RESUMO: Em um contexto do pós-Segunda Guerra, do advento do Estado Democrático de Direito e do movimento do neoconstitucionalismo surgiram novos fenômenos que juristas e academia ainda estão estudando e tentando compreender. Dentre esses fenômenos, estão a Judicialização da Política, o Ativismo Judicial e até mesmo a criação de uma nova forma de exercício do poder Judiciário. Esses fenômenos não são exclusividade do Brasil, mas aqui são potencializados pela crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade que atinge os demais Poderes da União. Nesse sentido, este trabalho busca investigar esses fenômenos, principalmente sua legitimidade e adequação, verificando até que ponto o Poder Judiciário poder adotar uma postura ativista e transformar questões de natureza política em Direito.
Palavras-chave: Judicialização da política. Ativismo judicial. Direitos fundamentais. Legitimidade.
INTRODUÇÃO
A judicialização da política e o ativismo judicial são temas que têm sido amplamente discutidos em todas as áreas, constituindo questão de grande relevância no âmbito da ciência política. É cada vez mais evidente a crescente atuação do Poder Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal, que nos últimos anos julgou contendas paradigmáticas, diretamente ligadas ao interesse público, e emitiu decisões relativas a matérias afetas aos outros poderes.
A tendência tem sido a de levar os assuntos políticos para serem discutidos no âmbito judicial, de forma que estes passam a ser exteriorizados como questões jurídicas.
Por um lado, a prática do ativismo judicial é vista com certa desconfiança e preocupação. Diante do princípio da separação dos poderes, pautado na independência e harmonia, e que objetiva justamente evitar a concentração de poder em uma única esfera para que não haja abuso, bem como do princípio democrático, segundo o qual o governo deve ser exercido pelo povo, diretamente ou por meio de representantes eleitos, a judicialização da política e o ativismo judicial podem parecer uma possível ameaça e afronta.
Por outro, é vista como um instrumento valioso e necessário à concretização dos valores e fins constitucionais e como uma alternativa de um povo insatisfeito e descrente das representatividades políticas, em função de Poderes Executivo e Legislativo omissos, inoperantes e dominados por escândalos de corrupção e desvios de conduta. Nessa perspectiva tem-se que a judicialização e o ativismo decorrem de situações vivenciadas pela sociedade, se apresentando como solução da ineficácia do poder Legislativo, para suprir a ausência de definições que deveriam acompanhar as mudanças sociais, econômicas e tecnológicas, bem como uma forma de inibir os excessos praticados pelas administrações públicas.
Nesse sentido, o presente trabalho busca avaliar o atual papel de destaque do Poder Judiciário na estrutura dos Poderes da República Federativa do Brasil, bem como de analisar a legitimidade da judicialização da política e do ativismo judicial e os possíveis limites de atuação do Poder Judiciário perante uma nova realidade nacional, marcada por importantes transformações na dogmática constitucional, no campo socioeconômico e pelo evidente desprestígio dos demais Poderes.
1 JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA E ATIVISMO JUDICIAL
A promulgação da Constituição de 1988 simbolizou uma grande mudança na forma como a jurisdição constitucional era concebida no Brasil. O poder Judiciário passou por profundas transformações quanto aos contornos de sua atuação. Recentemente os tribunais constitucionais e supremas cortes vêm desempenhando um papel de protagonismo no cenário político e na sociedade em geral. Mas este fenômeno não é particularidade do Brasil.
Nos Estados Unidos, a eleição presidencial de 2000 foi decidida pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, também foi a Suprema Corte que deu a última palavra sobre a possibilidade de construção de um muro na fronteira com o território palestino. Na Hungria e na Argentina, importantes planos econômicos tiveram sua validade resolvida pelas mais altas Cortes. A Corte Constitucional da Turquia exerce um papel vital na manutenção de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na França foi o Conselho Constitucional que legitimou a proibição da burca. Na Coréia, a Corte Constitucional restabeleceu o mandato de um presidente que fora destituído por impeachment. (BARROSO, 2012).
No entanto, o caso brasileiro chama atenção pela quantidade e extensão dos precedentes. O Supremo Tribunal Federal passou a assumir um papel de protagonismo, que, nos últimos anos, tem proferido decisões em diversas contendas políticas ou morais em temas controvertidos.
Estes fatos nos remetem à crescente utilização e popularização dos termos Judicialização da política e Ativismo Judicial.
1.1 Distinção entre Judicialização da Política e Ativismo Judicial
Judicialização da política e Ativismo Judicial são dois termos muito discutidos atualmente e sempre circundados de polêmica. Seus conceitos são, por muitas vezes, confundidos por quem os emprega, inclusive por doutrinadores. Ambos são utilizados no sentido de expressar o marcante grau de judicialização observado atualmente no Brasil. Pode-se dizer que tal característica é um ponto de partida para a compreensão dos dois institutos, mas, apesar de serem conceitos semelhantes, não podem ser tratados como sinônimos. (BARROSO, 2009).
A Judicialização se caracteriza por uma espécie de intromissão do direito, como campo de saber e de práticas, na organização da vida social moderna, se estendendo sobre a regulação da esfera política, da sociabilidade e das políticas sociais.
Com a Constituição de 1988, o Poder Judiciário ascendeu à categoria de membro da soberania política nacional. Foi incumbida a ele a tarefa de exercer um controle sobre a vontade do Estado. O poder constituinte confiou esta atribuição ao Supremo Tribunal Federal, órgão máximo desse poder.
Este fato, aliado à grande ampliação dos direitos fundamentais que foram positivados e colocados em destaque pela Constituição de 1988, ocasionou um grande crescimento da popularidade do Judiciário perante a sociedade, que passou a, cada vez mais, buscar neste Poder uma espécie de alternativa para conseguir respostas e soluções para problemas habituais.
Nesse sentido, pode-se dizer que a Judicialização da Política é o resultado do deslocamento, para o âmbito do Judiciário, da competência de decisão de certos assuntos que tradicionalmente cabiam aos poderes Legislativo e Executivo. É um fato que decorre da supremacia Constitucional, do modelo de Constituição abrangente e analítico e da adoção do sistema de controle de constitucionalidade, seja pelo meio difuso ou, sobretudo, pela via concentrada, em que as altas cortes possuem a competência de resolver em última instância sobre questões judiciais.
Além disso, o Direito brasileiro não admite o Non Liquet[2]. Os juízes e tribunais são obrigados a julgar quando provocados pela via processual adequada. Percebe-se, portanto, que a Judicialização constitui uma consequência do modelo institucional vigente, é um fato inelutável. (BARROSO, 2012).
Em seu livro sobre o tema, Clarissa Tassinari (2013, p. 9) aduz sobre a judicialização:
[...] é muito mais uma constatação sobre aquilo que vem ocorrendo na contemporaneidade por conta da maior consagração de direitos e regulamentações constitucionais, que acabam por possibilitar um maior número de demandas, que, em maior ou menor medida, desaguarão no Judiciário; do que uma postura a ser identificada (como positiva ou negativa). Isto é, esta questão está ligada a uma análise contextual da composição do cenário jurídico, não fazendo referência à necessidade de se criar (ou defender) um modelo de jurisdição fortalecido.Por tudo isso, pode-se dizer que a judicialização apresenta-se como uma questão social. A dimensão desse fenômeno, portanto, não depende do desejo ou da vontade do órgão judicante. Ao contrário, ele é derivado de uma série de fatores originalmente alheios à jurisdição, que possuem seu ponto inicial em um maior e mais amplo reconhecimento de direitos, passam pela ineficiência do Estado em implementá-los e desaguam no aumento da litigiosidade – característica da sociedade de massas. A diminuição da judicialização não depende, portanto, apenas de medidas realizadas pelo Poder Judiciário, mas, sim, de uma plêiade de medidas que envolvem um comprometimento de todos os poderes constituídos.
Noutro giro, há o Ativismo Judicial, locução utilizada pela primeira vez em 1947 para descrever a atuação da Suprema Corte dos Estados Unidos naquele período.
Existem diversas teorias, nacionais ou internacionais, sobre o que vem a ser ativismo judicial. Essa multiplicidade se baseia na existência de várias acepções da própria palavra “ativismo”. Seria impossível abordar todas as teorias e conceitos, ademais, não é este o objetivo principal deste trabalho. Buscou-se aqui, portanto, trazer uma noção geral, abordada e aceita por maior parte dos estudiosos do tema.
O Ativismo judicial está relacionado a uma maior participação do Judiciário na efetivação das finalidades e valores constitucionais, acarretando uma maior influência desse Poder no âmbito de atuação dos demais Poderes. A postura ativista pode, por exemplo, ser observada nas decisões que impõem obrigações ou abstenções ao Poder Público, notadamente na seara de políticas públicas. (BARROSO, 2010).
Os juízes e tribunais, ao escolherem atuar de maneira proativa e específica ao interpretarem a Constituição Federal, expandindo seu alcance e sentido, incorrem na prática do chamado ativismo.
É o Judiciário extrapolando os limites clássicos de sua esfera de poder para estabelecer suas fronteiras dentro dos espaços próprios dos outros poderes republicanos (PETRACIOLI, 2009).
Para Arthur Schlesinger, criador do termo ativismo judicial, este se realiza quando o juiz se vale da Constituição para preservar direitos. Buscando atingir tal objetivo, recorre a duas atitudes: a reveladora, modo pelo qual utiliza preceitos constitucionais ou legais para julgar, e a inovadora, em que cria uma norma, um direito, ou renova o ordenamento jurídico, não com o ímpeto de determinar algo novo, mas para complementar o entendimento de algum preceito constitucional e/ou uma lacuna normativa existente. (GOMES, 2009, apud ARAGÃO, 2012).
Mas o ativismo contém múltiplas dimensões, podendo ser entendido como um fenômeno complexo. Pode ser judicial, praticado no exercício da função jurisdicional, ou extrajudicial, quando os magistrados manifestam, fora dos autos, suas opiniões e posições sociológicas, políticas, etc., podendo causar impactos na sociedade. Este segundo tipo de ativismo, de certa forma aproxima o Poder Judiciário da atuação política desempenhada pelo Legislativo e Executivo, ao passo que explicita sua ideologia.
Geralmente o ativismo tem inicio a partir de omissões ou situações em que os outros Poderes se retraem, circunstância em que os juízes, através de suas decisões, muitas vezes acabam por tornar assuntos tipicamente políticos em questões jurídicas.
Na prática, são tidas como ativistas as atividades que exprimem desacordo, principalmente das esferas políticas, emitidas pelo Poder Judiciário, posto que ditam ou invalidam ações e normas do outros Poderes, através de uma atuação criativa e contramajoritária[3].
Conduta antagônica é a autocontenção judicial, em que o Poder Judiciário busca reduzir sua interferência nas atividades dos demais Poderes, abrindo mais espaço de atuação a estes.
Pode-se dizer, portanto, que o ativismo judicial é um fenômeno que decorre da Judicialização da Política. Entretanto, enquanto esta constitui um fato inelútável e inevitável, aquele consiste em uma atitude proativa, uma posição filosófica do intérprete. Judicialização é fato, o ativismo é atitude. (BARROSO, 2010).
1.2 Origens e fatores determinantes para a expansão da Judicialização da Política e do Ativismo Judicial no Brasil
O fenômeno da Judicialização da política e das relações sociais consiste em um fato típico do ocidente, que pode ser compreendido como o produto de três momentos diferentes: sua origem no século XVIII, nos Estados Unidos; sua revitalização durante o pós-guerra europeu e as ideias de Hans Kelsen; e sua incorporação pelas novas Constituições democráticas, uma vez que o desenvolvimento dos Estados Democráticos e suas políticas voltadas ao bem-estar social desencadearam alterações institucionais e a transformação do Poder Judiciário.
Neste sentido, Vanice Regina Lírio do Valle (2009) assevera que a constitucionalização do direito após a Segunda Guerra Mundial, a legitimação dos direitos humanos e as influências dos sistemas norte-americano e europeu são fatores que contribuíram profundamente para a consolidação do fenômeno da judicialização do sistema político, inclusive o brasileiro. Estes fatos provocaram um aumento na participação/interferência do Estado na sociedade, o que, aliado à inércia dos demais Poderes, abriu espaço para a jurisdição, que veio a suprimir as brechas deixadas pelos demais braços do Estado. Desse modo, o Judiciário passou a exercer um papel determinante na definição de certos padrões a serem respeitados.
Barroso (2010, p. 8) elenca dois fatores determinantes para a judicialização da política no Brasil:
[...] o modelo de constitucionalização abrangente e analítica adotado; e o sistema de controle de constitucionalidade vigente entre nós, que combina a matriz americana – em que todo juiz e tribunal pode pronunciar a invalidade de uma norma no caso concreto – e a matriz européia, que admite ações diretas ajuizáveis perante a corte constitucional. Nesse segundo caso, a validade constitucional de leis e atos normativos é discutida em tese, perante o Supremo Tribunal Federal, fora de uma situação concreta de litígio. Essa fórmula foi maximizada no sistema brasileiro pela admissão de uma variedade de ações diretas e pela previsão constitucional de amplo direito de propositura.
Barroso (2010) prossegue, enumerando ainda três outras causas da judicialização. A primeira causa mencionada é o reconhecimento da importância da existência de um Poder Judiciário forte e autônomo que, consequentemente, levou a uma ampla ascensão institucional de juízes e tribunais. A segunda é a crise da representatividade política e a descrença e desqualificação do parlamento, dos partidos e dos políticos. A terceira constitui no fato de que, muitas vezes, os atores políticos preferem que o Judiciário decida questões polêmicas que causam alguma discordância moral na sociedade. Dessa forma, evitam o próprio desgaste na deliberação de temas divisivos, como uniões homoafotetivas, interrupção de gestação ou demarcação de terras indígenas.
Sobre a crise de representatividade política, Petracioli (2009) sustenta que existe uma “crise de identidade” das demais esferas de poder, colocando-se em risco a democracia, de modo a provocar um caos institucional.
O Poder Legislativo, apesar da acentuada elaboração de diplomas normativos, não atende aos anseios da sociedade, às mudanças nas relações dos cidadãos entre si e entre estes e o Estado (PETRACIOLI, 2009).
O Poder Executivo, por sua vez, evidentemente não observa os direitos consagrados no ordenamento jurídico-constitucional, limitando sua aplicabilidade da forma que lhe convém. Além disso, não se administra a máquina estatal buscando proporcionar aos cidadãos, que são os legítimos titulares do poder, os benefícios que o Estado deve prover.
A crise de identidade afeta inclusive os partidos políticos, face aos constantes e suspeitos acordos políticos que ocorrem entre Executivo e Legislativo. Afeta, consequentemente, a representatividade popular, considerando o crescente afastamento entre a classe política e a sociedade em geral (PETRACIOLI, 2009).
Inclusive, para Barroso (2015), a culpa pelo crescente grau de “judicialização da política” não é do Judiciário. Para ele, o grande responsável pelo maior ou menor grau de judicialização é o Congresso Nacional, porque na medida em que ele atue, o Supremo não irá atuar.
Outro fator considerado por alguns como relevante para o aparecimento do fenômeno em questão é a liberdade de expressão e a liberdade alcançada pela imprensa nas últimas décadas. Exemplo disso é a divulgação frequente de diversos escândalos envolvendo a classe política (APPIO, 2008).
Nesse contexto, ganha relevância a transmissão ao vivo dos julgamentos do plenário do Supremo pela TV Justiça. Sobre esse ponto, cabe lembrar o recente julgamento do mensalão, transmitido por canais de televisão, em que se pôde acompanhar ao vivo o debate acalorado dos Ministros. Atualmente, porém, essa transmissão gera intensa polêmica. No Legislativo, inclusive, tramita projeto de lei que objetiva proibir a transmissão ao vivo da emissora pública.
Adiante, também não se deve esquecer que nos últimos anos a composição do Supremo Tribunal Federal mudou bastante, já que, no corpo desta Corte Suprema passaram ou ainda estão ministros com uma formação humanista, preocupados com a concretização de valores e princípios constitucionais.
Além desses fatores, é importante mencionar o processo de urbanização vivenciado no Brasil nos últimos 60 anos, quando a população rural, que era superior à urbana, reduziu e a urbana multiplicou-se por mais de 10. Este fato levou a uma crescente busca por serviços prestados pelo Estado, como a demanda por educação e matrículas na rede pública de ensino, serviços de iluminação, saneamento básico, telefonia, saúde pública, relações de crédito e outros serviços indispensáveis a uma sociedade urbana.
Decorrente disso, bem como da positivação de diversos direitos pela Constituição de 1988, houve um aumento no número de feitos e processos de mudança social e institucional resultante da relação entre os diversos entes políticos, sociais e judiciais.
Face à criação de novos direitos, maior possibilidade jurídica dos pedidos e maior garantia dos julgadores, expandiu-se a possibilidade do exercício do poder jurisdicional e a atividade do Poder Judiciário. As instituições judiciais brasileiras passaram a ter maior espaço na mídia, o que gerou um crescente debate acerca do seu papel.
Para Luiz Werneck Vianna (1999, p. 43), “a judicialização da política está na descoberta, por parte da sociedade civil, da obra do legislador constituinte de 1988, e não dos aparelhos institucionais do Poder Judiciário.”
Não muito diferentes são as raízes do ativismo judicial, uma vez que este decorre da própria judicialização, dos fatores de propulsão do Poder Judiciário. A expressão ativismo judicial, no entanto, surgiu de um contexto específico, e passou a ter significado diverso da judicialização, como explicado no tópico anterior.
O ativismo judicial, como mencionado brevemente, é uma expressão originada nos Estados Unidos. Em 1947, o jornalista norte americano Arthur Schlesinger publicou um artigo na revista Fortune, denominado “The Supreme Court: 1947”, em que descreveu a atuação dos magistrados e os classificou em dois grupos: “ativistas” (activists) e “campeões de restritividade” (champions of judicial restraint), também chamados de “passivistas” (self restrain). Os passivistas seriam os juízes que julgavam dentro dos diplomas legais, deixando de lado suas visões pessoais, em nome da fidelidade ao que foi instituído pelo legislador. Já os ativistas consideravam suas próprias concepções na hora de tomar uma decisão. (VALLE, 2009).
O surgimento do Ativismo Judicial se deu em função da ascensão institucional do Poder Judiciário, derivada do novo modelo constitucional adotado em diversos países do ocidente, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, quando passaram a prevalecer os direitos fundamentais e o princípio da dignidade da pessoa humana. As Constituições foram, assim, elevadas ao status de normas hierarquicamente supremas, o que gerou a necessidade de existirem órgãos com autoridade e poder para exercer o controle de constitucionalidade das leis. Surgiram, então, as chamadas Cortes Constitucionais. No Brasil essa função passou a ser exercida pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A doutrina brasileira concebeu as alterações ocorridas em função da promulgação da Constituição de 1988 através da constatação de um aumento do papel político institucional do STF. Este fato, aliado à questão da existência de uma judicialização da política, desencadeou o reconhecimento de uma vinculação entre Direito e Política. Esta situação repercutiu na forma de conceber a atuação dos juízes e tribunais, ocasionando a difusão de um ativismo judicial. (TASSINARI, 2013).
Vale lembrar que, durante o período da ditadura militar, o STF atuava no exercício de suas funções de certa forma discreta. A partir do final da década de 1990, passou a exercer uma nova espécie de jurisdição constitucional através da qual o ativismo judicial auferiu considerável atenção. (APPIO, 2008).
Versando sobre a formação do ativismo no Poder Judiciário, Marco Aurélio Romagnoli Tavares (2011, p. 105) aponta que:
Dentro das relações de poder, intrínsecas ao Estado, surge a figura proeminente do Judiciário, hoje o poder em voga no Brasil, já que está em curso uma gradativa execução de uma forma de ativismo judicial, capitaneado pelo STF, ou seja, diante da clara impossibilidade da existência de vácuo de poder, decorrente diretamente de um legislativo inoperante, dominado por escândalos de corrupção, bem como de um executivo anabolizado, que busca dominar politicamente todas as esferas de poder. Surge a figura protagonista dos tribunais e de magistrados que aos poucos buscam limitar os excessos praticados pelas administrações, assim como suprir a ausência de definições legislativas que deveriam acompanhar os avanços econômicos, sociais e científicos.
Assim, tem-se que esses fenômenos surgiram em função de um conjunto de circunstâncias favoráveis que se manifestaram com as transformações vivenciadas ao longo do tempo, bem como das condições observadas atualmente no cenário político e social brasileiro.