do que pedagogia, são métodos e processos pedagógicos e, como tal, é ela algo de neutro, de indiferente, sem nenhuma cor filosófica, nem ideológica ou religiosa” (p. 373).

[6]           A respeito do exemplo de quando se depara com algum objeto totalmente novo ou uma situação em absoluto inusitada, poderia se discutir até que ponto tais informações são abstraídas e interpretadas pela consciência. Em outras palavras, a percepção codificaria a imagem da nova experiência, contudo, a sensação tenderia a dar um significado para tais informações. O que se discute é, então, até que ponto o homem é capaz de dar significados a objetos novos ou até que ponta esta interpretação não estaria vinculada com experiências pretéritas. Interessante exemplo foi descrito no diário de Cristóvão Colombo, no dia 9 de janeiro de 1493, ao descrever o contato da tripulação com, possivelmente, um grupo de peixes-bois ou de morsas, escreveu: “O almirante disse que na véspera, quando ia ao rio do Ouro, viu três sereias que saltaram alto, fora do mar. Mas não eram tão belas como se descrevem, e de modo algum tinham forma humana de rosto. Acrescentou que outras vezes já vira algumas na Guiné, na costa de Manegueta” (COLOMBO, 2003, p. 130). Fica claro que a tripulação, ao se depararem com um objeto totalmente novo, logo se lembrassem das lendas e das gravuras da serias, que eram as representações mais próprias de tais seres. Não é por outro motivo que Dewey (2007) fala da importância do educador em construir de forma lúdica os conceitos, de forma a facilitar o entendimento do educando, sobretudo no que tange as questões mais abstratas, sempre fazendo um paralelo com seu mundo. Do contrário, qualquer conhecimento desprovido de um significado com relação se tornaria insular e ininteligível. 

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[7]           Embora se entenda que Direito e moral guardem semelhança, ao turno de que ambos tem como objetivo a delimitação do comportamento humano por meio de regras, a estabelecer um padrão que deve ser seguido em determinada sociedade, a grande diferença entre a moral e o Direito se dá no aspecto da obrigatoriedade de suas normas. Enquanto a moral opera no âmbito subjetivo, seu cumprimento não é obrigatória do ponto de vista do ordenamento jurídico, ou seja, caso determinado preceito moral não seja seguido, não haverá sanção jurídico, podendo, contudo, haver sanções religiosas, psicológicas ou sociais. Por outro lado, o Direito está ligado com questões previamente delimitadas pelo poder público e sua inobservância gera sanções legais, o que equivale dizer que suas normas são cogentes.

[8]           Sobre o conceito de ética, é fundamental ressaltar que, embora sejam expressas pelo mesmo vocábulo, seu sentido mudou tão drasticamente no curso da humanidade que seu significado se alterou totalmente. A análise da ética depende, pois, primeiramente da tomada de um contexto preciso, sendo impossível considerá-la enquanto ideia única, a qual pudesse abranger toda a evolução. O mais prudente seria que se utilizasse o termo éticas, dada as variáveis que sofreu ao longo dos séculos, e, em seguida, abordar cada uma, de forma isolada. Para tanto, dada sua complexidade e vastidão de significados, importa, por hora, diferenciar a ética segundo dois importantes autores: Aristóteles e Kant. Pode-se dizer que a ideia de ética em Aristóteles (2012), em conformidade com sua obra Ética a Nicômaco, está precisamente relacionada com o estilo de vida aristocrático no contexto da Grécia Antiga, no qual viver dignamente estava relacionado com as capacidades e habilidades inatas de cada indivíduo. Sendo assim, o conceito de ética aristotélica estava ligado à viver da melhor forma possível de forma a favorecer sua natureza. Deste modo, quem nascera para governar deveria fazê-lo, sendo ética viver desta maneira. Neste sentido, completa Abbagnano (2007, p. 380): “A Ética de Aristóteles é, aliás, o protótipo dessa concepção. Aristóteles determina o propósito da conduta humana, a felicidade, a partir da natureza racional do homem, e depois determina as virtudes que são condição da felicidade”. De outra banda, em Kant, o conceito de ética se apresenta totalmente oposto à natureza, sua perspectiva, voltada ao enfoque racional, aponta para o distanciamento dos impulsos instintivos e naturais humanos, o que, de certa forma, vai contra o pensamento ético aristotélico. Sendo assim, comenta Abbagnano (2007, p. 385): “Desse modo, Kant transferiu o móvel da conduta do 'sentimento' para a 'razão', utilizando o outro lado do dilema proposto pelos moralistas ingleses. Com isso, quis garantir a categoricidade da norma moral, ou seja, o caráter absoluto de comando graças ao qual ela se distingue dos imperativos hipotéticos de técnicas e prudência”. 

[9]           Para tanto comenta o autor: “Já notamos, de passagem, que o tempo atual tem necessidade de moral refletiva e de uma teoria de moral atuante. A perspectiva científica sobre o mundo e a vida sofreu e está sofrendo mudanças radicais. Transformaram-se completamente os métodos de indústria, da produção e distribuição de mercadoria. Alteraram-se as condições básicas em que os homens se reúnem e associam, no trabalho e nas diversões. Houve enorme mudança de hábitos e tradições antigas. Viagens e migrações são tão comuns quanto eram inusitadas outrora. As massas são suficientemente instruídas para ler, e existe abundância de jornais que fornecem matéria de leitura barata. O ensino deixou de ser privilégio de poucos e passou a ser direito – e, mesmo, dever forçado – de muitos (…). Apenas umas poucas das mudanças mais evidentes, nas condições e interesses sociais, foram mencionada. Cada uma delas criou novos problemas e questões que encerram valores morais incertos e discutidos” (DEWEY, 1980, p. 212).

[10]          Sobre a crítica do método científico, apesar de adepto da mesma filosofia de Popper, não obsta citar a contribuição de Feyerabend (1977, p 448-449) sobre “A Ciência aproxima-se do mito, muito mais do que uma filosofia científica se inclinaria a admitir. A ciência é uma das muitas formas de pensamento desenvolvido pelo homem e não necessariamente a melhor.(...) A ideia de que a ciência pode e deve ser elaborada com obediência a regras fixas e universais é, a um tempo, quimérica e perniciosa. É quimérica pois implica a visão demasiada simplista das capacidades do homem e das circunstâncias que lhe estimulam ou provocam o desenvolvimento. E é perniciosa porque a tentativa de emprestar vigência às regras conduz a acentuar nossas qualificações profissionais em detrimento de nossas humanidade”. Com base nesta afirmação, pode-se dizer que o conceito de Ciência tradicionalmente aceito, qual seja, daquele conjunto de conhecimento capazes de ser testado e comprovado, cujos resultados encontram homogeneidade e a refletem em verdades universais, está preso a um paradigma positivista e pouco produtivo. Tomar como verdade esta concepção é diminuir as possibilidades de uma análise crítica na realidade, uma vez que os próprios métodos de análise e testagens científicos são parciais e falhos. A evolução do conhecimento tem demonstrado isto ao longo dos séculos, exemplos como os modelos atômicos e as teorias das dinâmicas planetárias – como apontado pelo próprio Feyerabend – foram tidas como verdadeiras em sua época, porém, bastou a utilização de outros novos meios de experimentação para demonstrar que as teorias outrora defendidas estavam erradas.

[11]          De acordo com Lévy-Bruhl (2000), para a perspectiva jusnaturalista, “o Direito é antes de tudo um fenômeno social. Proponho a seguinte definição: o direito é o conjunto das normas obrigatórias que determinam as relações sociais impostas a todo o momento pelo grupo ao qual se pertence. Dessa definição reterei os três elementos que se segue e exigem esclarecimentos: 1) trata-se de normas obrigatórias; 2) essas normas são impostas pelo grupo social; 3) Essas normas modificam-se incessantemente” (p. 20). Sendo assim, embora o Direito permanece com seu caráter coercitivo, ele se vincula muito mais aos valores sociais e ao contexto que lhe da origem do que para o positivismo. Uma vez que este representa apenas a letra a leite, não importa se ela faz referência com a realidade social, passando pelo processo legislativo competente, ela se constitui de eficácia e se adere ao Direito.

[12]          “Na experiência cotidiana, o conflito entre leis e deveres que ela impõe ocasiona mais conflitos que os procedentes da disparidade entre o bem do desejo imediato e o bem determinado pela reflexão, tal como se observou no último capítulo. Exige-se dos jovens, por exemplo, constante obediência aos pais e professores. Vêem-se eles sob a autoridade tanto de pessoas como de regulamentos. O princípio da moralidade cala-lhes no espírito, não tão profundamente quanto os propósitos e fins que o discernimento prudente apresenta como proibição e injunções que reinvindicam autoridade em nome do direito, da lei e do descer. O moralmente bom para ele é o que é permissível, permitido, lícito; o moralmente mau é proibido, ilegítimo. O fim e o propósito dominante, que a moral estabelece, é obedecer aos regulamentos, respeitar a autoridade, ser leal que é direito” (DEWEY, 1980, p. 244).

Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

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