Compliance Internacional
Além de desenvolver uma estrutura eficiente de compliance corporativo, muitas empresas transnacionais possuem o desafio extra de coordenar ações de compliance nas suas unidades estrangeiras a partir de sua matriz. Para isso, aspectos como adaptação de políticas, governança, regulação estrangeira e diferenças culturais devem ser corretamente compreendidos para que todas as unidades internacionais também estejam alcançados e suportados em seus controles conforme parâmetros, ferramentas e sistemas definidos pela sua sede.
Ao iniciar o desenvolvimento de uma estrutura de compliance nas suas unidades estrangeiras, a empresa deve já ter obtido um grau razoável de maturidade em sua própria matriz. Essa maturidade implica em pressupostos que permitem a existência dos Programas de Compliance, alguns dos quais serão aplicados nas unidades internacionais. A seguir, procurou-se elencar esses pressupostos numa estrutura de gerenciamento de riscos.
A Governança e a Tolerância ao Risco
A alta administração deve expressamente definir o apetite a riscos da organização bem como a forma como estes riscos são identificados nas diversas linhas de negócio. O comprometimento inequívoco da alta direção à cultura de controles deve ocorrer através de foros adequados (conselhos e comitês) e de políticas internas.
A cultura de controles deve ser capaz de emanar o sentimento dos comitês e da alta administração por todos os processos e áreas da organização. E o reporte da aplicação dos controles deve iniciar nos gestores até ser informado ao corpo diretivo.
Nas unidades estrangeiras, a cultura de controles deve estar presente e refletir o sentimento da alta administração. O monitoramento de que isso esteja ocorrendo é responsabilidade do Compliance Officer, que apresenta os indicadores no Comitê de Compliance de sua unidade.
Atividades de Controle
Através da sua governança, a instituição aprova suas políticas e procedimentos que asseguram que as respostas aos riscos de descumprimento à lei estejam eficazes. É necessário, também, que alguma área independente, geralmente de Compliance, seja responsável por ministrar treinamentos periódicos a todos os colaboradores, com controle de participação executado pelo setor de Recursos Humanos. Ainda que o treinamento possa ter vários formatos, é boa prática que seja segmentado conforme o envolvimento do público com os riscos considerados, e que tenha validade de um ano.
Cada unidade estrangeira deve ter controles adequados à sua atuação e à complexidade de seus processos. Entretanto, há a necessidade de formalização, ainda que tais unidades sejam de pequeno porte. Cabe ao Compliance Officer organizar e disponibilizar todas as evidências de execução dos controles de sua unidade.
Identificação de Eventos e Avaliação de Riscos
A origem dos eventos de risco deve considerar não somente os atos dos funcionários, mas também os praticados por terceiros tais como fornecedores ou prestadores de serviço, e seus prepostos. Prática também conhecida como KYP (“know your partner”) - regras, procedimentos e controles internos para identificação e aceitação de parceiros comerciais. Entretanto, como nem todos os terceiros ou parceiros possuem o mesmo grau de risco, eles devem ser classificados e receber controles proporcionais aos riscos que representam. Para os de mais alto risco, recomenda-se diligências aprofundadas de avaliação (tais como “due diligence”) com alçadas específicas de aprovação.
Nas unidades internacionais, toda ocorrência de evento de risco deve ser devidamente reportada nos Comitês de Compliance e em sistemas específicos, como os que coletam eventos de risco operacional. Além disso, toda contratação de terceiros deve se submeter a critérios de KYP definidos pela matriz, e toda contratação deve ser aprovada pelos setores jurídicos da matriz e da unidade estrangeira.
Controles e Monitoramento
Todos os controles devem ser testados periodicamente, com frequência proporcional à avaliação dos riscos por eles mitigados e todas as matrizes de riscos e controles devem ser monitoradas continuamente. Isso permite que o próprio programa de compliance seja continuamente ajustado. Há duas formas de realização do monitoramento: através da utilização contínua por parte dos gestores dos processos envolvidos e por avaliações independentes – tanto das equipes de Controles Internos e Compliance quanto pela Auditoria, seja ela interna ou externa.
Merecem destaque os procedimentos específicos de pronta interrupção de irregularidades detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados. Ou seja, além do aspecto preventivo, há a preocupação de que os casos alertados tenham planos de ação tanto para correção dos processos internos quanto para “remediação”. Todos os casos devem ser apresentados em comitês definidos em política, preferencialmente de riscos e controles internos.
Melhor prática já consolidada internacionalmente, o procedimento de realização de testes de controles ganhou relevo com a lei Sarbanes-Oxley, também conhecida como SOX. Analogamente, outras iniciativas regulatórias como Anticorrupção e FATCA (Foreign Account Tax Compliance Act), além das constantes novas orientações da Basiléia para os Bancos Centrais e do GAFI sobre Prevenção à Lavagem de Dinheiro, estão a exigir que muitas empresas reforcem suas estruturas de controle e monitoramento. A tendência internacional é de aumento da regulação e da fiscalização sobre o Compliance das organizações, independentemente de seu porte e área de atuação.
Ambiente de Controles e Riscos
O grande objetivo do programa de compliance é estabelecer um ambiente interno, feito pelos colaboradores (funcionários e terceiros), com visão de gerenciamento de riscos e dentro de um ambiente ético e em conformidade com o espírito da lei. Como parte do programa, deve haver uma instância interna responsável pela sua aplicação, fiscalização e aperfeiçoamento, estruturada e independente. E, de acordo com a governança da empresa, é crucial a previsão de medidas disciplinares para os casos de desrespeito ao programa de compliance.
Uma curva de aprendizado típica que se observa nos setores nos quais há a estruturação do Compliance compreende pelo menos três fases. Inicialmente, o Compliance é confundido com Auditoria. Os colaboradores sentem temor pelas eventuais descobertas de falhas cometidas no cumprimento de normativos internos. Posteriormente, após tomarem consciência do papel de melhoria de processos pelo setor de Controles Internos, há uma tendência de repasse de execução de controles dos gestores para o Compliance. Somente numa última fase, com o que se pode chamar de implantação de “Control Room”, existe o estabelecimento efetivo da cultura de controles na primeira linha de defesa da organização.
Os Programas de Compliance
Os programas de compliance têm uma abordagem imediata: permitem verificar o quanto um determinado assunto está em conformidade legal. Isso é feito através de testes diretos de controles, independentemente de estarem eles devidamente mapeados nos catálogos de processos da empresa. Ressalte-se que muitos desses controles, que mitigam riscos legais, demandam acompanhamento normativo e rápido acesso à legislação atualizada. Além disso, é imperioso também acompanhar a jurisprudência, assim como a tendência dos tribunais e o posicionamento setorial das empresas frente às inúmeras controvérsias geradas por regulamentos cada vez mais específicos mas nem sempre em sintonia com os propósitos das linhas de negócio.
Um Programa de Compliance é composto por uma sequência de assertivas para as quais deve-se verificar o grau de conformidade. Em alguns casos é requerida seleção de amostras para análise. O resultado final de sua aplicação é uma avaliação global que mede o grau de conformidade da instituição em relação àquele assunto. Uma característica desses programas é a diferença entre sua elaboração e sua execução. Enquanto que na elaboração é fundamental a total participação dos gestores de negócio, com eventual apoio de setores jurídicos, na execução qualquer funcionário é capaz de realizar a verificação das assertivas, que são descritas de forma simples e com pouca margem a questionamentos.
Por fim, os resultados dos Programas de Compliance devem ser apresentados periodicamente em Comitês. Daí a importância de os processos organizacionais terem sido objeto de gestão de qualidade: só se deve acompanhar métricas de eficiência em processos otimizados quanto às suas etapas, observando-se itens como retrabalho, segregação de atribuições e identificação e avaliação de riscos e controles.
Preenchidos os requisitos, ou pressupostos, aqui apresentados, a organização está apta para implantar o compliance em suas unidades estrangeiras. A seguir, alguns aspectos relevantes que devem ser avaliados nessa implantação.
Adaptação de Políticas
Todo o arcabouço normativo desenvolvido pela matriz foi certamente estabelecido com foco nas linhas de negócio principais e na regulação local. Contudo, a atuação das unidades estrangeiras geralmente é bastante diverso da da sede, o que exige uma adaptação das políticas às linhas de negócio e ao regulador estrangeiro.
Deve-se claramente definir o que a unidade estrangeira deve fazer para estar em compliance com as políticas da empresa. Cada item a ser observado deve ser acompanhado em comitês locais e depois reportados para a matriz. Assuntos específicos exigirão a montagem e aplicação de Programas de Compliance adaptados. Dentre os temas principais encontram-se: Plano de Continuidade de Negócios, Segurança da Informação, Auditoria de TI, Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Anticorrupção.
Governança
Cada unidade estrangeira deve ter um Compliance Officer, que se reporta matricialmente à estrutura de Compliance Corporativo da matriz. Sua função primordial é zelar pelo que se pode denominar de “estrutura operacional mínima” de controles de sua unidade. Dentre os itens dessa estrutura estão os seguintes:
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Mapeamento dos principais processos;
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Identificação e avaliação dos riscos nos processos;
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Estabelecimento dos controles adequados à mitigação dos riscos identificados;
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Desenvolvimento de testes de controles, aplicados com periodicidade associada à criticidade do risco mitigado;
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Manual de Compliance, abrangendo as políticas da unidade adaptadas às políticas da matriz;
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Manutenção do Comitê de Controles Internos, Compliance e Gestão de Riscos;
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Reporte à matriz das atas do Comitê e dos registros de riscos operacionais e regulatórios;
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Atendimento às auditorias internas e externas e aos órgão reguladores e fiscalizadores locais e
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Atendimento às equipes de controles internos da matriz para aplicação dos Programas de Compliance.
Regulação Estrangeira
A forma de normatizar, fiscalizar e punir dos órgãos reguladores nos diversos países guarda semelhanças mas, sobretudo, diferenças perigosas. Sem sombra de dúvida, o chamado risco regulatório é a maior prioridade na agenda de todo Compliance Officer estabelecido em unidade estrangeira. Provavelmente ninguém melhor do que ele conhece, na prática, os procedimentos que devem ser seguidos, as evidências que precisam estar à disposição e os principais controles que precisam efetivamente estar em funcionamento.
Assim, as requisições feitas à matriz devido a demandas regulatórias de suas unidades deve sempre levar em consideração o que o Compliance Officer, no exercício de sua independência e autoridade, reporta imperativamente à estrutura de controles corporativos.
A exposição ao risco regulatório nas unidades internacionais guarda relação intrínseca com o risco de imagem, independentemente de seu tamanho ou suposta importância. A marca da instituição está presente em todas as suas representações.
Diferenças Culturais
Por fim, porém não menos importante, estão as surpreendentes diferenças culturais a permear a relação entre as estruturas de compliance estrangeira e da matriz. Da forma de se cumprimentar até a maneira de enfrentar os problemas nas linhas de negócio, as peculiaridades das diversas regiões nas quais a organização marca presença devem sempre ser levadas em consideração.
O acoplamento dos controles das unidades estrangeiras à estrutura da matriz representa, mais do que um simples alinhamento de compliance, o estabelecimento de uma relação de confiança que permite que, mesmo separados por longas distâncias e tendo ambientes regulatórios e culturais distintos, a empresa possa estar realmente presente em suas representações fora de seu país de origem.