1. Introdução
Tratar do nome civil das pessoas naturais seria uma tarefa bastante singela se enfrentada unicamente do ponto de vista do Direito Civil. Todos os indivíduos, de todos os sexos, raças, cores, condições sociais e econômicas e de todos os lugares são portadores de um nome, consistente no critério de identificação mais utilizado tanto pelos demais indivíduos quanto pelo Estado e suas instituições. Daí a importância do seu estudo e a relevância de se compreender porque certos nomes devem ser evitados.
O nome é um direito fundamental por estar inserido no contexto dos direitos da personalidade, restando daí a inevitável conclusão de que sua disciplina não pode fugir à atenção da ciência jurídica, mormente em tempos nos quais o Direito volta-se para o indivíduo e procura resgatar a carga de subjetividade perdida com o avanço da mecanização e da padronização das relações humanas. Se há um direito ao nome, é necessário proteger seu titular de situações nas quais ele possa ser a causa de constrangimentos, vexames e humilhações: nomes ridículos são uma grande ameaça à auto-estima das pessoas, na medida em que criam para ela um ambiente propício às situações antes mencionadas, inteiramente contrárias à urbanidade e ao respeito que devem reger as relações interpessoais. Apresentar-se na sociedade portando nomes como Colapso Cardíaco da Silva, Beldroengas, Boleslau, Himeneu Casamentício das Dores Conjugais ou tantos outros é, para se limitar a um adjetivo, constrangedor.
Antes de adentrar às regras que norteiam a formação dos apelidos de família e do prenome, é de bom alvitre afirmar que, salvo raras exceções, não há normas positivadas acerca deste tema. A escolha dos prenomes e patronímicos é ato de extrema pessoalidade da parte dos pais, que leva em grande consideração os usos e costumes da família e da comunidade circundante, tendo em vista a sua importância e as conseqüências que pode trazer ao filho durante toda sua existência. Por isso, a razoabilidade, a ponderação e o bom-senso são os valores que efetivamente deverão presidir o ato decisório, a partir do comum acordo entre os pais, de maneira que sejam preservados não só os interesses de ambos, mas também – e em primeiro lugar – os interesses do infante. De nada adianta um nome agradável ao ouvido dos pais que, no futuro, trará constrangimento aos filhos. É com este mote que Miguel Maria de Serpa Lopes afirma:
O nome é uma obrigação frente à sociedade, quanto ao seu uso necessário e à sua imutabilidade. O modo de o compor, a sua formação ortográfica não podem estar sujeitos ao arbítrio da lei ou do Estado, desde que fiquem respeitados certos princípios essenciais ao seu reflexo na coletividade [1].
Vale ressaltar, a título de formalidade, que o direito ao nome é regulado pela lei do domicílio da pessoa, conforme dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil – LICC (Decreto-Lei n.º 4.657, de 04 de setembro de 1942) no art. 7.º: "A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família". Ainda formalmente falando, é importante a regra que determina a validade do primeiro registro de nascimento em detrimento de eventuais segundo ou terceiro registros: no direito notarial, prevalece sempre o registro mais antigo, posição corroborada pelo STF [2].
2. Apelido de família
O apelido de família é o elemento do nome que identifica a família à qual pertence o indivíduo. Perpetuar o nome de uma família não é apenas carregar consigo os vocábulos e sons que o compõem, mas, sobretudo, honrar as tradições e costumes familiares, procurando contribuir ao máximo para o engrandecimento da honra e da dignidade das pessoas que a integram, perante a sociedade. Além da função identificadora do apelido de família, ele guarda em si este apanágio, qual seja, o de transportar através dos tempos a boa reputação do grupo familiar.
É decorrência desta dúplice tarefa a proteção que o ordenamento jurídico confere ao apelido de família. Não é por acaso que as regras para sua proteção foram evoluindo ao longo do progresso jurídico verificado a partir do final do século XIX, de acordo com o aperfeiçoamento da doutrina que considera o nome como direito da personalidade. No primeiro momento, o patronímico não era obrigatório, característica adquirida com o incremento populacional e a necessidade de evitar ao máximo a homonímia; as raízes desta obrigatoriedade confundem-se com as tradições reinóis, herdadas dos colonizadores portugueses, de incorporar o máximo possível de vocábulos ao nome para demonstrar a importância da família e a bem-querença com a qual contava na Corte. Atualmente, a obrigatoriedade é uma norma cogente, traduzida pela fórmula posta no caput do art. 55 da Lei n.º 6.015/73 [3].
O mencionado dispositivo legal, no entanto, há de ser interpretado não mais com a pecha paternalista que conduzia a sociedade quando da elaboração da lei, mas sim à luz da igualdade entre homem e mulher, erigida à categoria de cláusula pétrea do ordenamento constitucional, de modo que não mais tem prevalência o patronímico do pai sobre o da mãe. Assim sendo, a aplicação deste artigo deve contemplar a aposição de ambos os patronímicos ao prenome do filho pelo oficial, desde que conhecidos; à falta de um ou outro, apõe-se o que for de conhecimento do oficial. Da mesma maneira a questão da filiação: o § 6.º do art. 227 da Constituição Federal assinala que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". Outra interpretação não há senão a que exclui a possibilidade de omitir no registro o patronímico do pai quando o status do filho for aquele que anteriormente era chamado de "ilegítimo" (filho cuja concepção ocorreu fora da relação matrimonial); tal proteção à figura do pai não mais tem cabimento, diante dos valores encartados no novo texto constitucional, no sentido de igualar em direitos e deveres os filhos – antigamente chamados – legítimos, ilegítimos e adotados [4].
Tal fato, contudo, não elide a aquisição dos patronímicos paterno e materno independentemente da espécie de filiação. Os filhos adquirem o patronímico dos pais ipso jure, isto é, de pleno direito: basta nascer com vida para ter direito ao patronímico paterno, o qual se torna impositivo; pode-se afirmar, inclusive, que o registro do patronímico tem eficácia declaratória, vez que aos pais é vedada a escolha de outros apelidos de família que não os seus. A regra não pode ser levada ao extremo de tornar obrigatória a inserção de todos os patronímicos do pai e da mãe, mas deve ser relativizada a ponto de permitir que ambos entrem em consenso e decidam quais patronímicos serão incorporados ao prenome do filho [5]. O oficial não ultimará o registro enquanto houver controvérsia entre os genitores acerca da composição do patronímico do filho.
Nem sempre os pais escolherão o apelido de família dos filhos. O citado art. 55 da Lei n.º 6.015/73 prevê a hipótese de os genitores declararem, no momento do registro, qual o prenome desejado, esquivando-se de informar os apelidos de família. É em casos como este que a lei transfere ao oficial do registro civil a prerrogativa de inscrever o patronímico que será dado ao nascido. Está adstrito o oficial aos apelidos de família dos pais da criança, se conhecidos forem; a lei silencia a respeito da hipótese de não serem conhecidos os apelidos familiares da mãe e do pai, mas o contexto protetor da Lei dos Registros Públicos demanda uma pesquisa, a ser efetuada pelo oficial, para averiguar qual apelido deve ser aposto ao prenome. Restando infrutíferas as diligências, devolve-se ao oficial a incumbência de providenciar um apelido de família para o nascido, de acordo com seu bom-senso e com os costumes do lugar; o apelido escolhido, no entanto, não deve fazer menção ao abandono ao qual foi relegada a criança (a ponto de não comparecer para acompanhar o registro nenhuma das pessoas enumeradas no art. 52), para que ela não carregue durante toda a vida o fato de ter sido abandonada pela família.
Há tempos não mais se adota o princípio da unidade nominal, segundo o qual todos os membros de uma mesma família deverão portar idênticos apelidos de família, no intuito de manter a unidade institucional no seio do ente familiar. Os pais ganharam liberdade suficiente para escolher quais apelidos familiares serão apostos ao prenome dos filhos, desde que sejam os seus próprios apelidos os limitadores das escolhas. O bom-senso do "homem médio" constitui também um fator de limitação à aposição de apelidos de família, pois os pais devem guardar, no momento da escolha, consonância com os valores, tradições e usos familiares, procurando com isso não cometer exageros. Antes de um ato técnico, dar um nome a uma pessoa é um ato movido em grande parcela pela emoção, advinda da íntima relação com o nascido, e a emoção deve igualmente ser contida pela ponderação e pela razão.
Manuel Vilhena de Carvalho [6] resgata a história da tradição onomástica européia, a qual indicava que o apelido de família mais próximo do prenome estaria em um "local de honra", destinado ao mais importante dos genitores, o pai; ao apelido da mãe restaria o último lugar. Com o passar dos tempos esta tradição foi-se invertendo, passando o patronímico do pai a ocupar o último lugar; não que os pais quisessem deixar o "local de honra" ao lado do prenome dos filhos, mas porque outra tradição – capitaneada pelos franceses e ingleses – determinou que o último patronímico fosse o transmitido aos descendentes, de modo que, se assim não fosse, os filhos levariam adiante o patronímico materno, e não o paterno, como deveria ser. Em alguns Estados europeus, chegou-se a criar uma regra alternativa, segundo a qual a posição dos patronímicos paterno e materno variava conforme o sexo do filho. Em Portugal, especificamente, uma outra regra foi criada no sentido de atribuir primazia ao patronímico paterno, o qual passou a ser aposto sempre em último lugar, para ser transmitido aos descendentes.
A limitação do número de apelidos de família é uma questão delicada, pois entram em choque dois valores: por um lado, o desejo dos pais de espelharem-se nos filhos, atribuindo a eles todos os seus patronímicos, por maiores que sejam; do outro lado, o interesse do filho, que terá de suportar um patronímico desproporcional e desarrazoado, aposto por mero capricho dos pais. São três os pontos desfavoráveis à limitação do número de patronímicos: a regra cerceia o exercício pleno do pátrio poder, limita a capacidade criativa dos pais e dificulta a ampliação da base onomástica. Recomenda-se, para evitar a homonímia, que o patronímico do filho guarde parcelas do patronímico de ambos os genitores, o que atende aos três parâmetros acima considerados: faz parte do exercício do pátrio poder, é um estímulo ao espírito criador dos pais e amplia a variedade onomástica. A lei brasileira não contempla qualquer limitação à extensão do nome, sendo que somente o bom senso e o caso concreto dirão qual a possibilidade real de acrescentar mais de um ou dois patronímicos ao prenome do filho.
Da mesma maneira, não há impedimento acerca da repetição de apelidos de família. Quando dois patronímicos de igual teor são justapostos, formam um segundo, diferente do original, com a única condição de que ambos os pais tenham individualmente o apelido de família em questão, duplicado no filho. Vedado é duplicar o patronímico quando somente um dos genitores o titularize, deixando de fora o patronímico do outro genitor [7]; de toda sorte, questões de estilo não recomendam a adoção de patronímico duplicado, a não ser quando a pronúncia for agradável e não der azo a cacofonias [8]. Por último, deve-se evitar, quando possível, o intercâmbio entre palavras comumente utilizadas como prenomes e apelidos de família, para que suas essências não fiquem prejudicadas pelo uso indevido e mal-colocado [9].
3. Prenome
O prenome é o signo distintivo de cada indivíduo, a marca que o distingue dos demais componentes de sua família e que o identifica perante as demais pessoas e instituições no contexto das relações cotidianas. A grande importância do prenome consiste na sua prevalência diante do apelido de família como modo usual de identificação de seu titular: é muito mais comum tratar as pessoas pelo prenome que pelo apelido de família, o qual fica – via de regra – relegado ao segundo plano no dia-a-dia. Personagens históricos são ainda hoje conhecidos pelos prenomes, a exemplo de Jesus (Cristo), Arquimedes, Alexandre (o Grande), Napoleão (Bonaparte), entre tantos outros, ainda que haja as exceções confirmatórias da regra (Adolph Hitler, Antonio Gramsci, Norberto Bobbio, para citar alguns).
A força identificadora do prenome é tamanha que, mais que nos apelidos de família, a escolha depende dos sentimentos e tradições familiares, sendo que os elementos inventivo e criativo são fortes determinantes da escolha. Também não há regras positivadas acerca deste mister, embora a experiência demonstre que, diuturnamente, as escolhas coadunam-se com o razoável, espelhando o sincero desejo dos pais. A tarefa que incumbe ao Direito não é a de cercear as liberdades de criação e expressão por meio da imposição de regras rígidas sobre a formação dos prenomes e da vedação ao emprego de alguns deles, mas sim a de atuar em uma perspectiva mais fiscalizadora que propriamente interventiva, preservando tanto a vontade dos pais quanto o interesse do recém-nascido, incapaz de faze-lo de per si; tais elementos são relevantes, inclusive, no desenvolvimento e na evolução do idioma escrito e falado, pois estes fatores dependem, fundamentalmente, da capacidade criadora e da liberdade conferida aos que falam e escrevem o idioma.
Equilíbrio é o fator primordial: o melhor prenome será aquele que resguardar os interesses tanto dos pais quanto dos filhos, independentemente de opiniões particulares de outras pessoas. Em eventual conflito de interesses, deverá prevalecer o interesse do filho, que carregará por toda a vida o prenome escolhido pelos pais, suportando eventuais ônus que dele decorram.
Manuel Vilhena de Carvalho comenta:
Todas estas restrições relevam da preocupação de apenas deverem atribuir-se às pessoas nomes próprios adequados e idôneos para as designar com a dignidade que lhe é intrínseca e cujo reconhecimento lhes é devido [...] a verdade, porém, é que, por um lado, não pode deixar de considerar-se extraordinariamente amplo e rico o campo de escolha de nomes próprios considerados adequados à designação das pessoas e, por outro, parece também defensável que, em cada momento, se impeçam como designações pessoais todas aquelas que possam ferir os seus titulares, agredir a susceptibilidade geral, ou pôr em causa as regras mínimas que a Antroponímia, como ciência dos nomes, estabelece para a sua formação. [10]
Além dos sentimentos e tradições familiares e da vontade dos pais, outros fatores externos interferem na composição dos prenomes: a consideração e o respeito a amigos (dar ao filho o nome de um amigo é prestar homenagem a este), o patriotismo (inspirar-se em heróis e benfeitores da pátria), a moda e a mídia (que são fatores típicos dos tempos ditos "modernos"), os esportes (homenagem a ídolos esportivos), a religião (principalmente no tocante aos nomes de santos e mártires do catolicismo) etc.
No curso da história, no entanto, alguns Estados e instituições chegaram a impor aos seus cidadãos normas referentes à confecção dos prenomes.
A Igreja Católica sempre recomendou a adoção de nomes de seus santos e mártires, mais para aumentar o número de fiéis e a arrecadação de impostos que, propriamente, para salvaguardar os nascidos com a proteção celestial; os calendários por ela editados foram sobremodo úteis para muitas escolhas, mormente quando a baixa instrução dos pais obrigava-os a copiar prenomes usuais, sujeitando-se à homonímia freqüente. Os prenomes mais acessíveis eram, então, os consagrados pela Igreja Católica: o próprio Código de Direito Canônico, publicado em 1915, mencionava a adoção de prenomes de santos e mártires como boa aos olhos de Deus; com a evolução da doutrina e a separação entre Igreja e Estado, as novas normas católicas, consubstanciadas no novo Código de Direito Canônico, promulgado em 1983, apenas recomendam aos pais, padrinhos de batismo e sacerdotes que não imponham ao batizando um nome alheio ao sentir cristão: devem ser, pois, evitados, os nomes obscenos ou ridículos, de falsos deuses ou de homens impudicos ou gentios [11].
Superada a etapa histórica de promiscuidade entre Igreja e Estado, este assumiu o encargo de regular e regulamentar os registros públicos e as questões acerca do nascimento e suas implicações jurídicas. Duas das maiores conquistas, no que toca especificamente ao direito ao nome, inserem-se no contexto da democratização do Estado de Direito e se consubstanciam em duas normas jurídicas: a primeira refere-se à igualdade entre homem e mulher para os fins de dar nome aos filhos e a segunda situa-se no plano filial, no qual deixou de haver distinção entre filhos legítimos, ilegítimos e adotados, passando todos eles a ter direito a um prenome escolhido pelos pais e aos apelidos de família destes. Ainda que a Lei n.º 6.015/73 continue com a redação original em alguns dispositivos, há que se entendê-la a partir da interpretação constitucional que leva em conta o princípio da igualdade; é este justamente o traço comum que as une, colaborando para a integração do ordenamento jurídico aos termos da Constituição Federal.
Em termos concretos, algumas regras extraídas do bom-senso e da eqüidade são indispensáveis na boa formação dos prenomes.
Primordialmente, o prenome precisa guardar estrita correspondência com o sexo do seu titular. A crescente necessidade de precisão na identificação das pessoas – para fins civis e criminais – traz consigo a necessidade de não se lhe opor entraves, sendo esta a razão pela qual o prenome deve adequar-se ao sexo. Não é de bom alvitre, pois, empregar prenomes característicos do sexo oposto [12]. Sendo a sexualidade também uma forma de identificar as pessoas, a combinação nome-sexualidade deve sempre ser sinônimo de precisão. Rita, p.ex., é prenome tipicamente feminino e seu emprego deve ficar adstrito a pessoas do sexo feminino; o mesmo acontece com Fábio, no campo masculino. Nada impede, no entanto, que prenomes femininos sejam acompanhados por segundos-prenomes masculinos e vice-versa, formando prenomes compostos como, p.ex., Maria João ou João Maria.
Outros prenomes que devem ser evitados são aqueles cujos vocábulos são originariamente empregados para designar coisas, animais e qualidades, ressalvadas as exceções consagradas pelo uso popular. Garfo, lontra e bonito são palavras que, a despeito da vasta utilidade no contexto da Língua Portuguesa, não devem, sob nenhum pretexto, designar pessoas, por haver uma incompatibilidade prévia entre a palavra e o objeto por ela designado. Isto porque é impossível dissociar tais palavras daquilo que representam, inexistindo maneira de aproveitá-las como prenomes próprios sem causar vexames e constrangimentos a seus eventuais titulares. O mesmo Manuel Vilhena de Carvalho é claro em suas afirmações:
Ao procederem à indicação dos nomes próprios nos actos de registro de nascimento, nem sempre os declarantes o fazem por forma a ter em conta os requisitos legalmente impostos quanto à sua composição, seja por incompleto conhecimento da lei, seja por sobreavaliação do conteúdo do seu direito e liberdade de escolha. Por sua vez, os funcionários do Registro Civil, zelosos do cumprimento e aplicação das normas que a esta matéria respeitam, nem sempre dispõem dos necessários meios de avaliação da idoneidade legal de certos vocábulos indicados, para efeitos da sua admissibilidade e aceitação como nomes próprios. [13]
As exceções consagradas pelo uso popular podem ser exemplificadas: não causa espanto a ninguém chamar-se uma pessoa "Margarida" ou "Rosa", pois, apesar de os vocábulos designarem espécies de flores, o uso transformou-os também em nomes próprios, plenamente aceitos.
A questão do tamanho do prenome desperta controvérsias. Enquanto algumas legislações chegaram a limitar o número de prenomes, como a portuguesa [14], pelo critério aritmético, outras, como a brasileira, em nenhum momento tratam do assunto; assim sendo, presume-se que a lei não quis limitar o número de prenomes, deixando-o à mercê da conveniência dos pais.
Sendo a Língua Portuguesa o idioma oficial do Brasil, seria de se esperar o uso do vernáculo em todos os prenomes. Tal não ocorre, por vezes, em quatro situações distintas:
a)o brasileiro, filho de pais brasileiros, recebe prenome estrangeiro;
b)o brasileiro, filho de pais estrangeiros, recebe prenome estrangeiro;
c)o estrangeiro, que ingressa no território nacional, mantém seu prenome estrangeiro;
d)o estrangeiro, que ingressa no território nacional, altera seu prenome estrangeiro.
Na primeira, há uma verdadeira incompatibilidade que deve ser evitada, pois não faz sentido que um brasileiro, nascido no Brasil de pais brasileiros, receba prenome estrangeiro. Equivale a desconsiderar o vernáculo como meio oficial – e constitucional – de comunicação entre os habitantes do território nacional, desprestigiando-o em favor de estrangeirismos desnecessários [15]. Na segunda, a presença de pais (ao menos um deles) estrangeiros justifica o prenome estrangeiro do filho, prevalecendo o critério dos usos e costumes familiares em detrimento do critério territorial; nada impede, pois a lei não veda o emprego de estrangeirismos.
Estrangeiros que ingressam no território nacional, situações terceira e quarta, têm um regramento especial, encartado na Lei n.º 6.815, de 19 de agosto de 1980, que dispõe sobre a situação jurídica do estrangeiro no Brasil. Seu principal dispositivo acerca deste tema é o art. 31, com o seguinte texto: "O nome e a nacionalidade do estrangeiro, para o efeito de registro, serão os constantes do documento de viagem". Ou seja, o estrangeiro pode, sem problemas, permanecer utilizando seu prenome original, respeitando-se a vontade de seus pais e a sua origem; o registro de que fala o dispositivo é efetuado perante o Ministério da Justiça, que controla e organiza a situação jurídica dos estrangeiros no Brasil.
Há situações, no entanto, que autorizam a troca do prenome, enumeradas pelo art. 43 do mesmo diploma legal:
Art. 43. O nome do estrangeiro, constante do registro (artigo 30), poderá ser alterado:
I – se estiver comprovadamente errado;
II – se tiver sentido pejorativo ou expuser o titular ao ridículo; ou
III – se for de pronunciação e compreensão difíceis e puder ser traduzido ou adaptado à prosódia da língua portuguesa.
A alteração fundada no inc. III indica a vontade do legislador de, respeitando a origem do estrangeiro, facultar-lhe a mudança do prenome quando sua pronúncia e compreensão restarem dificultados, desde que possa ser traduzido ou adaptado ao vernáculo. Implicitamente, surge o comando segundo o qual os estrangeiros podem – e devem – realizar a mudança de nome nas situações previstas, objetivando a facilitação da convivência com a comunidade brasileira [16]. Fechando o sistema, obtém-se a regra geral de que o prenome, ainda que estrangeiro, deve ser de pronúncia e compreensão acessíveis aos brasileiros. A regra em nada contempla preconceito ou discriminação contra o estrangeiro, ao qual é garantida por disposição constitucional a "inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade" (Constituição Federal, art. 5.º, caput).
Para todos os efeitos, a jurisprudência vem aceitando com reservas a possibilidade de tradução do prenome estrangeiro para a Língua Portuguesa, sem entendê-la como caso de mudança de prenome, visto tratar-se de mera adaptação ao vernáculo. A necessidade da mudança (tradução) deve ser substancialmente motivada para que obtenha autorização, tendo em vista o conservadorismo ainda dominante nos tribunais.
Há momentos históricos nos quais determinados personagens são amados ou odiados, a depender de seus gestos e atitudes. No Brasil, pessoas como Tancredo Neves, Olavo Bilac ou Roberto Carlos despertam bons sentimentos e recordações nas pessoas, enquanto Fernando Collor, Paulo Cesar Farias ou Francisco de Assis Pereira [17] provocam reações de medo ou animosidade. Ainda que as normas jurídicas não façam qualquer vedação à cópia de nomes, é praticamente unânime o pensamento de que nomes como os da segunda categoria acima apresentados devem ser evitados, a fim de não causar constrangimento ao seu titular em decorrência da imediata associação com a figura histórica. O mesmo não ocorre individualizadamente com os respectivos prenomes, que em si nada têm da tônica negativista que carregam quando acompanhados da conotação que lhes impõem as figuras históricas. Por isso, costuma-se evitar prenomes com conteúdo político, subversivos ou contrários aos sentimentos nacionais, a despeito de não haver nenhum impedimento legal. [18]
Por fim, uma das únicas regras positivadas que dizem respeito à formação dos prenomes é a do art. 63 da Lei n.º 6.015/73, que merece integral transcrição:
Art. 63. No caso de gêmeos, será declarada no assento especial de cada um a ordem de nascimento. Os gêmeos que tiverem o prenome igual deverão ser inscritos com duplo prenome ou nome completo diverso, de modo que possam distinguir-se.
Parágrafo único. Também serão obrigados a duplo prenome, ou a nome completo diverso, os irmãos a que se pretender dar o mesmo prenome.
Constituindo a homonímia um problema ao qual o Direito ainda não conseguiu dar solução satisfatória, a partir da premissa de que a riqueza onomástica existente é insuficiente para empresar um nome totalmente diferente a cada pessoa, ela deve ser evitada, sobretudo no seio familiar. Filhos de mesmos pais não devem ter o mesmo prenome, a não ser que identificados por diferentes apelidos de família, regra que vale tanto para filhos nascidos em datas diferentes quanto para gêmeos [19].