Com o pensamento de Durkheim por base, destacam-se duas funções caras à educação e à socialização de forma geral: a função homogeneizadora e a função socializadora. Duas funções que se intercalam no estabelecimento da própria divisão do trabalho social. No Direito, de certa forma, haveria uma certa correspondência, quando observadas as subdivisões básicas: Direito Restitutivo (o Direito Civil por excelência) e Direito Repressivo (correspondente ao Direito Penal). O primeiro mais afeto à interação, convivência, ao contrato social, enfim, e o segundo pertencente ao domínio exclusivo do Estado – atuante quando da quebra desse contrato.
De acordo com Durkheim, tomando-se a função social do Direito, entretanto, o discordar é um fator tão importante de mudança social, de entropia reformadora, que até o crime (o ato criminoso) será justificativa da oxigenação social: no que retoma o julgamento de Sócrates. Argumentação, portanto, nada desprezível, sobretudo no âmbito da Sociologia do Direito. Ou, em suas palavras:
Classificar o crime entre os fenômenos da sociologia normal não equivale somente a dizer que é um fenômeno inevitável, ainda que lamentavelmente devido à incorrigível maldade dos homens; é também afirmar que se trata de um fator de saúde pública, uma parte integrante de toda sociedade sã (...) O crime é, pois, necessário; está ligado às condições fundamentais de toda vida social, e por isso mesmo é útil; porque essas condições de que é solidário são indispensáveis para a evolução normal da moral e do direito" (p. 114-18).
Pois bem, dessa noção preliminar depreende-se uma questão de início: É viável partir dessas categorias, a fim de se efetivar a liberdade ou mais especificamente o Direito à Liberdade?
No texto, veremos essa questão de forma afirmativa - ou seja, é possível -, porém de modo muito singular, uma vez que o dado objetivo da função homogeneizadora pode ser a formação comum em torno da liberdade (perceptível em Paulo Freire), dado que essa busca também é parte constante da Educação Moral ou da formação para o exercício da cidadania – ao menos desde a Revolução Francesa. A questão seria, desse modo, estabelecer o que deve ser homogeneizado, que valores, metas, objetivos e fins: se os da manutenção do status quo (das obrigações sociais estabelecidas pelos grupos) ou se outros estabelecendo rigores sociais mais amplos, a exemplo da conquista da liberdade como constructo social, como vontade geral – para ficar no campo do contrato social.
Daí, estabelecido esse ponto, a homogeneidade traria a igualdade (o que é homogêneo deve ser comum) e seríamos todos igualmente educados para buscar a liberdade. Portanto, o Direito como pressuposto da igualdade (todos são iguais perante a lei) seria legítimo se concluísse pela condução da plena liberdade: a liberdade de requerer a efetivação da justiça social, ou seja, o direito de requerer a igualdade material e não meramente formal.
Quanto à função diferenciadora, de acordo com a corruptela positiva que depreendo de Durkheim, pode-se dizer que se deve diferenciar para adquirir a igualdade. Note-se que o ponto de partida permanece inalterado mas a conclusão se desvia, pois não se trata de diferenciar tendo em vista as requisições do mercado de produção e de trabalho, e sim a justiça, isto é, tratar os iguais, igualmente, e os desiguais, desigualmente.
O que aproximaria outra noção de justiça: a justiça material. Pois, seria dado a cada um de acordo com suas necessidades (a homogeneização que se tem na justiça material ou igualdade real) e esperado, requerido socialmente, de cada um, de acordo com suas potencialidades (a diferenciação da responsabilidade individual que culmina no espírito público).
Desse ponto de vista, também expande-se o preceito de que a liberdade é carregada de obrigações, por exemplo na afirmativa de que pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe ou ainda que nossa liberdade termina onde começa a do outro, sob pena de se invadir a seara alheia – eis aqui o limite liberal. De modo contrário, como aponto no texto, se será tão mais livre quanto maior for a liberdade do outro; pois, a liberdade do OUTRO se expande onde justamente se inicia a de cada um, a minha própria.
Daí que antes do Direito ser um fato social (como em Durkheim), uma obrigação de fazer ou deixar de fazer (na verdade, um efeito social secundário), a socialização terá por efeito principal a concretização da igualdade por meio da busca pela liberdade. Antes de estarmos todos obrigados (na relação entre direitos e deveres), estaremos todos igualmente responsabilizados pelo reconhecimento, proteção e promoção da liberdade. Porque, se um só é livre, os outros o seguem – ainda que Aristóteles tivesse pago com a vida para ser assim - e se todos são livres, todos são iguais. Mas se um só não é livre, ninguém o é.
A mesma advertência que veio do espírito jacobino de Saint-Just, para quem só haveria liberdade quando as prisões estivessem desertas. De fato, não somos e nem nos sentimos livres, ou seja, ao invés da igualdade, acirra-se a desigualdade – onde graça o Direito Repressivo:
A justiça será simples quando as leis civis, livres das sutilezas feudais, beneficiárias e habituais, não despertarem mais do que a boa fé entre os homens; quando o espírito público voltado para a razão deixar os tribunais desertos. Quando os homens forem livres, eles serão iguais; quando eles forem iguais, serão justos. O que é honesto caminha por si mesmo(1989, p. 151).
Daí que, havendo socialização com ênfase na liberdade, no respeito ao OUTRO, na ajuda mútua, na interação social e na solidariedade (que não se confunde com piedade e nem assistencialismo), o Direito perderia por completo o sentido repressor (a normatização da desigualdade real), ocupando-se mais da norma, da diretriz, do que da sanção. Pois, sem as infrações típicas de degeneração do social, há redução dos aparatos de controle social, onde se espraia a interação social, não a contrariedade; no lugar do Direito como força[1], medo, temor e terror de Estado, vê-se evoluir o valor. É o Petrarca citado por Maquiavel: Vertù contra furore / Prenderà l’arme, e fia ‘l combatter corto (1979, p. 94).
O valor contra o furor, a virtú contra a violência pura, na luta que se espraia depressa, transformaria o exercício da coerção (monopólio do Estado, na melhor das hipóteses) no exército da interação desarmada; da coerção desalmada de liberdade, à liberdade desarmada. Em outras palavras: "Não se trata mais apenas da força bruta, da violência, mas da sabedoria no uso da força, da utilização virtuosa da força" (Sadek, 1991, p.22)
Por isso, é fácil ver, nesse reino, a liberdade presa o Diferente, não o Antagônico. Nesse sentido, também se entende o que é forçar à liberdade, pois a essa altura a conquista da liberdade já teria se constituído na obrigação principal do Estado Democrático de Direito Social.
Mas isso seria válido para as sociedades em que prevalecem os conflitos, o antagonismo, a desigualdade resultante das contradições profundas de classe? Seguindo os parâmetros do texto, creio, a resposta à indagação está no final do parágrafo anterior. Marx, já no Manifesto, seria sucinto ao advertir que não: "o poder político do Estado moderno nada mais é do um comitê (Ausschuss) para administrar os negócios comuns de toda a classe burguesa" (1993, p. 68).
Mas se ainda cabe outra série de indagações, seria oportuno fazer retornar a questão da cultura, da formação dos valores, afinidades, visões de mundo e fins requeridos e preteridos. Em suma: a educação.
Educar para a liberdade
Pelo espírito que dirigiu o texto, a Educação em Direito(s) seria ela mais do que tudo uma educação para a liberdade, ou melhor, como fator social, pugnaria para efetivar a obrigação de sermos livres. Porque, dado o princípio da igualdade e tendo em conta que o Direito à Educação é o pressuposto histórico dessa mesma igualdade, a homogeneização necessária ao espírito de que todos são e devem ser livres, só poderia ser atributo consensual. Basta lembrar que não foi à toa que os revolucionários de 1789 introduziram o livro didático, difundindo os ideais jacobinos e burgueses da época.
Trata-se da história da liberdade e da luta pela liberdade, na qual a luta para se ter assegurado o Direito à Liberdade é um episódio de primeira grandeza, mas não o único e muito menos o último. É uma educação histórica, como diz Weffort (1987), a respeito de Paulo Freire e de sua Pedagogia de libertação da opressão. Portanto, a educação para a liberdade é uma educação política:
Aqui a idéia da liberdade não aparece apenas como conceito ou como aspiração humana, mas também interessa, e fundamentalmente, em seu modo de instauração histórica (...) a idéia da liberdade só adquire plena significação quando comunga com a luta concreta dos homens por libertar-se (p.7-9).
Em nosso caso, e aí está o dissenso, é patente o fato de que a liberdade consensual está longe de ser um vale-tudo, um laisse-faire ou sequer o livre comércio – nem mesmo o das idéias. Porém, indo mais além, e daqui por diante, haveria ainda sentido em falar do Direito ou seria somente o exercício do que – no passado – definiu-se como Direito (fato social que agrega valores públicos por meio de obrigações e sanções)? Seria possível, então, visualizar o Direito como ausência da coação ou sanção?
Em texto que se pode atribuir à fase do jovem Gramsci essa questão toma um sentido diverso, corajoso e criativo, mesmo que atualmente não se encontrem muitos adeptos principalmente no Poder Judiciário. Gramsci fala sobre a premiação e não mera punição, como elementos de sua definição de Direito:
A concepção do Direito deve ser liberada de qualquer resíduo de transcendência e de absoluto: praticamente de qualquer fanatismo moralista. Todavia não pode partir do ponto de vista de que o Estado não "pune" (se este termo for reduzido a seu significado humano), mas somente luta contra a "periculosidade" social. Na realidade, o Estado deve ser concebido como "educador", pois tende exatamente a criar um novo tipo ou nível de civilização (...) Na concepção do Direito deveriam ser incorporadas também as atividades "premiadoras" de indivíduos, de grupos etc; a atividade elogiável e meritória é premiada assim como a atividade criminosa é punida (Sader, 1990, p. 110).
Sob o aspecto estrito da legitimidade, seria igualmente válido argumentar a favor da necessidade do direito reverter-se da positividade e formalidade excessiva (o que não está nos autos, não está no mundo), aos princípios da convivência pacífica e sociabilidade, ou simplesmente razoabilidade. Também pode-se indagar se, efetivamente, o bom senso sempre está presente nos autos, visto que o senso comum não é de todo ausente.
Para essa questão, o conceito de Direito Material e de Justiça Material, articulados por Max Weber, é suficiente; pois para o sociólogo a política é certamente uma fonte do Direito[2]. Porém, sob esse aspecto, haveria uma predominância da aplicação objetiva do Direito e da Justiça Formal: a lei em si[3]. Na análise de Gurvitch (2001)[4], o que prepondera é a racionalidade jurídica (o tipo ideal), uma tensão reguladora de fatos que - diante da opção entre a lei e a justiça – privilegia o ordenamento jurídico, pois:
(...) a Sociologia do Direito deve partir da oposição entre o caráter místico-irracional e o caráter racional do direito (...) O Direito consuetudinário e o direito dos próprios precedentes judiciais, bem como o direito estatutário das associações autônomas (sem falar do direito legislativo) carecem de espontaneidade e são conscientementeelaborados pelos juristas. É por esse motivo que o problema da probabilidade da realização efetiva do direito, que é o maior problema da Sociologia Jurídica, concerne sobretudo aos tribunais, aos órgãos de administração e de governo, aos responsáveis pelas corporações e sindicatos, etc., e não a todas as camadas da população que, na realidade, nada mais fazem além de submeter-se a eles, indiretamente (p. 16).
Certamente, seguindo daqui, haveria uma enorme controvérsia sobre a questão do consenso e da aceitação (legitimidade) que orbita as normas socialmente válidas. Isto é, em um exemplo simples, o que diferencia consenso (vontade da maioria) de unanimidade (ditadura da maioria)?
Quando se fala em consenso (legitimidade), trata-se da tese que deriva dos diversos dissensos e até mesmo dos dissabores, distensões e descensos de alguns. É uma tese derivada, portanto, e não apriorística. Entende-se como tese derivada da suposição de que existem muitos contendores e não um único a priori a ser seguido. A partida é a suposição de que existem pensamentos múltiplos, incluindo aí os detratores e os inúmeros problemas decorrentes de sua existência. Portanto, na premissa maior, impera a existência de problemas que têm como garantia sua própria reiteração. Por fim, há retificação constante dos problemas sociais.
Em sentido oposto, quando falamos em unanimidade, há uma suposta ausência da necessidade, oportunidade e de condições objetivas e necessárias de haver algum tipo de problematização. Essa situação também é dada por real, mas se configura apenas como uma tese apriorística, em que se alega a pretensa inexistência dos fatos problemáticos. Portanto, ocorre um processo de reificação da inexistência de tais problemas. A simples ratificação da inexistência é seu dado absoluto, e uma vez que nada consta em contrário e que não há controvérsias, a premissa é reduzida à inexistência de contendas, lides, interesses conflitantes e teses partidárias.
Quanto ao poder político, ou poder em si - poder de mando legítimo e não simplesmente legal -, Sartori é ainda mais didático e ilustrativo ao utilizar-se extensamente da etimologia, partindo do clássico potestas in populo. Vejamos em uma passagem mais longa:
É claro que potestas deriva de um verbo que significa "capacidade", ser capaz de, como ainda é transparente em francês (onde pouvoir significa, como verbo, "posso"). No entanto, a etimologia da palavra poder expressa apenas parte de seu significado político, que não é capacidade de fazer, mas puissance, "capacidade de mandar fazer" (pouvoir de faire faire). Essa diferença é muito clara no alemão Macht, que significa tanto poder quanto força (...) Assim, o poder ordena; e o poder do Estado dá ordens sustentado pelo monopólio legal da força. Mas, quando o poder é concebido assim, fica imediatamente claro que não é suficiente para explicar como uma sociedade política se mantém coesa e porque seus membros cooperam (...) Os filósofos insistem há muito tempo que o cimento das sociedades políticas não é proporcionado pelas ordens, mas por uma coisa muito diferente a que chamam de "obrigação política". Por outro lado, mas também simultaneamente, em geral dizemos que os regimes políticos são mantidos por sua "legitimidade" e solapados, quando não totalmente destruídos, por uma crise de legitimidade. Por sua vez, uma crise de legitimidade em geral é traduzida por uma crise de "autoridade" e detectada como tal (1994, p. 253).
Sob essa constante política, tendo em conta a diferenciação que antepusemos - no campo de estudos melhor designado como Política e Direito[5] -, ainda é oportuno relembrar o emprego do Recall Judicial e do Veto Popular, nos EUA. O primeiro dirigido ao Poder Judiciário (em que o povo retoma para si o poder legislativo, interferindo nas decisões judiciais singulares, de primeira instância ) e o segundo ao Poder Legislativo: como instrumento que habilita ao povo referendar ou não o produto da própria atividade legislativa. Nossa Constituição-Cidadã de 88, infelizmente, não abrigou nenhum dos dois instrumentos[6].
Assim, colocada a questão dessa forma, o crescimento da suposta coesão social, tendo o Estado Democrático de Direito como provedor (consenso ou unanimidade?), é indício de que nos dirigimos rumo ao reino da liberdade?
G. Gurvitch faria uma leitura atenta de Durkheim, advertindo contra a apologia do progresso social contínuo que se põe sob o manto do desenvolvimento desse mesmo Estado Democrático de Direito, pois, vive-se sob estado de crise sócio-econômica[7]:
Em Le Suicide, 1897, e no prefácio à Segunda edição da Division (1902), Durkheim foi ainda mais longe na retificação de sua tese inicial, demonstrando que o fortalecimento do Estado, longe de ser sempre efeito da intensificação da coesão social devida ao desenvolvimento da solidariedade orgânica, pode, ao contrário, ser efeito da amorfia social, da desintegração que conduz à dominação unilateral e à violência das sanções repressivas(2001, p.12).
Concluindo esse pensamento, temos que a crescente regulamentação estatal não é garantia de nada, nem mesmo do Direito e muito mesmo da Democracia, como se propala pela visão meramente idealista do mesmo Estado Democrático de Direito. Em uma consideração, é preciso saber se se vai regulamentar a igualdade ou a desigualdade social.
Por outra via de demonstração, mas mantendo o mesmo sentido, a argumentação que desenvolvi pode ser reduzida a uma estrutura mais objetiva, direta e simples: a da lógica simples. E com esse fim, os exemplos que seguem devem permitir a dedução do que aqui denomino de indução ao erro x dedução real da liberdade.
A lógica indutiva do Estado de Direito
Um exemplo claro de como o exercício da indução conduz a equívocos terríveis e ideológicos no sentido de ofuscamento da realidade e, portanto, como instrumento de desvio analítico e de dominação pode ser visto quando se toma a própria estrutura constitucional do chamado Estado Democrático de Direito, no Brasil. Mas o que é indução?
O tipo de raciocínio que estamos discutindo, que nos leva de uma lista finita de afirmações singulares para a justificação de uma afirmação universal, levando-nos do particular para o todo, é denominado raciocínio indutivo, e o processo, denominado indução. Podemos resumir a posição indutivista ingênua dizendo que, de acordo com ela, a ciência é baseada no princípio de indução, que podemos assim descrever: se um grande número de As foi observado sob uma ampla variedade de condições, e se todos esses As observados possuíam sem exceção a propriedade B, então todos os As têm a propriedade B (Chalmers, 1993, p. 27).
Agora, vejamos um caso em que o argumento indutivo está em ação:
1. O art. 3º, III, da Constituição, prescreve como objetivo fundamental da República a erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades sociais e regionais.
1.1 O Presidente da República é eleito de forma democrática e direta pelo povo, subscrevendo a concessão da soberania popular e da representação legítima, a fim de observar, zelar e cumprir a vigência integral dos dispositivos da carta maior.
2. Portanto, o art. 3º da Constituição, constitui-se numa das prioridades das ações e programas constantes das políticas públicas na ordem federal, uma vez que trata-se de cláusula pétrea e é de integral responsabilidade a sua observação pela autoridade conferida ao presidente da República.
2. 1. Como visto no art.3º, III, da Constituição, e de acordo com as atribuições conferidas à autoridade competente pelo seu integral zelo, e sabendo-se da intensa disposição apontada desde os primórdios da campanha partidária devemos concluir que o referido art.3º, III, é uma realidade consubstanciada no Brasil[8].
3. É óbvio que as conclusões grifadas nos números "2" e "2.1" não correspondem à realidade nacional e, ainda que o pressuposto (premissa maior: itens 1 e 1.1) esteja correto, não podemos concluir pelas afirmativas sugeridas.
A seguir o raciocínio, podemos afirmar que: se é fato que há democracia e liberdade em Pasárgada[9], e nos outros mil reinos contíguos - porque suas Constituições Federais assim prescrevem –, logo, será fato igualmente sólido no Brasil. Mas quem iria crer nisso?
Pois bem, a fim de reafirmar a distância do que afirmo ao longo do texto e o pensamento exposto no exemplo da lógica indutiva, demonstrado acima, é que cabe uma definição mais precisa do que se entende por Estado Democrático de Direito Social. Dito dessa forma, por Estado Democrático de Direito Social entende-se a organização do complexo do poder em torno de instituições públicas, administrativas (burocracia) e políticas (tendo por a priori o Poder Constituinte), no exercício legal do monopólio do uso legítimo da força (violência), a fim de que o povo (conjunto dos cidadãos), sob a égide constante da cidadania democrática, regulando-se pelo princípio da supremacia constitucional e na vigência plena das garantias, das liberdades e dos direitos individuais e sociais, estabeleça o bem comum, o ethos público, em determinado território, e de acordo com os preceitos da justiça social (a igualdade real), da soberania popular e consoante com a integralidade do conjunto orgânico dos direitos humanos, no tocante ao reconhecimento, defesa e promoção destes mesmos valores humanos. De forma sintética, pode-se dizer que são elementos que denotam uma participação soberana.
Nos dias atuais, partindo do conceito, desdobram-se muitos outros objetivos possíveis na prática acadêmica e na vida real da atividade política, como: debater o significado atual do Estado Democrático de Direito; desenvolver uma (re)leitura dos clássicos da Democracia Social e da República; estimular a reflexão crítica do Direito; entender o Direito como resultante de um processo político e social; delinear o significado do direito à educação, no contexto tecnológico atual; visualizar o surgimento, o alcance, as potencialidades de novos direitos e de novos sujeitos de direitos – tal qual o direito à interface coletiva; demonstrar as possibilidades e os limites dos chamados Direitos Humanos de 4ª Geração, de acordo com a realidade da transformação tecnológica atual.
Em uma fórmula concisa acerca da lógica democrática, espécie de síntese ou lide jornalístico dos procedimentos democráticos, adverte Sartori para a questão óbvia de que: "democracia é um sistema onde ninguém pode escolher a si mesmo, ninguém pode investir a si mesmo com o poder de governar e, por conseguinte, ninguém pode arrogar-se um poder incondicional e ilimitado" (1994, p. 278).
Quanto à liberdade, demonstro a seguir como seria possível reverter esse tipo de lógica que, como visto acima, leva ao embotamento da análise crítica. Insisto neste aspecto porque não há exagero em afirmar que muitos cidadãos ainda pensam de acordo com este formato.