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Breve análise acerca dos direitos reais sobre coisas alheias

Agenda 29/12/2016 às 13:13

O artigo em epígrafe emerge com o fito de traçar um panorama geral acerca das vertentes dos direitos reais sobre coisas alheias, valendo-se para tanto de substrato doutrinário, mas sobretudo legal.

1 INTRODUÇÃO

Consoante a boa doutrina civilista os direitos reais sobre coisas alheias ou limitados versam sobre o desmembramento de um ou mais dos poderes inerentes à propriedade recaindo sobre coisa própria, detendo ademais caráter temporário em homenagem ao princípio da elasticidade, que estatui que a coisa  tende a retornar ao status quo ante, isto é, a propriedade plena.

Os direitos reais sobre coisas alheias encontram-se taxativamente previstos pelos incisos do artigo 1.227 do CC, subdividindo-se em três classes, quais sejam elas: a) direito real de gozo ou fruição, o qual diz respeito ao desmembramento em relação à coisa, compreendendo os direitos de superfície, habitação, uso, usufruto e servidão; b) direito real de garantia, que por seu turno pertine ao desmembramento que implica em atos de disposição sobre a coisa; abrangendo a hipoteca, o penhor e a anticrese; e por fim; c) direito real de aquisição, o qual compreende o desmembramento do direito de aquisição abarcando o compromisso irretratável de compra e venda (artigos 1.417 e 1.418 do CC).

2 DAS ESPÉCIES DE DIREITO REAIS SOBRE COISAS ALHEIAS

 

2.1 Direito real de gozo

a) Superfície (arts. 1.369 a 1.377 do CC)

Conforme Carlos Roberto Gonçalves trata-se de direito real de fruição ou gozo sobre coisa alheia, oriundo do direito romano, pelo qual o proprietário concede a outrem o direito de construir ou de plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis, como se pode inferir da leitura do artigo 1.369 do CC.

Ressalte-se, todavia, que o direito real de superfície não autoriza a realização de obras no subsolo, salvo se inerente ao objeto da concessão.

Para Maria Helena Diniz trate-se de “direito real de fruição de coisa alheia, que não atinge a propriedade por afastar a acessão”; podendo se dar de forma gratuita ou onerosa, isto é, mediante pagamento de valor fixo à vista ou em parcelas.

Durante o período de concessão deverá o superficiário arcar com todos os encargos e tributos que incidam sobre o imóvel como se dono fosse, uma vez que essas constituem obrigações propter rem.

Nada obsta a transferência desse direito a outrem, podendo se dar inclusive sem autorização do concedente, desde que seja assegurado a ele o direito de preferência. Outrossim, o superficiário tem preferência em caso de eventual venda do terreno (art. 1.373, CC e art.22 do Estatuto da Cidade).

O direito real de superfície é o que mais se aproxima do direito de propriedade concentrando todos os poderes inerentes à propriedade (usar, fruir e dispor), salvo o de reivindicar.

O referido diploma legal aboliu o instituto da enfiteuse, substituindo-o pelo direito de superfície, o qual poderá se dar nas formas gratuita ou onerosa.

O artigo 1.371 do CC estabelece que aquele que detém o direito de plantar ou construir em terreno alheio, responderá pelos encargos e tributos que recaírem sobre o imóvel. Tendo o proprietário ou fundieiro a expectativa de receber de volta a coisa com a obra ou plantação (artigo1. 375 do CC).

Ademais há de se salientar a possibilidade de transferência do direito em tela a terceiros, inclusive por meio da sucessão causa mortis. Todavia, nessa hipótese não poderá o concedente estipular qualquer pagamento pela transferência.

b) Servidão (arts.1.378 a 1.389 do CC)

Consoante preleciona Gonçalves a servidão predial constitui restrição imposta um imóvel para uso e utilidade de outro pertencente a dono diverso. Cuida-se de direito real instituído em favor de um prédio reputado dominante sobre outro serviente, o qual pertence a outrem.

Elenca-se como suas características primaciais o fato de constituir relação entre dois prédios distintos, pertencentes a donos diversos, sendo que a servidão serve a coisa e não ao dono, não sendo presumida, mas sim comprovada constituindo-se por meio de declaração expressa do proprietário, ou por testamento e posterior registro junto ao Cartório de Registro de Imóveis; constituindo ademais direito real, acessório, de duração indefinida e indivisível; por fim inalienável.

Classificam-se quanto ao modo de exercício em contínuas quando exercidas independentemente de ação humana geralmente de forma ininterrupta e descontínuas quando o seu exercício está condicionado a algum ato humano atual, como na servidão de trânsito e na de retirada de água.

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No que concerne à exteriorização subdivide-se em aparente e não aparente, aparente quando se manifesta por meio de obras exteriores, visíveis e permanentes, já a não aparente é justamente o inverso consistindo em proibições como a de não construir até certa altura e de não construir em dado local.

Lado outro, no tocante aos modos de constituição pode advir de ato humano (negócio jurídico, sentença, usucapião, destinação do proprietário) ou ainda de fato humano, como na hipótese de servidão de trânsito.

Nesse espectro exsurgem ações que protegem as servidões, dentre as quais se destacam a confessória, a qual visa a obtenção do reconhecimento judicial da existência de servidão negada ou contestada, constituindo ação real, sendo indispensável a outorga  conjugal; a negatória, que possibilita ao dono do prédio serviente sentença que declaratória da inexistência de servidão ou do direito de sua ampliação; a de manutenção e de reintegração de posse, em favor do dono do prédio dominante esbulhado ou molestado pelo dono do serviente; além da de usucapião (art.1.379 do CC).

Suas formas de extinção estão previstas nos artigos 1.388 e 1.389 do CC podendo se dar pela renúncia, pela cessação, para o prédio dominante, da utilidade que determinou a constituição da servidão; pelo resgate; pela confusão; pela supressão das referidas obras e por fim pelo não uso pelo lapso temporal de dez (10) anos contínuos.

c) Usufruto (arts. 1.390 a 1.411 do CC)

Trata-se do “direito real de fruição das utilidades e frutos de uma coisa, enquanto temporariamente destacado da propriedade” (GONÇALVES, 2009, p.227). Tal modalidade implica na transferência de alguns dos poderes inerentes à propriedade, quais sejam eles: uso e fruição.

Suas principais características gravitam em torno da temporariedade, constituindo direito sobre coisa alheia, sendo ademais inalienável e impenhorável.

No que tange as formas de constituição destacam-se a por determinação legal, como o estabelecido no artigo 1.689 do CC dos pais sobre os filhos menores; a por ato de vontade, resultantes de contrato ou testamento; e por fim a por meio da usucapião ordinária e extraordinária, desde que preenchidos os requisitos legais.

Distingue-se do instituto do fideicomisso pois constitui direito sobre coisa alheia enquanto aquele espécie de substituição testamentária, nesse o domínio é desmembrado assistindo a cada titular certos direitos, já no fideicomisso cada titular tem a propriedade plena. O usufrutuário e o nu-proprietário exercem os seus direitos concomitantemente, já o fideicomissário exercem-nos sucessivamente. No usufruto são contempladas pessoas já existentes, por outro lado no fideicomisso somente se permite em favor dos não concebidos ao tempo da morte do testador (prole eventual) conforme estatui o artigo 1.952 do CC (GONÇALVES, 2009, p.228).

Quanto às espécies classifica-se: quanto à origem em legal e convencional, quanto à duração em temporário e vitalício, quanto ao objeto em próprio e impróprio, e quanto aos titulares em simultâneo e sucessivo.

Suas formas de extinção estão previstas no artigo 1.410 do CC podendo se dar por meio da renúncia ou desistência; pela morte do usufrutuário; pelo advento do termo de duração; pela extinção da pessoa jurídica; pela cessação do motivo de que se origina; pela destruição da coisa, desde que não seja fungível; pela consolidação, por culpa do usufrutuário, quando não cuida bem da coisa; pelo não uso da coisa em que o usufruto recai; pelo implemento de condição resolutiva estabelecida pelo instituidor.

d) Uso (arts. 1.412 a 1.413 do CC)

Constitui direito real que autoriza uma pessoa a retirar, temporariedade, de coisa alheia, todas as utilidades para atender às suas próprias necessidades e às de sua família.

Distingue-se do usufruto pelo fato de o usufrutuário auferir o uso e a fruição da coisa, enquanto que o usuário tem um direito restrito aos limites de suas necessidades e de sua família conforme estatui o artigo 1.412 do CC.

e) Habitação (arts. 1.414 a 1.416 do CC)

O direito real de habitação consiste em prerrogativa temporária de ocupar gratuitamente casa alheia, para moradia do titular e de sua família, configurando-se como modalidade ainda mais restrita que o uso.

Extingue-se pelos mesmos modos do usufruto, conforme o disposto no artigo 1.416 do CC. Ademais, constitui-se por meio da lei (art.1831) ou por meio de ato de vontade seja mediante contrato ou testamento devidamente registrado (art. 167 da LRP).

2.2 Direito real de aquisição

a) Direito do promitente comprador do imóvel (arts.1.417 a 1.418 do CC)

Consoante Carlos Roberto “trata- se de um contrato pelo qual as partes se comprometem a levar a efeito um contrato definitivo de venda e compra. O consentimento já foi dado, na promessa, convencionando os contratantes reiterá-lo na escritura definitiva” (GONÇALVES, 2009, p.235).

A matéria encontra-se regulamentada pelos artigos 1.417 e 1.418 do CC, os quais estatuem:

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

                    No que concerne à possibilidade de adjudicação compulsória destaca-se o teor da súmula 239 do STJ, que estabelece que “o direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis”, admitindo-se, por conseguinte, a propositura da ação ainda que o compromisso de compra e venda irretratável não esteja registrado.

O descumprimento por parte do compromissário comprador de sua obrigação consistente no atraso das prestações possibilita ao vendedor pleitear a rescisão contratual cumulando-o com pedido de reintegração de posse.

Todavia antes de fazê-lo deverá constituir o devedor em mora, notificando-o para pagar o devido no prazo de trinta (30) dias, se se tratar de imóvel loteado e de quinze (15) dias, se não loteado, mesmo que o contrato preveja cláusula resolutiva expressa.

 

2.3 Direito real de garantia

a) Penhor

O direito real de penhor é aquele que vincula uma coisa móvel à satisfação de uma dívida, constitui-se pela transferência efetiva da posse que é feita pelo devedor ou por quem o represente em garantia do débito ao credor ou a quem o represente por meio de uma coisa móvel passível de alienação.

Trata-se de direito real, de natureza acessória que somente se aperfeiçoa por meio da entrega do objeto ao devedor (tradição). Tal instituto tem por objeto bens móveis, corpóreos ou incorpóreos, todavia admite-se no penhor agrícola e industrial que recaia sobre imóveis, por acessão física ou intelectual (tratores, máquinas e outros objetos, incorporados ao solo).

Subdivide-se em quatro (4) espécies, quais sejam elas: a) convencional; b) legal; c) comum;  e d) especial, que por seu turno fragmenta-se em legal, rural, industrial, de títulos de crédito e de veículos.

A extinção do penhor encontra-se regulamentada no artigo 1.436 do CC, podendo se dar com a extinção da obrigação, desde que tenha caráter acessório; pelo perecimento da coisa, pela renúncia expressa ou tácita do credor; pela confusão pessoal nas figuras de credor e dono da coisa; ou ainda quando da adjudicação judicial, remição ou venda do penhor, desde que admitidas em contrato.

 

b) Hipoteca

É definida como “direito real que tem por objeto bens imóveis, navio ou avião pertencentes ao devedor ou a terceiro e que embora não entregues ao credor, asseguram-lhe, preferencialmente, o recebimento de seu crédito” (GONÇALVES, 2009, p.256).

Dentre suas características destacam-se o fato de objeto gravado dever ser de propriedade do devedor ou de terceiro; o fato de o devedor continuar na posse do imóvel hipotecado; a indivisibilidade, haja vista o bem ser gravado em sua totalidade; tem caráter acessório; ademais em sua forma convencional constitui negócio jurídico solene; conferindo ao seu titular os direitos de preferência e sequela; estando erigido sob dois princípios basilares, quais sejam eles: especialização e publicidade.

Tem por objeto os bens imóveis; os acessórios dos imóveis conjuntamente com eles; o domínio direto; o domínio útil; as estradas de ferro; os recursos naturais elencados pelo artigo 1.230 do CC, independentemente do solo em que se encontram; bem como navios e aeronaves.

Subdividem-se quanto à origem em convencional, legal e judicial; quanto ao objeto em comum e especial.

Vislumbra-se, nessa conjuntura, a possibilidade de pluralidade de hipotecas o que implica na admissão de que pese vários gravames (hipotecas) sobre um mesmo bem, salvo se o título constitutivo anterior o vedar expressamente. Ainda que haja pluralidade de hipotecas o credor primitivo não fica prejudicado, pois goza do direito de preferência previsto no artigo 1.476 do CC.

O Código Civil em seu artigo 1.478 enseja a remição da hipoteca anterior por parte do credor da segunda, desde que o devedor não se disponha quando do vencimento da obrigação a honrar o pactuado. Ao fazê-lo o credor se subroga nos direitos do primeiro credor, sem qualquer prejuízo dos direitos que já detinha contra o devedor comum.

A validade da hipoteca convencional limita-se a trinta (30) anos, todavia as partes podem estipular o prazo que lhes convier, prorrogando-o até esse limite por meio de averbação, quando atingido esse marco temporal ocorre a perempção. Nessa hipótese somente por meio de novo instrumento, o qual será submetido a novo registro, pode-se preservar o número de ordem na preferência da execução hipotecária mantendo-se a garantia.

Extingue-se pelos meios arrolados pelo artigo 1.499 do CC, quais sejam eles: a) pela extinção da obrigação principal, desde que tenha caráter acessório; b) pelo perecimento da coisa; c) pela resolução da propriedade; d) pela renúncia necessariamente expressa do credor; e) pela remição levada a cabo pelo credor da segunda hipoteca, pelo adquirente do imóvel hipotecado, pelo executado, seu cônjuge ou ascendente; f) pela arrematação ou adjudicação, no bojo do mesmos autos ou em autos apartados, desde que o credor hipotecário notificado judicialmente da venda não compareça para defesa de seu direito.

c) Anticrese

Constitui direito real sobre coisa alheia por meio do qual o credor recebe a posse de coisa frugífera, estando autorizado a perceber os frutos e rendimentos e imputá-los no pagamento da dívida, consoante o que preceitua o artigo 1.506 do CC.

Destaca-se como principais características o fato de ser direito real sobre coisa alheia; requerer a capacidade das partes e não conferir preferência ao anticresista no pagamento do crédito mediante a importância obtida na excussão do bem onerado, uma vez que lhe é concedido apenas o direito de retenção.

Extingue-se pelo pagamento da dívida, pelo escoamento do prazo legal ou caducidade (art.1.413 do CC), pelo perecimento do bem anticrético (art. 1.509, §2º), pela renúncia do anticresista; pela excussão de outros credores, quando o anticrético não opuser direito de retenção (art. 1.509, §1º do CC); e por fim por meio do resgate feito pelo adquirente do imóvel gravado (art. 1.510 do CC).

3 CONCLUSÃO

Destarte conclui-se pela relevância da abordagem analítica dos institutos esmiuçados, sobretudo no que tange às repercussões geradas na seara do direito de propriedade, compreendendo várias esferas e desdobramentos.

Há de se ressaltar a impossibilidade de cotejar a temática em epígrafe, descurando-se do arcabouço principiológico fundamental sob o qual se fulcram os Direito Reais.

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil 2. Coleção Esquematizados. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 21 de novembro de 2015, às 18h50min.

Sobre a autora
Mariana Nascimento Maia

Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES

Informações sobre o texto

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