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Peculiaridades históricas e legais do regime jurídico dos servidores no Brasil

Neste texto há uma análise dos pontos diferenciadores dos regimes jurídicos de servidores públicos no Brasil, especificando-se, principalmente, seu processo histórico originário, bem como as correntes doutrinárias pertinentes ao regime jurídico desse vínculo administrativo.

Resumo:Analisa-se os pontos diferenciadores dos regimes jurídicos de servidores públicos no Brasil, especificando, principalmente, seu processo histórico originário, bem como as correntes doutrinárias pertinentes ao regime jurídico desse vínculo administrativo. Em primeiro plano, são apresentadas as teorias bilateral e unilateral da função pública, para maior compreensão do tema, e posteriormente são apresentados elementos históricos dos regimes jurídicos do funcionalismo público brasileiro, bem como são expostas peculiaridades do regime estatutário da lei 8.112/1990 e do regime celetista da Consolidação das Leis do Trabalho, destacando-se as inovações jurisprudenciais sobre o tema, como a ADI 2135-4.

Palavras-chave: Regime jurídico. Servidores públicos. Histórico. Estatutário. Celetista.

Abstract:Analyzes the differentiating points of legal schemes of public servants in Brazil, specifying mainly its historical process originating and current doctrinal relevant to the legal framework of this administrative link. In the foreground, the bilateral and unilateral theories of civil service are presented for further understanding of the issue, and are subsequently presented historical elements of the legal systems of the Brazilian civil service and are exposed peculiarities of the statutory regime of Law 8,112 / 1990 and CLT regime of the Consolidation of Labor Laws, highlighting the jurisprudential innovations on the subject, such as ADI 2135-4.


Introdução

O presente trabalho tem por objetivo analisar, de um modo geral, o tratamento dado aos servidores públicos no Direito brasileiro, dando ênfase ao regime jurídico único tratado no art. 39 da Constituição Federal de 1988.

A atual Constituição brasileira aborda, de maneira detalhada, as questões relativas ao direito administrativo, com o objetivo de corrigir ou amenizar as várias distorções existentes em todas as administrações públicas do Brasil, provenientes de séculos de patrimonialismo, que persistem até os dias de hoje, característico de governantes que manipulam a coisa pública como se estivessem cuidando de seus próprios interesses, em detrimento, assim, do bem-estar coletivo.

Ante o exposto, serão abordadas, no decorrer do estudo, as disposições constitucionais relacionadas aos agentes públicos, em especial aos servidores públicos em sentido estrito (estatutário), no que diz respeito aos regimes jurídicos a que estão submetidos, tratando, assim, das modificações ocorridas no decorrer da história e trazidas pela Emenda Constitucional 19/1998, conhecida como reforma administrativa.


1 Breve Escopo Histórico do Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis no Brasil

1.1 Considerações preliminares a respeito do regime jurídico de servidores públicos

O regime jurídico do funcionalismo público brasileiro passou por sutis mudanças ao longo dos tempos, mais especificamente, nas Constituições anteriores. Interessante relatar que tal matéria apenas ganhou relevância na Constituição de 1939. Contudo, antes de analisar o percurso do regime jurídico dos servidores públicos no Brasil se faz necessário frisar as teorias que permeiam esse regulamento para propiciar maior entendimento da relação jurídica administrativa da função pública.

De primeira mão, destaca-se a Teoria bilateral da função pública, que encontra-se ligada aos ideais do liberalismo surgidos no século XIX. Consiste em um tratamento contratual entre o Estado e o servidor, desse modo, esta relação bilateral estaria permeada pelo princípio da autonomia da vontade, como salienta Diogo Moreira Neto[3]:

[...] os partidários da antiga teoria contratual da função pública discordavam e acirravam suas divergências quanto ao tipo de contrato que se caracterizaria. Assim, estaria na predominância de semelhanças de alguns aspectos da relação estabelecida com aquelas dos negócios privados, o ponto a partir do qual se multiplicavam as subteorias explicativas, de modo que ou se configuraria uma relação de locação de serviços, ou de mandato, ou de gestão de negócios, ou a de contrato de adesão ou mesmo outras figuras contratuais, sempre emprestadas, em razão das semelhanças assinaladas, do Direito Civil.

De todo o exposto, fica evidente que a teoria bilateral não descrevia corretamente a relação jurídica entre o Estado e seus funcionários. Assim, surgiu a Teoria unilateral da função pública, que se dividia em duas correntes, quais sejam, a do ato administrativo e a legal. Atualmente, o Estado brasileiro, bem como a maioria dos Estados contemporâneos, adota a corrente legal, que vê na lei o subterfugio ideal para equilibrar essa relação, sendo os seus fundadores Leon Duguit, Maurice Hauriou e Francesco D’Alessio.

1.2.As Constituições brasileiras e o regime jurídico dos servidores públicos

A primeira Constituição do Brasil foi outorgada em 1824. O contexto histórico em que esta foi criada era de monarquia absolutista, no qual o Estado era dirigido pelo monarca D. Pedro I, que constituía um quarto poder, o moderador. Diante disso, fica límpido o precário conceito inserido na referida Constituição de uma relação jurídica administrativa entre o Estado e seu funcionalismo, visto que a maioria dos funcionários públicos era nomeada pelo rei, ou seja, o próprio soberano ditava as regras que regiam as funções públicas, pois, como se sabe, cabia ao rei a nomeação de políticos, magistrados e até mesmo de bispos. O que ocorria era, em verdade, o enraizamento do sistema autoritário em todos os âmbitos da Administração Pública, o que não fornecia estabilidade aos servidores.

Durante o Império, a Constituição de 1891 reservou mais dispositivos para tratar dos funcionários públicos, dividindo-os em funcionários ou empregados públicos e os extranumerários, considerados aqueles que se associavam em funções, mas sem cargos correspondentes, eram tratados como temporários, diferentemente dos funcionários públicos, que eram atrelados a cargos públicos, organizados em carreira e quadros. Essa distinção se tornou mais evidente quando editado o decreto 5426 de 1928, que, de acordo com seu art. 8º, preceituava que: “serão considerados funcionários públicos federais, além dos já nomeados em virtude de leis e regulamentos anteriores, todos aqueles que exercem funções permanentes de cargos federais”.

De outro lado, a Constituição de 1934 foi marcada pela efetivação de direitos sociais, principalmente aqueles ligados ao trabalho. Com isso, esse período foi assinalado pela edição da Consolidação das Leis do Trabalho, que primeiramente excluiu empregados e servidores públicos de sua regulamentação, pois estes estavam acolhidos por um estatuto legal. Durante esse contexto, a supracitada Constituição acolheu, com mais afinco, a questão da estabilidade e da importância do servidor público para o melhor desempenho das funções do Estado, como deixava entrever o art. 169: “depois de dois anos, quando nomeados em virtude de concurso de provas, e, em geral, depois de dez anos de efetivo exercício”.

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Contudo, estudando a fundo as Constituições anteriores, não se enxerga, ainda, uma unificação do regime jurídico, o que se tinha estava atrelado a normas legais esparsas, sem um conteúdo jurídico suficientemente denso, que pudesse oferecer maior segurança jurídica aos interessados.

Diante dessa configuração, a Constituição ditatorial de 1937 foi considerada um divisor de águas, pois estatuiu o Decreto-Lei n.º 1.713/39, considerado a primeira norma infralegal que procurou dispor coerentemente sobre o regime jurídico de pessoal no âmbito da Administração Pública no Estado brasileiro. Passou-se a enfrentar a diferença entre funcionário público e empregado público:

Majoritariamente, porém, designa-se por funcionário público, a partir de 1939, a pessoa legalmente investida em cargo público (Estatuto de 1939, art. 2.º). Os cargos públicos, por sua vez, são definidos como “os criados por lei, em um número certo, com denominação certa e pagos pelos cofres públicos” (Estatuto, art. 3º). As definições da lei de 1939 viriam, assim, a marcar as futuras elaborações doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas.[4]

Com o advento desse estatuto ficou certa a separação entre funcionários públicos permanentes e funcionários públicos temporários, os extranumerários, ou seja, aqueles que não ocupavam um cargo. Foi esse o ideário da relação jurídica administrativa que se instalou no Brasil por muito tempo, os funcionários públicos ocupantes de cargos estavam regidos por um estatuto, enquanto os temporários eram regidos por leis esparsas.

Todavia, dissecando as Constituições posteriores, no caso, a de 1946, 1967-1969, é importante salientar que todas seguiram o mesmo modelo já exposto, com exceção de que, em 1953, foi editada a lei 1890, provocando grande mudança, visto que inseriu os servidores públicos extranumerários nas disposições regulamentadoras da CLT, elevando, finalmente, ao dualismo do regime jurídico de servidores públicos no Brasil.

Desta feita, as Constituições de 1967 e 1969 apenas traduziram o que já se encontrava no ordenamento administrativo pátrio, comportando poucas mudanças, somente abrangendo um número maior de servidores em regime estatutário, incluindo alguns empregados públicos, da mesma forma que criaram planos de opção entre o regime estatutário e celetista dentro da Administração Pública, deixando o poder de escolha nas mãos do administrador, que optava, na maioria das vezes, pelo regime celetista, haja vista a maior discricionariedade e satisfação de interesses subjetivos, o que se tornou um grande problema, tendo em vista que o princípio da finalidade impedia esse tipo de vício. Diante disso, surgiu até mesmo um novo tipo de contrato, denominado contrato de trabalho administrativo.

A configuração do regime jurídico do funcionalismo brasileiro possuía uma orientação defasada, o que trouxe uma tarefa difícil ao legislador constituinte de 1988 ao tratar da matéria. A dualidade do regime jurídico implicava em insegurança jurídica e assimetria, pois servidores com as mesmas funções, na Administração Pública, eram tratados de formas diferentes pela lei, sendo que, de acordo com a discricionariedade do administrador o funcionário seria regido pela CLT ou por estatuto.

1.3 A Constituição de 1988 e o regime único

A Constituição de 1988 inovou, ao tratar em seu art. 39 de um regime único de servidores: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas”. 

Isso se deve à antiga realidade de desorganização na escolha de regime jurídico para os funcionários públicos. Porém, a nova redação causou controvérsias na sua interpretação. Doutrinadores, como Diogo Moreira Neto defendiam que haveria um regime único estatutário, tendo em vista que este traria mais garantias. Já doutrinadores como Di Pietro, asseveravam que os entes teriam opção entre o regime celetista ou estatutário.

José dos Santos Carvalho Filho e Celso Antônio Bandeira de Mello adotaram um ideário diferente, interpretando o art. 39, da CF de forma mais flexível. Ambos prelecionam que cada ente da federação pode adotar um regime diferente, podendo ser celetista e estatutário, desde que estes sejam aplicados de forma uniforme por cada esfera federativa.

Contudo, a controvérsia em sua interpretação era tamanha, que foi objeto de emenda constitucional, tendo esta o fito de suprimir o regime único de servidores, mas tal emenda não obteve êxito visto que foi objeto da ADIN 2135-4, voltando-se a antiga redação do art. 39.

Outro advento importantíssimo ocorrido no novo Estado Democrático de Direito, foi a edição da lei 8112 de 1990, o Estatuto dos servidores públicos civis da União, que trouxe diversos elementos que garantem a estabilidade e outras prerrogativas dos servidores públicos, para que se obtenha maior efetividade quanto aos princípios administrativos, da eficiência, moralidade e impessoalidade.


2. Regime Estatutário

Atualmente os servidores estatutários podem integrar não apenas a estrutura da pessoa federativa, mas também a de suas autarquias e fundações autárquicas. O regime estatutário pode ser definido como aquele que disciplina as relações funcionais existentes entre o servidor e o Estado. Portanto, estatutários são aqueles cuja relação jurídica de trabalho é regulada por um diploma legal específico, denominado estatuto.  

Atualmente os servidores estatutários podem integrar não apenas a estrutura da pessoa jurídica federativa, mas também a de suas autarquias e fundações autárquicas, como no caso da Lei nº 8.112/90, que rege os servidores públicos civis da União, autarquias, inclusive as em regime especial e das fundações públicas federais.

Os regimes funcionais são inúmeros, contudo, devem ser instituídos por meio de lei, ou seja, não possui relação jurídica contratual, uma vez que a lei é quem é responsável por estabelecer os direitos e obrigações do servidor para com a Administração Pública. Desse modo, é vedada a alteração pela livre vontade das partes, isto é, basta a modificação da lei, independentemente da vontade do servidor para que a antiga relação seja alterada. Nesse sentido dispõe o informativo nº 80 do STJ:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL - CARGOS DAS CARREIRAS DO GRUPO DE ATIVIDADES DE TRIBUTAÇÃO, FISCALIZAÇÃO E ARRECADAÇÃO DO PODER EXECUTIVO - LEI ESTADUAL 16.190, DE 2006 - INCORPORAÇÃO AOS VENCIMENTOS BÁSICOS DE PARTE DA GEPI - PONTOS REMANESCENTES PAGOS DE FORMA AUTÔNOMA - DIREITO ADQUIRIDO AO PERCENTUAL ANTERIOR DE PONTOS, QUANDO O TETO ERA DE 10.000 (DEZ MIL) - INEXISTÊNCIA - REDUÇÃO DE VENCIMENTOS E VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARIDADE - INOCORRÊNCIA - FIEL OBSERVÂNCIA À GARANTIA DA IRREDUTIBILIDADE REMUNERATÓRIA - RECURSO NÃO PROVIDO.

1. Não há direito adquirido dos servidores públicos estatutários à inalterabilidade do regime jurídico pertinente à composição dos vencimentos, desde que a eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o montante global da remuneração e, em consequência, não provoque decesso de caráter pecuniário. Precedentes do STF.

2. Incorporação de parcela da GEPI aos valores das tabelas de vencimento básico das carreiras do Grupo de Atividades de Tributação, Fiscalização e Arrecadação do Poder Executivo. Preservação do montante nominal dos proventos. Inexistência de violação ao princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos.

3. O direito à paridade assegura ao inativo tão-somente o direito de perceber os mesmos aumentos e reajustes repassados a seus paradigmas da ativa, o qual restou fielmente observado na hipótese dos autos.

4. Não havendo redução nominal dos proventos, não há de se falar em prejuízos em razão da alteração na forma de pagamento da GEPI, promovida pela Lei estadual n. 16.190/2006.

5. Recurso a que se nega provimento.


3. Regime Celetista

O regime celetista encontra-se regulado pela Consolidação das Leis de Trabalho – CLT, ou seja, os celetistas são aqueles que têm a relação de trabalho disciplinada através de um contrato de trabalho, firmado e regido pela CLT. Contudo, cabe ressaltar que, embora submetidos à CLT, os agentes celetistas são sujeitos a todas as normas constitucionais, no que se refere a requisitos para investidura, acumulação de cargos, vencimentos, entre outras previstas no Capítulo VII, do Título III, da Constituição Federal.

Portanto, ao contrário do regime estatutário, o regime celetista possui natureza contratual, isto é, o agente público celebra contrato de trabalho com o Estado, sendo assim, para alteração da relação jurídica estabelecida inicialmente, é necessária a modificação do contrato firmado.

Por fim, com relação aos litígios entre os servidores trabalhistas e os entes federativos (União, Estados, DF e Municípios), decorrentes da relação de trabalho na qual figuram tais entes como empregadores, a competência de processar e julgar é da justiça do trabalho, conforme os arts. 109 e 114 da CF.


4. Extinção da Obrigatoriedade do Regime Jurídico Único Após a EC 19/1998

A redação original do art. 39, caput, da Constituição Federal de 1988, afirmava que:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

Desse modo, originariamente, o artigo supracitado estabelecia a obrigatoriedade de adoção de um só regime jurídico aplicável a todos os servidores integrantes de suas administrações direta, autárquica e fundacional, por parte de cada ente federativo. Antes da EC 19/1998, cada município, cada estado-membro, o Distrito Federal e a União tinham, de certa forma, a liberdade para estabelecer o regime jurídico a que estariam submetidos os agentes públicos de suas administrações diretas, autarquias e fundações públicas, observando que tal regime deveria ser unificado para todos os servidores desses órgãos e entidades.

É possível observar que, na redação original do art. 39, não havia referência ao regime jurídico que deveria ser adotado, concluindo-se que não era obrigatória a adoção do regime jurídico estatutário para os agentes públicos das administrações diretas, autarquias e fundações públicas dos vários entes da Federação, impondo-se, apenas, a unificação de regimes, excetuada a possibilidade de coexistência de servidores sujeitos a relações jurídicas diversas quanto a seus vínculos funcionais, na mesma administração.

Não era vedado, portanto, que certo ente federativo escolhesse um regime de natureza tipicamente estatutária ou um regime contratual (celetista), havendo, até mesmo, a possibilidade de existência de um regime misto, que se mostrasse mais adequado para a atuação das atribuições públicas.

Diante desse cenário, levando em consideração a antiga redação do art. 39 da Constituição já mencionada anteriormente, a União editou a Lei 8.112/1990, que instituiu o regime jurídico único dos servidores públicos da União, das autarquias e das fundações públicas federais. A União fez a escolha do regime jurídico estatutário, tendo em vista que, nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses laborais, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os servidores são os próprios instrumentos da atuação do Estado. (BANDEIRA DE MELLO, C. A, 1996, p. 154-155)

Diante disso, entendeu o legislador que o vínculo estatutário é o mais adequado para reger as relações funcionais dos agentes públicos da administração direta, autarquias e fundações públicas federais, haja vista que esses órgãos e entidades não são compatíveis com organização de cunho tipicamente empresarial, não sendo conveniente para administração pública a adoção de vínculo de natureza contratual com seus agentes. Com relação a isso, nas lições de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:

O poder de polícia e outras prerrogativas públicas fundadas no poder de império do Estado só podem ser exercidos, na maior parte das vezes, por agentes públicos estatutários, porquanto o ordenamento jurídico confere ao regime estatutário instrumentos que possibilitam a atuação imparcial frente a grupos ou mesmo indivíduos detentores de influência e poder econômico ou político. (ALEXANDRINO, PAULO, 2010, p. 312).

De um modo geral, a EC 19/1998 alterou o caput do art. 39 da Constituição com o objetivo de eliminar a obrigatoriedade de adoção de um regime jurídico unificado pelos entes federados para seus agentes que atuariam na administração direta, autárquica e fundacional, além de eliminar também, de maneira expressa, a obrigatoriedade de instituição de planos de carreira. O artigo supra passou, então, a ter a seguinte redação:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

É possível observar, portanto, que a EC 19/1998 não revogou ou prejudicou as disposições da Lei 8.112/1990, tendo em vista que, apenas, passou a ser possível a existência de agentes públicos regidos por mais de um regime jurídico na administração direta, nas autarquias e nas fundações públicas dos entes federativos. Por isso, após a EC 19/1998, a União editou a Lei 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego público do pessoal da administração federal direta, autárquica e fundacional.


5. Suspensão da Eficácia do art. 39, Caput, da CF/88 (ADI 2.135/DF) e a Volta ao Regime Jurídico Único

Como já abordado anteriormente, com a EC 19/1998, deixou de existir o regime jurídico único, criando-se a possibilidade de que os entes federados adotassem, simultaneamente, mais de um regime. Entretanto, foi proposta ação direta de inconstitucionalidade questionando, principalmente, a validade formal da EC 19/1998 (ADI 2135).

Ante o exposto, é importante ressaltar que a modificação do caput do art. 39, perpetrada pela EC 19/1998, teve sua eficácia suspensa, pelo Supremo Tribunal Federal, a partir de agosto de 2007, sob o fundamento de inconstitucionalidade formal, haja vista que, na tramitação da emenda, a Câmara dos Deputados não observou o processo legislativo estabelecido no art. 60, § 2º, da Constituição, especificamente quanto ao caput do art. 39, que não foi submetido a aprovação em dois turnos.

No julgamento da ADI 2.135/DF, o plenário do STF, em 02.08.2007, concedeu liminar, suspendendo a nova redação dada ao art. 39, caput da CF/88, restabelecendo, portanto, a redação original do dispositivo e, consequentemente, a previsão do regime jurídico único. Na época, a Ministra Ellen Gracie esclareceu expressamente que a decisão terá efeitos prospectivos (ex nunc), ou seja, toda a legislação editada durante a vigência do art. 39, caput, com a redação dada pela EC 19/1998, continua válida.

Logo, o STF resguardou as situações consolidadas após a alteração constitucional, até que haja o julgamento do mérito da ADI, o que ainda não aconteceu. Assim, o regime jurídico único volta a ser obrigatório, em todas as esferas políticas da Federação, para os servidores da administração direta, das autarquias e das fundações públicas.


6. Considerações Finais

A Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, dispõe acerca do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Tal dispositivo legal é imprescindível para a organização da Administração Pública. Entretanto, verifica-se que tal regime passou por um processo para que se chegasse hoje ao sistema organizacional dos servidores públicos estabelecido pela lei nº 8.112/90.

Nesse sentido, o regime jurídico funcional público brasileiro passou por sutis modificações ao longo dos tempos, sendo mais perceptível a partir da análise das constituições anteriores à de 1988, com destaque para a Constituição de 1939.

Ademais, o presente trabalho possibilitou o estudo acerca da Emenda Constitucional nº 19/98, especialmente a alteração concernente ao art. 39 da CF, que permitiu à União, Estados, ao DF e aos Municípios, no âmbito da administração direta, autárquica e fundacional (fundações públicas) a adoção de regimes diferenciados aos seus servidores.

Portanto, a alteração realizada pela EC nº 19/98 possibilitou a multiplicidade de regimes jurídicos funcionais, contudo é importante salientar que não chega ao ponto de admitir o regime celetista (CLT) na Administração Pública.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. São Paulo: Método, 2010.

ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Os Regimes jurídicos dos servidores no Brasil e suas vicissitudes históricas. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, nº 50, p. 143-169, jan. – jul., 2007.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1996.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, 16ª ed., São Paulo: Forense, 2014.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 20ª ed., São Paulo: Atlas, 2014.


Notas

[3]MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, 16ª ed., São Paulo: Forense, 2014, pag. 320.

[4]ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Os Regimes jurídicos dos servidores no Brasil e suas vicissitudes históricas.Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, nº 50, p. 143-169, jan. – jul., 2007.

Sobre as autoras
Ana Dulce Fonseca Oliveira Araújo

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão

Lorena Costa Silva

Graduanda de Direito da Universidade Federal do Maranhão

Bruna Sousa Mendes Silva

Graduando do 1º período do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Juliana de Sousa Soares

Graduando do 1º período do Curso de Direito da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo apresentado à disciplina Direito Administrativo II, como requisito para a 1ª avaliação

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