Para entendermos melhor a questão, torna-se necessário expor as disposições contidas no Código Civil, bem como o entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca do tema.
Conforme dispõe o Artigo 1.333 do Código Civil: “A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção.”.
O parágrafo 2º do Artigo 1.334 do mesmo codex afirma que “São equiparados aos proprietários, para os fins deste artigo, salvo disposição em contrário, os promitentes compradores e os cessionários de direitos relativos às unidades autônomas.”
O inciso I do Artigo 1.336 da Lei Civil afirma ser dever do condômino “contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção”.
Por fim, o artigo 1.345 do Código Civil afirma que “O adquirente de unidade responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.”
Pela análise dos Artigos acima, observa-se que a obrigação pelo pagamento das cotas condominiais detém natureza propter rem, ou seja, a obrigação acompanha a coisa, independentemente de quem esteja exercendo a posse ou propriedade do bem.
Maria Helena Diniz (Curso de Direito Civil Brasileiro. 2º volume: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11) traz explanação lapidar sobre o conceito da obrigação propter rem:
“A força vinculante das obrigações propter rem manifesta-se conforme a situação do devedor ante uma coisa, seja como titular do domínio, seja como possuidor. Assim, nesse tipo de obrigação, o devedor é determinado de acordo com sua relação em face de uma coisa, que é conexa com o débito. Infere-se daí que essa obrigação provém sempre de um direito real, impondo-se ao seu titular de tal forma que, se o direito que lhe deu origem for transmitido, por meio de cessão de crédito, de subrogação, de sucessão por
morte, etc., a obrigação o seguirá, acompanhando-o em suas mutações subjetivas; logo, o adquirente do direito real terá de assumi-la obrigatoriamente, devendo satisfazer uma prestação em favor de outrem.”
Já Francisco Eduardo Loureiro, citando a clássica lição de Antunes Varela, afirma que a obrigação pelo pagamento das cotas condominiais ultrapassa a própria natureza propter rem da obrigação, constituindo verdadeiro ônus real.[1]
No que tange especificamente às hipóteses de compromissos de compra e venda, os Tribunais Superiores e as próprias Cortes Estaduais tem entendido que a cobrança pelo inadimplemento das cotas condominiais pode ser realizada tanto em relação ao proprietário quanto ao promissário comprador, uma vez que “o interesse prevalente é o da coletividade de receber os recursos para o pagamento das despesas indispensáveis e inadiáveis, podendo o credor escolher – entre aqueles que tenham uma relação jurídica vinculada ao imóvel (proprietário, possuidor, promissário comprador, etc.) – o que mais prontamente poderá cumprir com a obrigação, ressalvado o direito regressivo contra quem entenda responsável”.[2]
Ocorre que o próprio STJ, através da decisão sufragada pela Ministra Nancy Andrighi, afirmou que apesar da obrigação propter rem, a responsabilidade pelo pagamento das cotas condominiais será daquele que tiver estabelecido relação jurídica direta com o condomínio:
“(...)5. CONSOANTE O PRINCÍPIO DA OBRIGAÇÃO PROPTER REM, RESPONDE PELA CONTRIBUIÇÃO DE PAGAR AS COTAS CONDOMINIAIS, NA PROPORÇÃO DE SUA FRAÇÃO IDEAL, AQUELE QUE POSSUI A UNIDADE E QUE, EFETIVAMENTE, EXERCE OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES DE CONDÔMINO. A DÍVIDA, ASSIM, PERTENCE À UNIDADE IMOBILIÁRIA E DEVE SER ASSUMIDA PELO PROPRIETÁRIO OU PELO TITULAR DOS DIREITOS SOBRE A UNIDADE AUTÔNOMA, DESDE QUE ESSE TENHA ESTABELECIDO RELAÇÃO JURÍDICA DIRETA COM O CONDOMÍNIO.
6. NO QUE TANGE ESPECIFICAMENTE ÀS HIPÓTESES DE COMPROMISSOS DE COMPRA E VENDA, O ENTENDIMENTO AMPARADO NA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE É NO SENTIDO DA POSSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO DE AÇÃO PARA COBRANÇA DE QUOTAS CONDOMINIAIS TANTO EM FACE DO PROMITENTE VENDEDOR QUANTO SOBRE O PROMISSÁRIO COMPRADOR DEPENDENDO DAS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO.
7. FICANDO DEMONSTRADO QUE (I) O PROMISSÁRIO-COMPRADOR IMITIRA-SE NA POSSE E (II) O CONDOMÍNIO TIVERA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA TRANSAÇÃO, DEVE-SE AFASTAR A LEGITIMIDADE PASSIVA DO PROMITENTE-VENDEDOR PARA RESPONDER POR DESPESAS CONDOMINIAIS RELATIVAS A PERÍODO EM QUE A POSSE FOI EXERCIDA PELO PROMISSÁRIO-COMPRADOR.
8. O QUE DEFINE A RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DAS OBRIGAÇÕES CONDOMINIAIS NÃO É O REGISTRO DO COMPROMISSO DE VENDA E COMPRA, MAS A RELAÇÃO JURÍDICA MATERIAL COM O IMÓVEL, REPRESENTADA PELA IMISSÃO NA POSSE E PELA CIÊNCIA DO CREDOR ACERCA DA TRANSAÇÃO. (...)” (STJ, RESP 1297239/RJ, 2011/0290806-3, TERCEIRA TURMA, REL. MIN. NANCY ANDRIGHI, J. 08/04/2014, DJE 29/04/2014). (Nosso Grifo)
Portanto, para se aferir a responsabilidade pelo inadimplemento das cotas condominiais nas hipóteses compromissos de compra e venda, deve-se observar não apenas a obrigação propter rem, mas principalmente a relação jurídica material havida junto ao condomínio, sob pena de promover ação judicial contra parte manifestamente ilegítima.
[1] “ Segundo o Autor: ‘ a diferença prática entre ônus e as obrigações reais, tal como a história do direito as modelou, está em que, quanto a estas, o titular só fica vinculado às obrigações constituídas na vigência do seu direito, enquanto nos ônus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em relação às prestações anteriores, por suceder na titularidade de uma coisa a que está visceralmente unida a obrigação( Das obrigações em geral, 8.ed. Coimbra, Almedina,1994,vI,.p.202(...)’ ” Código Civil Comentado – Doutrina e Jurisprudência – Coord. Min. Cezar Peluso – 6ª ed. – Ed. Manole.
[2] REsp. n.º 223.282/SC, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar.