Introdução
O presente trabalho visa estudar o Estudo de Impacto Ambiental – EIA e o Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA, importantes ferramentas criadas para condicionar a licença ambiental a obras que demandem intervenção nociva ao meio ambiente.
Tais instrumentos, previstos na Resolução n. 1/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, dispõem sobre as hipóteses em que o estudo é exigido, bem como disciplinam a forma como deve ser executado, fazendo menção às atividades técnicas imprescindíveis quando de sua realização.
Desse modo, o presente trabalho discorreu sobre a precitada Resolução e sobre a Resolução n. 9/1987, que trata da obrigatoriedade de audiência pública para debate do RIMA, quando requerido pelo Ministério Público ou por determinada quantidade de interessados.
Para a realização do trabalho, adotou-se a metodologia da pesquisa bibliográfica, feita através da análise de materiais publicados na literatura específica, além da análise legislativa, mormente das aludidas Resoluções do CONAMA.
Desenvolvimento
Em seu artigo 225, § 1º, IV, a Constituição Federal determina que o Poder Público deve exigir estudo prévio de impacto ambiental (doravante EIA) para a “instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente”.
Lembra Frederico Amado que o termo degradação ambiental, utilizado pelo referido dispositivo da Carta Política, é mais amplo do que a expressão poluição, pois compreende “qualquer alteração adversa das características do meio ambiente”[1], ao passo que a poluição, pela definição legal constante da Lei n. 6.938/81 (art. 3º, IV), corresponde tão somente à degradação ambiental que prejudicar a saúde, o bem-estar e a segurança da população, afetar desfavoravelmente a biota, as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente, lançar matéria ou energia em descompasso com padrões ambientais previstos em lei ou criar condições adversas às atividades sociais ou econômicas.
Foi com o escopo de prevenir os danos ambientais, portanto, que o EIA foi incluído no texto constitucional, sendo certo “que sua essência é preventiva e pode compor uma das etapas do licenciamento ambiental”.[2]
Sem descuidar dos parâmetros normativos dispostos na Lei supracitada, a Resolução n. 1 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (doravante CONAMA), editada em 23/1/1986 (cinco anos após a Lei n. 6.938/81, portanto), regulamentou a expressão impacto ambiental, citada no artigo 225, § 1º, IV, da Lei Maior, como a alteração de qualquer tipo das propriedades químicas, físicas e biológicas do meio ambiente[3].
No artigo 2º, a Resolução CONAMA n. 1/1986 traz um rol exemplificativo (numerus apertus) de obras e atividades que, obrigatoriamente, dependerão de EIA, tais como a construção de estradas, rodovias, portos, mineradoras e petrolíferas, aeroportos, oleodutos, gasodutos, minerodutos, linhas de transmissão de energia elétrica (acima de 230KV), usinas de geração de eletricidade (qualquer que seja a fonte), redes coletoras/emissoras de esgoto, aterros sanitários, complexos industriais e agroindustriais, distritos industriais e zonas estritamente industriais (ZEI), dentre muitos outros.
O artigo 6º da Resolução em tela determina que o EIA deverá conter ao menos determinadas atividades técnicas, as quais são elencadas nos quatro incisos deste dispositivo regulamentar. Em breve síntese, o EIA sempre deverá conter (i) diagnóstico ambiental da área de influência do projeto; (ii) análise dos impactos ambientais e de suas alternativas; (iii) definição de medidas capazes de diminuir os impactos ambientais negativos (p.e. sistemas de tratamento de despejos ou equipamentos de controle); e (iv) elaboração de programa de acompanhamento e monitoramento.
Segundo as alíneas “a”, “b” e “c”, do inciso I, artigo 6º, da Resolução n. 1/1986 CONAMA, o diagnóstico ambiental da área deve levar em conta o meio físico (subsolo, solo, ar, água, clima, recursos minerais, etc), o meio biológico e os ecossistemas naturais (fauna e flora), o meio socioeconômico (entendido como o uso e ocupação do solo, uso da água, os sítios e monumentos arqueológicos, históricos e culturais da comunidade, etc), ou seja, os ambientes naturais, culturais e artificiais.
Com propriedade, lembra Leonardo Barcellos Lopes que o EIA precisa contemplar todas as alternativas tecnológicas do projeto, de modo a confrontá-las com a situação hipotética de o projeto não ser executado, assim como identificar e fazer avaliação dos impactos gerados na implantação e no funcionamento da atividade, e considerar a existência de planos governamentais na área do empreendimento, previstos ou em execução.[4]
Pensando nas peculiaridades regionais de cada ambiente, o ato regulamentar em comento previu que, durante a execução do EIA, o IBAMA, os órgãos ambientais estaduais (v.g., em Minas Gerais, a SEMAD e as Suprams) e os Municípios poderão fornecer ao empreendedor instruções adicionais que porventura se fizerem necessárias.
Para que as exigências técnicas do EIA sejam cumpridas a contento, lembrando-se que o estudo de impacto é corolário do princípio ambiental da prevenção[5], o empreendedor deve contratar uma equipe multidisciplinar para analisar, de maneira técnica, os resultados obtidos pelas avaliações realizadas, a avaliar os impactos positivos e negativos, sugerir alternativas e mencionar a hipótese de reversibilidade das alterações na área (art. 7º da Resolução CONAMA n. 1/1986).
Muito embora a equipe seja contratada à expensas do interessado pela execução da obra, não pode depender dele direta ou indiretamente, ou seja, veda-se o vínculo empregatício direto entre o proponente do projeto e os integrantes da equipe multidisciplinar.
Em verdade, todas as despesas e custos do projeto correrão por conta do proponente, a teor do disposto no artigo 8º da Resolução em referência.
Realizados os estudos, deve-se elaborar o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA, documento cuja finalidade é tornar o conteúdo do EIA acessível ao público, de maneia a traduzir em dados simplificados as questões de ordem eminentemente técnica condensadas no estudo.[6]
Comprova essa finalidade a redação do artigo 9º, p. único, do ato regulamentar ora comentado, in litteris:
O RIMA deve ser apresentado de forma objetiva e adequada a sua compreensão. As informações devem ser traduzidas em linguagem acessível, ilustradas por mapas, cartas, quadros, gráficos e demais técnicas de comunicação visual, de modo que se possam entender as vantagens e desvantagens do projeto, bem como todas as conseqüências ambientais de sua implementação.
Assim, parafraseando Leonardo Barcellos Lopes, em seu já citado estudo sobre o assunto em testilha, o “RIMA, portanto, é rigorosamente distinto do EIA, haja vista sua finalidade voltada para a informação do público leigo [...]”.[7]
Dispõe o artigo 9º da Resolução CONAMA n. 1/1986 que o RIMA refletirá as conclusões do EIA, sendo imprescindível que contenha os objetivos e justificativas do projeto, bem como a relação do projeto com políticas regionais/setoriais previstas e implementadas; a descrição do projeto (a especificar fases, matérias primas, fontes de energia, dentre outros detalhes) e suas alternativas, a síntese dos resultados dos estudos de diagnósticos da área que será influenciada pela obra e os prováveis impactos ambientais resultantes de sua implantação e atividade, a descrição da qualidade ambiental futura (com a comparação de todos os previsíveis cenários, ex: projeto x previsão pós-projeto; projeto x alternativas viáveis; alternativas viáveis x previsões pós-projetos; não implantação dos projetos x pós-projetos/alternativas), a descrição do efeito esperado das medidas mitigadoras previstas em relação aos impactos negativos, mencionando aqueles que não puderam ser evitados, e o grau de alteração esperado; o programa de acompanhamento e monitoramento dos impactos e, por fim, a recomendação quanto à alternativa mais favorável, com a conclusão do relatório e as considerações finais.
De se ressaltar que o RIMA precisa ser elaborado com a cautela de não expor segredos industriais do empreendedor, conforme dicção do artigo 11 da Resolução CONAMA n. 1/1986.
A expressão “sigilo industrial”, empregada na redação do dispositivo supra, a nosso ver, merece ser interpretada extensivamente, a fim de abranger segredos comerciais, mormente porque estes, a rigor, não são passíveis de proteção pela Lei n. 9.279/96 (art. 10, III).
Ultimada a elaboração do RIMA, impõe-se deixá-lo a disposição do público para consulta, no local de praxe indicado pelo órgão licenciador. Os órgãos ambientais envolvidos poderão determinar a realização de audiência pública para que o RIMA seja debatido (art. 11, § 2º, da Res. CONAMA n. 1/1986).
Inicialmente, a designação de audiência pública era mera faculdade do órgão licenciador, que poderia, sob a ótica da discricionariedade dos atos administrativos, decidir sobre a conveniência e a oportunidade desse evento. No entanto, a Resolução CONAMA n. 9, de 3 de dezembro de 1987, estabeleceu a obrigatoriedade da audiência quando entidades civis ou o Ministério Público a requererem, ou quando mais de cinquenta cidadãos o requisitarem, hipóteses nas quais a licença, caso concedida pela administração sem a realização da audiência, será nula (art. 2º, § 2º).[8]
Esta última Resolução traz normas específicas para a realização da audiência pública, sendo possível sintetizá-las nesta sequência: abertura de prazo não menor do que quarenta e cinco dias para a formalização de pedido de realização de audiência – publicação, por edital, da abertura desse prazo – agendamento da audiência em local acessível aos interessados – agendamento de outras audiências “em continuação à primeira”, caso a localização dos solicitantes ou a complexidade do tema tornem necessário o desdobramento do ato – realização da(s) audiência(s) – apresentação de atas e anexos que deverão ser considerados pelo órgão licenciador para a aprovação ou não da obra (artigos 2º, § 1º, e 5º).
A respeito dos órgãos competentes para apreciar e decidir sobre o EIA/RIMA, duas observações são imperiosas.
Em primeiro lugar, apenas os órgãos do Poder Executivo possuem atribuição para autorizar a realização de obras/empreendimentos potencialmente danosos ao meio ambiente, orientação que há tempos vinha sendo ecoada na doutrina[9] e que foi apreciada na ADI n. 1505/ES, na qual o STF declarou inconstitucional o artigo 187 da Constituição do Estado do Espírito Santo, que possibilitava a análise do RIMA pela Assembleia Legislativa, a conferir ao Poder Legislativo as atribuições supracitadas.[10]
Por último, não cabe ao Poder ao Poder Judiciário, ainda que em julgamento de ação civil pública, promover a elaboração do RIMA, haja vista que este munus é determinado pela Administração e exequível pelo empreendedor, sendo vedado considerar-se como o relatório eventual laudo técnico elaborado por perito do Juízo.[11]
Conclusão
Do exposto, concluímos que o Estudo de Impacto Ambiental, juntamente com o seu relatório (RIMA) são ferramentas imprescindíveis à proteção ao meio ambiente e, nesse plano, vão ao encontro das disposições constitucionais que pregam o estudo dos impactos ambientais das atividades potencialmente nocivas ao meio ambiente (art. 225, § 1º, IV, CF).
Tal conclusão se fundamenta no estudo das características do EIA/RIMA, que procura compreender todas as nuances das intervenções pretendidas, visando obter o máximo de dados sobre as possíveis violações ao meio ambiente.
Dentre as conclusões, cabível ressaltar que apenas o Poder Executivo, por seus órgãos, pode conceder o licenciamento ambiental, sendo vedada a análise do EIA/RIMA por outros Poderes (ex: Judiciário).
REFERÊNCIAS
AMADO, F. Direito Ambiental Esquematizado. Rio de Janeiro: Método, 2015.
BRASIL, Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res87/res0987.html>. Acesso em 10 set. 2016.
__________. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1505, D.J. 24/11/2004. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso em: 10 set. 2016.
__________. Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em: 9 set. 2016.
LOPES, L. B. et al. Temas Avançados do Ministério Público. Salvador: Juspodivm, 2015.
FARIAS, T; COUTINHO, F. S. N.; MELO, G. K. R. M. M. Direito Ambiental. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015.
FIORILLO, C. A. P. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
Notas
[1] AMADO, Frederico. Direito Ambiental Esquematizado. Rio de Janeiro: Método, 2015, p. 544.
[2] FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 210.
[3] BRASIL, Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em: 9 set. 2016.
[4] Temas Avançados do Ministério Público. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 570.
[5] FARIAS, Talden; COUTINHO, Francisco Seráphico da Nóbrega; MELO, Geórgia Karênia R. M.M. Direito Ambiental. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, f. 149.
[6] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Op. cit., p. 213.
[7] Id., ibid., p. 572.
[8] BRASIL, Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA. Disponível em: < http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res87/res0987.html>. Acesso em 10 set. 2016.
[9] LOPES, Leonardo Barcellos. Op. cit, p. 573.
[10] BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI n. 1505, D.J. 24/11/2004. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/>. Acesso em: 10 set. 2016.
[11] LOPES, Leonardo Barcellos. Op. cit., loc. cit.