INTRODUÇÃO
Por volta da década de 40, a corrida de mourão (Vaquejada) começou a se tornar um esporte popular na região nordeste, na medida em que os vaqueiros das fazendas do sul da Bahia ao norte do Ceará começaram a tornar público suas habilidades e de seus cavalos na lida com o gado. O rebanho, criado solto na caatinga e no cerrado, era manuseado pelo sertanejo com muita adversidade devido à quantidade de espinhos e pontas de galhos secos que entrelaçavam seu caminho; os laços quase sempre ficavam atados às selas enquanto os vaqueiros faziam malabarismos, com o animal em movimento.
A vaquejada, muito popular na região nordeste do Brasil, consiste na prática na qual duas pessoas, montadas em cavalos, perseguem, em velocidade, uma vaca – daí o nome da competição – ou um boi, em disparada. Vence a disputa quem conseguir agarrar o animal pelo rabo e, torcendo-o, o derrubar, com as quatro patas para cima, em local previamente demarcado com cal. Referindo-se de uma atividade alegadamente cultural e que impõe gratuitamente sofrimento aos animais envolvidos, se discutiu a constitucionalidade da lei que regulamentou a vaquejada, em razão da semelhança de valores insculpidos na Lei Maior.
Inicialmente, a vaquejada marcava apenas o encerramento festivo de uma etapa de trabalho. Reunir o gado, ferrá-lo, castrá-lo e depois conduzi-lo para a "invernada" onde ainda existissem pastos verdes - esse era o trabalho primordial dos vaqueiros. Os coronéis e senhores de engenho, após perceberem que a vaquejada poderia ser um entretenimento para as suas mulheres, e seus filhos, tornaram a festa um novo esporte.
Desde a antiguidade, apesar de opiniões contrárias, o ser humano acredita possuir apenas um dever em relação aos demais animais: embora isso não se traduza em um direito para eles, é a obrigação de não os tratar com crueldade.
Com efeito, a atual constituição foi à primeira Carta Magna brasileira a elevar tal dever para o âmbito constitucional (art. 225, § 1º, VII). A regra da não crueldade, porém, se revela insuficiente até para a proteção dos interesses mais básicos dos animais. Afinal, ainda é objeto de discussão, no caso da vaquejada, a crueldade de se impor dor e sofrimento aos animais apenas para a mera diversão fútil do ser humano.
Se fosse reconhecido o básico direito dos animais não serem tratados como coisas, não se estaria ainda discutindo se um ser consciente e dotado de racionalidade própria poderia ser submetido a sofrimento desnecessário apenas para fins de prescindível diversão de um ser que se autonomeia como superior. Argumentos utilizados para legitimar a vaquejada, como regulamentação de atividades cruéis com o desígnio de amenizá-las, não seriam aceitos para se instrumentalizar um sujeito de direitos e desmerecer seu sofrimento. Sendo assim, se um ser humano estivesse em semelhante situação de subordinação à crueldade, todos os mencionados argumentos não seriam eticamente aceitáveis.
Os animais utilizados na vaquejada são submetidos a intenso sofrimento físico e mental. Da fuga em disparada, gerada pelo pânico (e outros instrumentos “estimulantes”, tais como choques elétricos), até a queda causada pela torção e brusca puxada da calda do bovino (geradora de traumas por conter na calda nervos e uma extensão da coluna vertebral), o que se verifica são atos intrinsecamente cruéis, que nunca seriam regulamentados, mas sim combatidos, se um sujeito de direito fosse a ele submetido, sendo desprezíveis os argumentos culturais, econômicos e sociais. Da mesma forma, após o reconhecimento da inconstitucionalidade do sofrimento causado aos sujeitos de direitos nas rinhas de galo, farra do boi e rodeios, seria considerado inaceitável o retrocesso do sofrimento a eles causados na vaquejada.
Por todo o exposto, verifica-se nas vaquejadas um completo desrespeito pelos animais, o que afronta o disposto no art. 225, § 1º, VII, da Constituição Federal e demais leis ou atos legais de caráter ambiental. Dessa forma, são costumes ilegais e inconstitucionais, realizados sob o falso véu de manifestações das culturas populares, devendo ser coibidas com rigor pelo Poder Público e pela coletividade.
1. A proteção das manifestações culturais
A Constituição Federal de 1988 prevê proteção à cultura e suas manifestações em seu art. 215, § 1º, que diz o seguinte: “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
A cultura popular é a expressão mais legítima e espontânea de um povo, como o próprio nome diz, é popular, é do povo, resulta da interação constante entre pessoas da mesma região, daquela localidade, ao mesmo tempo em que resulta de um constante processo de transformação, assimilação e mistura.
De acordo com Eduardo Mota Gurgel (2007, on line), prefeito de Maranguape:
[...] a vaquejada, que nasceu da cultura do pastoreio, mantém vivos a tradição e o costume do povo nordestino, numa exaltação à figura do vaqueiro. É hoje conhecida em todo o mundo, estimulando o incremento do turismo na região. A Vaquejada do Itapebussú confraterniza, há 61 anos, vaqueiros e o povo da região. Por seu porte e organização tem alcançado uma dimensão nacional e internacional, movimentando - sobremaneira - a economia local, com a geração de vários empregos sazonais.
Além de vaqueiros profissionais, a vaquejada dá espaço aos locutores, cuidadores e tratadores dos bichos, vendedores de comidas e bebidas, e também às bandas que fazem a animação do evento.
Em meio ao capitalismo vivenciado pela sociedade brasileira, a vaquejada atualmente tornou-se um empreendimento cultural, que movimenta o comércio do local da competição, além de gerar emprego e renda para os vaqueiros e demais envolvidos.
Assim, a vaquejada é uma manifestação cultural nordestina, uma peleja entre o homem e o boi, que difunde a cultura da região. Dessa forma, está amparada pelo disposto no art. 215, § 1º, da Constituição Federal.
2. A crueldade para com os animais que são utilizados como brinquedos
Os animais utilizados na realização de competições do tipo vaquejada (bois e cavalos) são tratados como coisas, brinquedos, estando expostos a atos de extrema crueldade, somente para divertir e entreter os humanos.
O brete é o local onde os animais ficam antes de ser aberta a porteira, é tido como a coxia, os bastidores do espetáculo, onde os animais aguardam a sua entrada, entretanto, a realidade por trás da porteira é de um pequeno cercado, onde o bovino é atormentado, encurralado, espancado com pedaços de madeira, e submetido a vigorosas e sucessivas trações de cauda para que adentre a arena em fuga.
Os animais são encaminhados por um vaqueiro, que os toca com um pedaço de madeira, para a fila que dá acesso para a arena. O espaço geralmente é apertado e permite apenas um boi por vez. Lá os animais são avaliados.
Quando possuem chifres, estes são serrados com serrote. Muitos chifres chegam a sangrar e os vaqueiros amarram os animais para poder serrar a ponta de seus chifres. Alguns se debatem, caem no chão. Outros tentam pular a porteira que dá acesso à arena e quando isso ocorre os vaqueiros batem com pedaços de pau em suas cabeças. Todos os animais passam por esse procedimento. E em algumas situações os animais têm suas patas presas entre as madeiras do corredor da arena e por pouco as patas não são quebradas.
Ao perseguirem o bovino, os peões acabam por segurá-lo fortemente pela cauda (rabo), fazendo com que ele estanque e seja contido. A cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma sequência de vértebras, chamadas coccígeas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Nesse gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito provável de que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de contato de uma com a outra.
Com essa ocorrência, existe a ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco. Como a porção caudal da coluna vertebral representa continuação dos outros segmentos da coluna vertebral, particularmente na região sacral, afecções que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal vertebral.
Esses processos patológicos são muito dolorosos, dada a conexão da medula espinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos nociceptivos (causadores de dor). Além de dor física, os animais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental.
Não são divulgados para o público os métodos cruéis utilizados para ocasionar a corrida dos bois, sendo seu confinamento prévio por longo período, e sendo comum a utilização de açoites e ofendículos, a introdução de pimenta e mostarda via anal, choques elétricos e outras práticas caracterizadoras de maus-tratos.
Essa violência, seja explícita e óbvia ou implícita e aceita, só acontece para valer por causa de uma importante premissa moral arrogada pelos organizadores de vaquejadas, vaqueiros e outras pessoas envolvidas na atividade: bois e cavalos, como sendo seres moralmente inferiores, são propriedades dos humanos, e assim sendo seus proprietários podem usá-los livremente sempre que lhes demandarem utilidade.
CONCLUSÃO
A vaquejada é uma atividade cruel, exploradora e agressora. Não é justo continuarmos preservando e deixando apreciar-se o ato de se maltratar e agredir os animais só porque eles têm a bandeira da “cultura e tradição”. Muitas “culturas e tradições” que representavam discriminação, exploração, ferimentos e mortes foram abandonadas ao longo da História e hoje são vistas como perversas e repulsivas. Por tudo, a vaquejada também deveria estar nessas “tradições” abandonadas.
Portanto, a justificativa dos defensores das vaquejadas, que alegam que ela é uma “cultura e tradição”, além de servir de atrativo para o incremento do turismo, movimentando a economia local, com a geração de vários empregos, não tem cabimento. Não se pode aceitar a tortura institucionalizada de animais com base na supremacia do poder econômico, nos costumes desvirtuados ou no argumento de que sua prática se justifica em prol do divertimento público, sob pena de se adotar que os fins justificam os meios.
É baseado nisso que essa atividade deve ser ilegal, criminalizada e banida do Nordeste, do Brasil e do mundo, para que o bem-estar do animal seja preservado. Tendo assim os animais, não só o critério de que possa existir a possibilidade de não serem maltratados, mas sim respeitados. Contendo não só um símbolo de uma “coisa” qualquer de propriedade do ser humano.