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O acesso à justiça e a mediação

Agenda 23/11/2016 às 11:42

A mediação é uma forma alternativa de solução de conflitos. Por vezes é vista como abandono da função judiciária. O presente trabalho tem o intuito de propor a discussão sobre a mediação e o seu alcance da justiça.

INTRODUÇÃO

Atualmente o Brasil vem tentando mudar a cultura do litígio a partir da implantação de um método alternativo de solução de um conflito como é o caso da mediação.

Embora seja uma conquista bastante notória, a adoção de formas adversas de composição gera até os dias de hoje alguma controvérsias pelo motivo de que é entendido que é do Poder Judiciário a função de resolução de conflitos.

Porém, a mediação tem a aptidão de gerar resultados proveitosos para as partes envolvidas e não somente a uma parte, diz-se que a mediação traz o sinônimo de justiça.

Além do aspecto qualitativo sobre a composição do conflito, também o fator quantitativo surge como ótima forma de propagação na busca de novas possibilidades de solucionar um conflito.

Argumentos pragmáticos sobre a dificuldade na obtenção da decisão judicial de mérito, contudo, não devem constituir o motivo primordial para buscar novos meios de distribuição de justiça.

O grande motor para a adesão a técnicas diferenciadas deve ser a aptidão efetiva do mecanismo para gerar resultados qualitativamente satisfatórios em termos de composição eficiente da controvérsia.

O objetivo deste trabalho é identificar em que medida a mediação, enquanto instrumento da noção de justiça conciliatória  pode atender aos conflitantes por uma melhor distribuição de justiça na composição dos conflitos de índole privada, colaborando para o aperfeiçoamento e desenvolvimento de uma cultura de paz.

A mediação é abordada levando em conta precipuamente sua aptidão de resgatar nas partes sua própria responsabilidade sem induções por parte do mediador quanto à celebração de acordos.

Espera-se com este trabalho esclarecer ao leitor sobre perspectivas proveitosas, habilitando-o a perceber com maior clareza a lógica inerente à auto composição e as alterações na vivência concreta de quem busca abordar conflitos contando com mecanismos consensuais.


1 Acesso à justiça e via adequada de composição de controvérsias

A justiça é um dos temas mais intricados para filósofos, teólogos, sociólogos, políticos ou juristas. A noção de justiça, ao longo do tempo, incorporou e continua incorporando diversos sentidos, constituindo, a um só tempo, um conceito mutável.

As situações peculiares da vida e das instituições de cada povo são determinantes das reações do sentimento de justiça dos Estados e das pessoas.

Com efeito, cada ser humano concebe a justiça segundo seus próprios parâmetros e suas íntimas convicções, por certo carregadas de forte coloração afetiva e grande ressonância emotiva. Eis por que há quem afirme que a justiça total não é deste mundo.

Importa-nos, nesta sede, não abordar com detalhes a polêmica conceituação, mas conceber uma noção básica de justiça e da possibilidade de acesso à sua realização.

É pertinente a afirmação de que o pressuposto da ideia de justiça para o Direito é a existência de um consenso social acerca, pelo menos, das ideias fundamentais da justiça, sendo postulados da justiça, de evidência imediata: o respeito e a proteção da vida humana e da dignidade do homem; a proibição da degradação do homem em objeto; o direito ao livre desenvolvimento da personalidade; a exigência da igualdade de tratamento e a proibição do arbítrio.

É com base em tais premissas que serão abordados a justiça e o acesso à sua realização.

De maneira geral podemos dizer que justiça é um ideal de equidade e de razão, é um sentimento, uma virtude, um valor. A jurisdição é uma das funções da soberania do Estado, consistente no poder de atuar o Direito objetivo, compondo os conflitos de interesse, resguardando a ordem social8.

O cerne do acesso à justiça não é possibilitar que todos possam ir à corte, mas sim que a justiça possa ser realizada no contexto em que se inserem as partes, com a salvaguarda da imparcialidade da decisão e da igualdade efetiva das partes.

Assim, tanto se pode operar a realização da justiça pela autotutela (nos limites em que esta é permitida) como por força da autocomposição (quando as partes resolvem o impasse com um acordo), podendo também ocorrer pela imposição da decisão por um terceiro, tenha este sido eleito pelas partes (o árbitro) ou escolhido pelo Estado (o magistrado).

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No processo democrático, o acesso à justiça desempenha um relevante papel ao habilitar o cidadão a tutelar seus interesses e possibilitar à sociedade a composição pacífica dos conflitos.

O acesso à justiça é acesso à ordem jurídica justa, ou seja, obtenção de justiça substancial. Tal noção abarca uma série de possibilidades de verificação e realização da justiça.

A realização da justiça deve ser considerada um valor superior em relação à forma para sua obtenção, sendo de grande importância a composição de conflitos apta a dar a cada um o que é seu, realizando os direitos violados e/ou ameaçados com o mínimo de convulsão social.


2 Maior adequação da solução consensual

A auto composição revela-se a melhor saída para o conflito. Diante de uma simples questão de choque de interesses, estando em jogo, tão só, o valor pecuniário do objeto questionado, entende-se que o contendor raciocine em termos de relação “custo-benefício” para decidir se deverá entrar em juízo ou transigir; em tal caso, a composição dos litigantes, ponto de encontro de um cálculo de probabilidades, seria não só uma saída plausível, mas a melhor das soluções possíveis.

O termo “composição” (em vez de “solução ou resolução de conflitos”) melhor se coaduna com um sistema de encaminhamento de controvérsias em que a tônica não é só contenciosa, mas também conciliatória.

Segundo Lilia Maia de Morais Sales, a abordagem antagonista do processo constitui um dos problemas dos meios tradicionais de solução de conflitos: as partes são apontadas como inimigas, como ganhadora e perdedora, como certa e errada.

Tal modelo de distribuição de justiça efetivamente colabora para a instauração de uma cultura de paz e gera no espírito das pessoas (especialmente do derrotado) a sensação de realização de justiça?

A resposta, em grande parte das vezes, é negativa. Nem sempre tal resolução se mostra adequada no sentido de gerar resultados verdadeiramente justos e efetivamente observados pelas partes.

Para isso, o resgate de meios autocompositivos, longe de consistir um retrocesso, representa um importante caminho para o encaminhamento de muitas das controvérsias verificadas nos últimos tempos.

Tratar o episódio controvertido por meio de um litígio judicial pode prejudicar, de vez, o relacionamento interpessoal; além da iniciativa de ir a juízo prejudicar a superação do impasse, ainda pode gerar outros.


3 Obtenção legítima do consenso genuíno

Revela-se importante o resgate da credibilidade do Poder Judiciário em especial, e da administração da justiça em geral, para que não se volte à utilização indiscriminada da autotutela fora das hipóteses em que é prevista.

É inquestionável o descrédito com o Poder Judiciário em diferentes setores. Junto à opinião pública, é considerado moroso e inepto; pelo Poder Executivo, é questionado em sua eficiência estatal e reputado insensível quanto ao equilíbrio nas finanças públicas; pelo Poder Legislativo, é acusado de exorbitar suas prerrogativas e bloquear políticas públicas ao interferir no processo legislativo.

Em tais circunstâncias, não parece estar distribuindo justiça, mas se negando a atribuí-la a cada um o que é devido por questões pragmáticas, utilitárias e ilegítimas.

Ao pautar-se pela diretriz consensual, deve o órgão responsável pela administração do conflito atuar segundo as técnicas previstas para tal mister, com eficiência e respeito em relação à vontade real das partes.

Assim, é muito importante divisar não só o que é promover o consenso, mas também errôneas condutas que, apesar de rotuladas como representativas de atividades consensuais, absolutamente não as configuram.

Verificando-se de forma adequada, os meios consensuais poderão alcançar o objetivo de promover pacificação; se mal aplicados, transações ilegítimas poderão ensejar mais conflitos entre os contendores, gerando outras lides. Por tal razão, é essencial que o terceiro imparcial atue com esmero em sua importante função, promovendo reflexões produtivas para promover a conscientização dos envolvidos sobre construtivas possibilidades.

4 Mudança de mentalidade

A ideia de composição efetiva como norte na distribuição de justiça se coaduna com a consideração da atividade jurisdicional como uma das muitas possibilidades de gerar a composição entre partes controvertidas.

Sendo, porém, uma das diversas vias existentes, deve-se refletir sobre sua utilização racional; assim, não deve ser considerada, desde logo, a forma prioritária ou preferencial de encaminhar toda sorte de demanda.

A adoção de técnicas diferenciadas de tratamento de conflitos exige uma substancial modificação da visão do operador do Direito, do jurisdicionado e do administrador da justiça.

A cultura da sentença instalou-se assustadoramente entre nós, preconizando um modelo de solução contenciosa e adjudicada dos conflitos de interesses.

Há que se substituir, paulatinamente, a cultura da sentença pela cultura da pacificação. Com uma mudança de mentalidade se passará a considerar como boa demanda aquela que, preferivelmente, foi prevenida de algum modo; ou foi antes submetida às instâncias de mediação; enfim, se puderam as partes, não obstante, encerrá-la antecipadamente, mesmo em segundo grau, mediante conciliação bem conduzida e orientada por agente preparado para isso.

Para tanto, precisarão ser trabalhados aspectos como a formação do operador do Direito, a tradição na intervenção estatal e a ciência sobre os mecanismos idôneos a gerar a efetiva pacificação social.

O ensino jurídico costuma ter excesso de formalismo e dogmatismo que o pauta, gerando uma suposta desvinculação entre o legal e o real; todavia, há iniciativas concretas para superar esta situação.

A situação, portanto, já começou a mudar. Em muitos cursos jurídicos brasileiros, há disciplinas específicas para abordar meios extrajudiciais de solução de controvérsias (como por exemplo, a Faculdade de Direito Mackenzie).

A efetivação da mediação como prática a serviço da Justiça demanda mudanças culturais na forma de encarar o conflito, de modo que se deixem de privilegiar a lógica dual cultural culpado/inocente (certo/errado), o imediatismo de soluções e a transferência para terceiros da responsabilidade pela solução dos próprios problemas.

Para que mudanças significativas possam ocorrer em termos qualitativos, a mera existência de leis é insuficiente: é essencial que o profissional do Direito entenda que uma de suas principais funções, além de representar e patrocinar o cliente (como advogado, defensor e conselheiro), é conceber o design de um enquadre que dê lugar a esforços colaborativos.

Especialmente no que tange a certos conflitos, dentre os quais se destacam as controvérsias familiares, urge considerar a necessidade de uma postura profissional diferenciada.

Quem lida com esse tipo de conflito deve ter, em sua formação, instrumentos que o capacitem a lidar com desafios de solucionar as mais diferentes formas que o conflito se apresenta e efetive sua eficaz solução para que seja possível perceber que a composição não emana somente da prestação jurisdicional.


CONCLUSÃO

A mediação, necessita de adaptações para ser efetivamente integrada ao Judiciário brasileiro, no qual prevalece a “cultura do litígio”, isto é, o costume de litigar existente em nosso País, devido à formação dos operadores do Direito, voltada para os métodos adversariais de solução de conflitos.

Deve haver uma mudança de mentalidade dos operadores do Direito e da própria comunidade que a justiça seja atingida.

E, dentro dessa Política Pública, é de suma importância a preocupação com a qualidade dos serviços e, consequentemente, com a capacitação conciliadores e mediadores, a fim de que a prática desses métodos de solução de conflitos não seja banalizada, a ponto de ser rechaçada pelas partes e totalmente abandonada.

Nota-se no Poder Judiciário brasileiro, como consequência de nossa cultura e do histórico de utilização, por nós, dos métodos alternativos de solução de conflitos, uma confusão entre os conceitos de conciliação e mediação que, apesar de diversos, apresentam muitas semelhanças, sendo que, na prática, o método mais utilizado é a conciliação, com algumas técnicas de mediação, quando o terceiro facilitador dispõe de conhecimento suficiente para tanto.

A mediação é um método adversos de solução de conflitos, um método com melhores perspectivas de efetivo acesso a Justiça.

Levando-se em consideração o fato de que, no Brasil, as pessoas ainda necessitarem da chancela do Judiciário para a solução de seus conflitos, a sua utilização atrelada ao Judiciário mostra-se como a solução mais pertinente, no momento, a fim de concorrer para o efetivo acesso à Justiça, este não só como acesso ao Poder Judiciário, acesso a uma ordem jurídica justa, com soluções céleres, adequadas e definitivas dos conflitos, evitando distorções e facilitando sua divulgação.

A utilização da mediação, agregada ao processo civil brasileiro, com a conservação de suas características essenciais, aliada a política pública voltada à difusão da mesma, irá contribuir para a mudança de mentalidade dos operadores do Direito e para a consequente formação de um novo profissional da área jurídica.


REFERÊNCIAS

Doutrinas

SALLES, Carlos Alberto de. A arbitragem em contratos administrativos. Rio de Janeiro: Forense; Método: São Paulo, 2011. p. 65.

TARTUCE, Fernanda. Mediação nos conflitos civis. 2. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 156.

LUCHIARI, Valeria Lagrasta. Coleção ADRs - Mediação Judicial: análise da realidade Brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 122.

Artigos Jurídicos

CASABONA, Marcial Barreto. Mediação e lei. Revista do Advogado, n. 62, p. 84-92, São Paulo, mar. 2001

FARIA, José Eduardo. O sistema brasileiro de justiça: experiência recente e futuros desafios. Estudos Avançados, v. 18, n. 51, p. 103, maio-ago. 2004.

PINTO, Ana Célia Roland Guedes. O conflito familiar na justiça: mediação e o exercício dos papéis. Revista do Advogado, n. 62, p. 64-71, São Paulo, mar. 2001.

Artigos Eletrônicos

SILVA, Adriana dos Santos. Acesso à justiça e arbitragem: um caminho para a crise do Judiciário. São Paulo: Manole, 2005. p. 82

PEDROSO, João; TRINCÃO, Catarina; DIAS, João Paulo. E a justiça aqui tão perto: as transformações no acesso ao Direito e à justiça. Disponível em: <http://www.oa.pt/Uploads/%7B3CF0C3FA-D7EF-4CDE-B784-C2CACEE5DB48%7D.doc.> Acesso em: 20 nov. 2016

WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/programas/movimento-pela-conciliacao/arquivos/cnj_portal_artigo_%20prof_%20kazuo_politicas_%20publicas.pdf.> Acesso em: 22 nov. 2016

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