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Dever de motivação das decisões judiciais no novo CPC

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Agenda 15/12/2016 às 12:58

3. PONDERAÇÃO ENTRE NORMAS

Finalmente, o artigo 489, §2º, do Novo Código de Processo Civil, condiciona a validade da decisão judicial à efetiva e concreta justificação dos critérios utilizados pelo decisor para a realização de ponderação entre normas, apresentando as razões que o levou à prevalência de uma norma sobre a outra.

O legislador teve cautela de se referir a ponderação “entre normas”, ao invés de ponderação entre princípios, pois tem como objetivo englobar a ponderação entre regras e princípios. Segundo doutrinador Rodrigo Ramina De Lucca:

Trata-se de hipótese excepcionalíssima, aceita nas raríssimas ocasiões em que, concomitantemente, (i) a aplicação da regra deixa de atender a finalidade pretendida pelo legislador e (ii) a prevalência do princípio não gera absolutamente nenhuma insegurança jurídica. (DE LUCCA, 2016, p. 242).

O artigo 489, §2º, trata de uma extensão considerável da proposta clássica de ponderação, estando mais adequada ao estágio atual do Direito.

Sobre a extensão do tratamento da ponderação, emerge na doutrina de Humberto Ávila, o qual expos o entendimento de que regras também conflitam, não apenas no nível de validade, mas no de aplicação.

Para ÁVILA (2014), as regras estão sujeitas à “ponderação de razões”, pois em certos casos “o modo de aplicação da regra, portanto, não está totalmente condicionado pela descrição do comportamento, mas que depende do sopesamento de circunstâncias e argumentos.

O referido dispositivo também exige a elucidação dos “critérios gerais de ponderação efetuada”. Com essa determinação, sufoca-se o pendor à arbitrariedade. Torna-se uma obrigação do juiz esclarecer qual critério utilizou, não bastando apenas dizer que aplicou o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. Em seguida, o dispositivo exige que o decisor enuncie “as razões que autorizam a interferência da norma afastada”. Assim, espera uma motivação para não aplicar determinada norma.

Lado outro, em que pese este trecho do dispositivo exija fundamentação para afastar uma norma, evidentemente a decisão deve apresentar as razões que justificam a prevalência da norma que não foi afastada e que será aplicada no caso concreto.

Nessa diapasão Fredie Didier ensina:

Como quer que seja, o importante é que, qualquer que seja a técnica utilizada para superar o conflito normativo, ela exige do juiz uma justificação. Não basta dizer, por exemplo, que uma regra constitui exceção do que diz a outra, ou que, no caso concreto, um determinado princípio deve prevalecer sobre o outro. É preciso que se justifique, no caso da regra excepcional, por que se trata de exceção – e não, por exemplo, de revogação; no caso do princípio, por que o caso concreto exige a aplicação de um, e não de outro. (DIDIER JR., 2015, p. 325).

Tem-se, ainda, que o dispositivo refere-se às “premissas fáticas que fundamentam a conclusão. Neste ponto, o dispositivo enfatiza as premissas fáticas, especialmente porque a distribuição dinâmica da prova no decorrer do processo pode mover as premissas e modificar consideravelmente o resultado da ponderação. Ademais, insta salientar a importância dos postulados normativos, quanto normas metódicas[8].

Sobre a o uso dos postulados normativos no caso de colisão de normas de que refere o §2º, do art. 489, do NCPC, MARINONI, ARENNHART E MITIDIERO preconizam que:

Frequentemente, porém, pode ocorrer de dois ou mais princípios colidirem e imporem soluções diferentes para um mesmo problema jurídico. Nesse caso, é preciso concretizar os princípios jurídicos com níveis diferentes de intensidade com o auxílio de outras normas – mediante a utilização de postulados normativos. Os princípios são aplicados concomitantemente – apenas em graus diferentes. Portanto, para correta aplicação dos princípios jurídicos em juízo é necessário em primeiro lugar identificar quais são as finalidades que esses impõem e qual é a colisão existente. Em segundo lugar, é preciso identificar qual é o postulado mais adequado para solução da colisão principiológica – escolha essa que obviamente exige justificação – e de que maneira este postulado leva à solução do problema posto em juízo – o que evidentemente também demanda justificação própria por parte do intérprete (art. 489, §1º e 2º). (MARINONI; ARENNHART; MITIDIERO, 2015, p. 513-514).

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Assim, objetiva o códex acabar com decisões lacônicas e abstratas que impedem as partes e seus procuradores de compreenderem a razão de uma norma ter sido aplicada em detrimento com a outra.

Conforme já mencionado o dever de motivar as decisões judiciais (artigo 93, inciso IX e artigo 11 do NCPC), cominado com artigo 489, §1º e §2º do NCPC tem papel fundamental para a garantia de um processo justo, uma vez que, se o julgador deixar de observar essas regras jurídicas, estaremos diante de uma decisão não fundamentada.


4. CONCLUSÃO

Conforme proposto, a pesquisa fez abordagem do tema: o dever de motivação das decisões judiciais no Novo Código de Processo Civil. A problemática do trabalho teve por objetivo compreender se a garantia do dever de motivação das decisões judiciais previsto na CF/88 (artigo 93, inciso IX) ratificado pelas premissas no Novo Código de Processo Civil, condizia com a as perspectivas de consolidação de um processo justo.

Assim, por todo exposto, passamos a apresentação dos resultados obtidos a partir da pesquisa realizada.

Inicialmente fora levantada a questão da constitucionalização do processo civil, que acentuou-se após o segundo pós guerra, com a constitucionalização e a fundamentalização de várias garantias processuais, conduzindo a uma teoria constitucional do processo.

Nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil, logo em seu primeiro dispositivo preocupou-se em deixar explícito que o códex será ordenado, disciplinado e interpretado à luz da nossa atual Constituição Federal, estabelecendo um modelo democrático de processo.

O modelo democrático de processo tem por objetivo superar a visão de que o processo não é apenas um mero instrumento de jurisdição, mas sim um processo enquanto mecanismo garantístico dos direitos fundamentais das pessoas envolvidas nas demandas judicial.

Explanou-se, ainda, sobre o direito fundamental a um processo justo, inerente ao atual Estado Constitucional em que vivemos, o qual visa assegurar a obtenção de uma decisão justa para partes e a unidade do Direito para sociedade civil, proporcionando à aplicação dos direitos processuais constitucionais.

De logo, podemos ver que o Novo Código de Processo civil busca assegurar a aplicação dos princípios processuais previstos na constituição, proporcionando aos jurisdicionados um processo justo.

Posteriormente, a pesquisa avança para o início dos estudos do tema central, conceituando o dever de motivação, demonstrando ainda a importância de sua aplicação na concretização de um processo justo.

Verificou-se que a motivação das decisões judiciais possuí intima relação com o Estado (Constitucional) Democrático de Direito, com a segurança jurídica e com o devido processo legal, o que não poderia ser diferente.

Positivado no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal, e ratificado pelo artigo 11 do Novo Código de Processo Civil, observou-se que o dever de motivação das decisões judiciais consiste numa garantia essencial à noção de uma decisão justa, vez que tal dever exige do julgador que este demonstre de forma racional os fundamentos de fato e de direito que o levou a decidir certa demanda e de determinada maneira.

Sobreveio, ainda, que a motivação é um direito dos jurisdicionados, posto que, no processo democrático, o litigante tem o direito subjetivo de cooperar com formação do provimento judicial e de exigir que sua participação seja observada no ato de formação do litígio, compondo expediente necessário para o controle da regularidade e legitimidade do exercício dos deveres do juiz natural, coibindo abusos e ilegalidades por parte deste.

Além da regra contida, tanto na Constituição Federal (artigo 93, inciso IX), quanto no Novo Código de Processo Civil (artigo 11), verificou-se que o novo diploma processual estipulou hipóteses em que uma decisão não será considerada fundamentada.

A pesquisa demostrou ainda que as hipóteses descritas nos incisos do art. 489, § 1°, do NCPC são exemplificativas, vez que visam concretizar um direito fundamental, qual seja o direito à motivação das decisões judiciais (artigo 93, inciso IX, da CF/88), assim, o rol não poderá ser considerado taxativo.

Assim, podemos concluir com base nos estudos e questões acima apresentadas, que o dever de motivação das decisões judiciais consubstanciado pelas novas regras estipuladas pelo Novo Código de Processo Civil, consolida a perspectiva de um processo justo, fortalecendo o modelo constitucional de processo.


5. REFERÊNCIAS

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11.ed. São Paulo: Malheiros. 2010.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10.ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 26 Jul. 2016.

BRASIL. Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Brasília, 2016. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 26 Jul. 2016.

DE LUCCA, Rodrigo Ramina. O Dever de Motivação das Decisões Judiciais: Estado de Direito, segurança jurídica e teoria dos precedentes. 2.ed. Salvador: Juspodivm.

DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Decisão Precedente, Coisa Julgada e Tutela Provisória. 10.ed. Salvador: Juspodivm, 2015. 2.vol.

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DOS SANTOS, Eduardo Rodrigues. Processo e Constituição. Leme: J.H. Mizuno, 2014.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Dimensão processual do princípio do devido processo constitucional. In: DIDIER JR., Fredie (coord.). Novo CPC Doutrina Selecionada: parte geral. Salvador: Juspodivm, 2015. v.1.

CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Panóptica, Vitória, ano 1, n. 6, fev. 2007, p. 1-44. Disponível em: <http//:www.panoptica.org>.

GOMES FILHO, Antônio Magalhães. A motivação das Decisões Penais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre; Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 8.ed. Salvador: Juspodivm.

NUNES, Dierle José Coelho. Processo Jurisdicional Democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2008.

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MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil: Teoria do Processo Civil. 2.ed. São Paulo: RT, 2016.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e dos Direitos Fundamentais. Belo Horizonte: Del Rey, 2013.

THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil: Volume I. 56.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.


Notas

[2] Nesse sentido, o enunciado de nº 303 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “As hipóteses descritas nos incisos do § 1º do art. 489 são exemplificativas”.

[3] Se o dever de completude exige que o julgador, além de expor as razões fáticas e jurídicas que fundamentam a sua decisão, enfrente e afaste todas as alegações fáticas e jurídicas da parte sucumbente, o dever de concretude impõe de um lado, (i) que o enfrentamento de tais alegações seja concreto, e não lacônico, e, de outro, (ii) que todas as razões apresentadas na decisão estejam amparadas (suportadas) em fatos e documentos constantes nos autos ou razões extraídas do ordenamento jurídico. O dever de concretude, portanto, é um complemento ao dever de completude, estabelecendo como a decisão deve ser motivada. (DE LUCCA, 2016, p. 231-232).

[4] Conceitos jurídicos indeterminados são “aqueles compostos por termos vagos, de acepção aberta, que, por isso mesmo, exigem um cuidado maior do intérprete/aplicador quando do preenchimento do seu sentido”. (DIDIER JR.; BRAGA; OLIVEIRA, 2015, p. 330).

[5] “Nula é a sentença que, julgando improcedente a ação, abstém-se de examinar um dos fundamentos, apresentado como causa de pedir” (STJ, 3ª T., REsp 14.825/PR, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, ac. 11.11.1991, DJU 02.12.1991, p. 17.539).

[6] “Não há violação do art. 535 do CPC quando a prestação jurisdicional é dada na medida da pretensão deduzida, com enfrentamento e resolução das questões abordadas no recurso de forma suficientemente fundamentada” (STJ - AgRg no AREsp: 511979 SC 2014/0103686-4, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 18/06/2014, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2014).

[7] O distinguishing é um método de confronto, “pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”. Sendo assim, pode-se utilizar o termo “distinguish” em duas acepções: (i) para designar o método de comparação entre o caso concreto e o paradigma (distinguish-método); (ii) e para designar o resultado desse confronto, nos casos em que se concluir haver entre eles alguma diferença (distinguish-resultado). (DIDIER, 2015, p. 339).

[8] Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto da aplicação. Assim, qualificam-se como normas sobre a aplicação de outras normas, isto é, como metanormas. Daí se dizer que se qualificam como normas de segundo grau. Nesse sentido, sempre que está diante de um postulado normativo, há uma diretriz, metódica que se dirige ao intérprete relativamente à interpretação de outras normas. Por trás dos postulados, há sempre outras normas que estão sendo aplicadas. (ÁVILA, 2005, p. 134).

Sobre o autor
Paulo Henrique Medeiros

Cursando o décimo período do curso de Direito pela Faculdade Santa Rita de Cássia; Aprovado no XIX Exame de Ordem dos Advogados;

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