INTRODUÇÃO
As sociedades são marcadas pelos grupos que as formam. À medida que evoluem e se transformam, novos paradigmas são sedimentados. Esses padrões estão relacionados aos valores de cada época e envolvem a cultura, as ciências, as artes e principalmente o modo que estas sociedades[1] se organizam.
As regras de convivências são pensadas e repensadas a partir da política e do direito, que ocupam um lugar central e permitem que os membros dialoguem sempre e busquem a melhor forma de convivência, assegurando proteção e deveres aos cidadãos, em nome do bem comum.
As transformações que as sociedades estão sujeitas ocorrem de forma dinâmica e célere, exigindo mais daqueles que estabelecem os alicerces dos pensamentos jurídicos e os colocam no centro das discussões.
Se em outras épocas essas relações sofriam fortes influências das classes aristocráticas, atualmente há mais pessoas ocupando papéis centrais nas comunidades. As conquistas obtidas por grupos que outrora viviam às margens do processo democrático, em grande medida, encorajam outras minorias a ocuparem espaços e serem protagonistas de direitos.
E o direito consolida essa realidade, pois reafirma as garantias fundamentais e impede que elas sejam violadas em razão da vontade de alguns, dando maior vultuosidade ao processo democrático, principal marca das civilizações contemporâneas.
OBJETIVOS
O objetivo do presente estudo é relacionar o pensamento jurídico aos períodos da História da humanidade, as suas contribuições para a formação da democracia, para o fortalecimento das sociedades e dos direitos individuais e coletivos nas diferentes épocas até os dias de hoje.
METODOLOGIA
Para o desenvolvimento do presente trabalho foram utilizados como fontes de pesquisas livros e doutrinas das ciências jurídicas, obras de filosofia e sociologia, além de entrevistas com Professores e cientistas da área jurídica e correlatas.
DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
As sociedades:
A luta pela sobrevivência impulsionou os indivíduos a conviver em sociedade, deixando o isolamento e a vida em pequenos grupos, como expõe Severino[2]. O aspecto mais marcante nas sociedades é a organização. Desta particularidade derivam os caracteres dos agrupamentos de pessoas e evidenciam os seus graus de evolução.
Dallari[3] assevera que a convivência em grupo, ao mesmo tempo em que traz benefícios aos indivíduos, estabelece limitações às liberdades, afetando as individualidades.
Dias[4] conceitua sociedade como “um grupo autônomo de pessoas que ocupam um território comum, tem uma cultura comum e possuem uma sensação de identidade compartilhada”.
O autor acrescenta que as sociedades não são compostas apenas por grupos de indivíduos, mas também são formadas por instituições interconectadas.
Severino[5] disserta sobre a assimetria das sociedades depois de determinado período. Para o autor, essas diferenças partem das atividades econômicas, se alastram por outros setores como a política e a economia, tendem a se institucionalizar e afetam o próprio Estado constituído.
Pedro Demo[6] explica que as sociedades são formadas por subgrupos compostos pelas famílias, comunidades, entidades religiosas, partidos políticos, escolas e associações, cujas relações se baseiam no princípio da cooperação e da competitividade.
No entender de Giddens[7], as sociedades têm seus valores e normas, e são capazes de estabelecer o que é importante, válido e desejável. A interação social é fruto dessas ideias. O autor argui que “normas são regras de comportamentos que refletem ou incorporam os valores de uma cultura. Os valores e as normas agem em conjunto para moldar a forma como os membros de uma cultura se comportam dentro dos seus limites”.
O Direito não é diferente. Seus alicerces se fundamentam em critérios axiológicos desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo da história, mas sempre norteados e imbuídos dos valores das sociedades.
Por exemplo, a democracia e a justiça (equidade) foram a meta do povo ateniense e seus principais legados para formação da ética. A tradição judaico-cristã foi determinante para a criação de um conjunto de normas baseadas em Leis Divinas. Relações como estas aconteceram com frequência ao longo da história.
O Jusnaturalismo e a Idade Moderna.
Chevallier[8], explica que a renascença foi um movimento intelectual que se iniciou no fim do Século XV e foi até o Século XVI. Esse movimento foi marcante pelo emergir de novas disciplinas intelectuais, e permitiu o retorno à antiguidade clássica, aos fundamentos das disciplinas humanistas e o distanciamento da tradição cristã.
Bittar e Almeida[9] lembram que durante a Idade Média, a lei humana tinha inspiração nas Leis Divinas. Era o fator que as tornavam menos propensas a erros ou falhas, pois eram, ao mesmo tempo, perfeitas e imutáveis. Essa era a concepção de São Tomás de Aquino, um dos principais pensadores daquele período.
Os iluministas buscavam uma ruptura radical com as filosofias escolástica (de Santo Agostinho) e a tomista. Nessa mesma época, a política e a economia ganhavam destaques e o direito norteava as várias atividades sociais.
Mascaro[10] salienta que o Direito na Idade Moderna, período que vai do Século XV ao Século XVIII, não pode ser analisado sob um único aspecto jusfilosófico, devendo ser dividido em pelo menos três grandes movimentos: Renascimento, Absolutismo e o Iluminismo.
Ao longo de todo o período, a relação do Estado com seus cidadãos era a pauta dos debates. Pensadores como Hobbes, Montesquieu e Rousseau propunham novas questões, sustentados nesses argumentos.
Assim, o conceito de Estado absolutista, baseado nos poderes do déspota esclarecido, aos poucos cedia espaço para o Estado de direito, calcado em questionamentos dos principais pensadores do período e aspirando regimes democráticos.
Por outro lado, reconheciam que a harmonia social dependeria da adoção de instrumentos capazes de controlar os comportamentos dos cidadãos. Essa foi a grande contribuição de Hobbes em o Leviatã, no entender de Bittar e Almeida[11]. A vontade do monarca não poderia suprimir a vontade do povo, nem determinar os rumos da sociedade, mas era aceitável a ideia da centralização do poder para garantir a paz e o convívio social.
As correntes científicas instigavam o pensamento racionalista, diferente do que foi disseminado durante a Idade Medieval, levando o homem a buscar na razão os rumos da sociedade, vislumbrando um novo propósito, não só no âmbito da justiça, mas também, no campo da política, dando um novo sentido ao jusnaturalismo, destoando do pensamento da Idade Média e dos gregos.
As Revoluções.
Uma nova ordem democrática estava emergindo. Dantas[12] menciona o famoso documento Bill of Rights de 1688, que, para alguns, foi a primeira Constituição escrita da História. O acordo assinado pelo Príncipe de Orange permitiu a consolidação da ideia de governo representativo e acenou com as primeiras garantias fundamentais, porém só para as castas políticas.
Os pensamentos políticos levaram ao processo de democratização. A Constituição Norte Americana de 1787, ainda em vigência, já previa a limitação dos poderes do Estado. Segundo Dantas, a Constituição dos Estados Unidos abarcava alguns direitos e garantias fundamentais: devido processo legal, a ampla defesa e a vedação da aplicação de penas cruéis.
A Revolução Francesa, que ocorreu no final do Século XVIII, deu mais amplitude em termos de organização do Estado. Dantas[13] descreve o pensamento constitucionalista que, justificado pelas vantagens encontradas no liberalismo, previa a limitação do poder estatal e protegia, principalmente, as propriedades, sobretudo em sua fase clássica.
De forma pertinente, Leo Huberman[14] cita o Código Napoleônico e seus mais de 800 artigos que tratavam da propriedade em face de apenas 8 se referindo às relações de trabalho, denotando a natureza patrimonialista do documento e de período.
O Século XX
A Segunda Guerra foi o evento mais impactante do Século XX. Após o conflito, as garantias fundamentais e outras medidas foram pautas de ponderações e discussões, a fim de evitar que as atrocidades contra a dignidade humana, justificadas pelas Leis, voltassem a ocorrer.
Os Estados que formavam a aliança do Eixo tinham na Lei positivada o suporte de validade para os atentados cometidos. O período de guerra ficou marcado pelos ataques à integridade física e moral de negros, ciganos, judeus, chineses e homossexuais, que até hoje são merecedores de reflexões.
Morrison[15] discorre sobre a experiência do holocausto e a condição dos judeus que tiveram direitos violados, em função da imperatividade das regras jurídicas. A força da lei positivada atingiu a economia, a cultura, as manifestações religiosas, as comunicações, os direitos civis e, sobretudo, a integridade física e mental daquele povo.
Esses crimes foram temas de reflexões e diálogos profundos após a Guerra e ainda orientam as bases jurídicas de centenas de Nações, além de servirem de alicerces para tratados internacionais, desde os anos 50. Ademais, as chamadas leis éticas foram elevadas.
Nas palavras de Montoro[16]: "Leis Éticas são regras que dirigem o comportamento humano [...] São regras éticas: respeito à dignidade das pessoas, o dever de não mentir, a exigência da solidariedade, a prática da justiça, o respeito às leis da natureza e preceitos semelhantes”.
Essas leis coincidem com a terceira dimensão dos direitos, voltada para a dignidade da pessoa humana.
Hannah Arendt, de acordo com Morrison[17], teceu severas críticas à utilização da estrutura estatal pelo regime nazista, que usou todas as possibilidades para relativizar os atentados contra a dignidade humana, sob a justificativa que aquelas atitudes seriam vitais para a construção do bem comum, sob a égide da norma positivada.
Fato que levou a “Teoria Pura do Direito”, que vem do pensamento juspositivista, do jurista alemão Hans Kelsen, a receber fortes críticas. De acordo com Abound, Carnio e Oliveira[18] o juspositivismo ou o positivismo jurídico define o direito a partir da ruptura com quaisquer elementos subjetivos que possam influenciá-lo, restringindo a noção dos valores existentes nas sociedades, tendo como seu resultado a própria Lei positivada, que deverá ser seguida a risca.
O Direito nasce das relações sociais. Miguel Reale[19] defende que as normas não são alheias à convivência humana, mas, ao contrário, originam-se da experiência social. Enfatiza o renomado autor que elas não são impostas por motivos aleatórios, por isso, as normas são reconhecidas como experiências jurídicas.
Emile Durkheim[20] defende que, em sociedades organizadas, existe uma força natural que induz os indivíduos a agirem de determinada forma, denominada pelo sociólogo francês como “Fato Social”. É a partir desses acontecimentos os direitos surgem e se transformam.
Os acontecimentos históricos levaram aos novos paradigmas tomando de base as diversas ciências. Os principais eventos levaram as experiências a serem analisadas de forma multidisciplinar. A partir daí, os especialistas de várias áreas se relacionaram e deram às normas mais legitimidade.
Exemplos disso são os temas polêmicos que abarcam as decisões judiciais, emanadas dos Tribunais e do Poder Legislativo, que envolvem a vida, imputação de penas para menores, direitos de família, entre outros. É impossível, nos dias atuais, discutir esses temas sem a apreciação de estudiosos de outras ciências, como a sociologia, a psicologia, antropologia, economia entre, outras.
Pensar o direito sem uma aplicação ou uma finalidade é impraticável, o que o torna mais interligado às outras ciências, diferente do que apregoavam os juspositivistas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há um liame entre as transformações das sociedades e o direito. Este concorre em dois momentos para a consolidação das garantias individuais e coletivas: Em um primeiro momento, nas discussões que envolvem os variados grupos sociais, e, em seguida, estabelecendo os esforços necessários para que as primícias originadas desses debates sejam transformadas em garantias, que deverão ser observadas por todos, inclusive pelo Estado.
Os resultados só poderão ser coerentes se atingirem todas as camadas das sociedades, pois assim restará caracterizada a democracia, que decorrerá da materialização dos produtos gerados pelos embates, sempre integrado aos pesquisadores de outras áreas. Assim, o direito não será um produto da lei, mas da manifestação dos interesses dos indivíduos que a lei é capaz de assegurar.
Não é possível definir tal ciência sem a participação de representantes de outras áreas do conhecimento, sobretudo nos dias atuais, em tempos de globalização e de avanços nos meios de comunicação, pois a compreensão do bem jurídico é mais ampla do que em tempos remotos.
Portanto, ao contrário do que defendiam os entusiastas da ciência pura do direito, isolá-lo de outras disciplinas é impossível e inútil.
O direito é resultado da evolução histórica da humanidade e, consequentemente, das sociedades. Vem da necessidade dos indivíduos em viver em comunidade, independente de serem dotados de zoon politikon ou por preservação da espécie. Seus fundamentos são os legados dos povos mais antigos, que contribuíram diretamente para a determinação de caracteres que distinguem os humanos de outras espécies: sendo a organização a principal delas.
Essa capacidade vem dos predicados humanos, tais como a comunicação (falada e escrita), o intelecto e a cognição, sem os quais seria impossível atingir o nível de organização das sociedades contemporâneas. Os ordenamentos jurídicos dos Estados constituem apenas um item dessa organização.
A norma positivada, cada vez mais, é a manifestação da vontade humana. Mais do que isso: é o reconhecimento das pessoas enquanto sujeitos de direitos, diferente de outros tempos em que as leis tinham origem em fundamentos distintos dos interesses sociais: na natureza, nas questões divinas ou ainda na vontade do monarca.
As leis são o resultado da possibilidade da convivência humana. É o componente que permite o equilíbrio. Todavia, carrega consigo certa dubiedade. Se, por um lado, o homem transfere a um terceiro alguns direitos importantes, como a liberdade, que é um valor significativo, por outro lado, é essa delegação que permite que seus interesses sejam respeitados, não só pelas outras pessoas, mas também por esse terceiro, que é o próprio Estado.
Porém, para que as leis atinjam seus fins, elas devem respeitar e proteger, acima de tudo, os titulares dos direitos positivados, pois, se for diferente, não há razões de existir e permanecer. A Lei não pode justificar injustiças e, à medida que as sociedades se transformam, mais força de mobilização e meios jurídicos e políticos os populares têm para exigir a eficácia das garantias que essas normas carregam consigo.