Em geral, tem ocorrido no Poder Judiciário um aumento exponencial das demandas na área da saúde, a busca pelo segurado dos planos de saúde por tratamentos especializados, medicamentos modernos, atendimento de acordo com o atual estado da Medicina e dos demais serviços de saúde.
Por sua vez, as diversas Operadoras de Planos de Saúde têm adotado posturas diferentes, de acordo com sua política interna. Algumas, reconhecendo que a Medicina e os tratamentos evoluem numa progressão tecnológica célere, atendem por vez os anseios de seus segurados e diante de justificativas técnicas plausíveis têm autorizado a realização de procedimentos e exames ainda que não constantes do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS.
Contudo, há também operadoras que fundamentam suas negativas na justificativa de que os procedimentos oferecidos no referido rol é que são de cobertura obrigatória, e em razão do que está previsto no contrato firmado com o segurado do convênio, nada mais do que o que consta lá deve ser oferecido.
Em síntese, essa é a razão pela qual há crescente número de demandas de saúde, importante frisar que as Operadoras de Planos de Saúde também figuram em processos judiciais que envolvem questões de reajuste das mensalidades, credenciamento de profissionais, responsabilidade civil, e etc, mas que não serão objeto deste trabalho.
Demonstraremos aqui que, de acordo com a legislação em vigor, equivocada é a aplicação da negativa conforme acima aduzido, isso porque há guarida para o direito do segurado em ter o atendimento à saúde adequado para sua enfermidade, vejamos:
Inicialmente, conforme já evidenciado, a relação Jurídica estabelecida entre a Operadora de Plano de Saúde o cliente-segurado caracteriza-se por ser uma relação de consumo, tendo então plena aplicabilidade todas as normas estabelecidas na Lei n.8.078/90, e para tanto deve haver respeito aos ditames do art. 4º abaixo transcrito:
Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (g.n.)
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;
[...]
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores efornecedores; (g.n.)
[...]
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.(g.n.).
Ainda, o contrato de assistência à saúde possui natureza aleatória, por meio do qual o consumidor paga o valor mensal estipulado pela operadora do plano de saúde para ter garantido tratamento de saúde se e quando preciso.
Ao recusar o cumprimento de sua parte diante da ocorrência da álea, a Operadora de Plano de Saúde comete atitude juridicamente reprovável, a começar pela ofensa explícita à boa fé objetiva, protegida pelos artigos 422 e 423 do Código Civil e art. 4º, caput e I, III, 20, § 2º, e art. 51, IV e XV, § 1º, I, II, III, do Código de Defesa do Consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor reconhecea abusividade e, portanto, a nulidade das cláusulas contratuais que prejudicam a consecução do objeto central do contrato de seguro saúde, qual seja, o pleno tratamento e a recuperação da saúde do consumidor, nos termos da lei.
Diante disso resta frustrada a expectativa legítima do consumidor. É evidente que ao contratar o plano de saúde, o consumidor tem a legítima expectativa de que a empresa contratada custeará tudo quanto necessário ao restabelecimento de sua saúde.
Sendo assim, as cláusulas restritivas previstas no contrato atentam contra essa expectativa legítima do consumidor.
Ademais, agrava-se tal ofensa à expectativa o fato de que utilizando ou não os serviços, as contraprestações mensais são cobradas.
Desse modo, se o plano de saúde somente deve arcar com os tratamentos incluídos no contrato, elimina-se o risco que é inerente à natureza do contrato de plano de saúde e que deve ser suportado pela empresa da saúde, da mesma forma que o contratante está obrigado ao pagamento das mensalidades ainda que não utilize os serviços de saúde.
É de rigor asseverar que se o tratamento indicado pelo médico assistente possui respaldo na doutrina médica, sendo este apontado como possibilitador de melhora no prognóstico da paciente, a Operadora de Plano de Saúde deverá custeá-lo.
Temos visto também, em casos práticos que a Operadora de Plano de Saúde, com o fito de esquivar-se da responsabilidade pelo tratamento, buca colocar em questão a real necessidade do tratamento indicado pela profissional da área da saúde, contudo isso implica negativa em prestar a assistência médica no que tange à cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamento e demais procedimentos ambulatoriais.
Sobre o direito à saúde, dispõe a Constituição Federal:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e àinfância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo aoPoder Público dispôs, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização econtrole, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e,também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
Claro fica que, não obstante a assistência à saúde ser livre à iniciativa privada, ela deve se submeter à regulamentação mínima feita pelo Estado.
Com efeito, sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde, dispõe a Lei 9.656/98, alterada pela MP nº 2.177-4, de 24 de agosto de 2001, in verbis:
Art. 1o Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direitoprivado que operam planos de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimentoda legislação específica que rege a sua atividade, adotando-se, para fins deaplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições:
I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços oucobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazoindeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência àsaúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços desaúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratadaou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a serpaga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediantereembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor;
[...]
§ 2o Incluem-se na abrangência desta Lei as cooperativas que operem osprodutos de que tratam o inciso I e o § 1o deste artigo, bem assim as entidades ouempresas que mantêm sistemas de assistência à saúde, pela modalidade deautogestão ou de administração.
Art. 12. São facultadas a oferta, a contratação e a vigência dos produtos de quetratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, nas segmentações previstas nosincisos I a IV deste artigo, respeitadas as respectivas amplitudes de coberturadefinidas no plano-referência de que trata o art. 10, segundo as seguintesexigências mínimas:
I - quando incluir atendimento ambulatorial:
a) cobertura de consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas eespecializadas, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina;
b) cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, solicitados pelo médico assistente; (g.n.).
Logo, qualquer alegação da Operadora de Plano de Saúde de que o tratamento indicado pelo médico assistente não está coberto contratualmente pois não consta do ROL DA ANS, deve ser rechaçada pelo Judiciário.
Voltamos a dizer, o avanço da medicina e das ciências de saúde em geral permitiu a criação de novos métodos para tratamento das doenças, de modo que se o tratamento se mostra mais adequado não deve prevalecer a alegação de ausência no rol de procedimentos da ANS, essa justificativa não deve servir de base para negação de cobertura; porque indiretamente estaria privando o paciente do tratamento adequado da moléstia que lhe acomete.
Importante asseverar que sem realização do tratamento adequado, a enfermidade deixa de ser corretamente tratada, levando à perda do objeto do contrato, pois que este perderia a sua finalidade, qual seja, dar assistência médica no momento em que o segurado necessitar.
É de se reiterar que se o tratamento indicado foi recomendado por médico especializado na causa, a Operadora do Plano de Saúde deve ser compelida a autorizar e custear sua realização.
Colaciona-se alguns julgados que corroboram o entendimento esposado, notadamente pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que julgou pela obrigatoriedade de fornecer procedimentos e exames ainda que não constantes do rol, vejamos:
Agravo de instrumento Obrigação de fazer Plano de saúde Negativa de cobertura de método de tratamento multidisciplinar (Pediasuit) a menor portador de Síndrome de Down Tutela de urgência Decisão que concedeu a medida Recurso da Requerida Alegação de que o tratamento não estaria previsto no Rol de Procedimentos da ANS Descabimento Relatório médico que atesta possuir o tratamento indicado uma resposta clínica mais rápida Ausência de previsão de um tratamento no Rol de Procedimentos que não obsta sua cobertura Negativa de tratamento a enfermidade coberta pelo plano que equivale à negativa da própria enfermidade Inteligência da Súmula 102 desta Corte Presença dos pressupostos para a concessão da medida Decisão mantida AGRAVO DESPROVIDO. (AGRV.Nº: 2192632-97.2015.8.26.0000 – TJ/SP) g.n.
AÇÃO DECLARATÓRIA CC COM OBRIGAÇÃO DE FAZER E INDENIZAÇÃO. Saúde. Pretensão de impor à operadora do plano o custeio dos tratamentos “Therasuit” e “Pediasuit” para coautora Ana Vitória, portadora de paralisia cerebral, além do ree mbolso de despesas decorrentes da negativa. Sentença de procedência. Apela a ré sustentando ausência de cobertura em razão do tratamento não estar incluso no rol de procedimentos da ANS. Descabimento. Tratamentos prescritos para o enfrentamento da patologia. Recusa abusiva. Súmula 102 desta Corte. Recurso improvido. (APELAÇÃO Nº: 1098615-14.2014.8.26.0100) g.n.
Ação de obrigação de fazer, cumulada com pedido de antecipação dos efeitos da tutela e de indenização por danos materiais – Plano de saúde – Aplicação do Código de Defesa do Consumidor à hipótese – Médico assistente prescreveu ao autor a realização de procedimento denominado "análise do exoma" – Negativa da requerida em autorizar o exame, sob alegação de que o procedimento não estava recomendado pelas diretrizes de utilização da ANS – Relação administrativa que não pode afastar a autorização do procedimento recomendado ao quadro do autor – Manutenção do equilíbrio do contrato – Súmula 102 desta Corte de Justiça – Danos morais – Caracterização – Abalo psicológico do paciente em razão da injusta recusa de cobertura de exame associado ao tratamento do autor – Fixação do valor da indenização de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade – Sentença de procedência – Não incidência de juros de mora sobre as verbas de sucumbência – Pedido acolhido neste ponto – Recurso provido em parte.Dá-se provimento em parte ao recurso.
(Relator(a): Marcia Dalla Déa Barone; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 17/12/2015; Data de registro: 18/12/2015) 1013756-31.2015.8.26.0100 Apelação / Planos de Saúde (gn)
PLANO DE SAÚDE. Negativa de cobertura do exame de Exoma com sequenciamento, necessário para esclarecer apraxia oculomotora e leve alteração de equilíbrio do autor. Recusa da operadora fundada na ausência de inclusão do procedimento no rol da Agência Nacional de Saúde (ANS). Postura abusiva da operadora. Interpretação à luz do Código de Defesa do Consumidor. Cobertura obrigatória. Sentença mantida. Recurso desprovido.(Relator(a): Ana Lucia RomanholeMartucci; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 04/09/2015; Data de registro: 05/09/2015 1013401-31.2014.8.26.0011 Apelação / Planos de Saúde (gn)
Além da posição jurisprudencial favorável apresentada, há que se considerar também que é inadequado que a Operadora de Plano de Saúde decida pelo tratamento do enfermo, já que assegurar a cobertura da enfermidade mas negar o tratamento mais adequado equivale a nada oferecer, posicionando o consumidor desvantagem.
O Tribunal de Justiça de São Paulo, criou a Súmula102 do notadamente que rechaça tal comportamento, vejamos:
“Súmula 102: Havendo expressa indicação médica, é abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol de procedimentos da ANS.” g.n.
Ademais, conforme preceitua o artigo 35-F, da lei nº 9.656/98, devem ser promovidas as ações necessárias à prevenção e ou recuperação dos segurados:
“a assistência a que alude o artigo 1º desta lei, compreende todas asações necessárias à prevenção da doença e à recuperação, manutenção ereabilitação da saúde, observados os termos desta lei e do contrato firmado entre aspartes”.G.n.
Ainda, muitas vezes a Operadora de Planos de Saúde não possui em sua rede credenciada profissionais habilitados para a realização de procedimentos e ou eventos não constantes do Rol da ANS, o que é de se esperar já que não oferecem ordinariamente esses serviços para seus segurados.
Quanto a isso, novamente a jurisprudência do TJ/SP já se manifestou no sentido da possibilidade de obrigar-se a Operadora, vejamos:
“Plano de saúde. Pedido de cobertura de tratamento realizado com profissional não credenciado. Beneficiário portador de grave patologia neuromuscular. Possibilidade. Ausência de comprovação de existência de profissionais que realizam o tratamento dentro da rede credenciada. Sentença reformada. Recurso provido.” (Apelação 1025556-56.2015.8.26.0100 – TJ/SP)
Portanto, notório é o entendimento jurisprudencial no sentido de responsabilidade das Operadoras de Planos de Saúde pelo custeio de tratamentos ainda que não constantes do Rol da ANS, cabendo aos prejudicados por condutas negativas buscar o Judiciário para resguardo de seus direitos, relembrando-se ainda que o inadimplemento e/ou a mora das Operadoras podem trazer conseqüências irreversíveis à saúde dos segurados, o que enseja a aplicação das regras de responsabilidade civil.