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Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão

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Agenda 05/11/2016 às 14:28

3. A EDUCAÇÃO MERCADOLÓGICA NO SENTIDO OPOSTO DOS AVANÇOS CONSTITUCIONAIS

Eis que surge a concepção de que a hodierna educação brasileira é encarada mormente sob o aspecto mercadológico, defende-se, pois, que há uma preocupação, exclusiva, em educar os cidadãos no intuito de ingressá-los no mercado de trabalho, com a maior celeridade possível. Sobre este ponto, Aristóteles, em sua obra “Ética a Nicômaco” entende que:

Quanto à vida dedicada a ganhar dinheiro, é uma vida forçada, e a riqueza não é, obviamente, o bem que estamos procurando: trata-se de uma coisa útil, nada mais, e desejada no interesse de outra coisa. (ARISTÓTELES, 2001, p. 14).

A apreensão desta ideia vem da pressa com que o aluno é formado, corroborada pela pressão que a família e o próprio ambiente escolar exercem no educando, para que ele escolha, no menor tempo possível, a profissão que irá seguir. O critério de escolha profissional na maioria das vezes é embasado no aspecto econômico, suprimindo, em diversas situações, os próprios gostos do estudante. Por este motivo o Direito também deve ter como objeto de estudo, analisar a visão ideológica daquele que faz e aplica a lei que trata deste assunto. Norberto Bobbio argumenta no seguinte sentido:

No campo do direito à participação no poder, faz-se sentir na medida em que o poder econômico se torna cada vez mais determinante nas decisões políticas e cada vez mais decisivo nas escolhas que condicionam a vida de cada homem – a exigência de participação no poder econômico, ao lado e para além do direito (já por toda parte reconhecido, ainda que nem sempre aplicado) de participação no poder político). (Bobbio, p. 33, 2004)

Estudar a educação do Brasil, e pensar formas de elevar sua qualidade e abrangência, consoante o disposto na Constituição Federal, demanda um olhar filosófico sobre a questão. Imperioso trazer à luz opiniões de filósofos que se dedicaram a estudar a educação de seu país. À vista disso, o trabalho do filósofo alemão Friedrich Nietzsche será abordado com mais ênfase no decorrer do trabalho, no entanto é interessante inaugurar a problemática com o seguinte aforismo, que o autor exibe em seu livro chamado “O Crepúsculo dos Ídolos”:

E por toda parte reina uma pressa indecorosa, como se alguma coisa houvesse se perdido se o jovem ainda não estivesse pronto aos 23 anos, se ainda não soubesse responder à “pergunta capital”: qual profissão? – homens de um tipo superior, se permitem dizê-lo, não gostam de profissões, precisamente porque sabem que têm vocações...) (NIETZSCHE, 2009, p. 71,72).

Compreender a educação de maneira filosófica seria então uma forma de buscar a raiz da dificuldade que se encontra na real efetivação desta garantia elencada na Carta de 1988, este fato é de notória importância ao concluir que a educação atual é vista sob o aspecto mercadológico, na tentativa de trazer somente melhoras econômicas ao indivíduo e ao Estado.

A Filosofia é a ferramenta de aprofundamento nas questões de ordem social, é o não contentamento, como discorre Warat: “Falo de uma filosofia do Direito como atividade criadora de uma consciência antecipatória: a utopia concreta da transformação, a espera de um futuro melhor e possível.” A Filosofia é uma forma de questionar o modelo educacional do país e buscar melhoras. Portanto, para compreender os meandros da problemática que envolve o aparelho educacional de um país, e relacioná-los com outras mazelas sociais, é importante destacar a opinião de filósofos que dedicaram parte de seus estudos à compreensão deste tema.   (WARAT, 1994, p. 107).

O problema da educação de cunho mercadológico decorre do fato de não alertar e preparar as pessoas para a compreensão dos acontecimentos do meio político, alienando-as com discursos eruditos e aumentando cada vez mais o vácuo entre o cidadão comum e o representante estatal. Essa constatação não se posiciona no sentido dos avanços constitucionais previstos no ordenamento jurídico brasileiro. A Educação e o Direito devem caminhar juntos com o enfoque de aproximar a sociedade dos objetivos fundamentais traçados com o pacto social de 1988.

Como ensina BOBBIO “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não era mais o de fundamentá-los, e sim o de protege-los.” Essa afirmação se encaixa no presente trabalho no sentido de que é notório que a Educação brasileira se torna um problema a ser resolvido, mesmo com sua importância provada e positivada na Constituição Federal, ela ainda permanece ineficiente e pouco discutida com profundidade no senso comum. (Bobbio, p. 25, 2004).

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Diante dessas afirmações é visto que o poder de mudança emana do próprio cidadão, diante da titularidade do Poder Constituinte e do acômodo de parte dos detentores de cargos políticos. Isso significa que os próprios cidadãos precisam ter a ciência da importância e das garantias que a Constituição Federal lhes proporciona, essa perspectiva é o passo inicial das melhorias sociais e da mudança na hierarquia dos valores, que estabeleceu que o aspecto financeiro ultrapassa todo e qualquer outro valor.

O cidadão não tem acesso a essas inovações legais, e também por isso fica alheio aos acontecimentos sociais. Neste ponto encontra-se a problemática do trabalho, pois o modo como a Educação brasileira é encarada, mantém a desigualdade e não proporciona que as pessoas construam uma visão política autêntica da realidade atual.

Essa concepção tem como aurora a redução da educação à mera formação e consumo de capital, já corroborada pela mudança na hierarquia de valores da contemporaneidade, este paradigma resulta naquilo que Foucault descreveu como a “construção da verdade através do discurso”, ou seja, o distanciamento entre o cidadão e seu representante (o que é corroborado por uma organização eleitoral deficiente, que impede a afirmação da relação entre representante e representado). (FOUCAULT, 1996, p. 08)

O renomado jurista Miguel Reale assegura a aproximação do Direito com a Filosofia ao estabelecer sua Teoria Tridimensional. Para ele, o jurista ao analisar o papel da ciência jurídica na solução dos conflitos, deve levar em conta não somente a norma, mas também o fato ocorrido e o valor do acontecimento. Uma abordagem filosófica na busca de melhorias na sociedade a partir do cerne do problema, neste sentido, assim preceitua Reale:

Vê-se, pois, que a Filosofia representa perene esforço de sondagem nas raízes dos problemas. É uma ciência cujos cultores somente se considerariam satisfeitos se lhes fosse facultado atingir, com certeza e universalidade, todos os princípios ou razões últimas explicativas da realidade, em uma plena interpretação da experiência humana; mas, nas vicissitudes do tempo, tal paixão pela verdade sempre se renova; surgem teorias, sistemas, posições pessoais, perspectivas diversas, em um dinamismo que nos é conatural e próprio, de maneira que a universalidade dos problemas não pode contar com resultados ou soluções todos universalmente válidos. (REALE, 1969, p. 07).

Conclui-se que ao estabelecer a ligação inconteste entre Direito e Filosofia, é mister que o jurista atuante e em formação deva conhecer essa relação, e utilizá-la como apoio na aplicação e interpretação das Leis, e na busca por melhorias na sociedade.


4. O DIÁLOGO ENTRE AS OBRAS DE BOURDIEU E FOUCAULT E SUA APLICAÇÃO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

O conceito de política foi alterado aos poucos no decorrer da história, transformando-se em fonte de exercício de poder e prevalência de determinados grupos, armando um cenário de descaso, preconceito e insegurança. Esse panorama indica o oposto do que o ordenamento jurídico pátrio explana, visto que o Brasil possui atualmente uma Constituição Federal pautada em princípios humanistas, que estampa com veemência o bastião da participação política democrática.

Observa-se a distorção do conceito de Política que caracteriza o atual descaso de ambas as partes responsáveis pelas melhoras sociais: os representantes políticos através do Princípio da Representação, e o “povo” por meio do Estado Democrático de Direito. Esse choque de posições marca muitas das mazelas que compõe a vida contemporânea, já que o cidadão se sente incapaz de mudar perante a complexidade da situação, e alguns representantes estatais se acomodam diante das regalias recebidas.


5. A EDUCAÇÃO EM FOUCAULT

Michel Foucault contribuiu com seu pensamento em diversas áreas do conhecimento, inclusive Direito e Educação, com os argumentos pautados em seus estudos sobre o exercício de poder nas instituições públicas. Dentro da atual divisão da Filosofia Jurídica proposta por Mascaro, o francês se encontra dentre os “não positivistas não marxistas”, justamente por analisar o Direito dentro das complexas relações entre os “discursos” apresentados, e por se afastar do pensamento materialista e utópico de Karl Marx. (MASCARO, 2012, p. 428)

Foucault atenta seu leitor sobre a possibilidade que um discurso tem de “docilizar” a opinião da população, manejando-as para o exercício de poder que busca o privilégio de determinado grupo. Foucault estabelece também uma divisão da “pretensão punitiva do Estado” a partir de uma análise histórica da mudança da punição corporal (suplício) para a ideológica (presídios).

A humanização das penas, decorrida da superação do suplício corporal, corroborada pelos trabalhos de Cesare Beccaria, marca o surgimento da punição ideológica e da classificação do criminoso como “louco”. O presídio se torna neste momento, sob a luz da filosofia foucaultiana, uma instituição de dominação e propagação de poder, “docilizando corpos” e adequando indivíduos aos interesses de alguns. Na concepção de Foucault, diversas instituições sociais possuem a característica de moldar condutas, através da uniformização e observação constante, aos moldes do sistema prisional elaborado pelo filósofo inglês Jeremy Bentham, o “panótipo”. (FOUCAULT, p. 17, 1996)

Importante lembrar a importância do conceito de razão instrumental desenvolvido pela Escola de Frankfurt, conceito que golpeia com assaz sagacidade o pensamento da modernidade filosófica a partir do cogito cartesiano, e situando a contemporaneidade em outro paradigma. Como não lembrar também das obras de Arendt; e os autores da filosofia da linguagem, surgidos sob a égide do giro ontológico linguístico.

Com a liquidez da sociedade pautada no consumo, instaura-se uma conjuntura que visa a produção a qualquer custo, surgindo a necessidade de fiscalização, observação, padronização. Foucault denomina esta situação de “sociedade disciplinar”, pois precisa-se disciplinar as pessoas para que produzam muito, com eficiência e obediência.

Trazendo essas ideias à luz da esfera educacional, entende-se que as instituições fogem de sua função principal, ao ter como escopo apenas produzir capital e consumi-lo. A importância primordial das ideias deste autor no presente trabalho é no sentido de que, a Educação, ao ser entendida sob o único enfoque financeiro, pode se tornar um meio de propagação de ideias já impostas, impedindo que muitos cidadãos construam sua própria posição política sobre a realidade social.

O que importa mesmo é, junto com Foucault, tentarmos encontrar algumas respostas para a famosa questão nietzschiana – que estão (os outros) e estamos (nós) fazendo de nós mesmos? para, a partir daí, nos lançamos adiante para novas perguntas, num processo infinito cujo motor é a busca de uma existência diferente para nós mesmos, e, se possível, uma existência melhor. (VEIGA-NETO, 2003, p. 11)

Foucault também denuncia a massificação e a “domesticação dos corpos” ao construir sua “microfísica do poder”, ou seja, ao trazer o exercício de poder para as instituições que compõem o dia a dia dos cidadãos, dentre elas, as instituições de ensino, já que o poder é descentralizado, fragmentado, e não mais se encontra nas mãos de um governante. Assim preceitua o filósofo francês sobre a dominação política através do discurso, em sua obra “A origem do discurso”:

Suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAULT, 1996, p. 08)

Foucault afirma uma liberdade que prefere chamar de “homeopática”, concreta, cotidiana e alcançável nas pequenas revoltas diárias, quando podemos pensar e criticar o nosso mundo, analisa-lo em seus meandros, seus pequenos jogos de poder, colocando-os como o cerne de problemas sociais como a violência e a crise de representação política.

Sobre o autor
Vinícius Pomar Schmidt

Advogado e professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHMIDT, Vinícius Pomar. Uma reflexão sobre a educação brasileira: direito fundamental do cidadão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4875, 5 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53449. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Texto referente ao Trabalho de Conclusão do Curso de Direito, no ano de 2015, na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Orientação de Larissa Machado Elias e Eliana Borges Fleury Curado.

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