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O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto:

a nova ferramenta de cooperação internacional

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Agenda 20/12/2016 às 14:03

O auxílio direto é um meio de cooperação internacional, que promove meio legal para obtenção transnacional de provas, comunicação de atos processuais, entre outros atos processuais a serem realizados em país diferente daquele que exerce a jurisdição.

I. INTRODUÇÃO

Este estudo apresenta como eixo central uma reflexão acerca da importância da cooperação internacional no contexto jurídico contemporâneo, do ponto de vista teórico e prático, destacando-se o auxílio direto como instrumento de cooperação jurídica entre ordenamentos distintos, sobretudo, em matéria civil.

O núcleo central que será abordado na presente pesquisa, que sugere um estudo sobre a cooperação jurídica internacional em matéria civil, é chamar a atenção para a importância do auxílio direto como meio legal para obtenção transnacional de provas, para a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações) e, em certas hipóteses, para a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada no juízo brasileiro.

Com a previsibilidade legal do procedimento de auxílio direto, poder-se-á tornar eficiente e ágil o intercâmbio não apenas entre órgãos judiciais, mas também entre órgãos administrativos, ou ainda, entre órgãos judiciais e administrativos de Estados distintos.

O que se pretende, portanto, é analisar a hipótese da autoridade judiciária brasileira em procedimento que não demande cumprimento de decisão de autoridade estrangeira, deferir o procedimento de auxílio direto ou assistência direta, a fim de atingir-se uma efetiva integração jurisdicional e administrativa entre Estados soberanos distintos.

E, considerando que o jurista tem o dever de buscar soluções para que possam ser eliminados, ao menos em parte, os males acarretados pela demora do processo, sabido que, como dizia Carnelutti, “processo é vida”, procura-se impingir ao presente trabalho tal ousadia. Desta forma, é que se pretende abordar o tema para discorrer sobre os seus aspectos jurídicos inerentes e as suas possibilidades de aplicação concreta.


II. ASPECTOS GERAIS DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL

Em virtude das crescentes relações entre os Estados que se deu por meio da globalização, surge a necessidade de cooperação entre as nações. Isso se deve ao fato de as transformações ocorridas nas sociedades afetarem os ordenamentos jurídicos, os quais são forçados a amoldarem-se às novas realidades. Neste sentido, a cooperação entre os Estados deve ser tida como uma obrigação entre as nações, e não mera faculdade.

A intensificação das relações internacionais no período seguinte à Segunda Guerra Mundial, segundo Eduardo Felipe P. Matias, deve-se, principalmente, a dois fatores:

“O primeiro relaciona-se com a consciência dos Estados quanto ao fato de que não são autossuficientes, de que o isolamento representa um retrocesso e de que o crescimento está vinculado à cooperação. O segundo fator é a coexistência de múltiplos Estados independentes”1.

Esse contexto fez com que os Estados se deparassem com problemas que não seria possível  resolver sozinhos, ou, pelo menos, resolveriam melhor por meio da cooperação.

Cooperação pressupõe trabalho em conjunto, colaboração. É nesse sentido que toda e qualquer forma de colaboração entre Estados, para a consecução de um objetivo comum, que tenha efeitos jurídicos, denomina-se cooperação jurídica internacional.

Cooperação jurídica internacional, que é a terminologia consagrada, significa, em sentido amplo, o intercâmbio internacional para o cumprimento extraterritorial de medidas processuais do Poder Judiciário de outro Estado. Tradicionalmente também incluiria nessa matéria o problema da competência internacional. Além disso, hoje há novas possibilidades de uma atuação administrativa do Estado nessa matéria, em modalidades de contato direto entre os entes estatais.

Carolina Yumi de Souza refere-se a cooperação jurídica internacional como:

“[...] um intercâmbio entre estados soberanos, destinando-se à segurança e à estabilidade das relações transnacionais. Tem por premissas fundamentais o respeito à soberania dos Estados e a não-impunidade dos delitos. Em sentido lato, engloba todos os atos públicos (legislativos administrativos e judiciais). [...] compreende os atos judiciais não decisórios, de mera comunicação processual (citação, notificação e intimação) e decisória, além daqueles destinados à instrução probatória.” 

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Assim, a cooperação jurídica é instrumento internacional importante, por permitir que os Estados promovam entre si o cumprimento de atos processuais uns nos territórios dos outros, sem a qual os atos processuais a serem realizados em outro Estado não poderiam se dar.


III. O AUXÍLIO DIRETO: O AUXÍLIO DIRETO JUDICIAL E ADMINISTRATIVO

Em 2004, o Ministério da Justiça constituiu Comissão de Especialistas para elaborar um anteprojeto de lei de cooperação jurídica internacional, em matéria cível e criminal, com o fito de promover a disciplina da presente matéria no ordenamento jurídico brasileiro.

A questão mais explosiva desse anteprojeto do Ministério da Justiça está no procedimento denominado "assistência direta" ou "auxílio direto", que possibilita o intercâmbio direto entre autoridades administrativas e judiciais de estados diversos, ou até mesmo entre juízes, sem o rótulo de carta rogatória ou interferência do STJ.

A propósito, a Resolução 09, do STJ, de 04.05.2005, no seu art. 7°, parágrafo único, prevê que:

“Os pedidos de Cooperação Jurídica Internacional que tiverem por objeto atos que não ensejem juízo de delibação pelo Superior Tribunal de Justiça, ainda que denominados como carta rogatória, serão encaminhados ou devolvidos ao Ministério da Justiça para as providências necessárias ao cumprimento do auxílio direto”.

O paradigma que pode ser citado para o "auxílio direto" é o "auxílio judiciário mútuo", previsto na Convenção de Auxílio Judicial Mútuo da União Europeia, cujo art. 3°, I, dispõe que:

“O auxílio mútuo também é concedido em processos instaurados pelas autoridades administrativas para fatos puníveis nos termos do direito do Estado-Membro requerente ou do Estado-Membro requerido, ou de ambos, como infrações a disposições regulamentares e, quando da decisão caiba recurso para um órgão jurisdicional competente, especialmente e, matéria penal”.

No Brasil, a Constituição Federal prevê dois procedimentos de cooperação jurídica internacional em matéria civil que reclama, no território nacional, algum tipo de atuação judicial: a carta rogatória e a homologação de sentença estrangeira (art. 105, I, “i”). Já na área penal também descreve a extradição como elemento de cooperação processual entre países.

A cooperação que reclama atuação apenas de agente administrativo brasileiro é realizada independentemente de carta rogatória, homologação de sentença estrangeira ou extradição. Tal modalidade de cooperação pode facilmente ser enquadrada no "auxílio direto" previsto no art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ.

O auxílio direto tem por objeto, segundo o Ministério da Justiça:

“O auxílio direto diferencia-se dos demais mecanismos porque nele não há exercício de juízo de delibação pelo Estado requerido. Não existe delibação porque não há ato jurisdicional a ser delibado. Por meio do auxílio direto, o Estado abre mão do poder de dizer o direito sobre determinado objeto de cognição para transferir às autoridades do outro Estado essa tarefa. Não se pede, portanto, que se execute uma decisão sua, mas que se profira ato jurisdicional referente a uma determinada questão de mérito que advém de litígio em curso no seu território, ou mesmo que se obtenha ato administrativo a colaborar com o exercício de sua cognição. Não há, por consequência, o exercício de jurisdição pelos dois Estados, mas apenas pelas autoridades do Estado requerido”.

É, pois, o instrumento por meio do qual a integralidade dos fatos é levada ao conhecimento de judiciário estrangeiro para que profira decisão que ordene ou não a realização das diligências solicitadas. O auxílio direto passivo não enseja a concessão de exequatur pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme dispõe o parágrafo único do art. 7º da Resolução STJ n. 9, cabendo ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional – DRCI, do Ministério da Justiça, as providências junto às autoridades competentes para o seu cumprimento.

Podem ser objeto de auxílio direto a comunicação de atos processuais (citações, intimações e notificações), a obtenção de provas e, em certas hipóteses, a obtenção de medidas cautelares e de decisões de tutela antecipada. Tratados específicos trazem algumas medidas específicas que podem ser obtidas por esse mecanismo. É o caso, por exemplo, das decisões de busca, apreensão e retorno de crianças ilicitamente subtraídas do convívio de um dos pais, nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Decreto n. 3.413, de 14 de abril de 2000).

Ao contrário do que ocorre nos mecanismos tradicionais de cooperação, onde o pedido de cooperação enseja apenas um procedimento, o auxílio direto origina obrigatoriamente dois procedimentos. O primeiro deles nasce com o pedido de cooperação lavrado pela autoridade requerente e, após análise e seguimento pelas autoridades competentes, chega às autoridades do país requerido para formar o procedimento internacional do auxílio direto. Em busca do atendimento do pedido, devem tais autoridades buscar o início do procedimento pertinente, que pode ser judicial ou administrativo. Este segundo é um procedimento nacional, portanto. Assim é que o auxílio direto, na verdade, forma-se a partir da junção de dois procedimentos específicos e separados: o procedimento internacional, também chamado genericamente de pedido de cooperação ou pedido de auxílio jurídico (este último especialmente no auxílio direto em matéria penal) e o procedimento nacional. O procedimento nacional, por sua vez, pode ser um processo administrativo, um incidente processual judicial específico, como os pedidos do Ministério Público Federal para a obtenção de quebras de sigilo bancário no Brasil ou uma ação judicial, a exemplo do que ocorre com as ações de busca, apreensão e retorno movidas pela União nos termos da Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.

Dessa maneira, o procedimento de auxílio direto permitiria uma classificação. O auxílio direto que envolvesse a atuação de juiz nacional, como, por exemplo, para atos de comunicação processual ou atos de natureza probatória, poderia ser denominado “auxílio direto judicial”; já o auxílio direto que envolvesse a atuação de órgão da Administração Pública, a exemplo de investigações conjuntas do Ministério Público ou de autoridades policiais, poderia ser denominado de “auxílio direto administrativo”. Portanto, as últimas considerações são as seguintes: o auxílio direto, no Direito brasileiro, é o procedimento destinado ao intercâmbio entre órgãos judiciais e administrativos de Estados diversos, independentemente de carta rogatória ou homologação de sentença estrangeira, sempre que reclamar de autoridades nacionais atos sem conteúdo jurisdicional.

O auxílio direto judicial, de competência de juízes de 1ª instância, é o procedimento de jurisdição voluntária destinado ao intercâmbio direto entre juízes, sempre que reclamar de juízes nacionais, atos sem conteúdo jurisdicional.

O auxílio direto administrativo é o procedimento administrativo destinado ao intercâmbio direto entre órgãos da Administração Pública, ou entre juízes estrangeiros e agentes administrativos nacionais, sempre que reclamar atos administrativos de agentes públicos nacionais.

O julgamento do auxílio direto judicial no Brasil é entregue aos juízes federais de 1ª instância, nos termos do artigo 109 da CF, seja porque figuram como parte o Ministério Público Federal ou a União, seja porque a medida busca cumprir tratado do qual o Brasil é parte.

À luz das regras constitucionais vigentes e, ainda, de princípios do Direito Internacional Privado, nada impede que apenas a cooperação que reclame jurisdição nacional seja alvo de reconhecimento perante o STJ.

Sobre as outras modalidades de cooperação, que dependem de atos judiciais sem conteúdo decisório, tais como os atos judiciais de comunicação ou de natureza probatória, ou ainda os atos administrativos, não reclamam, necessariamente, o procedimento da carta rogatória ou da homologação de sentença estrangeira.

Nesse ponto, merece aplausos o art. 7°, parágrafo único, da Resolução 09 do STJ, que, embora sem força de lei, é forte indicativo de posicionamento jurisprudencial que se avizinha quanto à cooperação direta de atos judiciais sem conteúdo decisório ou de atos administrativos.

Entretanto, tanto a jurisdição executiva quanto a jurisdição de urgência, decorrentes ou no interesse de jurisdição cognitiva estrangeira, deveriam ser postuladas perante o juízo nacional que fosse competente para a matéria, segundo a legislação processual interna.

Por outro lado, felizmente o texto do substitutivo apresentado pelo Senador Valter Pereira, relator do Projeto do novo CPC no Senado (PLS 166/2010) – cuja comissão de juristas que o elaborou, foi presidida pelo Ministro Luiz Fux do Superior Tribunal de Justiça, trouxe em Capítulo II (Da Cooperação Internacional), especificamente no artigo 27, a hipótese da autoridade judiciária brasileira deferir o procedimento de auxílio direto.

O texto em questão está no novo código de processo civil, que em sua publicação, trouxe em seu artigo 28 do Capítulo II, o seguinte enunciado:

Art. 27. A cooperação jurídica internacional terá por objeto:

I - citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial;

II - colheita de provas e obtenção de informações;

III - homologação e cumprimento de decisão;

IV - concessão de medida judicial de urgência;

V - assistência jurídica internacional;

VI - qualquer outra medida judicial ou extrajudicial não proibida pela lei brasileira.

Portanto, por conta da necessidade de estabelecimento de regras e procedimentos específicos que possibilitem e facilitem o acesso à justiça para além das fronteiras, a promoção da Cooperação Jurídica Internacional passou a ser prática imprescindível aos Estados soberanos que buscam credibilidade no contexto internacional em matéria civil, via procedimento de auxílio direto ou cooperação direta.

Ainda observou-se que a cooperação judicial precisa acompanhar a crescente internacionalização das relações econômicas e sociais, e desenvolver mecanismos que permitam o máximo de agilidade no trâmite internacional das referidas medidas. A necessidade de uma providência internacional no curso de um processo judicial não pode ser prejudicada em sua viabilidade pelo elevado custo ou tempo de duração.

Sobre os autores
Walter Gustavo Lemos

Advogado, formado em Direito pela Universidade Federal de Goiás (1999), mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2015) e mestrado em Direito Internacional - Universidad Autonoma de Asuncion (2009). Doutor em Direito Público pela UNESA /RJ (2020). Pós-doutorando em Direitos humanos pela Universidad de Salamanca. Atualmente é professor da FARO - Faculdade de Rondônia. Ex-Secretário-Geral Adjunto e Ex-Ouvidor da OAB/RO. OAB/GO 18814, OAB/RO 655A

Vivilene Garcia

Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Católica Rondônia. Autora de artigo na revista do fórum amazônico de direito processual, mês 08/2016, artigo no primeiro congresso rondoniense de carreiras jurídicas mês 11/2016 e artigo no site jusbrasil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Walter Gustavo; GARCIA, Vivilene. O novo Código de Processo Civil e o auxílio direto:: a nova ferramenta de cooperação internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4920, 20 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54588. Acesso em: 22 dez. 2024.

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