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Implicações do princípio da razoável duração do processo.

As mudanças com o novo Código de Processo Civil

Agenda 20/02/2017 às 15:00

A lentidão processual geralmente beneficia a parte que não está com a razão, não reconhece essa situação e também não se dispõe a ceder e colaborar com o processo.

É inegável que hoje vivemos a era do congestionamento. Congestionamento como efeito de se acumular algo, impedindo o livre trânsito, ou seja, a livre circulação. O aumento populacional trouxe consigo problemas dos mais diversos: desde excesso de filas, de veículos, atendimento de massa, até estresse, colesterol alto e artérias entupidas. Fato é que as pessoas têm cada vez menos tempo, e isso abrange também a falta de paciência.

Mas, qual seria a relação desses eventos com o processo? Pensar o processo como instrumento da jurisdição estatal é também pensar o mecanismo processual como reflexo da nossa realidade. Para entender como podemos efetivar a celeridade processual, precisamos assimilar qual a origem da obstrução dessa frágil via jurisdicional.

O maior desafio é tornar exequível a duração razoável do processo, sem prejuízo de um julgamento adequado, que garanta o contraditório e ampla defesa — aumentar a quantidade de processos encerrados sem abrir mão da qualidade. Essa máxima está presente também no meio empresarial, vez que progressivamente se exige dos funcionários o aumento da produtividade em tempo hábil: a dita eficiência. Até mesmo quando vamos ao médico, nosso objetivo é ser atendido com brevidade e atenção aos nossos sintomas, obtendo um diagnóstico e tratamento de saúde eficazes. Porém, sabemos que não é o que acontece em um atendimento padrão.

Voltemos ao universo jurídico. Quando falamos de direito processual, o que seria considerado um tempo hábil ou duração razoável? Seria um lapso temporal admissível, aceitável, plausível, ou seja, a demora que se admite em um procedimento específico, que não causa desespero ou angústia àquele que espera. Contudo, como quantificar isso? Dez, cinco, dois anos? Como sempre, nas ciências humanas, a resposta é: depende. O tempo a se considerar razoável varia conforme a complexidade de cada caso, a quantidade de partes envolvidas, o rito, até mesmo a quantidade de juízes e funcionários em proporção à população regional, entre outros fatores. Em suma, a conclusão que se pode chegar é que haverá duração razoável quando não existir congestionamento processual, quando esse processo estiver avançando de acordo com o que se espera de outros casos semelhantes. Como por exemplo, em um procedimento de jurisdição voluntária, em que se requer um simples alvará judicial com base em provas documentais, poder-se-ia considerar que um mês é um prazo razoável para se obter a resposta a esse pedido, e consequente extinção do feito (isso sem considerar a nova questão da ordem cronológica dos julgados, que é tema suficiente para outro artigo).

Desde o vetusto Decreto-Lei nº. 1.608, de 18 de setembro de 1939 (ou Código de Processo Civil de 1939), o texto processual trazia, muitas vezes, o termo “prazo razoável”, mas ainda não existia uma previsão legal para conclusão do processo em tempo hábil, pois, claramente devido ao número reduzido de processos, e mesmo com o simples recurso das máquinas de escrever, o tempo ainda não era um obstáculo a ser vencido. Curioso é que esse codex apresentava em seu art. 20 uma determinação do incrível prazo de 24 (vinte e quatro) horas para o juiz proferir um despacho. Descumprindo esse prazo sem motivo justificável, poderia perder o equivalente em seus vencimentos.

Por razões óbvias, jamais reviveremos tais acontecimentos, até porque nem mesmo nossa população interiorana dispõe mais de tardes livres em cadeiras de balanço nos escancarados portões de suas casas, aquele cenário bucólico de “Cidadezinha Qualquer”, do Poeta Drummond.

Desde então, a Lei, com o perdão do trocadilho, como em um delay, lentamente acompanha as mudanças sociais. Algumas disposições do Código de Processo Civil de 1973 abordavam, ainda que indiretamente, o escopo da celeridade. Entre elas é possível citar o artigo 130, que tratava da livre apreciação das provas. Ao magistrado passou a ser possível a exclusão das provas “inúteis ou meramente protelatórias”. O próprio artigo 125, em seu inciso II, trouxe como um dever do magistrado “velar pela rápida solução do litígio”.

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José, Costa Rica, 1969) versou em seu artigo sétimo sobre o direito à liberdade pessoal, e, dentre outros direitos, que toda pessoa detida ou retida deveria ser conduzida sem demora a um juiz e ser julgada dentro de um prazo razoável ou aguardar seu julgamento em liberdade.

Seguindo essa vertente, e após ratificação do Pacto em 1992 e promulgação da Lei nº. 678, de 06 de novembro de 1992, a Reforma do CPC de 1994 (Lei nº. 8.952/1994) tornou possível a figura da antecipação dos efeitos da tutela (art. 273, CPC/73), que foi mais um mecanismo facilitador da celeridade processual.

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Após a Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004 (neste ponto como delay do Pacto de San José, Costa Rica), foi acrescentado o inciso LXXVIII à Constituição Federal de 1988, segundo o qual, “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.

O legislador, quando fez uso da expressão “meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, deixou aquele conhecido mistério no ar para os operadores do direito. Cumpre portanto à legislação subsequente regulamentar e criar mecanismos que tornem efetiva essa celeridade.

Pois bem. A Reforma Processual de 1994 já havia acrescentado o inciso IV ao artigo 125 do CPC/73, que evidenciou o dever do juiz de “tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes”. Tal reforma trouxe também a figura da audiência de conciliação, posteriormente denominada “audiência preliminar”. Esse foi mais um dos mecanismos criados, porquanto chegou-se à conclusão de que a paralisação dos processos se dava em razão do aumento exponencial do número de demandas judiciais. Logo, interromper ao máximo o curso do processo para encorajar as partes à transação seria o meio de se reduzir a quantidade de processos. O resultado, sabe-se hoje, não foi bem como esperado.

A Lei nº. 11.419/2006 trouxe avanços com a implementação do processo eletrônico nos Tribunais. Esse é outro meio de se alcançar a celeridade, como, por exemplo, na automatização das distribuições, inclusive remessa dos processos de um Tribunal a outro, evento necessário que chegava a atrasar em anos o andamento dos feitos. O fim das pilhas de papéis propiciou e ainda propiciará uma agilidade nunca antes experimentada. Na verdade, perceberemos esses efeitos a longo prazo, quando, gradativamente, forem extintos os processos físicos ainda existentes, e aprimorados os sistemas de informação.

Finalmente, com o mais recente Código de Processo Civil, o Princípio da Razoável Duração do Processo foi convertido em direito, abrangendo não só o trânsito em julgado, como toda a saga da fase de cumprimento de sentença. Ao menos em tese, o artigo 4º do Código de Processo Civil de 2015 sacramenta a necessidade de uma solução de mérito tempestiva, incluindo a atividade satisfativa. Mantido o dever do magistrado em zelar por essa celeridade (art. 139, II, CPC/15), é determinado igualmente o dever de cooperação entre todos os sujeitos do processo para que se obtenha em tempo razoável uma decisão de mérito justa e efetiva (art. 6º, CPC/15).

Tarefa árdua será coordenar toda essa interação, uma vez que a lentidão processual geralmente beneficia a parte que não está com a razão, seja ela autor ou réu. Dificilmente aquele que não está com a razão reconhece essa situação e permanece disposto a ceder e “colaborar” para o benefício geral.

O novo código também veio pautado na conciliação, tornando-a obrigatória, com exceção da recusa expressa de ambas as partes envolvidas (art. 337 e seguintes). Na vivência do ambiente forense já se pode inferir que a grande maioria dessas audiências restam infrutíferas, como ocorria com as extintas audiências preliminares. Existe uma falha lógica nessa obrigatoriedade, pois todas as partes deveriam manifestar interesse na tentativa de transação para que ela fosse possível. Para existir um acordo, os dois extremos precisam estar dispostos a transigir (quando um não quer, dois não fazem as pazes). O resultado é que, na maioria das vezes, essa tentativa de desafogar o judiciário acaba por engessá-lo ainda mais. Por exemplo, nas diversas demandas que constituem matéria de direito, que poderia ser julgada de pronto, haverá um longo período de paralisação, dentre outras intermitências, para agendamento e realização da audiência conciliatória.

Há de se convir que é louvável essa busca pela pacificação do conflito judicial no decorrer da lide, cooperação entre pessoas avessas, mas, infelizmente, em nossa realidade atual, isso ainda é uma idealização. É preciso lidar com os números e criar soluções praticáveis. Na maioria das vezes, quando alguém exerce seu direito de ação, é porque já tentou de outras formas mais simples resolver a situação com a parte contrária mas não conseguiu obter um consenso, principalmente porque movimentar a máquina judiciária custa caro e é demorado. O que precisamos na verdade é de um processo que traga uma solução justa, efetiva e no menor tempo possível.

Com o passar dos anos, a tendência será a busca das soluções alternativas de conflitos, mas fora do Poder Judiciário. É o caso da mediação, e até mesmo inclusão da cláusula arbitral ou compromissória nos contratos. Quando isso se tornar um padrão, serão gradualmente reduzidas as distribuições de ações, sendo esses adequadamente considerados “meios” ensejadores da viabilidade do inciso LXXVIII, art. 5º da Constituição.

A melhor opção hoje é entender o processo em uma visão “macroscópica”, em seu âmbito coletivo, pois aquela individualização dos casos concretos de cinquenta anos atrás se tornou inviável. Um grande avanço, que, se bem aplicado, poderá render bons frutos foi a criação do incidente de resolução demandas repetitivas (art. 976 e seguintes do CPC/15).

Sem adentrar o tema das falhas do Sistema Judiciário, assim como dos outros poderes do Estado (como desvios de verbas, falta de contratação de profissionais, má remuneração, entre outras situações que impedem o normal funcionamento da Máquina), hoje temos diversos instrumentos à disposição dos operadores do Direito. A lei não é perfeita, mas cabe a cada cidadão o bom senso para ver praticáveis seus benefícios. Dependerá não só dos magistrados, como também dos advogados, serventuários de justiça e, inclusive, as partes, com esforço e diligência, utilizar adequadamente esses instrumentos e contribuir para que a efetividade e razoável duração do processo seja possível.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Mirella. Implicações do princípio da razoável duração do processo.: As mudanças com o novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4982, 20 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53747. Acesso em: 25 dez. 2024.

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