A Lei 10.639, traz à tona uma questão pertinente e de fundamental importância não só para a população afro-brasileira mais para a sociedade como um todo. A inserção da disciplina história da África e cultura afro-brasileira nos currículos escolares vai transformar a cara da educação brasileira, prova disso são as reelaborações curriculares e as criações de ações afirmativas que agora abre certo espaço para as camadas excluídas da população, principalmente a afro-brasileira. A implantação da Lei 10.639, das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Racial e para o Ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira e PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais são exemplo claros dessas mudanças. A criação dessa Lei ultrapassar o elogio da diversidade baseado em perspectivas homogeneizadoras que valoriza a especificidade de cada grupo social, de modo a garantir-lhes não apenas o simples reconhecimento das diferenças, mas o direito ao exercício de uma cidadania plena como grupo singular.
A Constituição da República Federativa do Brasil, lei maior de nossa nação, possui enquanto pressuposto Baseado na tolerância às diferenças, e o repúdio a quaisquer formas de discriminação no campo educacional, que não é diferente da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nº 9394/96, que confere ao contexto educacional a especificidade de articular com a diversidade, por meio do respeito às manifestações culturais, bem como um currículo que atenda às necessidades de todas as partes envolvidas na relação ensino – aprendizagem.
(...) assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (...). (BRASIL, 1988, p. 1)
No contexto educacional do nosso país o desrespeito as leis e as Diretrizes educacionais contribuem para o preconceito étnico educacional principalmente para a população negra, por que as ausências de dados históricos e culturais do povo negro estão contribuindo para a criação de uma nação sem referências, propriamente ditas, por que o que se tem é um recorte pautado em estereótipos, os quais vão depreciando sua imagem e sua auto-estima.
Visto que, historicamente a população negra no Brasil foi colocada à beira da marginalidade e sempre foi sustentada por teorias racistas que foram elaboradas principalmente no século XIX com o objetivo de forjar o discurso de superioridade da racial branca. Tal discurso perpassa a história do Brasil imprimindo relações desiguais entre as condições de direitos da população branca e da população negra. Neste sentido, faz-se necessário buscar alternativas políticas e sociais de superação dessas desigualdades.
Preconiza-se assim, que a educação seja voltada parar as relações étnicas, por que mesmo sendo a sociedade brasileira pluriétnica, a população negra tem sido historicamente alvo de racismo e de mecanismos de exclusão social. Sendo a educação parte da construção histórica e um direito de todos, cabe às esferas governamentais garantir uma educação de qualidade, nesse sentido, a formação continuada dos professores (as) quando da inserção no currículo de novas demandas culturais dos afro-descendentes.
Portanto a educação constitui-se sobre os principais ativos e mecanismos de transformação de um povo, e é papel da escola de forma democrática e comprometida com a promoção do ser humano na sua integralidade, estimular a formação de valores, hábitos e comportamentos que respeitem as diferenças e as características próprias de grupos e minorias. Assim, a educação é essencial no processo de formação de qualquer sociedade para ajudar abrir caminhos na preparação da cidadania de um povo.
SÍNTESE DO HISTÓRICO DO NEGRO NO AMBITO EDUCACIONAL
A discriminação educacional que atinge até os dias de hoje a população negra sai de um Decreto de nº 1.331/ 1854 que proibia os negros de freqüentarem as escolas publica.
A luta por esse direito educacional começou formalmente em 1950 na realização do primeiro congresso do Negro Brasileiro, realizado no Teatro Experimental Negro na cidade do Rio de Janeiro, mas foi no período mais conturbado da política brasileira (1978) que os movimentos negros tomaram força e reivindicaram: trabalho, cultura negra, não ao racismo e educação. No processo de redemocratização do Brasil nos anos 80, ocorreram varias reformulações nos currículos escolares da maioria dos estados brasileiros. Em 1986 na Convenção Nacional do Negro pela Constituinte, realizada na capital brasileira nos dias 26 e 27 de agosto, os representantes dos movimentos negros reivindicaram na esfera educacional a obrigatoriedade da inclusão nos currículos escolares de I, II, III graus, o ensino de História da África e da Historia Negra no Brasil.
Através dessas lutas e reivindicações algumas iniciativas foram tomadas na política educacional que auxiliou em varias modificações educacional.
Em alguns municípios e estados brasileiros houve uma efetiva mudança na lei orgânica da educação; na Bahia em 1989 foi promulgada a lei que inseriu questões da História e da Cultura Afro- Brasileira no seu ensino; em seguida veio à vez de Belo horizonte (1990 e 1991), o município de Porto Alegre, em 1984 foi à vez de Belém e Aracaju. Diversas disputas e lutas em torno de uma nova política educacional levaram a aprovação da Lei 9.394/96 de Diretrizes e Base da Educação Nacional (LDB) que prevê o processo de unificação curricular e de avaliação nacional. Em 1997 o governo publica os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, assim como uma serie de medidas que produziram diversas mudanças na educação brasileira e conseguinte na história. Obviamente, todo esse contexto ajudou na maior conquista educacional negra, a sanção da Lei 10. 639/03 que regulamenta o ensino da História da África e Cultura Afro-Descendente em toda rede educacional brasileira. Porem essa conquista ainda não se tornou uma vitória, por que, a Lei 10.639/03 não estar sendo implantado como deveria em varias instituições de ensino nacional, as principais causa ainda da não implantação são: a falta de profissionais qualificados para lecionar essa matéria, material impressos (livro didático, folhetim) que tragam informações reais sobre a história do povo negro e seus descendentes, e ainda o velho preconceito que ainda estar arraigado na formação dos profissionais e da antiga pedagogia.
(...) os fenômenos brasileiros de baixa escolaridade média e da desigualdade educacional, que caracteriza a população no seu conjunto, atingem com especial gravidade aquela que se auto-classifica como preta ou parda, a qual é particularmente desfavorecida. Enquanto os brancos possuem, em média, seis anos de escolaridade, o preto e pardo pouco ultrapassa quatro. (FAZZI, 2006).
Séculos de descriminação fez do aluno negro um ser sem brilho, por que as informações obtidas dentro da sala de aula são dos nossos ilustres antepassados europeus, que dizer, brancos, que era e são mostrados nos nossos livros didáticos e na velha pedagogia como heróis que são sempre superiores as outras raças, principalmente a negra, todas essas informações preconceituosa tornaram-se empecilho nas relações sócio-educativa dos negros nas instituições escolar. Silva (1998) traz em seu livro um retrato dessa realidade. Por meio de um relato que fica claro os sentimentos de angústia e consternação, aos quais se submetem as crianças negras, diante da pressão de serem “diferentes”.
Lembro-me neste momento, de uma redação escrita por uma criança negra, da cidade de Tupã, interior de São Paulo, onde ela conta que no seu primeiro ano de escola, no primeiro dia de aula, a professora precisou sair por um momento da sala. Pediu aos alunos que conversassem com o coleguinha do lado, da frente para se conhecerem. Um aluno perguntou: “professora, eu vou ter que conversar com esta pretinha aqui de trás?” Conta, a redação da menina, que a professora ficou desarmada, sem saber o que falar. Diante da fala do colega e da postura da professora, desarmada e sem saber o que fazer o que dizer a pequena aluna negra, no seu primeiro ano de escola, e no primeiro dia de aula, já pode concluir na sua ingenuidade, que aquele não seria um espaço muito amigável (SILVA, 1998, p. 22).
Deste fato se pode retirar um ponto muito importante: se os professores forem favoráveis com este tipo de atitude, infelizmente, permeada em alguns alunos, se criará um ambiente de intolerância. De acordo com Jean (1997, p.52) “a tolerância consiste, pois, em certa medida, em aceitar a presença, ou atividade, ou a existência de pessoas ou de idéias com as quais não estamos forçosamente de acordo”.
A ESCOLA E AS NOVAS DIRETRIZES CURRICULARES
As pesquisas Culturais enfatizam que o novo currículo deve vincular-se às experiências que os estudantes trazem com o conhecimento institucionalmente legitimado. Os textos não podem ser compreendidos fora do contexto de sua produção histórica e social e separados das experiências dos estudantes. O desafio desta proposta é encontrar um espaço na pedagogia moderna para resgatar os valores culturais do segmento da população negra. Isto implica questionar a história e não apenas estudá-la. Os aspectos da cultura africana no contexto escolar são expostos de forma simplista quando se fala sobre a música, a culinária, a dança ou sobre os cultos afro-brasileiros. A influência africana no Português do Brasil, por exemplo, ainda não é plenamente citada nas Faculdades de Educação, nos currículos escolares, na gramática e nos livros didáticos.
Contudo o espaço escolar, pela sua própria estrutura, reflete a organização da sociedade que construímos, a qual é permeada pela complexidade das relações entre os diferentes sujeitos e grupos sociais. Isso indica que a escola é uma instituição onde os conflitos e as contradições ocorrem freqüentemente, resultado das diferentes inter-relações dos sujeitos. Segundo Grignon (2003, p. 180)
“[...] a ação específica da escola contribui diretamente para o reforço das características uniformes e uniformizantes da cultura dominante e ao enfraquecimento correlativo dos princípios de diversificação das culturas populares”.
Entretanto a escola por ser um espaço privilegiado para a formação de indivíduos pode produzir discursos que promovem a exclusão ou enfrentar o desafio de desenvolver ações culturais e políticas capazes de transformar os indivíduos e as relações sociais, visando à construção de uma sociedade mais igualitária.
A falta de articulação entre a cultura escolar e a cultura dos alunos nos convida a refletir sobre os diversos fatores que compõem o currículo escolar e o sistema de ensino. Torna-se urgente uma reflexão mais abrangente sobre o papel da escola neste novo milênio. As contribuições das pesquisas e estudos que discutem essa questão devem servir de incentivo para aqueles que acreditam na possibilidade de se desenvolver no cotidiano escolar um projeto intercultural voltada para a construção de uma sociedade plural e sem preconceitos.
A EDUCAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA POSITIVAÇÃO DOS VALORES CIVILIZATÓRIOS AFRO-BRASILEIROS NA ESCOLA.
No momento em que se é proposto questionar a necessidade real do aprendizado da história e cultura afro-brasileira, se busca através de uma postura política levantar algumas possibilidades que contextualizem a memória coletiva que se faz presente nos mitos, nas cantigas, na religiosidade, nos aspectos corporais, gestuais, emblemas e roupas expressados na origem e ancestralidade da matriz cultural africana.
Partindo para o pressuposto da educação, devem-se construir pedagogias que contemple as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Racial e para o Ensino de História da África e Cultura Afro-Brasileira dentro do meio educacional para que a população afro-brasileira se sinta capaz de promover a sua própria libertação e ser o agente histórico da sua própria existência. Neste sentido acredita-se na ação imediata dos órgãos educativos, do educador e da sociedade que nesse contexto são peças fundamentais para descaracterizar dos discursos ideológicos ao longo dos séculos.
Em se tratando da mudança da grade curricular, a legislação diz que para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História da África e Cultura Afro-Brasileira", se dá também em meio a essas polêmicas contemporâneas. Todavia, a partir de sua implantação, as escolas terão oportunidades de abrir espaços para a construção de uma prática curricular que seja efetivamente crítica e não celetistas de conteúdos, discursos e práticas como vemos ainda.
Assim podemos apontar alguns itens que consideramos importantes na Lei 10.639/ 2003 necessários para a inclusão no currículo oficial da Rede de Ensino diante da obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".
A lei recomenda que seja feita,
O estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e políticas pertinentes à História do Brasil. Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História do Brasil.
Ao mesmo tempo, o Parecer CNE/CP n.º 3, de 10 de março de 2004, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e a Resolução CNE/CP Nº 1, de 17 de junho de 2004 que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, são as referências necessárias para se entender as ações curriculares para os afro-descendentes na escola.
Portanto, a Lei representa um avanço ao possibilitar a construção de um multiculturalismo crítico na escola brasileira, ao tempo em que reconhece uma luta histórica do movimento negro em nosso país, cuja bandeira de luta consistia em incluir no currículo escolar o estudo da temática “história e cultura afro-brasileira”. Por outro lado, não podemos esquecer que muito ainda precisa ser feito para que a Lei não se torne letra-morta e venha contribuir, de fato, para uma educação multicultural.
Assim, dinamizar essa discussão é executar e cobrar um trabalho pedagógico de qualidade sobre a cultura afro-brasileira na escola, esse é o desafio para os educadores, instituições educacionais e a sociedade brasileiras que neste momento histórico são os responsáveis pela continuidade desse projeto.
Em suma os obstáculos impostos contra a história dos Africanos e seus descendentes nos estabelecimentos de ensino brasileiros, nos livros didáticos e na grade curricular têm de ser definitivamente banidos, para que a história dos descendentes Afro-brasileiros seja verdadeiramente esclarecida e saldar.
CONCLUSÃO
Ao constatar que à população negra brasileira historicamente tem tido seus direitos negados, sofrendo as conseqüências devastadoras de séculos de discriminação e racismo, urge pensar e tomar medidas contundentes nas diversas esferas governamentais e sociais no sentido de proporcionar o equilíbrio a igualdade de condições de existência e garantir o respeito e a dignidade a todos os afro-descendentes no Brasil.
Nesse sentido, a Lei nº 10.639/2003 traz no seu contexto os anseios dos afro-brasileiros principalmente os ligados aos movimentos sociais e de articulação dos direitos civis, políticos, sociais e econômicos, que valorizam a riqueza histórica e cultural da sua ancestralidade africana.
Neste viés, entende-se que os esforços para efetivar o ensino da História da África e Cultura Afro-Brasileira perpassam pela formação continuada dos (as) professores (as), pelo comprometimento do Estado em efetivar ações que imprimam novos olhares a acerca das relações étnico-raciais e pela sociedade que tem o direito de exigir a seguridade da execução da Lei e das Diretrizes voltadas para esse tema. O caminho estende-se desde a percepção da importância dos negros e seus descendentes na formação sócio-econômica do Brasil, até o contexto histórico educacional nacional brasileiro.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília (DF): Senado
Federal, Centro Gráfico, 1988.
_______. LEI Nº 9.394 de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira. Brasília:
Ministério da Educação. 1996.
______________. Parâmetros Curriculares Nacionais de Educação para temas
Transversais: pluralidade cultural. Brasília (DF): MEC, 1997.
_______. Parecer nº CNE/ CP 003/2004 de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2004.
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTICO-RACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA. Conselho Nacional de Educação. Opinião técnica nº. CNE/CP 003/2004 Colegiado: CP aprovado em 03/10/2004. MEC/UNESCO.
FAZZI, Rita de Cássia. O drama racial de crianças brasileiras: socialização entre pares e preconceito. Disponível em: http://www.politicasdacor.net/documentos/aprelivros/dramaracial.pdf, Acesso em: 18 Set. 2010.
SILVA, Edílson Marques Da. Negritude e fé: o resgate da auto-estima. Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo: Faculdade de Ciências e Letras “Carlos Queiroz”, 1998.