Resumo: Busca-se nesse trabalho ressaltar a brilhante atuação do Ministério Público como entidade constitucionalmente criada para zelar pelos valores e interesses da sociedade. Mormente em face daqueles que, sem o menor escrúpulo, lesam o patrimônio público. No decorrer do texto é feito um breve cotejo do Ministério Público como instituição. Passa-se por sua nascente e organização em sede de normas constitucionais, para, ao depois, serem perquiridas as peculiaridades de sua Lei Orgânica Nacional. Em uma segunda etapa é examinada a Lei Federal n.º 8.429/92, que institui os agentes, atos, sanções e procedimentos concernentes à indigitada improbidade. Ao final, traça-se uma linha procedimental através da qual o Parquet perseguirá tais condutas com o escopo precípuo de punir seus agentes e recompor a res publica, quando necessário. Durante o transcorrer do trabalho são incidentalmente abordadas questões doutrinárias como a discussão acerca de qual princípio do Ministério Público estaria sendo mitigado pela Lei Federal n.º 9.099/95; a natureza jurídica da LONMP, momento em que é ressaltada a questão da existência ou não de hierarquia entre Lei Ordinária e Lei Complementar; a teoria da Ponderação de bens como forma de otimização constitucional; a questão acerca de qual seria a correta ação para os casos de improbidade administrativa (ser ou não, a ação da Lei n.º 7.347/85); dentre outras que nada mais representam senão frutos de nossas pesquisas e da crença em que só com os estudos se logrará êxito na busca do bem-estar social.
Sumário: 1. Ministério Público: origens históricas. 2. O termo Ministério Público. 3. Origens do Ministério Público em Portugal. 4. Origem e desenvolvimento do Ministério Público no Brasil. 5. O Ministério Público segundo a Constituição de 1988. 5.1. Conceito constitucional. 5.2. Princípios institucionais. 5.2.1. Princípio da unidade. 5.2.2. Princípio da indivisibilidade. 5.2.3. Princípio da autonomia. 5.3. Princípios infraconstitucionais. 5.3.1. Princípio do promotor natural. 5.3.2. Princípio da irrecusabilidade. 5.3.3. Princípio da obrigatoriedade. 5.3.4. Princípio da indisponibilidade. 5.3.5. Princípio da irresponsabilidade. 5.3.6. Princípio da devolução e princípio da substituição. 5.4. Autonomia da instituição. 5.4.1. Autonomia funcional da instituição e dos seus agentes. 5.4.2. Autonomia administrativa e financeira. 5.4.3. Legitimidade na iniciativa do processo legislativo. 5.5. Garantias e prerrogativas de seus membros. 5.5.1. Independência funcional. 5.5.2. Vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de seus vencimentos. 5.6. Vedações. 5.6.1. Recebimentos de honorários ou custas. 5.6.2. Exercício da advocacia. 5.6.3. Participação em sociedade comercial. 5.6.4. Exercício de outra função pública. 5.6.5. Atividade político-partidária. 5.6.6. Sanções por descumprimento das vedações. 5.7. Funções da instituição. 5.7.1. Promoção da ação penal pública. 5.7.2. Zelo pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal. 5.7.3. Promoção do inquérito civil e da ação civil pública. 5.7.4. Ação de inconstitucionalidade e representação interventiva. 5.7.5. Defesa dos interesses das populações indígenas. 5.7.6. Expedir notificações e requisitar documentos. 5.7.7. Controle externo da atividade policial. 5.7.8. Exemplificatividade das funções dentro do conceito de compatibilidade. 5.7.9. Vedações à representação estatal. 5.8. A participação da instituição na composição dos tribunais. 6. O Ministério Público segundo a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público. 6.1. A natureza jurídica da LONMP. 6.2. Órgãos do Ministério Público. 6.2.1. Órgãos de administração. 6.2.1.1. A Procuradoria-Geral de Justiça. 6.2.1.2. O Colégio dos Procuradores de Justiça. 6.2.1.3. O Conselho Superior do Ministério Público. 6.2.1.4. A Corregedoria-Geral do Ministério Público. 6.2.1.5. As Procuradorias e as Promotorias de Justiça. 6.2.2. Órgãos de execução. 6.2.2.1. O Procurador-Geral de Justiça. 6.2.2.2. O Colégio dos Procuradores de Justiça. 6.2.2.3. O Conselho Superior do Ministério Público. 6.2.2.4. Os Procuradores de Justiça. 6.2.2.5. Os Promotores de Justiça. 7. Probidade Administrativa. 8. Princípios jurídicos. 8.1. Conceito de princípio jurídico. 8.2. Natureza jurídica dos princípios. 8.2.1. Princípios constitucionais e infraconstitucionais. 8.3. Desnecessidade de positivação dos princípios jurídicos. 8.4. Conflito de princípios. A ponderação de bem. 9. Princípios reguladores da Administração Pública. 9.1. Princípios constitucionais expressos. 9.1.1. Legalidade. 9.1.2. Impessoalidade. 9.1.3. Moralidade. 9.1.4. Publicidade. 9.1.5. Eficiência. 9.2. Princípios constitucionais implícitos. 9.3. Supremacia do interesse público. 9.4. Finalidade. 9.5. Razoabilidade. 9.6. Proporcionalidade. 9.7. Motivação. 10. Análise da Lei Federal n.º 8.429/92. 10.1. Antecedentes legislativos. 10.2. Previsão constitucional. 10.3. Espécies de improbidade administrativa. 10.3.1. Atos que importem em enriquecimento ilícito. 10.3.2. Atos que causem prejuízo ao erário. 10.3.3. Atos que atentem contra os princípios da Administração Pública. 10.4. Sujeitos dos atos de improbidade administrativa. 10.4.1. Sujeito passivo. 10.4.1.1. Administração Pública. 10.4.2. Sujeito ativo. 10.4.2.1. Agentes públicos. 10.4.2.2. Agentes públicos parlamentares e judiciais. 10.4.2.3. Terceiros. 10.4.2.4. A responsabilidade por atos de improbidade administrativa. 10.4.2.5. A responsabilidade dos sucessores. 10.5. Sanções cominadas aos atos de improbidade administrativa. 10.5.1. Natureza jurídica das sanções. 10.5.2. Dosimetria. 10.5.3. Cumulatividade. 10.5.4. Espécies de sanções. 10.5.4.1. Perda de bens e valores. 10.5.4.2. Ressarcimento integral do dano. 10.5.4.3. Perda da função pública. 10.5.4.4. Suspensão dos direitos políticos. 10.5.4.5. Pagamento de multa civil. 10.5.4.6. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios. 11. Tutela da Probidade Administrativa pelo Ministério Público. 12. Legitimidade. 12.1. Natureza constitucional. 12.2. Legitimidade infraconstitucional. 13. Competência. 13.1. Prevenção da competência. 14. Inquérito civil. 14.1. Obrigatoriedade de realização do inquérito civil. 15. Ação civil pública ou ação civil de improbidade administrativa. 15.1. Medida cautelar na ação de improbidade administrativa. 15.1.1. Requisitos. 15.1.2. Medidas cautelares nos próprios autos da ação de improbidade administrativa. 15.1.3. Cautelares em espécie. 15.1.3.1. Afastamento do agente público. 15.1.3.2. Indisponibilidade de bens. 15.1.3.3. Seqüestro. 15.2. Antecipação dos efeitos da tutela. 16. Considerações finais. A atuação ministerial no combate da improbidade administrativa. Bibliografia.
1. MINISTÉRIO PÚBLICO: ORIGENS HISTÓRICAS
A doutrina em geral se controverte ao estudar as origens do Ministério Público. Todavia há que se fazer uma diferenciação logo de início que não encontramos na doutrina a esse respeito. Entendemos mais técnico mencionar as origens da função exercida pelo membro do Ministério Público – o promotor de justiça – vez que resta quase pacífica a origem da regulamentação do Ministério Público como instituição, o que veremos adiante.
Além disso, as atribuições do promotor de justiça contemporâneo podem ser encontradas fazendo-se uma junção de várias atribuições que, à época a que se reporta a doutrina para ensinar as origens do "Ministério Público", se encontravam espalhadas em vários cargos, fossem públicos ou privados.
Como a figura do "promotor de justiça" surgiu, ainda que embrionariamente, antes do Ministério Público com instituição é nesse que nos concentraremos inicialmente.
E quanto a este, realmente diverge a doutrina, variando de doutrinador para doutrinador. A mais remota origem que se menciona faz refere-se há mais de quatro mil anos, no Egito, em um funcionário real denominado magiaí, responsável pela punição dos malfeitores de todos os tipos, e que, em sentido contrário, lutava pelo bem daqueles que necessitavam.
Ainda são citadas, no período da Antiguidade clássica, as figuras dos éforos de Esparta que, não obstante serem juízes, eram encarregados do ius acusationis.
Na Grécia, em que os crimes eram divididos em públicos e privados, havia a figura dos thesmotetis também chamados de tesmótetas, aos quais era atribuída a função de oferecer a denúncia perante o Senado ou a Assembléia do Povo nos casos de crimes públicos.
Em Roma, os advocati fisci e os procuratores cesaris eram funcionários encarregados de vigiar a administração dos bens do imperador além dos censores, defensor civitatis, irenarcha, curiosi, stationarii e frumentarii.
Já na Idade Média são mencionadas as figuras dos saions germânicos e dos bailios e senescais, todos encarregados de defender os senhores feudais em juízo. Do direito longobardo mencionam-se as figuras dos missi dominici e gastaldi. Na Alemanha, com a atribuição de exercer a acusação quando o particular quedava-se inerte, havia os Gemeiner Anklager cuja tradução literal é "comum acusador".
São citadas ainda as figuras dos vindex religionis do direito canônico, e dos procurateurs ou procureurs du roi do velho direito francês. Na Itália menciona-se os advocatus de parte publica como também os avogadori di comun della repubblica veneta ou ainda os conservatori delle leggi di Firenze.
Nesse aspecto não se pode falar em consonância na doutrina, mas há uma certa pacificidade em se aceitar a origem do Ministério Público na França, em que se confundem as origens da função de "promotor de justiça" e da própria instituição do Ministério Público que até o momento ainda não havia sido vislumbrada.
Esse marco a que nos referimos não se trata dos procureurs du roi já mencionados, mas sim uma nova conceituação dos procuradores do rei, prevista na Ordenança de 25 de marco de 1302, de Felipe IV, o Belo, rei da França, o que foi considerado o primeiro texto legislativo a tratar objetivamente dessa função, prevendo a prestação, pelos procuradores, do mesmo juramento que era necessário aos juizes, sendo-lhes completamente proibido o patrocínio de outros interesses que não os do rei.
Essa divisão não foi tão abrupta assim. O Ministério Público foi paulatinamente sendo estruturado como conhecemos hoje em dia, no sentido de que suas funções, atribuições, garantias e vedações foram sendo forjadas ao longo dos tempos, com a evolução da sociedade.
Em 1790 foi dada vitaliciedade aos procuradores do rei, ano em que foram divididas as funções desses representantes, de sorte que uns eram nomeados pelo rei e inamovíveis, tendo como função velar pela aplicação da lei e pela execução dos julgados, além de serem estes também os responsáveis pelos recursos das decisões dos tribunais.
Outros eram os acusadores públicos, eleitos pelo povo, sendo sua única função sustentar a acusação diante dos tribunais.
O Ministério Público como instituição que conhecemos tem suas origens mencionadas na Revolução Francesa, onde começou a ser estruturado com o início da previsão das garantias de seus representantes.
Realmente o que se pode chamar de origem do Ministério Público como instituição, são os textos napoleônicos, onde foi instituído o Ministério Público que posteriormente foi difundido para os estados franceses.
Outra característica que nos faz concluir pelo surgimento do Ministério Público na França é a influência que até hoje é encontrada na instituição, como a menção à expressão Parquet, que significa "assoalho", expressão que advém do costume da época em que o procurador do rei ainda não tinha adquirido a condição de magistrado, o que fazia com que fossem obrigados a se sentarem no assoalho das salas de audiências, em vez de se sentarem no estrado, o que também lhes conferiu a expressão magistrature débout que significa "magistratura de pé".
2. O TERMO MINISTÉRIO PÚBLICO
A terminologia Ministério Público foi usada pela primeira vez em Roma, para fazer referência a todos que, de certa forma, exercitassem alguma função pública.
Mas o Ministério Público na acepção que conhecemos atualmente tem suas origens na França, com a expressão ministère public usada nos provimentos legislativos do século XVIII.
Posteriormente a expressão começou a ser usada com mais freqüência nas ordenanças e éditos (em 1765, 1777, 1778).
Pode-se dizer que a expressão surgiu mais na prática do que nos textos legislativos, quando os procuradores e advogados do rei se referiam a seu "ministério", que por tratar dos assuntos do rei era na verdade "público".
No direito pátrio a expressão foi usada pela primeira vez em 07 de março de 1609, no Alvará que criou o Tribunal de Relação da Bahia, embora haja quem defenda que a primeira aparição da expressão em textos legislativos brasileiros foi em 02 de maio de 1847, no art. 18. do Regimento das Relações do Império, ensinando que junto ao Tribunal de Relação da Bahia quem atuava eram os Procuradores da Coroa e da Fazenda.
O vernáculo define ministério público como "órgão que promove a execução das leis no interesse da ordem jurídica".
Também é conceituado como "Órgão incumbido de defender os interesses da sociedade e de fiscalizar a aplicação e a execução das leis", sendo nesse sentido vista a instituição contemporaneamente.
3. ORIGENS DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM PORTUGAL
O Ministério Público brasileiro provém em grande parte do nosso país irmão e colonizador Portugal, o que revela a importância da menção a essas origens da instituição.
Datam de 14 de janeiro de 1289 as primeiras linhas do Ministério Público em Portugal, quando os procuradores da Coroa ganharam permanência para atuarem perante os Tribunais regulares da Europa.
Nas Ordenações Afonsinas também é tratado o "Procurador dos Nossos Feitos" no Título VIII que determinava:
"Mandamos que o Procurador dos Nossos Feitos seja Leterado, e bem entendido, pera saber espertar, e allegar as cousas, e razões, eu a Nossos Direitos perteencem, porque muitas vezes acontece, que por seu bom avisamento os Nossos Desembarguadores som bem enformados, a ainda Nossos Direitos Reaaes acrescentados. Ao qual Mandamos, que com grande diligencia, e muito amiude requeira aos Veedores da Fazenda, e contadores, e Juizes que lhe dem as enformacoões, que ouverem dos Nossos Direitos nos feitos que se trautam, ou trautarem perante os Nossos Juizes (...) e veja, e procure bem todos os feitos da Justiça, e das Viuvas, e dos Orfoõs, e miseravees pessoas, que aa Nossa Corte vierem, sem levando delles dinheiro, nem outra cousa de solairo, sem vogando, nem procurando outros nenhuũs feitos, que a Nos nom perteẽçam sem Nosso especial Mandado, como dito he".
Seguindo essa linha as Ordenações Manuelinas previram duas funções em separado, o "Procurador dos Nossos Feitos" e o "Prometor da Justiça da Casa da Sopricaçam", determinando em relação a este o Livro I Título XII:
"O Prometor da Justiça deue seer Letrado, em bem entendido pera saber espertar, e aleguar as causas, e razões que pera lume, e clareza da Justiça, e pera inteira conseruaçam della conuem, ao qual Mandamos que com grande cuidado, e diligencia requeira todas as cousas que pertencem aa Justiça, em tal guisa que por sua culpa, e negrigencia nom pereça, porque fazendo o contrario, Nós lhe estranharemos segundo a culpa que nello teuer", e ressalvava ainda "E Defendemos, e Mandamos que em ninhũa Cidade, Villa, ou Lugar de Nossos Reynos, e Senhorios, nom aja Prometor da Justiça, saluo nas Nossas Casas da Sopricaçam e do Ciuel, e assi nas Correiçoẽs em cada hũa auerá huũ Prometor, que por Nós será dado; porque nas outras Cidades, Villas, ou Lugares de Nossos Reynos, o mesmo Tabaliam, ou Escriuam que for do feito fará o libelo, e dará as testemunhas segundo Diremos no quinto Liuro no Titulo Da ordem que se terá nos feitos crimes &c. E do que o Tabaliam, ou Escriuam fezer como Prometor, nom lhe será contado salário de prometoria, soomente lho contaram aas regras como outra escriptura do feito, que como Tabaliam escreue".
Em 1603 as Ordenações Filipinas recriavam o "Procurador dos Feitos da Corôa", e criava o "Procurador dos Feitos da Fazenda", o "Promotor da Justiça da Casa da Supplicação" e o "Promotor da Justiça da Casa do Porto".
Constava do Livro I Título XV que: "Ao Desembargador da Casa de Supplicação, que servir de Promotor da Justiça, pertence requerer todas as cousas, que tocam á Justiça".
4. ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO BRASIL
No início do Brasil, quando ainda era colônia portuguesa, era sob o regime da legislação lusitana a atuação daqueles que atuavam no pólo ativo da persecução penal.
Primeiro era o procurador da Coroa e da Fazenda que atuava junto ao Tribunal de Relação da Bahia, sendo o Procurador-Geral o responsável por essa função no Brasil colonial e imperial. Ainda não eram previstas quaisquer formas de garantias ou independência, já que eram apenas funcionários do Poder Executivo.
Na Constituição de 1824 não se fazia menção ao Ministério Público como instituição, sendo prevista a atribuição da acusação de crimes ao procurador da Coroa e Soberania Nacional, exceto nos casos em que a iniciativa de acusação era exclusiva da Câmara dos Deputados.
Pouco depois, em 1832, o Código de Processo Criminal do Império passou a prever uma seção reservada aos promotores, referindo-se a eles como "promotor da ação penal", regulamentando os primeiros requisitos para sua nomeação e estabelecendo suas atribuições.
Em 1841 passou a ser exigida a qualidade de "bacharel idôneo" para a nomeação dos promotores públicos.
O Decreto 120, editado em 21 de janeiro de 1843, regulamentava a lei n.º 261 de 3 de dezembro de 1841 e estabelecia que os promotores seriam nomeados pelo Imperador no município da Corte, e pelos presidentes das províncias por tempo indefinido.
Previa também que seriam demitidos pelo Imperador e pelos presidentes das províncias quando não mais fosse conveniente a sua atuação junto ao serviço público.
Sem que fosse visto o Ministério Público como instituição continuava a legislação a delimitar apenas e tão-somente a função dos promotores públicos, que consoante a Lei n.º 2.033, de 20 de setembro de 1871, por sua vez regulamentada pelo Decreto n.º 4.824, de 22 de novembro do mesmo ano, deveriam existir um em cada comarca, de livre nomeação e demissão.
A Consolidação Ribas, de 1876 previu em segunda instância o exercício do Procurador da Coroa, sem qualquer menção a ser chefe dos procuradores, sendo apenas o funcionário incumbido de atuar na segunda instância.
Na Primeira República surgiu a independência do Ministério Público, durante o exercício de Campos Salles como ministro da Justiça do Governo Provisório, que editou o Decreto n.º 848 de 11 de outubro de 1890 com a finalidade de reformar a Justiça no Brasil. No mesmo ano surge o Ministério Público como instituição necessária, com o Decreto n.º 1.030, de 14 de novembro.
Aos 24 de fevereiro de 1891, com o advento da primeira Constituição Republicana, ficou a cargo do Presidente da República a escolha do procurador-geral da República, dentre os Ministros do Supremo Tribunal Federal, atribuindo a esse Procurador-Geral a titularidade de propositura de revisão criminal pro reo.
A institucionalização constitucional do Ministério Público veio com a carta política de 1934 que o colocava em um capítulo à parte e determinava que Lei Federal deveria organizar o Ministério Público na União, no Distrito Federal e nos Territórios, ficando o ônus de organizar os Ministérios Públicos estaduais aos respectivos entes da federação que deveriam legislar sobre suas garantias.
Determinou ainda essa Constituição que o Procurador-Geral da República deveria ser aprovado pelo Senado Federal, e que seus vencimentos seriam iguais aos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, além de prever as garantias dos membros do Ministério Público Federal e os primeiros impedimentos dos Procuradores-Gerais, e regulamentar o Ministério Público nas justiças militar e eleitoral.
No período ditatorial de Getúlio Vargas, em que foi outorgada a Constituição de 1937, não houve grandes inovações ou desenvolvimento da instituição do Ministério Público, na verdade um retrocesso, vez que a carta política imposta pelo governo em quase nada dispunha sobre o Parquet.
Apenas determinava a livre escolha e demissão do Procurador-Geral da República dentre as pessoas que preenchessem os requisitos exigidos para a investidura no Supremo Tribunal Federal, sendo deste a competência para o seu julgamento, além do aparecimento da participação do Ministério Público nos tribunais através do quinto constitucional.
Com o CPP de 1941 foi dado ao Ministério Público o poder de requisitar a instauração de inquérito policial, diligências, promover e fiscalizar a execução da lei, além da titularidade na ação penal pública.
Aos 18 de setembro de 1946 com a volta do regime democrático na esfera constitucional estampada pela promulgação da Constituição democrática, voltou-se a dar ao Ministério Público a importância devida da seguinte maneira: I – a ele foi conferido um título próprio, em que eram previstos os Ministérios Públicos da União e dos Estados; II – previu-se a necessidade de que o Procurador-Geral da República fosse escolhido dentre aqueles que preenchessem os requisitos para a investidura no cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal; III – foi afetada à instituição a representação da União; IV – foram determinadas as regras de ingresso na carreira somente através de concurso público; V – asseguradas as garantias da estabilidade e inamovibilidade, a regra de promoção de entrância em entrância.
Fora do título próprio do Ministério Público, mas ainda no texto constitucional, se encontrava: I – a legitimidade do Procurador-Geral da República para representar por eventual inconstitucionalidade; II – a obrigatoriedade da ouvida do chefe do Ministério Público nos pedidos de seqüestro de verbas públicas; III – a necessidade de aprovação por parte do Senado Federal do procurador-geral da República, e ainda a competência do Senado para processar e julgar o procurador-geral da República nos casos de crimes de responsabilidade e do Supremo Tribunal Federal em se tratando de crimes comuns; IV – foi renovada a participação do Ministério Público na composição dos tribunais.
Na Constituição de 1967, promulgada no regime militar, o Ministério Público manteve quase que as mesmas linhas já definidas pela anterior Constituição, todavia deixava de se encontrar em um título separado para fazer parte do Poder Judiciário, incorporando a disciplina deste em se tratando de aposentadoria e vencimentos.
Com o golpe militar de 1969, o Ministério Público passou a fazer parte do Poder Executivo, que poderia nomear e demitir livremente o chefe do Ministério Público da União, que por esse motivo teve suas atribuições largamente acrescidas. De resto, o Ministério Público manteve-se o mesmo, com acréscimo às normas já existentes da condição de ser brasileiro nato para ocupar o cargo de Procurador-Geral da República. Já não era necessária a aprovação do nome pelo Senado Federal.
Havia também: I – a previsão de ação direta interventiva de iniciativa do Procurador-Geral da República para a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo Federal ou Estadual, e para prover a execução de lei federal, ou de ordem ou decisão judiciária; II – a possibilidade de representação do Procurador-Geral local para a intervenção nos Estados; III – a legitimidade do Procurador-Geral da República para requerer junto ao Supremo Tribunal Federal a suspensão de direitos políticos.
Seguindo essa linha evolutiva em se tratando de atribuições, os membros do Ministério Público passaram a atuar no Processo Civil, seja como agente ou como interveniente, consoante previsão dos Códigos de Processo Civil tanto de 1939 quanto de 1973.
Com a Emenda Constitucional n.º 7, de 1977, que deu nova redação ao art. 96. da Constituição vigente, o Procurador-Geral da República teve suas atribuições mais alargadas, sendo-lhe conferida a representação, seja para a interpretação de lei ou ato normativo federal ou estadual, seja para a avocação de causas pelo Conselho Nacional da Magistratura, passando a oficiar junto deste, e também a possibilidade de formulação de pedido cautelar nas representações que oferecia.
Com a introdução do § 5º no art. 32. da Constituição de 1969 pela emenda Constitucional n.º 11, de 1978 o Procurador-Geral da República passou a poder requerer em casos de crimes contra a segurança nacional, a suspensão do mandato parlamentar.
A primeira Lei Orgânica Nacional do Ministério Público foi a Lei Complementar Federal 40/81, que padronizava o Ministério Público em todo o território nacional, prevendo suas garantias, vedações e atribuições.
Um importantíssimo instrumento conferido ao Ministério Público que expandiu extraordinariamente seu campo de atuação foi a Ação Civil Pública, introduzida no ordenamento jurídico pátrio pela Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, que será objeto de estudo mais aprofundado em momento oportuno.
Finalmente, em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a atual Constituição da República Federativa do Brasil, que previu o Ministério Público pormenorizadamente – guardadas as devidas proporções de se tratar de um texto constitucional – sobrevindo, em 2 de dezembro de 1993, a Lei 8.625, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, tema este, que também será trazido à baila posteriormente.