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O Ministério Público e a tutela da probidade administrativa

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Agenda 03/07/2004 às 00:00

10. Análise da Lei Federal n.º 8.429/92

A Lei Federal n.º 8.429/92, denominada lei da improbidade administrativa é, em verdade, a coluna dorsal do presente trabalho. É graças a ela que o Ministério Público pode, nos dias de hoje, perseguir aqueles que atentam contra a coisa pública.

Vejamos os traços dessa arma para a busca de um Estado justo e honesto.

10.1. Antecedentes legislativos

A preocupação com a probidade administrativa vem de séculos no ordenamento jurídico pátrio. Várias foram as tentativas de perseguir aqueles que lesam o patrimônio público.

Uma das primeiras previsões de sanção àquele que praticasse ato que podemos conceituar domo de improbidade administrativa, foi o Decreto-Lei n.º 3.240/41 que previa o seqüestro de bens daquele que fosse condenado por crime do qual resultasse prejuízo à Fazenda Pública,.

Em 1º de julho de 1957 surgiu a lei Pitombo-Godói Ilha (Lei n.º 3.164/57), que previa a possibilidade de o Ministério Público ou qualquer do povo ajuizar medidas cabíveis contra qualquer servidor público que tenha enriquecido ilicitamente; instituiu o registro público obrigatório de bens e valores dos servidores.

Aos 21 de dezembro de 1958 surge Lei Bilac Pinto (Lei n.º 3.502/58) que previu o seqüestro e perdimento de bens daquele que tenha enriquecido ilicitamente por abuso do cargo, emprego ou função pública.

O Lamentável AI-5 (Ato institucional n.º 5), editado em 13 de dezembro de 1968 deu poderes soberanos ao Presidente da República para suspender direitos políticos, cassar mandatos, e confiscar bens daqueles que tivessem enriquecido ilicitamente, o que, em 17 de dezembro do mesmo ano passou a ser embasado por uma investigação sumária efetuada por uma comissão no âmbito do Ministério da Justiça conforme o Dereto-Lei 359/68.

O confisco previsto pelo AI-5 foi ampliado pelo Ato Complementar n.º 42 de 27 de janeiro de 1969, que passou a tipificar as atos de enriquecimento ilícito.

O AI-14 (Ato Institucional n.º 14), de 5 de setembro de 1969 alterou o art. 150, § 11 da Constituição de 1967, passando a prever que o confisco e perdimento de bens somente ocorreriam nos casos previstos em lei, mantendo todas as demais normas estatuídas.

Em 17 de outubro de 1969 foi editada a Emenda Constitucional n.º 1 que alterou novamente o art. 150, § 11 da Constituição de 1967 restringindo a possibilidade de confisco somente aos casos de guerra, não mais prevendo para a hipótese de enriquecimento ilícito.

Finalmente em 13 de outubro de 1969 foram retirados do texto constitucional todas as previsões de confisco através da Emenda Constitucional n.º 11 que alterou novamente o art. 150, § 11 da Constituição de 1967.

A lei da ação popular (Lei n.º 4.717/65) também prevê possibilidades de ação para a anulação ou declaração de nulidade de todos os atos atentatórios contra o patrimônio público.

Por fim, em 2 de junho de 1992 surge a lei n.º 8.429, intitulada lei de improbidade administrativa, que passou a prever de forma sistemática os sujeitos dos atos de improbidade administrativa, as espécies de atos, respectivas sanções e procedimento, o que será analisado no decorrer do presente trabalho.

10.2. Previsão constitucional

Não há dúvidas que a principal previsão constitucional da lei 8.429/92 é o art. 37, § 4º, da Lei Maior, verbis.

"Art. 37. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

Todavia não é a única previsão constitucional, na medida em que o dever de probidade pode ser entendido como o dever de todos aqueles que mantêm contato com o patrimônio público, de respeitarem as normas e princípios atinentes à Administração Pública.

Assim pode-se concluir que a previsão constitucional da persecução da improbidade administrativa deriva de toda e qualquer norma constitucional que imponha princípios – e assim, regras – àqueles que tratam com a coisa pública, sem embargo de ser o art. 37, § 4º, sua previsão nuclear.

10.3. Espécies de improbidade administrativa

A lei de improbidade administrativa estabelece os atos que se consideram improbidade.

Para tanto, usa como elemento diferenciador as conseqüências de tais atos, variando assim, as sanções cominadas para cada espécie.

Os atos de improbidade administrativa dividem-se em atos que importem em enriquecimento ilícito; que causem prejuízo ao erário; e que atentem contra os princípios da Administração Pública.

Aspecto que ainda não se encontra pacífico na doutrina é a questão da taxatividade ou não das hipóteses de atos de improbidade administrativa mencionadas nos artigos que tratam da matéria.

José Nilo de Castro entende ser taxativo o rol:

"A meu sentir, por se tratar de apenação civil – e severa, rigorosa, como se viu –, deverá set taxativo o elenco de atos tidos de improbidade administrativa, até para se satisfazer ao princípio constitucional de que nenhuma punição haverá sem previamente estar definida e prevista na lei, aplicável ao Direito Penal (art. 5º, XXXIX, da CR), que, por analogia, é extensível na esfera civil, quanto político-administrativa e administrativa".

Outras posições se colocam em sentido contrário, v.g. a do Juiz de Direito Cristiano Álvares Valladares do Lago, para quem em quaisquer das hipóteses de improbidade administrativa o rol previsto em lei é exemplificativo.

10.3.1. Atos que importem em enriquecimento ilícito

É sabido que o ordenamento jurídico não corrobora com nenhuma forma de enriquecimento ilícito.

No tocante à Administração Pública a reprovação é ainda maior, na medida em que não estamos falando em bens da pessoa, mas de coisas públicas.

O art. 9º da Lei 8.429/92 estabelece os atos de improbidade administrativa que importem enriquecimento ilícito.

Primeiramente cabe menção à exemplificatividade desse rol, como menciona Cristiano Álvares Valladares Do Lago: "O caráter exemplificativo de mencionadas hipóteses, decorre da interpretação literal, teleológica e sistemática da expressão notadamente que antecede o rol descrito pelo legislador".

Entendimento com o qual concordamos e defendemos por dois motivos, a saber.

A de pronto, como mencionado, o próprio caput do art. 9º traz a expressão notadamente, com a qual se infere ser possíveis outros casos de improbidade administrativa que importem em enriquecimento ilícito além daqueles mencionados na lei.

Ao depois, a própria dicção do artigo mencionado nos leva a essa conclusão, pois menciona que se considera tal modalidade de improbidade administrativa toda conduta em que o agente público "auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida".

Assim, sempre que houver recebimento de vantagem indevida por parte de qualquer que atue no Poder Público se estará diante de um ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito.

Importante salientar que quatro elementos são essenciais para a configuração dessa modalidade de improbidade administrativa, quais sejam o enriquecimento do agente; que se trate de agente público nos termos do art. 1º da lei, ou terceiro que do ato se beneficie consoante arts. 3º e 6º; falta de causa que justifique recebimento da vantagem o recebimento de vantagem indevida; e a relação de causalidade entre a vantagem recebida e o exercício da função.

10.3.2. Atos que causem prejuízo ao erário

Não poderia ser diferente. Pode-se dizer que são os mais patentes casos de improbidade administrativa aqueles atos que causem prejuízo ao erário.

Para essa finalidade pode-se entender erário como qualquer patrimônio, pecuniário ou não, pertencente ao Estado, encontrando-se em poder deste ou de terceiro, ou ainda aqueles valores repassados a terceiros sob qualquer forma de subvenção ou apoio Estatal.

O caput do art. 10, que traz a previsão dessa modalidade de improbidade administrativa também traz a expressão notadamente pelo que entendemos aplicável todas as considerações retro aduzidas acerca da exemplificatividade do rol de condutas.

Nesse sentido, toda vez que houver qualquer conduta de agente público causando lesão patrimonial ao Poder Público estaremos diante de um ato de improbidade administrativa.

Podem ocorrer casos em que não haja efetiva perda patrimonial, mas, como pondera Marcelo Figueiredo, casos em que a conduta do agente "ocasione ‘malbaratamento’ dos haveres públicos, fruto de gestão ruim, agindo culposamente", casos em que haverá, lesão ao erário por conduta comissiva ou omissiva do agente, ainda que o nexo causal seja indireto.

E segue o autor: "Exatamente por isso, é necessária a análise global do fato, e sua adequada punição, tendo sempre em mente a proporcionalidade das previsões e suas conseqüências".

Em outro estudo, Marcelo Figueiredo lembra que existem "algumas condutas descritas na Lei de Improbidade que, por sua própria dicção normativa, poderiam ser invocadas na defesa dos valores protegidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal". Onde cita os incisos VI, VII, VIII, X e XI do art. 10. e incisos II e VI do art. 11. da lei 8.429/92.

A doutrina também estabelece requisitos para a configuração dessa modalidade de ato de improbidade administrativa. Determina que há a necessidade de conduta ilegal do agente público; dano ao erário; conduta funcional dolosa ou culposa; e nexo causal entre o comportamento funcional e o dano patrimonial ao erário.

Em que pese a lei fala em erário, há entendimentos segundo os quais a expressão não abarcaria toda a dimensão pretendida pelo legislador. Nesse sentido trazemos à colação salutar lição de Emerson Garcia:

"Em rigor técnico, erário e patrimônio público não designam objetos idênticos, sendo este mais amplo do que aquele, abrangendo-o. Entende-se por erário o conjunto de bens e interesses de natureza econômico-financeira pertencentes ao Poder Público (rectius: União, Estados, Distrito Federal, Municípios, entidades da administração indireta e demais destinatários do dinheiro público previstos no art. 1º da Lei nº 8.429/92).

Patrimônio público, por sua vez, é o conjunto de bens e interesses de natureza moral, econômica, estética, artística, histórica, ambiental e turística pertencentes ao Poder Público, conceito este extraído do art. 1º da Lei nº 4.717/65 e da dogmática contemporânea, que identifica a existência de um patrimônio moral do Poder Público, concepção esta que será melhor analisada no capítulo relativo à reparabilidade do dano moral.

Uma primeira leitura do art. 10. da Lei nº 8.429/92 poderia conduzir à conclusão de que somente os atos causadores de prejuízo econômico poderiam ser ali enquadrados, pois o dispositivo é claro ao se referir aos atos que causem ‘lesão ao erário’. No entanto, não obstante o aparente êxito da interpretação literal, deve ser ela preterida pela utilização de critérios teleológico-sistemáticos de integração da norma.

Nesta linha, observa-se que os conceitos de erário e patrimônio público não foram aplicados com rigor técnico pelo legislador, o que exige que seja perquirida a mens legis em razão da utilização indiscriminada de conceitos distintos e que possuem uma relação de continência entre si.

No art. 1º da Lei nº 8.429/92, o vocábulo ‘erário’ é utilizado como substantivo designador das pessoas jurídicas que compõem a administração direta e indireta, contribuindo para a identificação do sujeito passivo dos atos de improbidade, podendo ser enquadradas sob tal epígrafe as entidade para as quais o ‘erário’ haja concorrido para a formação do patrimônio ou da receita anual, no percentual ali previsto. Assim, o vocábulo é utilizado para estender a possibilidade da aplicação das sanções legai àquele que pratique atos de improbidade em detrimento de pessoas jurídicas que não integram a administração direta ou indireta; o que, longe de excluir a possibilidade de lesão ao ‘patrimônio público’, atua como forma de extensão da proteção legal a situações ordinariamente não abrangidas pela integridade do conceito, já que adstritas ao plano econômico, daí falar-se em ‘contribuição do erário’ (rectius: contribuição das entidades que integram a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios).

O art. 5º, por sua vez, é expresso ao estatuir o dever de reparar o dano nas hipóteses de ‘lesão ao patrimônio público’, o que não pode ser restringido ao aspecto meramente econômico deste.

O art. 7º estabelece o dever de a autoridade administrativa responsável pela condução do inquérito administrativo representar ao Ministério Público para a indisponibilidade dos bens do indiciado sempre que constate ‘lesão ao patrimônio público’.

O art. 8º estatui a responsabilidade, até o limite do valor da herança, do sucessor ‘daquele que causar lesão ao patrimônio público’.

O art. 10. fala em ‘lesão ao erário’ ‘que enseje perda patrimonial’, o que denota que não são noções excludentes, mas elementos designativos de noções diversas, versando a primeira sobre o sujeito passivo do ato de improbidade e a segunda a respeito do resultado deste. Não bastante isto, diversos incisos do art. 10. referem-se a patrimônio, noção eminentemente mais ampla do que erário.

O art. 16. prevê a possibilidade de seqüestro dos bens do ímprobo ou do terceiro que tenha ‘causado dano ao patrimônio público’.

O art. 17, § 2º, estabelece que a Fazenda Pública deve diligenciar no sentido de ajuizar ‘as ações necessárias à complementação do ressarcimento do patrimônio público’.

Por derradeiro, de acordo com o art. 21, I, aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/92 independe ‘da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público’.

Como se vê, o sistema instituído pela Lei nº 8.429/92 não visa unicamente a proteger a parcela de natureza econômico-financeira do patrimônio público, sendo ampla e irrestrita a abordagem deste, o que exige uma proteção igualmente ampla e irrestrita, sem exclusões dissonantes do sistema.

Afora a interpretação sistemática, afigura-se igualmente acolhedor o resultado de uma exegese teleológica. Neste sentido, a ratio do art. 10. da Lei nº 8.429/92 é clara: proteger o patrimônio (de natureza econômica ou não) das entidades mencionadas no art. 1º, sujeitando o agente cuja conduta se subsuma à tipologia legal às sanções do art. 12, II.

Conseqüentemente, podem ser assentadas as seguintes conclusões: a) ao vocábulo erário, constante do art. 10, caput, da Lei nº 8.429/92, deve-se atribuir a função de elemento designativo dos entes elencados no art. 1º, vale dizer, dos sujeitos passivos dos atos de improbidade; b) a expressão perda patrimonial, também constante do referido dispositivo, alcança qualquer lesão causada ao patrimônio público, concebido este em sua inteireza.

À guisa de ilustração, poder ser mencionadas is seguintes atos de improbidade praticados em detrimento do patrimônio público e que não têm natureza exclusivamente financeira: a) guarda florestal que permite o ingresso de terceiros em reserva florestal e a captura de animais em extinção (art. 10, I, da Lei nº 8.429/92); b) fiscal do IBAMA que deixa de apreender pássaros silvestres raros mantidos em cativeiro por particular sem a necessária autorização do órgão competente (art. 10, II, da Lei nº 8.429/92); c) Presidente da República que, em viagem ao exterior, doa a Pontífice estátua incorporada ao patrimônio histórico e cultural brasileiro (art. 10, III, da Lei nº 8.429/92); d) agente público que realiza a alienação, para fins de loteamento, de área que abriga sítio detento de reminiscências históricas dos antigos quilombos, afrontado o art. 216, § 5º, da Constituição (art. 10, IV, da Lei nº 8.429/92); e) agente público que permite a deterioração de prédio que abriga repartição pública e que se encontra tombado e incorporado ao patrimônio histórico e cultural (art. 10, X, da Lei nº 8.429/92) etc.

Nos exemplos formulados, a analise da questão transcende o aspecto meramente financeiro, exigindo a utilização de parâmetros que permitam a correta individualização do dano causado, o que pressupõe a adoção da concepção de proteção ao patrimônio público em sua integridade.

Em prevalecendo a exegese restritiva do art. 10. da Lei nº 8.429/92, diversas condutas dotadas de grande potencial lesivo ao interesse público ficariam à margem da lei, não sendo possível sequer a aplicação da tipologia prevista no art. 11. da Lei nº 8.429/92. Diversamente daquele, este dispositivo pressupõe um elemento subjetivo de natureza dolosa, não encampando os atos meramente culposos.

Assim, entendendo-se que o art. 10. da Lei de Improbidade tem sua aplicação restrita à proteção do erário, sempre que a lesão ao patrimônio público resultar de um ato culposo e não apresentar um prejuízo econômico imediato, ter-se-á a manifesta impossibilidade de se aplicar ao agente um dos feixes de sanções cominados no art. 12, restando unicamente a possibilidade de reparação dos danos causados, o que há muito fora albergado pelo art. 159. do Código Civil.

Ante a incongruência dessa solução, que culminaria com a concessão de um bill of indemnity aos atos de improbidade culposos e que causassem graves danos de natureza estética, artística, histórica, ambiental e turística ao interesse público, entendemos que a tutela legal deve ser ampla, abrangendo o patrimônio público em sua integridade".

10.3.3. Atos que atentem contra os princípios da Administração Pública

Também se consideram atos de improbidade administrativa aqueles que atentem contra os princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11. da lei de improbidade administrativa.

Saliente-se que se trata de regra subsidiária àquelas preceituadas nos artigos anteriores, os quais tipificam os atos de improbidade administrativa, na medida em que todos os atos que importem em enriquecimento ilícito e causem dano ao erário em última análise são atos que contrariam os princípios da Administração Pública, todavia serão punidos nos termos dos arts. 9º e 10 da lei 8.429/92 dada sua especialidade.

Com isso, pode-se afirmar que se aplica o art. 11. da lei nas situações em que haja desrespeito a qualquer dos princípios da Administração Pública sem que ocorra dano ao erário ou enriquecimento ilícito.

A doutrina é tranqüila em mencionar a exemplificatividade do rol determinado em lei. Primeiro pelo já estudado termo notadamente, que sugere incontestavelmente a exemplificatividade.

Como se não bastasse, a exegese dos incisos do art. 11. leva ao entendimento de que se tratam de um resumo de todos os princípios informadores da Administração Pública.

Ressalte-se que, como já salientado nesse trabalho, não há a menor necessidade de que os princípios de direito se encontrem positivados no ordenamento jurídico, pelo que se faz necessário o entendimento de que deverão ser tutelados pelo art. 11. da lei em comento, todos os atos que atentem contra os chamados princípios constitucionais implícitos da Administração Pública.

Cabe aqui mencionar a questão da incidência do princípio da legalidade. Em que pese a prescrição do art. 11. da lei de improbidade administrativa, nem sempre, em caso de não observância da legalidade, será ensejador de improbidade administrativa, há a necessidade de que o agente público queira descumprir a lei, em que pese a determinação do art. 3º da LICC..

Nesse sentido Pedro Paulo de Rezende Porto Filho, cujo trecho de salutar lição transcrevemos:

"Generalizar toda conduta ilegal como improbidade administrativa seria ampliar a hipótese prescrita na Carta Magna, o que é vedado pelas regras de interpretação constitucional.

Ímproba é a conduta que atenta contra a moralidade.

A própria Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, não conceituou de modo preciso quais atos podem ser qualificados de ímprobos. O diploma somente institui três classes diferentes de improbidade administrativa, sem, contudo, defini-las. O art. 9º cuidou dos atos administrativos que importam enriquecimento ilícito; o art. 10, dos atos que causam prejuízos ao erário: e, por fim, o art. 11, dos atos que atentem contra os princípios da Administração pública.

Como, estão, deve proceder o aplicador do direito para identificação do ato ímprobo? Nessa situação, deve-se não só verificar se o ato alcançou os resultados indicados na lei (arts. 9º e 10 da lei nº 8.429/92), mas também se o agente deliberadamente pretendeu violar o direito e alcançar resultados proibidos (art. 37, § 4º, da CF; art. 11. da Lei 8.429/92).

A Constituição Federal (bem como a legislação infraconstitucional) é clara ao exigir como elemento do tipo improbidade administrativa a intenção de praticar uma ilegalidade. Elemento subjetivo é, portanto, requisito inafastável para tipificação da conduta punível.

Em outras palavras, a vontade específica de violar a lei é requisito fundamental da imposição das pesadas sanções previstas na lei ora comentada.

E segue o autor:

"A intenção de fraudar a lei é indispensável. Fosse diferente, o acolhimento de qualquer mandado de segurança impetrado por particular, que pressupõe a ilegalidade do ato atacado, importaria o automático reconhecimento de existência de ato de improbidade, com sujeição da autoridade responsável pelo ato às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

Um exemplo mais radical: também seria ato de improbidade, na visão estreita contestada, a ato de servidor que, desrespeito normas de trânsito, colidisse com outro veiculo, causando danos ao erário; a simples inobservância das normas de trânsito, aliás, já representaria ilegalidade, e, portanto, ato de improbidade.

Interpretação dessa ordem levaria a uma conclusão absurda: o administrador público que se utilizasse de sua competência para anular seus próprios atos, se verificado vício de legalidade, estaria também confessando sua conduta como ímproba.

É claro que não é esse o objetivo perseguido pela lei de improbidade administrativa, nem dos preceitos constitucionais que disciplinam a matéria.

O que se quer é evitar prática de atos que atendem contra a moralidade administrativa e punir os agentes que a violem.

Em resumo, a vontade do agente, o fim por ele almejado, é fundamental para a caracterização de ato de improbidade".

Outra característica dos atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública é a desnecessidade de conseqüência material, vale dizer, dano ou enriquecimento ilícito. Dois são os argumentos nesse sentido.

O primeiro ponto é a já salientada subsidiariedade do dispositivo que em sendo interpretada a contrario sensu leva à conclusão de que somente se aplica quando não houver enriquecimento ilícito ou dano ao erário.

Ademais, preceitua o art. 21, I que a aplicação das sanções "independe de dano", o que somente pode ser aplicado ao art. 11, vez que em havendo dano será punido na forma do art. 10.

10.4. Sujeitos dos atos de improbidade administrativa

Como toda conduta ilícita, a improbidade administrativa gera efeitos para dois pólos, quais sejam, os pólos ativo e passivo da conduta.

Trata-se do estudo da sujeição do ato ilícito, que no caso em tela se faz estritamente necessário, pois, como se verá, várias peculiaridades gravitam em torno desse cerne.

Uma exegese equivocada desses dispositivos poderia levar a um fim que não aquele buscado pela mens legis.

Em um primeiro momento demonstra-se fácil a aferição dos sujeitos ativo e passivo dos atos de improbidade administrativa, como se poderia depreender da simples leitura dos arts. 1º a 3º da lei 8.429/92, todavia tal interpretação gramatical levaria a conclusões que certamente não atingiriam os fins colimados pelo legislador.

No caso em tela, mister se faz uma interpretação sistêmica do conteúdo normativo, só assim se atingindo o objetivo buscado, como se verá.

10.4.1. Sujeito passivo

Estudar a sujeição passiva dos atos de improbidade administrativa importa saber quais os entes ou pessoas jurídicas, sejam de direito público ou privado, passíveis de sofrerem tais atos.

A importância desse estudo se dá pelo fato de que somente estaremos diante de um ato de improbidade administrativa quando o sujeito passivo se encontrar no rol previsto em lei, é dizer, "a identificação do sujeito passivo deve preceder à própria análise da condição do agente, pois somente serão considerados atos de improbidade, para os fins da Lei n.º 8.429/92" aqueles praticados contra as pessoas nela previstas.

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Tal tarefa, por mais que possa parecer simples, não o é, porquanto a lei abre possibilidades que em uma primeira leitura podem passar despercebidas, de modo a estar sendo lesada a probidade administrativa sem que se tenha a cominação de sanções, ou ainda sem o efetivo processamento dos agentes.

10.4.1.1. Administração Pública

O primeiro sujeito passivo que se pode observar não poderia deixar de ser a Administração Pública, direta ou indireta, como preceitua o art. 1º da Lei em comento.

Aqui cabe uma observação, no que tange à técnica textual da disposição normativa.

Diz a lei em seu art. 1º que é agente passivo das condutas de improbidade administrativa "a administração direta, indireta ou fundacional".

A doutrina já se firmou no sentido de serem as fundações mantidas pelo Poder Público, entidades da Administração Pública indireta, ao lado das autarquias e empresas estatais, tema sobre o qual não cabem mais quaisquer discussões depois do advento da Emenda Constitucional n.º 19/98, que retirou do caput do art. 37. da CF/1988 a expressão fundações.

Vencida a ressalva, passemos a dissecar a disposição em tela, e, quanto a esta, preceitua a lei serão sujeitos passivos dos atos de improbidade administrativa tanto a administração direta, como a indireta.

Os conceitos de administração direta e indireta nos são dados pelo próprio ordenamento jurídico, que no art. 4º, do Decreto-Lei 200/67, define administração direta como aquela "que se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e dos Ministérios".

Determina o dispositivo que administração indireta é aquela "que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: a) Autarquias; b) Empresas Públicas; c) Sociedades de Economia Mista; d) Fundações Públicas", sendo esta última categoria acrescentada pela Lei n.º 7.596/87.

De insuficiente abrangência seria a conceituação legal do que seja administração direta e indireta, não fosse o complemento trazido na Lei 8.429/92, que estende este conceito, para o fim de caracterização de sujeição passiva dos atos de improbidade administrativa, a qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal, Municípios e Territórios.

Caso fosse seguida a determinação do Decreto-Lei 200/67 teríamos que somente se enquadraria no conceito de sujeito passivo de ato de improbidade administrativa o Poder Executivo da União.

Portanto, serão atos de improbidade administrativa quaisquer condutas que se enquadrem nas previstas em lei, sejam essas condutas praticadas em detrimento do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário seja da União dos Estados ou dos Territórios (estes, caso venham a existir), ou dos Poderes Executivo e Legislativo do Distrito Federal e dos Municípios (já que ambos não possuem Poder Judiciário).

Após a prevenção com relação à Administração Pública em si, a lei protege os recursos oriundos dos cofres públicos transferidos para entidades privadas, quando determina que inclui-se na referida sujeição passiva "empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual".

A primeira previsão, deriva da natureza jurídica das empresas públicas e sociedades de economia mista, que são submetidas ao regime jurídico de pessoa jurídica de direito privado, ex vi do art. 235. da Lei n.º 6.404/76, que em seu art. 227. prevê a possibilidade de incorporação de sociedades, de sorte a lhe suceder em todos os direitos e obrigações.

Nesse sentido, todas as condutas previstas pela Lei de Improbidade, praticadas por funcionários da empresa incorporada, serão assim consideradas a partir do momento em que se efetivar a referida incorporação.

Na mesma esteira encontramos a determinação seguinte que também se refere às sociedades de economia mista, em que o erário público sempre concorre com mais de 50% do patrimônio ou receita anual.

Disposição que causa divergência é aquela atinente ao parágrafo único do art. 1º, que enquadra como sujeito passivo as entidades que recebam subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como aquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual.

O problema é de ordem gramatical, pois o parágrafo único do art. 1º poderia levar a duas exegeses, a saber.

A expressão "nesses casos" contida na parte final do texto mencionado pode pretender determinar que a limitação das sanções se aplica somente aos casos elencados depois da expressão "bem como". Por outro lado pode-se entender que a limitação se aplicaria a todo o parágrafo.

Nesse ponto parece não haver divergência doutrinária, sendo tranqüilo o entendimento segundo o qual a limitação das sanções realmente se aplica às entidades mencionadas no parágrafo inteiro.

Em que pese a pacificidade doutrinária entendemos necessária uma breve reflexão sobre a norma.

A expressão "nesses casos" gramaticalmente falando refere-se somente aos casos mencionados em suas proximidades, o que levaria à conclusão de que a limitação das sanções somente se aplicaria às pessoas elencadas após a expressão "bem como".

Não fosse pela disposição inicial do parágrafo, que muda toda a interpretação do mesmo, pois ao determinar que os atos de improbidade são os praticados contra "o patrimônio" dessas entidades, nos leva a interpretar de modo a estabelecer a limitação a todas as entidades ali referidas.

Isso se dá pelo fato de a limitação ser justamente referente "à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos".

Problema que realmente causa divergência doutrinária não é aquele atinente a quais casos de sujeitos passivos se limitam as sanções, mas justamente a limitação das sanções. Qual sua abrangência, o que pretendeu o legislador?

Vejamos o problema.

O parágrafo único do art. 1º da lei de improbidade administrativa determina que nos casos ali elencados a sanção se limita à repercussão da conduta sobre o patrimônio público, o que redunda em dois entendimentos.

Para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:

"Nesses casos, ainda que a conduta se enquadre na tipologia dos arts. 9º (enriquecimento ilícito) e 11 (violação aos princípios administrativos) da Lei n.º 8.429/92, o agente não estará sujeito às penalidades previstas nessa Lei em não tendo sido o ato praticado contra o patrimônio de tais entes; acrescendo-se que, ocorrendo o dano, a sanção patrimonial será limitada ‘à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos’ (art. 1º, parágrafo único in fine), o que acarretará a necessidade de a pessoa jurídica lesada postular, pela via própria, o integral ressarcimento do dano".

Tais ensinamentos poderiam levar à conclusão de que somente se aplicaria a sanção patrimonial a esses casos, o que certamente não representa a mens legis, na medida em que a lei vincula a limitação da sanção ao ataque sobre o fomento público, em nenhum momento dizendo que não são aplicáveis as outras sanções previstas na lei.

Observe-se que nesses casos as demais sanções também deverão ser proporcionais à repercussão da conduta sobre a res publica.

Paritário desse entendimento é o professor Wallace Paiva Martins Júnior:

"A disposição contida no parágrafo único do art. 1º, in fine, mostra, todavia, que a incidência da legislação comentada é limitada ao percentual da contribuição emanado dos cofres públicos nas entidades privadas ali tratadas. Não se pense, afoitamente, que, havendo improbidade administrativa nessas entidades, a única penalidade cabível, nos termos da lei, será o ressarcimento do dano. Nada autoriza essa conclusão, pois o que a lei explicita é a limitação da sua incidência à proporcionalidade do fomento público investido, sem embargo da incidência das demais sanções".

Assim temos que em havendo um ato de improbidade administrativa a essas entidades a sanção será proporcional ao dano ocorrido ao patrimônio público sem, contudo, querer dizer-se que não serão aplicadas outras espécies de sanções cabíveis. Sim o serão, mas sempre tendo como elemento de dosimetria o dano causado à res publica.

Para resumir transcrevemos salutar lição prolatada em acórdão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja concisão, objetividade e abrangência são marcas peculiares de pessoas de tão alta sapiência.

"Nos termos do art. 1º da Lei Federal n.º 8.429, de 1992, onde houver um único centavo em dinheiro público envolvido, a lei terá incidência, independentemente da entidade exercer atividade de natureza pública ou privada"

10.4.2. Sujeito ativo

Vejamos agora quem pratica atos de improbidade administrativa.

Para efeitos da lei de improbidade administrativa poderão ser sujeitos ativos das condutas nela previstas, qualquer agente público e terceiros que induzam ou concorram aos atos de improbidade administrativa bem como dele se beneficiem. Tais disposições se encontram nos arts. 2º e 3º da lei.

10.4.2.1. Agentes públicos

A lei de improbidade administrativa traz no seu art. 2º o que se considera agente público para seus efeitos, determinando que considera-se agente público, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em qualquer das entidades do art. 1º.

Sobre esse tema não há que se fazer muitas elucubrações, na medida em que deve-se ser considerado agente público todo aquele que atue no Poder Público.

10.4.2.2. Agentes públicos parlamentares e judiciais

Em relação aos agentes públicos judiciais, bem como aos membros do Ministério Público não há qualquer dúvida que possam ser sujeitos ativos de atos de improbidade administrativa e, com isso, sofrerem as sanções previstas em lei.

Isto já não ocorre com os agentes políticos, aos quais são conferidas certas prerrogativas, como ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro:

"Quanto aos agentes políticos, cabem algumas ressalvas, por gozarem, algumas categorias, de prerrogativas especiais que protegem o exercício do mandato.

É o caso, em primeiro lugar, dos Parlamentares que têm asseguradas a inviolabilidade por sua opiniões, palavras e votos e a imunidade parlamentar.

A inviolabilidade está assegurada no artigo 53 da Constituição, segundo o qual ‘os Deputados e Senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos’. A mesma garantia é assegurada aos Deputados estaduais, pelo artigo 24, § 1º, e, ao Vereadores, pelo artigo 29, VIII, este último limitando a inviolabilidade à circunscrição do Município.

A inviolabilidade, também chamada de imunidade material, impede a responsabilização civil, criminal, administrativa ou política do parlamentar pelos chamados crimes de opinião, de que constituem exemplos os crimes contra a honra. Fala-se em imunidade material, porque, embora ocorra o fato típico descrito na lei penal, a Constituição exclui a ocorrência do crime.

Assim, se algum parlamentar, de qualquer dos níveis, de governo, praticar, no exercício do mandato, ato que pudesse ser considerado crime de opinião, sua responsabilidade estará afastada, nas áreas criminal, civil e administrativa, não podendo aplicar-se a lei de improbidade administrativa.

Além disso, os Senadores e Deputados Federais gozam da chamada imunidade parlamentar, que decorre dos §§ 2º e 3º do artigo 53, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001. A mesma prerrogativa é estendida aos Deputados estaduais pelo artigo 27, § 1º, da Constituição Federal, nas apenas em leis orgânicas municipais, o que não é suficiente para impedir a aplicação de normas constitucionais, como as que se referem à improbidade administrativa.

A imunidade parlamentar, no entanto, somente se refere à responsabilidade criminal. Como a improbidade administrativa não constitui crime, não há impedimento a que a lei seja aplicada aos parlamentares.

No entanto, não pode ser aplicada a sanção de perda da função pública, que implicaria a perda do mandato, porque essa medida é de competência da Câmara dos Deputados ou do Senado, conforme o caso, tal como previsto no artigo 55 da Constituição. Mas o artigo 15, inciso V, da Constituição inclui ente as hipóteses de perda ou suspensão dos direitos políticos a ‘improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º’. Assim, nada impede que se imponha a pena de suspensão dos direitos políticos ao Deputado Federal ou ao Senador, em ação civil por improbidade administrativa. Nesse caso, a perda do mandato será ‘declarada pela Mesa da Casa respectiva, de oficio ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa’ (conforme art. 55, § 3º, da Constituição).

A mesma conclusão aplica-se aos Deputados Estaduais, por força do artigo 27, § 1º, da Constituição. Para os Vereadores não existe norma semelhante na Constituição Federal, podendo aplicar-se inclusive pena de perda da função pública.

Questão bastante tormentosa é a que diz respeito à possibilidade de propositura de ação de improbidade, com aplicação de todas as penalidades, inclusive a de perda do cargo, para as autoridades referidas no artigo 52, I e II, da Constituição. Esse dispositivo outorga competência privativa ao Senado Federal para: ‘I – processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade e os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; II – processar e julgar os Ministros do Supremo Tribunal Federal, o Procurador Geral da República e o Advogado Geral da União nos crimes de responsabilidade’ (redação dada pela Emenda Constitucional nº 23, de 2-9-99).

Pelo parágrafo único do mesmo dispositivo, ‘nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por 2/3 dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por 8 anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis’.

Nos crimes comuns, essas autoridades são julgadas pelo STF (art. 102, I).

O artigo 52 retirou do Poder Judiciário a competência para o julgamento dos crimes de responsabilidade praticados pelas autoridades nele referidas, imprimindo natureza nitidamente política ao julgamento, que poderá resultar em perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. A conclusão mais simples, que decorre de uma interpretação puramente literal, seria no sentido de que o dispositivo somente se refere aos crimes de responsabilidade. Como os tos de improbidade nem sempre correspondem a ilícitos penais, a competência para processar e julgar referidas autoridades por tais atos estaria inteiramente fora do alcance do artigo 52.

No entanto, partindo da idéia de que os dispositivos da Constituição têm que ser interpretados de forma harmoniosa, sistemática, de modo que não leve a conclusões contraditórias, é necessário deixar de lado a interpretação puramente literal. O legislador constituinte certamente teve por objetivo impedir que os crimes praticados por autoridades de tão alto nível, podendo levar à perda do cargo, fossem julgados por autoridade outra que não o STF (para os crimes comuns) e o Senado Federal (para os crimes de responsabilidade). Não teria sentido que essa mesma pena de perda do cargo, em caso de improbidade que não caracterize crime, pudesse resultar em perda do cargo imposta por outra autoridade de nível inferior. Seria absurdo que o crime de responsabilidade (que constitui ilícito mais grave) tenha competência privilegiada para julgamento e aplicação da pena de perda do cargo, e o ato de improbidade (que pode ser ilícito menos grave, porque nem sempre constitui crime) pudesse resultar também a perda do cargo imposta por outro órgão que não o Senado Federal.

Isso não significa que as tais autoridades não se aplique a lei de improbidade administrativa. Ela aplica-se de forma limitada, porque não pode resultar em aplicação de pena de perda do cargo. Essa conclusão resulta muito clara do parágrafo único do artigo 52, que limita a competência do Senado à aplicação da pena de perda do cargo com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, ‘sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis’. Vale dizer: sem prejuízo de sanções outras, como as que decorrem da prática de crime comum ou de ilícitos civis, como ocorre com a improbidade administrativa.

Na prática, o que ocorre é o seguinte: se o ato de improbidade que ensejar a propositura da ação de improbidade corresponder a crime, caberá a instauração concomitante do processo criminal perante o STF ou o Senado Federal, conforme o caso, para a apuração da responsabilidade criminal. Mas a ação de improbidade poderá ser processada com vista em apuração da responsabilidade e aplicação das demais sanções que não implicam a perda do cargo.

Note-se que, em relação ao Presidente da República, o artigo 85, V, da Constituição, inclui entre os crimes de responsabilidade os que atentem contra a probidade na administração. E a Lei nº 1.079/50, ao definir os crimes de responsabilidade, utiliza conceitos indeterminados para definir tais crimes; para todas as categorias de agentes abrangidos pela lei, constitui crime de responsabilidade ‘proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo’ (arts. 9º, item 7, 39, item 5, 40, item 4).

A mesma garantia, para a perda do cargo, não é outorgada, pela Constituição Federal, aos Governadores e ao Prefeitos, razão pela qual a eles se aplica, em sua inteireza, a lei de improbidade administrativa. Ainda que a legislação infraconstitucional ou as Constituições Estaduais prevejam competência do Poder Legislativo para julgamento dos crimes de responsabilidade, tais normas não têm o alcance de afastar a incidência do artigo 37, § 4º, da Constituição Federal".

10.4.2.3. Terceiros

Nos termos do art. 3º da lei de improbidade administrativa aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta estará sujeito às sanções nela previstas no que couber.

A expressão no que couber refere-se à impossibilidade de aquele que não é agente público sofrer sanção típica desde, a exemplo, a pena de perda da função pública.

10.4.2.4. A responsabilidade por atos de improbidade administrativa

A teoria da responsabilidade objetiva, largamente utilizada pela lei 8.078/90, em que, para a caracterização do dever de indenizar prescinde-se de dolo ou culpa vem tomando corpo nas últimas décadas. Nesse sentido encontra-se positivada pelo Novo CC (Lei n.º 10.406/2002).

Com isso, surge a indagação: Tal teoria teria aplicabilidade em de tratando de improbidade administrativa?

A resposta talvez seja o tema mais tormentoso do presente trabalho. Não temos a pretensão de respondê-la, apenas mencionando opiniões a respeito.

Para Gianpaolo Poggio Smarino "a responsabilidade será sempre subjetiva, dependendo da existência do dolo ou da culpa na ação do agente público".

No mesmo diapasão Sérgio Sérvulo da Cunha entendendo que se não há culpa do agente público não se pode responsabilizá-lo pelo ato de improbidade administrativa.

Com outra visão, destacamos Luiz Fabião Guasque, para quem, essa regra não é tão absoluta assim:

"A inobservância ao dever, se dolosa ou culposa, determinará tipicidade às hipóteses do art. 10. da lei, para o caso de prejuízo ao erário.

Mas, outras formas de atuar comissivo ou omissivo fundadas em dever jurídico, de responsabilidade objetiva, e estranhas a análise sobre a vontade do agente, estão discriminadas de forma genérica no art. 9º e no caput do art. 11. e seus incisos.

No art. 9º, VII, a tipicidade engloba todas as outras, pois a lei determina esta responsabilidade objetiva do agente que, no exercício de função pública, adquire bens de valor desproporcional à sua renda.

Aqui, como nas demais hipóteses, a responsabilidade é análoga e objetiva do Estado de que trata o § 6º do art. 37. da CR onde, existindo nexo entre o dano e a atuação do Poder Público haverá o dever de indenizar.

No caso do agente público, há uma presunção de responsabilidade se existir nexo de incompatibilidade entre o patrimônio e a renda auferida no exercício do cargo. O dano é presumido com a constatação da variação patrimonial injustificada. Por via de conseqüência, há inversão no ônus da prova, devendo o agente justificar a origem para escapar à sanção do art. 12, I da lei.

Note-se, que nesta espécie de responsabilidade, não se fala em dolo ou culpa, ou melhor, não há necessidade de aferição de vontade no ato que dá origem à sanção da lei.

Nos casos de atuação dolosa ou culposa, a responsabilidade da lei terá nexo subjetivo com o ato de vontade causador do dano. Na de que tratam os arts. 9º e 11, e em especial a do n. VII do primeiro, ela decorre da inobservância de um dever jurídico criado pela Constituição, e independe da vontade de qualquer pessoa. Neste caso, ao agente público é conferido o dever de praticar atos em prol do interesse da maioria sem que esta atividade, comissiva ou omissiva, determine a ampliação de seu patrimônio pessoal, além do limite que lhe possibilita a contraprestação de seu trabalho pelos cofres públicos.

É tipo de responsabilidade, que por sua natureza objetiva, também se assemelha a contratual. Esta, o estabelecimento de direitos e correspondentes obrigações, determina a simples ocorrência do dever de indenizar pelo descumprimento. Não se perquire dolo ou culpa, apenas a não observância do pactuado. Na de que trata a lei de enriquecimento ilícito, apenas se constata objetivamente se ocorreram qualquer das hipóteses dos incisos dos arts. 9º e 11 e no caso do n. VII, se houve variação patrimonial incompatível com os vencimentos. Evidenciada tal situação, o desvio de finalidade no dever de probidade administrativa é presumido e implica na necessidade de comprovação de origem do patrimônio".

O tema da responsabilidade objetiva ainda tem que ser largamente debatido para que, movido por uma comoção social, não se pratiquem arbitrariedades ou injustiças. Assim também se demonstra a questão da inversão do ônus da prova, a qual, ainda que uma forte arma para a acusação, tem menos força do que a responsabilidade objetiva.

Os mais serenos rumos deverão ser traçados pela jurisprudência, de quem esperamos a sempre firme posição.

A par da espécie a ser futuramente adotada pela doutrina e jurisprudência, deve-se observar a real necessidade de procedimentos persecutórios, na medida em que não se pode punir um ato formalmente ímprobo, mas que não o seja de forma material. Explicamos.

Haverá casos em que deverá ser observado o princípio da proporcionalidade para que não se movimente a maquina administrativa e judicial para punir com todas as severas sanções que a lei 8.429/92 prevê, aquele agente púbico que utilizou-se de uma folha de papel de sua repartição para fazer anotações particulares.

Nesse sentido Fábio Medina Osório destaca: "A proporcionalidade é de ser aferida a partir da análise global e contextualizada do comportamento, verificando-se, fundamentalmente, o grau de reprovabilidade incidente à conduta proibida".

10.4.2.5. A responsabilidade dos sucessores

Os sucessores dos agentes ímprobos respondem nos termos do art. 8º da lei de improbidade administrativa.

À redação falta técnica, na medida em que permite dúvida concernente à espécie de sanção aplicável nesses casos.

Pela dicção do artigo pode-se entender que o sucessor estaria sujeito a todas as sanções cominadas ao agente ímprobo, tendo como medida o valor da herança. Essa não é a interpretação que deve ser dada.

Trata-se, não de sujeição às cominações, mas sim responsabilidade patrimonial a qual nem precisaria constar da lei de improbidade administrativa, na medida em que decorre da própria lei civil.

Consoante o art. 1.792. que trata do direito das sucessões, o herdeiro reponde na medida das forças da herança, pelas dividas deixadas pelo de cujus.

Nesse diapasão, em havendo uma condenação por ato de improbidade administrativa que importe em enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, responderá o herdeiro pela reparação dos danos, na media do que herdou.

Tal interpretação decorre nada mais do que da própria Constituição, que em seu art. 5º, XLV determina que a pena é pessoal, mas a reparação de eventuais danos pode passar para os sucessores, todavia, somente na medida do que estes herdaram.

A esse respeito disserta com muita propriedade Emerson Garcia:

"Para que seja afastada qualquer incompatibilidade com o texto constitucional, ao art. 8º da Lei nº 8.429/92 deve ser dispensada interpretação conforme a Constituição, já que sua interpretação literal culminaria em sujeitar o sucessor do ímprobo a todas as cominações da lei, havendo, como único limite, o valor da herança para aquelas de natureza patrimonial. Evidentemente, aquelas sanções que acarretem restrições aos direitos diretamente relacionados à pessoa do ímprobo não poderão ser transmitidas aos seus herdeiros, o que limita a aplicabilidade do dispositivo àquelas de natureza patrimonial, conclusão esta, aliás, em perfeita harmonia com a sua parte final.

Com efeito, de acordo com o art. 5º, XLV, da CR/88, "nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido". Em que pese não se referir o texto constitucional à multa, tal não tem o condão de excluir sua transmissibilidade aos sucessores quando sua aplicação resultar da prática de um ato de improbidade.

Se não vejamos: a) a posição topográfica do inciso XLV do art. 5º denota claramente que ele se refere à pena aplicada em virtude da prática de uma infração penal, o que é robustecido pela nomenclatura utilizada (pena e condenado); b) a não-transmissibilidade da multa pena não pode ser utilizada como paradigma, pois as sanções penais, quaisquer que sejam elas, são eminentemente pessoais; c) a multa cominada ao ímprobo tem natureza cível, o que deflui da nomenclatura empregada a da própria natureza jurídica das sanções previstas no art. 12. da Lei nº 8.429/92; d) tendo natureza cível e não sendo consectário de uma infração penal, eventual multa aplicada deve ser adimplida com o patrimônio deixado pelo ímprobo, o que revela-se consentâneo com o princípio de que o patrimônio do devedor responde por sua dívidas (art. 1.518. do CC); e) a sanção aplicada não recairá sobre a pessoa do herdeiro, e sim sobre o patrimônio deixado pelo de cujus; f) o art. 8º da Lei nº 8.429/92 é expresso no sentido de que os sucessores do ímprobo estão sujeitos às cominações da Lei até o limite do valor da herança, o que também denota que somente são transmitidas aquelas de natureza patrimonial; g) guarda grande similitude com a espécie o tratamento legal e doutrinário dispensado às penalidades pecuniárias resultantes do descumprimento da legislação tributária, que também têm natureza sancionatória e às quais é reconhecida a natureza de obrigação tributária principal, sendo transmissíveis aos sucessores do de cujus, e h) no âmbito da legislação civil, as cláusulas penais, verdadeiras penalidades aplicadas ao contratante que deixar de cumprir, ou apenas retardar, a obrigação que assumira, são induvidosamente transmissíveis aos seus herdeiros.

No que concerne às demais sanções cominadas no art. 12. – perda da função pública, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais – que atingem a própria pessoa do ímprobo, não serão elas passíveis de transmissão aos sucessores, o que deflui da própria sistemática legal e constitucional.

Ante a natureza jurídica das sanções pecuniárias, ainda que o ímprobo tenha falecido, será possível a instauração de relação processual para a perquirição dos ilícitos praticados e eventual aplicação das sanções, sendo o pólo passivo composto pelo espólio ou pelos sucessores do ímprobo.

Como é facilmente verificado, o que fora exposto, em verdade, se refere aos atos praticados pelo ímprobo com reflexos no patrimônio transmitido aos sucessores. No entanto, em determinadas situações, será possível perquirir a responsabilidade pessoal e direta destes pelos ilícitos praticados, conforme autoriza o art. 3º da Lei nº 8.429/92.

Tal se verificará sempre que o herdeiro tenha participado da ocultação do numerário obtido ilicitamente; quando o ímprobo, ainda em vida, tenha doado ou simulado a venda dos bens adquiridos com o numerário de procedência ilícita, o que poderá acarretar a anulação do negócio jurídico em virtude da simulação (arts. 102. usque 105 do CC) etc. Nestes casos, a responsabilidade do sucessor se identificará com a de terceiros que tenham concorrido para a prática do ato de improbidade, o que, por evidente, pressupõe que seja devidamente provado o elemento subjetivo do agente".

10.5. Sanções cominadas aos atos de improbidade administrativa

A principal característica da lei de improbidade administrativa é a previsão de uma série de sanções para as pessoas que cometerem as condutas por ela regulamentadas.

Para cada espécie de ato de improbidade administrativa haverá um ro, específico de sanções, às quais buscou o legislador prever da maneira mais ampla possível para que se tenha uma efetiva reprovabilidade e eficaz ressarcimento dos danos ao Poder Público. Vejamos agora, cada uma das sanções.

10.5.1. Natureza jurídica das sanções

Com relação à natureza jurídica das sanções cominadas pela lei de improbidade administrativa primeiramente se faz mister a ressalva de que sua aplicação não gera bis in idem. Explicamos. Não é porque foi aplicada uma das sanções previstas na lei de improbidade administrativa que não se poderá aplicar sanção respectiva para a conduta na seara penal, civil e administrativa. Nesse sentido é expresso o art. 12. caput da lei de improbidade administrativa, e o entendimento jurisprudencial:

"VEREADOR – Ação civil ordinária – Improbidade administrativa – Enriquecimento ilícito – Edil processado, pelo mesmo fato, pela Câmara municipal e Pela Justiça comum, na área criminal – Circunstancia que não impede sua condenação na seara cível – Inexistência de bis in idem de sanções, eis que as responsabilidades penal, civil e administrativa são tratadas de forma independente". (grifo nosso)

Vencida a necessária ressalva, vejamos do que se tratam as sanções da lei em cotejo.

E quanto a estas não se pode atribuir outra natureza senão cível, senão vejamos.

Não se trata de sanção penal. Primeiramente pelo fato da exemplificatividade do rol de condutas de improbidade administrativa, em sendo punidas com sanção penal implicaria em afronta ao princípio da estrita reserva legal, garantia constitucional nos termos do art. 5º, XXXIX.

Ademais, a própria lei prevê que suas sanções aplicam-se sem prejuízo da ação penal cabível.

Como se não bastasse, a ação de improbidade administrativa é ação civil como se verá e nesse sentido nunca poderia uma ação civil ensejar uma reprimenda penal.

Nesse sentido Fábio Konder Comparato, para quem:

"Se, por conseguinte, a própria Constituição distingue e separa a ação condenatória do responsável por atos de improbidade administrativa às sanções por ela expressas, da ação penal cabível, e, obviamente, porque aquela demanda não tem natureza penal".

Também não se tratam de sanções administrativas, na medida em que devem ser aplicadas ao cabo de um procedimento jurisdicional, não havendo hipótese de aplicação das mesmas – pelo menos com base na lei 8.429/92 – por autoridade administrativa.

Isso não quer dizer que não se possa instaurar competente procedimento administrativo, o que até é previsto pelo caput do art. 12. da lei 8.429/92.

Por derradeiro, somente nos resta a conclusão de que se tratam de sanções de natureza civil, na medida em que vencidas as sanções de natureza específica.

Importantíssima a ressalva feita por Emerson Garcia:

"A questão ora estudada, longe de apresentar importância meramente acadêmica, possui grande relevo para a fixação do rito a ser seguido e para a identificação do órgão jurisdicional competente para processar e julgar a lide, já que parcela considerável dos agentes ímprobos goza de foro por prerrogativa de função nas causas de natureza criminal".

Marino Pazzaglini Filho enumera de outra maneira a natureza jurídica das sanções:

"As medidas punitivas arroladas na norma citada são de natureza política, político-administrativa, administrativa e civil:

  • política:

    • suspensão de direitos políticos;

  • político-administrativa:

    • perda de função pública;

  • administrativa:

    • proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios;

  • civil:

    • multa civil;

    • ressarcimento integral do dano;

    • perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio".

Salutar é o pormenor traçado pelo renomado autor, todavia, em termos mais práticos ficamos com a opinião anterior, colocando todas as espécies de sanções em um gênero cível.

Nessa esteira é o entendimento de Fábio Medina Osório que no mesmo sentido preleciona:

"Exige-se, vale repetir, deliberação expressa do legislador na criação de figuras típicas penais. Não foi o que ocorreu com a Lei número 8.429/92, tanto que suas descrições abrangem tanto fatos tipificados com crimes comuns, quanto fatos previstos como crimes de responsabilidade. De um outro, de qualquer modo, o legislador buscou, através da Lei número 8.429/92, extrair conseqüências extra-penais, ou cíveis lato sensu, vale dizer, no âmbito do direito administrativo, dando tratamento autônomo à matéria. Pensar de modo diverso, ou estender caráter criminal às figuras da lei de improbidade, além daquilo que foi deliberado pelo legislador, equivaleria a desrespeitar o princípio da legalidade penal".

10.5.2. Dosimetria

Toda sentença sem motivação é nula. Nesse sentido, mister se faz a fundamentação de todas as sanções aplicadas pelo magistrado ao sentenciar no sentido de reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa.

Assim, para cada uma das espécies de sanção previstas na lei, deverá o Juiz fixar o quantum e fundamentar. Para isso deverá fazer uso das regras contidas no parágrafo único do art. 12. da lei de improbidade administrativa, vale dizer, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial do agente.

Wallace Paiva Martins Júnior, menciona e concorda com a posição de Cláudio Ari Mello, consistente na "necessidade da inserção do grau de reprovabilidade da conduta ilícita pelo juiz na dosimetria da suspensão dos direitos políticos e da multa civil".

10.5.3. Cumulatividade

A sentença que reconhece a prática de um ato de improbidade administrativa deve aplicar todas as sanções que a lei prevê, não havendo que se falar em alternatividade ou exclusividade.

Nesse sentido entende Wallace Paiva Martins Filho, para quem "as sanções da Lei Federal n. 8.429/92 são cumulativas, não cabendo cogitar de alternatividade, porquanto não se estabeleceu critério propício nesse sentido".

Para Marino Pazzaglini Filho as sanções também são cumulativas, exceto no caso de atos de improbidade administrativa que atentem contra os princípios da Administração Pública, caso em que haverá que se fazer uso do princípio da proporcionalidade para só excepcionalmente aplicar cumulativamente as sanções previstas na lei.

Fábio Medina Osório também defende a comutatividade das sanções, para ele "a regra, como se sabe, é a imposição cumulativa das sanções, bem como o rigor na proteção da combalida probidade administrativa".

Pelo sistema da lei, é de se entender pela cumulatividade das sanções, ressaltando-se que, nos casos de atos que atentem contra os princípios da Administração Pública somente se impõe o ressarcimento integral do dano se houver, como determina a lei.

10.5.4. Espécies de sanções

A lei de improbidade administrativa foi feliz ao prever várias espécies de sanções de modo a inibir a conduta daqueles que não se importam com o patrimônio do povo.

As sanções são das mais variadas espécies além de que não prejudicam a aplicação de outras cabíveis, vejamos cada uma dessas espécies.

10.5.4.1. Perda de bens e valores

A perda de bens tem previsão constitucional (art. 5º, XLVI, b), e encontra-se adotada pela lei de improbidade administrativa para todo aquele que acrescer ao seu patrimônio com condutas de improbidade.

Poder-se-ia alegar que tal regra está contida na hipótese de ressarcimento integral do dano, mas, atentando-se para todas as possibilidades pode-se verificar que assim não o é.

Suponhamos que um agente condenado por improbidade administrativa seja obrigado ressarcir os danos causados ao Poder Público, mas durante o período compreendido entre a conduta e o momento da restituição ao Poder Público o agente investiu o dinheiro e o multiplicou. Nesse caso, ainda que o Poder Público seja ressarcido dos danos, o agente ímprobo ficaria no lucro, na medida em que ainda sobrou-lhe numerário.

Com a finalidade de evitar tais conseqüências, que estimulariam a prática dessa abjeta conduta, encontra-se prevista a perda de bens e valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do agente, valores estes que deverão ser destinados à Pessoa Jurídica lesada, nos termos do art. 18. da Lei 8.429/92.

A sanção de perda de bens e valores pode-se dizer, não se trata exatamente de uma pena, pois nada mais é do que a devolução ao patrimônio do Poder Público, dos bens e valores acrescidos ao patrimônio do ímprobo por suas condutas ilícitas.

10.5.4.2. Ressarcimento integral do dano

No mesmo diapasão da perda de bens e valores, a obrigação de reparar os danos não é, em sua essência uma pena, mas sim recomposição do status quo ante, na medida em que nada mais significa do que a reposição dos prejuízos experimentados pelo Poder Público com a conduta ilícita.

Podemos dizer que o ressarcimento do dano, em sede patrimonial, complementa a sanção de perda de bens e valores, senão vejamos.

Foi dito que pode haver hipóteses em que um agente condenado por improbidade administrativa seja obrigado ressarcir os danos causados ao Poder Público, mas durante o período compreendido entre a conduta e o momento da restituição ao Poder Público o agente investiu o dinheiro e o multiplicou, caso em que, ainda que o Poder Público seja ressarcido dos danos, o agente ímprobo ficaria no lucro, na medida em que ainda sobrou-lhe numerário.

Aqui o exemplo se inverte. Suponhamos que um agente ímprobo seja condenado a perder os bens e valores acrescidos pela conduta ilícita em favor da Pessoa Jurídica lesada.

Todavia, a lesão do patrimônio público in casu, é maior do que os valore acrescidos ao patrimônio do agente ímprobo, de sorte que a perda desses bens e valores não seria bastante para ressarcir os danos.

Assim se coloca a obrigação de ressarcimento dos danos. Para as situações em que o agente tenha causado dano patrimonial ao Poder Público, ainda que em nada tenha se beneficiado com a conduta, a exemplo, os atos de improbidade administrativa que importem em inobservância dos princípios norteadores da Administração Pública.

Dessa maneira pelo menos in thesi, conseguiu a lei de improbidade administrativa resguardar o patrimônio público contra atos de pessoas sem o menor escrúpulo.

10.5.4.3. Perda da função pública

A primeira observação a ser feita acera dessa sanção é sua possibilidade de aplicação somente àqueles que são considerados agentes públicos nos termos do art. 2º da lei 8.429/92.

E nos referimos dessa maneira pelo fato de que o conceito de agente público trazido pelo indigitado art. 2º é muito mais amplo do que o conceito de função pública.

Celso Antônio Bandeira de Melo no traz um conceito do que seja função pública:

"são plexos unitários de atribuições, criados por lei, correspondentes a encargos de direção, chefia ou assessoramento, a serem exercidas por titular de cargo efetivo, da confiança da autoridade que as preenche (art. 37, V, da Constituição, com a redação dada pelo ‘Emendão’). Assemelham-se, quanto à natureza das atribuições e quanto à confiança, que caracteriza seu preenchimento, aos cargos em comissão. Contudo, não se quis prevê-las como tais, possivelmente para evitar que pudessem ser preenchidas por alguém estranho à carreira, já que em cargos em comissão podem ser prepostas pessoas alheias ao serviço público, ressalvado um percentual deles, reservado aos servidores de carreira, cujo mínimo será fixado em lei".

Dessa maneira quando se falar em perda da função pública leia-se perda da qualidade de agente público em qualquer das modalidades previstas no art. 2º da lei 8.429/92.

Vale ressaltar que à perda da função pública não está atrelada a suspensão temporária dos direitos políticos, vale dizer, capacidade eleitoral passiva, consoante ensina Emerson Garcia:

"É importante frisar que, contrariamente aos que pensam alguns, a perda do mandato ou mesmo o afastamento cautelar do agente político não guarda uma relação de identidade com a suspensão dos direitos políticos. Enquanto os primeiros dissolvem, de forma definitiva ou temporária, o vínculo laborativo existente entre o ímprobo e o Poder Público, não representando qualquer óbice à sua requisição, a suspensão dos direitos políticos, como será oportunamente visto, restringe integralmente, durante certo lapso, a cidadania do ímprobo.

Ainda que por força de provimento cautelar seja o agente afastado do exercício do mandato, manterá ele seus direitos políticos em sua integralidade, podendo votar e ser votado, estando legitimado a exercer a representatividade popular se eleito for. O afastamento cautelar, além de ser provisório, é restrito ao vínculo laborativo, não importando em qualquer restrição à cidadania do ímprobo, que permanece intacta".

Em sentido diverso entende Fábio Medina Osório, para quem: "Essa sanção deve ser compreendida em conjunto com a sanção da suspensão dos direitos políticos".

Outra discussão se apresenta refere-se à possibilidade de aplicação da sanção de perda ou suspensão da função pública ao Presidente da República, uns entendendo que se aplica, outros não, vejamos os argumentos.

Para Marino Pazzaglini Filho não se aplica:

"Assinale-se que não são aplicáveis as sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos ao Presidente da República que for sujeito passivo de ação civil por improbidade administrativa. Essa conclusão resulta das normas constitucionais que disciplinam a cassação do Presidente da República (arts. 85. e 86).

Segundo o regramento constitucional, a perda do mandato presidencial (impeachment) só se verifica por crime de responsabilidade definido em lei especial (Lei Federal nº 1.079, de 10-4-1950, que define os delitos de responsabilidade e regula o processo de julgamento respectivo).

A competência para instaurar o processo é da Câmara dos Deputados e para processá-los e julgá-los é do Senado Federal, cabendo ao Presidente do Supremo Tribunal Federal presidir o julgamento. No caso de condenação (por dois terços dos votos do Senado Federal), a decisão (resolução do Senado Federal) limita-se à perda do cargo (impeachment) com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo de sanção penal por crime comum (art. 2º da lei nº 1.079/50).

Dessume-se, do exposto, que o Presidente da República poderá responder por ação civil por ato de improbidade administrativa. E, na hipótese de ser condenado, descabe a imposição das sanções de perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos, devendo o decreto condenatório limitar-se às demais penas previstas na LIA.

A mesma conclusão se chega quanto a outras autoridades que o Senado Federal compete privativamente julgar por crime de responsabilidade, ou seja, Vice-presidente da República; Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica quando conexos com os da mesma natureza cometidos pelo Presidente e Vice-presidente da República; Ministros do Supremo Tribunal Federal, Procurador-geral da República e Advogado-geral da União (arts. 52, I e II, da CF), posto que cabe exclusivamente ao Senado Federal a aplicação a essas autoridades da sanção político-administrativa de perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções jurídicas cabíveis (art. 52, parágrafo único, da CF).

Descabe, também, em decorrência de ação instaurada contra Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual por improbidade administrativa, a imposição, na sentença que julgar procedente, da medida punitiva de perda do mandato.

No entanto, não estão essas autoridades imunes à suspensão temporária de seus direitos políticos (arts. 15, V, e 37, § 4º, da CF), o que poderá acarretar a perda do mandato (art. 55, IV, da CF)".

No mesmo sentido Fábio Medina Osório:

"Em relação ao Presidente da República, não está ele sujeito à perda da função pública e dos direitos políticos em decorrência de improbidade administrativa, pela via da ação civil pública da Lei número 8.429/92, pois tais sanções estão diretamente conectadas a uma disciplina constitucional própria, (arts. 85. e 86, ambos da Constituição Federal) diante dos crimes de responsabilidade".

Já para Emerson Garcia é perfeitamente aplicável:

"A exemplo dos demais agentes públicos, poderá o Presidente da República praticar atos de improbidade e ser por eles responsabilizado. Revela perquirir, no entanto, se estará ele sujeito a todas as sanções previstas no art. 12. da Lei nº 8.429/92, em especial a perda da função e a suspensão dos direitos políticos.

Ao dispor sobre a responsabilidade do Presidente da República, estabelece a Constituição que ele pode ser processado pela prática de crimes comuns e de responsabilidade, sendo que, no primeiro caso, não poderá ser processado na vigência do mandato por atos estranhos ao exercício de suas funções (art. 86, § 4º). Especificamente em relação aos crimes de responsabilidade, estão eles previstos no art. 85. da Constituição, verbis:

Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atendem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I – a existência da União;

II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

IV – a segurança interna do País;

V – a probidade na administração;

VI – a lei orçamentária;

VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais;

Parágrafo único. Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabelecerá as normas de processo e julgamento.

Trata-se de rol exemplificativo que pode ser ampliado pela legislação infraconstitucional, desde que sejam previstas figuras típicas que importem em violação aos ditames da Constituição da República.

O dispositivo constitucional é integrado pela Lei nº 1.079/50, diploma preexistente à Constituição de 1988 e que foi por ela parcialmente recepcionado. Encontram-se ali tipificados os crimes de responsabilidade e o procedimento a ser seguido, sendo cogente a observância do estatuído no art. 86. da Constituição, o qual estabelece que a acusação deve ser admitida pela Câmara dos Deputados e o julgamento realizado perante o STF, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.

De acordo com o art. 52, parágrafo único, da Constituição, em caso de condenação pela prática de crime de responsabilidade, se limitará ela à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções jurídicas cabíveis.

A interpretação do texto constitucional demonstra que qualquer atentado à probidade administrativa (art. 85, V), por parte do Presidente da República, desde que a conduta esteja tipificada na Lei nº 1.079/50, configura crime de responsabilidade, sujeitando-se às duas sanções referidas e às demais penalidades jurídicas. Com base nestes argumentos, há quem defenda a tese de que o Presidente da República não poderá ter seu mandato eletivo cassado ou seus direitos políticos decretados por força de decisão do juízo monocrático.

Não obstante a linha de coerência de tese exposta, entendemos que o seu acolhimento acarretará a equiparação de institutos diversos, com distintos efeitos jurídicos e cuja aplicação, afora ser da alçada de órgãos que não guardam qualquer similitude entre si, pressupõe julgamentos que possuem natureza jurídica igualmente dissonante.

Com efeito, os crimes de responsabilidade não podem ser confundidos com os atos de improbidade disciplinados pela Lei nº 8.429/92. Ainda que idêntico seja o fato, distintas serão as conseqüências que dele advirão, o que é próprio do sistema da independência entre as instancias adotado no direito positivo pátrio. Em razão disto, torna-se possível que o Presidente da República seja responsabilizado pela prática do crime de responsabilidade (para alguns, crime comum, para outros infração política ou político-administrativa) e, simultaneamente, pelo ato de improbidade tipificado e sancionado pela Lei nº 8.429/92.

Acresça-se, ainda, que os crimes de responsabilidade praticados pelo Presidente da República serão objeto de um julgamento político, enquanto que os atos de improbidade, de natureza eminentemente cível, importarão na aplicação de sanções de igual natureza por um órgão jurisdicional, in casu, o juízo monocrático.

Pelos motivos expostos e por inexistirem normas constitucionais que vedem a decretação de perda do mandato do Presidente da República por órgãos outros que não o Senado Federal, bem como por não haver prerrogativa de foro para o julgamento dos atos de improbidade, essa nos parece ser a solução mais correta.

Assim sendo, nas hipóteses previstas na Lei nº 8.429/92, cumpre distinguir o seguinte: a) em se tratando de ato de improbidade igualmente previsto na Lei nº 1.079/50, as sanções de perda da função e inabilitação poderão ser aplicadas pelo Senado Federal, enquanto que o rol do art. 12. da Lei de Improbidade poderá sê-lo pelo juízo cível, independentemente da decisão proferida no julgamento político; b) sendo praticados atos de improbidade que não sejam considerados crimes de responsabilidade pela Lei nº 1.079/50, o Presidente da República somente estará sujeito às sanções previstas na Lei nº 8.429/92.

Do mesmo modo, ante a ausência de preceito constitucional expresso em sentido contrário, o Vice-Presidente da República poderá sofrer todas as sanções previstas no art. 12. da Lei nº 8.429/92. Em relação ao Chefes dos Executivos Estaduais e Municipais, além de estarem sujeitos à Lei de Improbidade em sua totalidade, não poderá o princípio da simetria sequer ser aventado pela legislação infraconstitucional para lhes assegurar prerrogativas outorgadas ao Presidente da República pela Constituição.

E ainda, não poderia a Constituição Estadual restringir a eficácia da Lei nº 8.429/92, sob pena de usurpar competência privativa da União. Em razão disto, o Governador poderá ter seu mandato cassado sempre que incorrer em crime de responsabilidade (art. 74. da Lei nº 1.070/50) ou praticar atos de improbidade (art. 12. da Lei nº 8.429/92), aplicando-se o mesmo entendimento em relação ao Prefeito Municipal e aos respectivos vices".

No mesmo sentido Wallace Paiva Martins Júnior:

"Ainda sobre o tema, devota parcela da doutrina a tese da impossibilidade de sua aplicação ao Presidente da República, argumentando que essa sanção é de natureza político-administrativa. A exceção obrada, entretanto, não tem sustentáculo, pois a Constituição Federal não atribui exclusividade ou privatividade a instância político-administrativa, nem excepciona aquele das sanções da improbidade administrativa".

Mais uma vez há que se ter em mente em que pese as prerrogativas constitucionais, mister se faz a persecução de todos os agentes ímprobos, para que a lei não seja esvaziada em seu conteúdo, até porque decorre de expressa determinação constitucional (art. 37, § 4º).

Aqui deixamos ao subjetivo de cada um lembrando uma frase dita pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva em seu discurso de posse perante o Congresso Nacional no dia primeiro de janeiro de 2002: "Vou ser o funcionário público número um desse país".

10.5.4.4. Suspensão dos direitos políticos

A sanção de suspensão dos direitos políticos implica o cancelamento da inscrição eleitoral do condenado.

Não há que serem confundidas as hipóteses de inelegibilidade com a suspensão dos direitos políticos, esta, sem sombra de dúvidas mais ampla do que aquela.

A suspensão dos direitos políticos importa na incapacidade eleitoral passiva (ser votado), e ativa (votar). Ocorre, todavia, que, mais que a impossibilidade de votar, a perda da capacidade eleitoral importa em várias restrições, como menciona Emerson Garcia:

"A capacidade eleitoral ativa é, a um só tempo, requisito básico de elegibilidade, (art. 14, § 3º, II da CR/88); condição para o legítimo exercício da ação popular (art. 5º, LXIII, da CR/88); requisito para a subscrição dos projetos de iniciativa popular (art. 61, § 2º, da CR/88); e para a filiação partidária (art. 16. da Lei 9.096/95)".

Tudo isto, sem levar em consideração que quase em sua totalidade os editais de concursos públicos exigem que o candidato esteja em regularidade com a Justiça Eleitoral. Por derradeiro ressalte-se que não há a necessidade de procedimento jurisdicional perante a justiça eleitoral, como ocorre em alguns casos v. g. art. 14, § 9º art. 15, V da Constituição Federal c/c art. 1º, I "g", da LC 64/90.

10.5.4.5. Pagamento de multa civil

Além de todas as sanções previstas pela lei 8.429/92, há a possibilidade de que seja imposta ao autor de improbidade administrativa uma multa civil por seus atos.

Não há que se confundir com as outras espécies de sanção de natureza patrimonial. A multa não tem caráter indenizatório para a Administração Pública, mas sim cunho moral, significando mais uma forma de rechaço à torpeza do ímprobo.

Para Wallace Paiva Martins Júnior "a multa civil representa uma sanção pecuniária contra o dano moral experimentado pela Administração Pública".

No mesmo sentido Antonio José de Mattos Neto, para quem "é intuitivo dizer que a recomposição do ilícito deve ser feita por dano patrimonial e extrapatrimonial. A indenização ao Poder Público imbrica reparação civil de dano material e/ou moral".

No mesmo sentido entende Marino Pazzaglini Filho, para quem "a multa civil não tem natureza indenizatória, mas simplesmente punitiva".

Ao fato de não ter caráter indenizatório não quer dizer que o quantum não tenha correlação com a conduta perpetrada, como ensina Fábio Medina Osório:

"O valor da multa deve levar em linha de conta, sempre, a natureza e a gravidade do fato. Não se trata, simplesmente, de equiparar e identificar a multa ao valor do eventual prejuízo ao erário. A gravidade do fato até envolve a análise do montante de prejuízos causados ao erário, mas não se esgota aí sua avaliação. Importante é perceber a conduta do agente como um todo e, inclusive, quais os reflexos de seu comportamento na sociedade.

Nesse passo, vários e múltiplos fatores podem – e devem – ser considerados quando da fixação da multa civil, v.g., a natureza do cargo e as responsabilidades do agente, o grau de lesividade de sua conduta, a repercussão social do fato, o elemento subjetivo, o modo de atuação, as circunstâncias, e outros elementos informativo disponíveis.

A capacidade econômico-financeira do agente é fator de grande relevância na fixação da multa. Não pode, todavia, ser analisado isoladamente".

De qualquer forma, moral ou material, mister se faz a imposição da multa civil, como forma de inibir essa conduta que apodrece o sistema. Nesse sentido é de ser entendida como obrigatória a cominação da sanção por parte do magistrado prolator da sentença que reconhece um ato de improbidade administrativa.

10.5.4.6. Proibição de contratar com o Poder Público ou receber incentivos fiscais ou creditícios

Aquele que é autor de ato de improbidade administrativa também não poderá celebrar contrato com o Poder Público nem receber incentivos fiscais ou creditícios. Nada mais óbvio, na medida em que aquele que lesou o patrimônio público não pode ter oportunidade de fazê-lo novamente.

Ademais, aqueles que contratam com o Poder Público o fazem visando lucros. Nesse sentido, imoral seria que aquele que lesou o patrimônio público venha a auferir lucros de contrato celebrado com este.

Ressalte-se que a proibição não tem eficácia somente entre o sujeito ativo e passivo da conduta de improbidade administrativa. O autor ficará impedido de contratar com qualquer dos entes da Federação, seja da administração direta ou indireta. Em relação ao agente ímprobo, ainda que por interposta pessoa, seja física ou jurídica, não poderá celebrar contratos.

Marino Pazzaglini Filho nos traz um bom exemplo do que seriam esses benefícios fiscais e creditícios mencionados em lei, verbis.

"A proibição de auferir benefícios ou incentivos de natureza fiscal ou creditícia abrange, v. g., dispensa ou limitação de pagamento de obrigação tributária (isenção de caráter restrito); perdão de sanção tributária (anistia) ou de débito tributário (remissão); subvenções (sociais e econômicas); e subsídios (auxílios financeiros) de entidades públicas. Essa vedação não atinge não só o agente público condenado por ato ímprobo, mas também a pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário".

Sobre o autor
Antonio Roberto Sanches Junior

Advogado, pós-graduando em Direito Civil pela Universidade Paulista (MBA) professor universitário e de cursos preparatórios para concurso público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES JUNIOR, Antonio Roberto. O Ministério Público e a tutela da probidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 367, 3 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5390. Acesso em: 25 dez. 2024.

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