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Direito subjetivo à nomeação em concurso público e o princípio da proteção da confiança

Agenda 19/12/2016 às 00:52

O presente artigo tem por objetivo correlacionar o Direito Subjetivo à Nomeação em Concurso Público ao Princípio da Proteção da Confiança, demonstrando situações que ensejem a quebra da expectativa legítima depositada pela Administração Pública ao candidato.

1 INTRODUÇÃO

Hodiernamente, é notória a dificuldade de absorção de mão de obra qualificada pelo mercado de trabalho, sobretudo na iniciativa privada. Posto isso, verifica-se uma crescente demanda de candidatos que buscam uma vaga no serviço público, cujos principais atrativos são a estabilidade e a remuneração.

O fator preponderante do aumento desse imenso contingente de pessoas que buscam as benesses do serviço público, foi a instabilidade econômica do país nas últimas décadas, o que acarretou um baixo crescimento econômico, ensejando, por conseguinte, uma baixa absorção dessa mão de obra que se forma nas instituições de ensino, sejam estas de nível superior, médio ou técnico.

Nesse sentido, o Estado foi obrigado a profissionalizar os critérios de seleção de seus servidores, a fim de escolher aqueles candidatos com melhor perfil técnico para atender as suas necessidades, o que tornou a busca pela tão sonhada carreira pública um caminho árduo e sinuoso, obrigando o candidato a abdicar do convívio familiar e dos momentos de lazer, bem como de suas atividades profissionais, para se dedicar única e exclusivamente aos estudos.

Outro fenômeno que devemos destacar nesse contexto social, é o aparecimento da “indústria dos concursos públicos”, que se tornou uma nova tendência do mercado, cujos investidores auferem lucros altíssimos através de cursos preparatórios, editoras especializadas, livros, materiais didáticos, dentre outros, além do surgimento de escritórios de advocacia especializados na área, sendo que muitos cursos preparatórios dispõem de assessoria jurídica própria para defender os interesses de seus alunos/clientes.

Assim, surge e um novo nicho de mercado consumidor ávido para gastar fortunas, pois muitos desses candidatos chegam a se desfazer de bens materiais e se endividar com empréstimos bancários para poder investir na preparação.

Por outro lado, a fiscalização dos atos administrativos em relação ao concurso público tornou-se mais efetiva, pois inúmeros candidatos começaram a recorrer ao judiciário, a fim de terem seus direitos respeitados, gerando significativas mudanças jurisprudências sobre o tema.

Todavia, apesar do direito subjetivo à nomeação em concurso público ser reconhecido pela jurisprudência pátria como um direito líquido e certo daquele candidato aprovado dentro do número de vagas, a Administração, em muitos casos, ainda permanece praticando condutas deploráveis tais como: 1) requisição de servidores de outros órgãos para a ocupação de vagas que seriam providas por candidatos classificados em concurso público; 2) abertura de novo edital de concurso público para o mesmo cargo ou emprego público com edital pretérito ainda vigente; 3) contratação de funcionários terceirizados para ocupar a vaga de candidatos selecionados em concurso público; 4) abertura de concurso público para cadastro de reserva, sendo que depois de homologado e expirado o prazo de validade do certame, não procede à convocação de candidatos regularmente classificados, dentre outras.  

Nos casos ora citados, é lógico que a Administração gera uma expectativa legítima ao candidato classificado em concurso público, considerando que a prática de tais condutas pela Administração, pressupõe que esta esteja precisando de pessoal para atuar em seus quadros, e a não convocação de candidatos classificados no certame público, configuraria um caso típico de desvio de finalidade.

Sendo assim, poderia o candidato regularmente classificado no concurso público ingressar com medidas judiciais para ocupar legitimamente a vaga provida pela Administração de forma precária?

E nos casos de concurso público para cadastro de reserva? Teria o candidato alguma expectativa de ser convocado após a expiração do prazo de vigência sem que ocorra convocações pela Administração?

A resposta para tais perguntas encontraremos no Princípio da Proteção da Confiança, bem como na doutrina e jurisprudência pátrias.

2 DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA.

O Princípio da Proteção da Confiança, corolário dos princípios da Boa-fé Objetiva e da Segurança Jurídica, na lição Valter Shuenquener de Araújo (2009, p. 13), atua como mecanismo protetor hábil a evitar o caos e a desordem.

Em outras palavras, serve para conter a insegurança por meio da filtragem e organização do grandioso volume de informação complexa que recebemos. Assevera ainda o autor, que a confiança de uma pessoa na concretização das suas próprias expectativas, é portanto, um fator elementar da vida social e é ela que irá viabilizar as relações sociais por meio de uma estabilidade que é alcançada pela existência de expectativas futuras.

Na clássica lição de Miguel Reale (2001, p. 50), o Direito é por conseguinte, um fato ou fenômeno social que não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é como se vê, a sua socialidade, ou seja, a sua qualidade de ser social.

Essa premissa também é reforçada por Luis Manoel Fonseca Pires (2008, p. 27), no sentido de que o Direito deve seguir uma lógica de congruência ou adequação entre a realidade social e os valores, entre os valores e os fins, entre os fins e a realidade social concreta, entre os fins e os meios, entre os fins e os meios quanto à ética destes meios, e entre os fins e os meios quanto à eficácia destes meios.

O Estado de Direito tem como uma de suas principais tarefas a preservação da segurança jurídica. Ele deve proporcionar um ambiente em que não haja bruscas oscilações no ordenamento jurídico. Nesse sentido, Luís Roberto Barroso (apud ARAÚJO, p. 45) sustenta que, num Estado democrático de direito, a ordem jurídica gravita em torno de dois valores essenciais: a “Segurança e a Justiça” e o conhecimento convencional, de longa data, situa a segurança – e, no seu âmbito, a segurança jurídica – como um dos fundamentos do Estado e do Direito, ao lado da justiça e mais recentemente, do bem-estar social.

A base da confiança, em linhas gerais, é “a medida estatal que atinge o particular. Independentemente da forma adotada, a manifestação de vontade do Estado é imprescindível para existência de uma confiança digna de tutela”. Essa manifestação pode surgir através de um comportamento omissivo ou ato normativo estatal (lei, decreto, portaria, decisão judicial, práticas da administração etc.).

Postas estas premissas, conclui-se que a natureza jurídica da proteção da confiança é de “Princípio de Jurídico”, haja vista que, constitui um desdobramento do Princípio da Segurança Jurídica, para os publicistas, e da Boa-Fé, para os civilistas.

Nesse sentido, assevera Araújo (2009, p. 55), que por se tratar de princípio, o postulado da proporcionalidade limitará a autonomia estatal de criação normativa e impedirá, dessa forma, que o Estado interfira na autonomia privada, se não houver, com a alteração pretendida, uma justificável exigência de concretização do interesse público.

Nas palavras de Francis Jacobs (apud ARAÚJO, p. 60), é a preocupação com a proteção das expectativas legítimas do indivíduo; de outro, o interesse público e a necessidade de não inibir uma política que possa beneficiar o público.

2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA.

O pensamento em torno do Princípio da Proteção da Confiança começou a se desenvolver mais fortemente na Alemanha a partir dos anos cinquenta, momento do pós-guerra em que o Estado alemão passava por inúmeras instabilidades em virtude dos estragos provocados pela guerra.

O Tribunal Constitucional Federal Alemão (TCFa) passou a aplicá-lo em diversas situações de conflito como elevação de tributos, revogação de subvenções, diminuição de benefícios sociais, redução de situações jurídicas favoráveis a servidores, restrições ao exercício de atividades profissionais e empresariais, além de ser empregado para solucionar os efeitos da revogação de atos administrativos, vincular a Administração em relação às informações que presta e às suas práticas, regular os efeitos de contratos ilegais, proteger o cidadão contra a anulação de atos administrativos que produzam efeitos favoráveis aos seus destinatários e para outras incontáveis situações específicas.

No campo do Direito positivo, 1976 foi verdadeiramente importante para o avanço do instituto. Nesse ano, a Lei alemã de Processo Administrativo Federal, regulou o modo como a confiança de um particular deveria ser tutelada no caso da anulação de atos administrativos favoráveis aos seus destinatários.

2.2 TRATAMENTO DO TEMA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

Prevalece na doutrina brasileira, notadamente na corrente publicista, de que a Proteção da Confiança se desdobra do Princípio da Segurança Jurídica, que já foi reconhecido pelo STF[1] e pelo STJ[2] como um princípio constitucional derivado do Estado de Direito.

Em três estudos específicos sobre a segurança jurídica e o direito intertemporal, Luís Roberto Barroso (apud ARAÚJO, p. 55) pontifica que a expressão segurança jurídica designa várias ideias. Ela pode significar, por exemplo, a confiança nos atos do Poder Público, a estabilidade das relações jurídicas e, ainda, a previsibilidade dos comportamentos. Tudo isso está – registre-se – diretamente relacionado com o Princípio da Proteção da Confiança.

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Assim, não é por outro motivo que Odete Medauar (apud ARAÚJO, P. 60) também defende que, dentre os subprincípios da Segurança Jurídica, estariam a exigência de leis claras e precisas, a demanda por um grau menos vago na disciplina de certa matéria e a necessidade de proteção da confiança dos cidadãos.

Portanto, pelo fato da proteção da confiança decorrer diretamente da segurança jurídica, no direito positivo brasileiro, por sua vez há incontáveis previsões sobre do referido instituto, a exemplo do Art. 2° da Lei n° 9784/1999, que regula o Processo Administrativo no Âmbito da União e do § 1° do art. 103-A da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB), o qual dispõe que face ao iminente receio de violação da segurança jurídica, o STF está autorizado a editar súmula vinculante sobre determinado tema, pois na lição de Gilmar Ferreira Mendes (2008, p. 1200), interpretações divergentes sobre determinada matéria constitucional, quebraria a “força normativa da constituição”.

Posto isso, vejamos a dicção literal do Art. 2° da Lei n° 9784/1999, que regula o Processo Administrativo no âmbito da União, o qual consagra implicitamente o Princípio da Proteção da Confiança:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

I - atuação conforme a lei e o Direito;

II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;

III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;

IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;

V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;

IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;

XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação (grifos nossos).

3 O PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA CORRELACIONADO COM O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO EM CONCURSO PÚBLICO: PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

Pois bem, todo esse apanhado acerca da natureza jurídica do Princípio da Proteção da Confiança, os seus antecedentes históricos e seu tratamento no ordenamento jurídico brasileiro, servem como argumentos de que o Princípio da Proteção da Confiança pode ser utilizado como fundamento num determinado processo a fim de se pleitear junto ao judiciário o direito subjetivo à nomeação em concurso público, quando o Estado injustificadamente não nomeia o candidato regularmente aprovado no certame.

O Estado, ao publicar um edital de concurso público, previamente elabora um processo administrativo específico para tal finalidade. Assim, constitui e nomeia uma comissão específica, a qual ficará encarregada de administrar os trabalhos para a deflagração do certame. Tal comissão será responsável pelo mapeamento do déficit de servidores, das necessidades específicas de determinados setores, da previsão orçamentária para a contratação, da elaboração de licitação pública para a escolha da organizadora do concurso, dentre outras atribuições.

Nesse sentido, detectada a necessidade de contratação, a verificação de previsão orçamentária para tanto, considerará as disposições na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)[3] e na Lei Orçamentária Anual (LOA)[4] de cada ente público[5], pois estas estabelecem a previsão das receitas, bem como a autorização de despesas.

Assim, havendo previsão orçamentária, o chefe do executivo expedirá nota de empenho autorizando a deflagração do concurso público[6], devendo cada etapa ser publicada em Diário Oficial, considerando o Princípio da Publicidade.

Ante ao exposto, não há que se falar em mera liberalidade da administração pública em contratar ou não contratar o candidato aprovado, pois ao movimentar toda uma estrutura administrativa para a realização de um concurso público, o Estado, indubitavelmente, deposita uma confiança legítima no administrado, pois a partir do momento em que há a expedição de um decreto que autoriza a realização do processo seletivo, pressupõe a necessidade do provimento de cargos ou empregos públicos, o que vincularia a administração a efetivar tal providência, à luz da “teoria dos motivos determinantes[7]” de Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p. 369).

Portanto, a administração ao praticar determinadas condutas, quais sejam, 1) requisição de servidores de outros órgãos para a ocupação de vagas que seriam providas por candidatos selecionados em concurso público; 2) abertura de novo edital de concurso público para o mesmo cargo ou emprego público com edital pretérito ainda vigente; 3) contratação de funcionários terceirizados para ocupar a vaga de candidatos selecionados em concurso público; e 4) abertura de concurso público para cadastro de reserva, e depois de homologado e expirado o prazo de validade do certame, não procede à convocação de candidatos, além de configurarem desvio de finalidade, viola o Princípio da Proteção da Confiança.

Por se tratar de um princípio, a violação da Proteção da Confiança, na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, é mais grave que a violação de uma regra. Assim, vejamos:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra (MELLO, 2005, p. 902).

No que se refere à aprovação do candidato dentro do número de vagas, o STF já sedimentou o entendimento que o candidato após a expiração do concurso público, detém de forma inequívoca direito subjetivo à nomeação. Nesse sentido, vejamos um precedente emblemático da Suprema Corte publicado em 23 de agosto de 2011, qual seja, RE 598.099/MS, o qual o Princípio da Proteção da Confiança foi utilizado como argumento da ratio decidendi. Assim, vejamos:

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO. CANDIDATO APROVADO ENTRE AS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. RECURSO PROVIDO.

1. A aprovação do candidato no limite do número de vagas definidos no edital do concurso gera em seu favor o direito subjetivo à nomeação para o cargo.

2. As disposições contidas no Edital vinculam as atividades da Administração, que está obrigada a prover os cargos com os candidatos aprovados no limite das vagas previstas. A discricionariedade na nomeação de candidatos só incide em relação aos classificados nas vagas remanescentes.

3. Não é lícito à Administração, no prazo de validade do concurso público, simplesmente omitir-se na prática dos atos de nomeação dos aprovados no limite das vagas ofertadas, em respeito aos investimentos realizados pelos concursantes, em termos financeiros, de tempo e emocionais, bem como as suas legítimas expectativas quanto à assunção do cargo público.

4. Precedentes desta Corte Superior: RMS 15.034/RS e RMS10.817/MG. (STF: RE 598.099/ MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJU de 23/08/2011, grifo nosso).

Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, reforça num precedente judicial, que havendo dotação orçamentária para o provimento da vaga, o administrador público, vincula-se às normas previstas no edital por ele estabelecidas, considerando que a existência de dotação orçamentária para a contratação de servidores, enseja uma expectativa legítima ao candidato de que há necessidade da administração de contratação de pessoal, dispondo de recursos para tanto.

Assim, vejamos a Apelação Cível n° 47899/RN da relatoria do desembargador Anderson Silvino.

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - REMESSA NECESSÁRIA - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO DE ENFERMEIRO MUNICIPAL - CANDIDATA APROVADA DENTRO NO NÚMERO DE VAGAS - VINCULAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL ÀS NORMAS PREVISTAS NO EDITAL - EXISTÊNCIA DE DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA - DEVER DO ENTE PÚBLICO DE CUMPRIR A NORMA POR ELA MESMA ESTABELECIDA - NOMEAÇÃO DA IMPETRANTE APROVADA DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS QUE SE IMPÕE - DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO CARACTERIZADO - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE 1º GRAU - PRECEDENTES DO STJ, BEM COMO DESTA COLENDA CORTE - CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DA REMESSA NECESSÁRIA (Apelação Cível: 47899/RN, Rel. Des. Anderson Silvino, DOJ de 31/05/2011, grifo nosso).

Outro precedente do STF que merece destaque, é o AI 801570/ MG de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, o qual firmou o entendimento que se porventura a administração pública requisitar servidores de outros órgãos para ocupar a vaga de servidores selecionados por concurso público, abrir novo edital de concurso público para o mesmo cargo efetivo ou emprego público com edital em vigor, contratar funcionários terceirizados para ocupar a vaga de candidatos selecionados em concurso público ou deixar expirar o prazo do concurso público sem convocação de servidores aprovados dentro do número de vagas, bem como se utilizar de quaisquer outras formas precárias de contratação, poderá o prejudicado pleitear judicialmente o direito de ser convocado e nomeado, pois no lapso temporal de vigência do certame público, ocorrendo tais hipóteses, o direito se consolida

EMENTA: Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão que confirmou a segurança para determinar a nomeação e posse de candidatos aprovados em concurso público, uma vez que a vaga pleiteada encontrava-se preenchida em caráter precário. O julgado restou assim do: "Administrativo -Concurso público -Contratação a título precário dentro do prazo de validade - Direito dos aprovados à nomeação. Embora unânime o entendimento de que o candidato aprovado em concurso público detém apenas uma expectativa de direito, quanto a sua nomeação, o direito se consolida, se, dentro do prazo de validade do concurso, a administração pública procede à contratação a título precário de outros servidores, ou até mesmo dos próprios concursados, evidenciando desta forma a existência de vagas e a necessidade de preenchê-las. Nesse caso, os candidatos aprovados e classificados têm direito à nomeação, observados o número de vagas existentes e a ordem de classificação" (fl. 209).No RE, fundado no art. 102, III, a, da Constituição, alegou-se ofensa ao art. 37, II, IV e IX, da mesma Carta. O agravo não merece acolhida. É que a decisão atacada está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que o preenchimento temporário de cargo, uma vez comprovada a existência de vaga, configura preterição de candidato aprovado em concurso público. Nesse sentido, transcrevo a ementa de julgados de ambas as Turmas desta Corte: "1. Concurso público: terceirização da vaga: preterição de candidatos aprovados: direito à nomeação: uma vez comprovada a existência da vaga, sendo esta preenchida, ainda que precariamente, fica caracterizada a preterição do candidato aprovado em concurso. 2. Recurso extraordinário: não se presta para o reexame das provas e fatos em que se fundamentou o acórdão recorrido: incidência da Súmula 279". (AI 440.895-AgR/SE, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma)."Recurso extraordinário. Administrativo. Concurso Público. 2. Acórdão que negou provimento à apelação, assentando a inexistência de direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados em concurso para provimento de cargo de Professor Assistente. 3.Criação de dois cargos de Professor Assistente no Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito, quando se encontrava em pleno curso o tempo de eficácia do concurso público. Ocorrência de contratação de professores e renovação de contrato. 4. Precedente da Turma no RE 192.569-PI, em que se assegurou a nomeação de concursados, eis que existentes vagas e necessidade de pessoal. 5. Constituição, art. 37, IV. Prequestionamento verificado. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido" .No mesmo sentido, menciono as (RE 273.605/SP, Rel. Min. Néri da Silveira, Segunda Turma) decisões, dentre outras:seguintes RE 579.081/SC e RE 474.657/RN, Rel. Min. Cármen Lúcia; AI 454.882/SC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; RE 411.301/SC, Rel. Min. Cezar Peluso. Isso posto, nego seguimento ao recurso. Publique-se. (STF: AI 801570/ MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJU de 15/06/2010, grifo nosso).

No que se refere à cadastro de reserva, na hipótese do candidato aprovado em primeiro lugar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que após a expiração do prazo de validade do concurso público, tal candidato tem a legítima expectativa de ser convocado, pois há de se presumir que apesar do edital não fixar um número de vagas a serem preenchidas, pelo menos uma vaga estaria disponível. Assim, vejamos então a ementa do AgRg no RMS 33.426-RS:

EMENTA: Trata-se de agravo regimental contra decisão que deu provimento a RMS no qual a recorrente aduz que foi aprovada em 1º lugar para o cargo de professora de língua portuguesa. Sustenta que os candidatos aprovados em concurso público dentro do número de vagas ofertado por meio do edital possuem direito subjetivo à nomeação para o cargo, uma vez que o edital possui força vinculante para a Administração. Ademais, o fato de não ter sido preterida ou não haver nomeação de caráter emergencial, por si só, não afasta direito líquido e certo à nomeação. A Turma, ao prosseguir o julgamento, negou provimento ao agravo regimental sob o entendimento de que, no caso, ainda que se considere o fato de o edital não fixar o número de vagas a serem preenchidas com a realização do concurso, é de presumir que, não tendo dito o contrário, pelo menos uma vaga estaria disponível. Em sendo assim, é certo que essa vaga só poderia ser destinada à recorrente, a primeira colocada na ordem de classificação (STJ, AgRg no RMS 33.426, Rel. originário Min. Hamilton Carvalhido, Rel. para o acórdão Min. Teori Albino Zavascki, DJU 23/8/2011, grifo nosso).

4 AÇÕES JUDICIAIS PARA OBTER O DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO NAS HIPÓTESES ORA CITADAS.

                                                        

O candidato prejudicado, pode se utilizar de instrumentos processuais específicos para pleitear o seu direito de nomeação nas hipóteses ora citadas. O principal deles é o mandado de segurança, o qual deverá ser instruído com a cópia do diário oficial que homologou o concurso público, bem como daquele que ateste sua aprovação dentro do número de vagas, além do edital do certame.

O impetrante também poderá instruir o referido writ com o decreto do chefe do Executivo que autorizou a realização do concurso público, além de qualquer outro documento hábil que indique a autorização de receita para realização do certame, pois tais documentos servem para reforçar os argumentos do impetrante, ao passo que, havendo disponibilidade orçamentária, o gestor público estaria vinculado ao instrumento convocatório, por depositar uma expectativa legítima perante o administrado, estabelecendo-se assim um vínculo de confiança recíproco.

O prazo decadencial de cento e vinte dias para interposição do mandado de segurança, conta-se a partir da expiração do prazo do concurso público. Contudo, poderá o impetrante ingressar com o referido remédio constitucional dentro do prazo do concurso público, a fim de se obter preventivamente o seu direito subjetivo de nomeação.

Havendo contratação de terceirizados e convocação de servidores de outros órgãos para ocupar a vaga do candidato aprovado, poderá o candidato, se conseguir comprovar tal fato, impetrar o mandado de segurança dentro do prazo de validade, ou nos cento e vinte dias após a homologação do concurso, se só conseguir comprovar as irregularidades nesse lapso temporal.

Ocorrendo abertura de novo concurso público para o mesmo cargo ou emprego público com edital pretérito ainda vigente, também caberá mandado de segurança.

Na hipótese do candidato quedar-se inerte na propositura do mandado de segurança após o término do prazo decadencial cento e vinte dias, contados da data em que expirou a validade do certame, poderá ingressar com uma ação ordinária com pedido de antecipação de tutela[8].

5 CONCLUSÕES

Conforme fundamentado nas notas introdutórias, a crescente demanda de candidatos que buscam uma vaga no serviço público possibilitou que houvesse uma mudança substancial em relação ao tema. Ou seja, o administrado inverteu sua condição de mero coadjuvante dos interesses da máquina pública, para sujeito atuante nos processos decisórios do Estado.

Assim, os tribunais ao sedimentarem o entendimento de que o candidato regularmente aprovado ou classificado em concurso público possui direito subjetivo à nomeação, reforçam uma tendência que vem sendo regularmente adotada pelo Poder Judiciário de controlar o mérito do ato administrativo, quando este violar princípios da administração pública, como Razoabilidade e Proporcionalidade, Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Interesse Público, e sobretudo, o Princípio da Proteção da Confiança, em destaque no presente trabalho. 

Para comprovar essa nova concepção, vejamos como exemplo o acórdão exarado pelo STJ, no Resp 429570/GO:

EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – OBRAS DE RECUPERAÇÃO EM PROL DO MEIO AMBIENTE – ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO.

1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.

2. Comprovado tecnicamente ser imprescindível, para o meio ambiente, a realização de obras de recuperação do solo, tem o Ministério Público legitimidade para exigi-la.

3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar critérios de moralidade e razoabilidade.

4. Outorga de tutela específica para que a Administração destine do orçamento verba própria para cumpri-la.

5. Recurso especial provido (STJ: Resp 429570/GO, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU de 22/03/2004, grifo nosso).

Em relação ao tema exposto no presente trabalho, a jurisprudência teve papel fundamental para modificação das regras do concurso público, posto que o Estado ao cometer determinadas as arbitrariedades ora expostas, quebra um vínculo de confiança estabelecido perante o administrado, pois este tem a legítima expectativa de ser convocado quando regularmente aprovado no certame. Enfim, sem confiança, a vida torna-se inviável.

ARAÚJO, Valter Shuenquener de. Princípio da Proteção da Confiança: Uma Nova Forma de Tutela do Cidadão Diante do Estado. 2. ed. Niterói, RJ: Ímpetus, 2009.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 598.099/MS. Recorrente: Estado do Mato Grosso do Sul. Recorrido: Rômulo Augusto Duarte. Relator: Ministro Gilmar Mendes. DJU de 23 de agosto de 2011.

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 429570/GO. Recorrente: Ministério Público do Estado de Goiás. Recorrido: Estado de Goiás. Relator: Ministra Eliana Calmon. DJU de 22 de março de 2004.

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COSTA, Dr. Bernardo Brandão. Direito à Nomeação Dentro do Número de Vagas, Rio de Janeiro, jun. 2011. Disponível em: <http://www.pciconcursos.com.br/consultoria/direito-a-nomeacao-dentro-do-numero-de-vagas.>. Acesso em: 06 jun 2011.

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REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

RIO GRANDE DO NORTE. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. 2ª Câmara Cível. Apelação Cível n° 47899/RN. Relator: Desembargador Anderson Silvino. DOJ de 31 de maio de 2011.


[1]  Cf. STF. Plenário. Rel. Min. Ellen Gracie. Rel. para acórdão Min. Gilmar Mendes. MS n° 24.468-MG. Data do julg. 05/02/2004. DJU: 17/09/2004. STF e STF. Plenário. Rel. Min. Gilmar Mendes. MS n° 22.357-DF. Data do julg. 27/05/2004. DJU: 05/11/2004.

[2] Consulte STJ. Primeira Turma. Rel. Min. Luiz Fux. REsp. n° 658.130-SP. Data do julg. 05/09/2006. DJU: 28/09/2006. Segundo a ementa da referida decisão relatada pelo Min. Luiz Fux, “a segurança jurídica é princípio basilar na salvaguarda da pacificidade e estabilidade das relações jurídicas, por isso não é despiciendo que a segurança jurídica seja a base fundamental do Estado de Direito”. STJ. Primeira Turma. Rel. Min. Luiz Fux. REsp n° 658.130-SP. Data do julg.: 05/09/2006. DJU: 28/09/2006.

[3]  CF. Art. 165, § 2°. A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.

[4] CF. Art. 165, § 5°. A lei orçamentária anual compreenderá:

I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;

III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.

[5]  As referências supracitadas são disposições constitucionais relativas às finanças públicas no âmbito da administração pública federal. Tais disposições no âmbito estadual estão previstas na respectiva Constituição Estadual, e no âmbito dos municípios, em suas respectivas Leis Orgânicas. Ambos seguem as mesmas diretrizes do Capítulo II da Constituição Federal que dispõe sobre as finanças públicas. 

[6] Lei 4320/1964. Art. 58. O empenho de despesa é o ato emanado de autoridade competente que cria para o Estado obrigação de pagamento pendente ou não de condição.

[7]  Relaciona-se com o motivo do ato administrativo, prendendo o administrador aos motivos declarados ao tempo da edição do ato, sujeitando-se à demonstração de sua ocorrência, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a nulidade do ato administrativo. Portanto, se o administrador declara o motivo, fica vinculado às razões de fato e de direito que o levaram à prática do ato.

[8]  COSTA, Dr. Bernardo Brandão. Direito à Nomeação Dentro do Número de Vagas, Rio de Janeiro, jun. 2011. Disponível em: <http://www.pciconcursos.com.br/consultoria/direito-a-nomeacao-dentro-do-numero-de-vagas.>. Acesso em: 06 jun 2016.

Sobre o autor
Bruno Oliveira dos Santos

Advogado e Consultor Jurídico, Especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp, Professor da Universidade Paulista, filial Salvador/BA (UNIP), Mestrando em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador (UNIFACS), membro do Grupo de Pesquisa em Educação e Desenvolvimento (GEPED/UNIFACS).

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