SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. ASPECTOS GERAIS, 1.1. Considerações iniciais, 1.2. Elementos fundamentais do direito processual, 1.2.1. A tríade processual, 1.2.1.1. Jurisdição, 1.2.1.2. Ação, 1.2.1.3. Processo, 1.3. O acesso à justiça e a preocupação atual com a efetividade do processo; 2. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS, 2.1. Síntese histórica, 2.2. Conceito, 2.3. Terminologia, 2.4. Os pressupostos processuais no direito brasileiro, 2.4.1. As principais correntes, 2.5. Pressupostos de existência do processo, 2.6. Pressupostos de validade do processo, 2.6.1. Pressupostos processuais positivos subjetivos, 2.6.1.1. Relativos ao juiz, 2.6.1.1.1. Competência, 2.6.1.1.2. Imparcialidade, 2.6.1.2.Relativos às partes, 2.6.1.2.1.Capacidade de ser parte, 2.6.1.2.2.Capacidade processual, 2.6.1.2.3.Capacidade postulatória, 2.6.2.Pressupostos processuais objetivos, 2.6.2.1. Pressupostos processuais objetivos intrínsecos, 2.6.2.1.1. Petição apta, 2.6.2.1.2. Citação válida, 2.6.2.2.Pressupostos processuais objetivos extrínsecos, 2.6.2.2.1.Litispendência, 2.6.2.2.2.Coisa julgada, 2.6.2.2.3.Perempção, 2.6.2.2.4.Convenção de arbitragem, 2.7. Ausência dos pressupostos; 3. CONDIÇÕES DA AÇÃO, 3.1. Breve introdução, 3.2. Teorias acerca da natureza jurídica da ação, 3.2.1. Teoria civilista, 3.2.2. Teoria da ação como direito concreto, 3.2.3. Teoria da ação como direito abstrato, 3.2.4. Teoria eclética de Liebman, 3.2.4.1. Análise das condições da ação, 3.2.4.1.1.Legitimidade das partes, 3.2.4.1.2.Interesse de agir, 3.2.4.1.3.Possibilidade jurídica do pedido, 3.2.4.2. Análise crítica da teoria eclética, 3.2.4.3. Adaptação da teoria de Liebman ao CPC: adoção da teoria da asserção; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
RESUMO
Análise dos principais questionamentos que circundam os pressupostos processuais e as condições da ação. Os verdadeiros pressupostos de existência: órgão jurisdicional e propositura de uma demanda. Especificação dos pressupostos de validade. As conseqüências da ausência de algum pressuposto processual. Abordagem sobre as condições da ação. Terminologia adequada: requisitos ao provimento final. Enfoque sobre as teorias acerca da natureza jurídica da ação. Adoção da teoria eclética de Liebman pelo Código de processo civil brasileiro: possibilidade jurídica da demanda, interesse processual e legitimidade das partes. Verificação da presença das condições da ação. Necessidade de aplicação da teoria da asserção.
INTRODUÇÃO
No presente trabalho de conclusão de curso, será abordado tema referente aos pressupostos processuais e às condições da ação no direito processual civil.
Desde a época da conquista da autonomia científica do direito processual até os dias de hoje, perduram as discussões concernentes ao tema, não havendo, ainda, entendimento sedimentado na doutrina.
O estudo tem por escopo, portanto, reproduzir os principais questionamentos que envolvem os institutos dos pressupostos processuais e das condições da ação, sobretudo pela análise superficial do assunto oferecida pelos manuais utilizados na graduação.
Num primeiro momento, procura-se estabelecer uma linha de raciocínio, enfatizando conceitos da teoria geral do processo como lide, jurisdição, ação e processo, cujo domínio é imprescindível para o ingresso na problemática que norteia a questão. Por fim, devido a sua importância atual, será feita uma análise sucinta do acesso à justiça e da efetividade do processo.
No capítulo seguinte, se dará enfoque especial aos pressupostos processuais, destacando o problema da determinação dos requisitos mínimos para a existência e desenvolvimento regular do processo. Posteriormente, será feita a enumeração e comentário de cada um dos pressupostos processuais apontados pela doutrina, principalmente pelos reflexos práticos ocasionados pela inserção de um ou de outro instituto.
A terceira parte do trabalho é dedicada às condições da ação. A intenção é enfatizar o processo histórico-evolutivo do conceito de ação, esmiuçando as teorias mais importantes. Ademais, será dado um destaque especial à teoria da asserção, relevante no processo de aferição das condições da ação.
1.ASPECTOS GERAIS
1.1. Considerações inicias
Desde os primórdios da civilização, o homem vive para satisfazer seus anseios. A partir do instante em que despertam, os indivíduos começam a manifestar desejos, exigências, necessidades, aos quais se dá o nome de interesses. [1] Na concepção de Moacyr Amaral Santos, interesse "é a relação entre uma pessoa e um bem". [2]
O ser humano encontra nos bens da vida a solução para atender alguma necessidade. Bens da vida "são todas as coisas, situações ou mesmo pessoas que de algum modo possam ser objeto de aspirações e de direitos". [3]
Quando o homem começou a conviver com outras pessoas, ou seja, a fazer parte de um grupo social, sua liberdade de ação foi limitada, pois os demais membros do grupo também eram dotados de interesses. No entanto, os bens existentes numa sociedade são insuficientes para atender a toda demanda de desejos dos indivíduos. Em razão desse contraste entre a infinidade de interesses e a escassez de bens, é comum que uma pessoa se oponha à pretensão [4] almejada por outra. Tal situação desencadeia um fenômeno social chamado lide, a qual, segundo Carnelutti, conceitua-se como "o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida". [5]
A lide abala as estruturas da sociedade, instalando uma verdadeira crise. Diante dessa situação, é necessário o emprego de meios que solucionem esse conflito para que a desordem e o caos não comprometam a existência do próprio grupo social.
A eliminação dos conflitos ocorrentes na vida em sociedade, pode se dar pela atuação de um (autodefesa ou autotutela) ou de ambos os sujeitos dos interesses em conflito (autocomposição), ou por ato de terceiro (a mediação e o processo). [6]
Em épocas mais remotas predominava a autotutela, regime pelo qual um dos litigantes fazia valer sua pretensão através do emprego da força física. É fácil constatar a precariedade da autodefesa, pois ela não garantia uma decisão justa, senão "a vitória do mais forte, mais astuto ou mais ousado sobre o mais fraco ou mais tímido". [7] Hodiernamente, não se admite faça justiça por meios próprios, pois essa conduta é tipificada como crime de exercício arbitrário das próprias razões (CP, art. 345). A autotutela ou autodefesa só é admitida excepcionalmente pelo ordenamento jurídico, como, por exemplo, no caso de esbulho da posse (CC, art. 502). [8]
Sobre a autodefesa, o professor Carreira Alvim observa que
esta forma de resolução dos conflitos é apontada como a mais primitiva, quando ainda não existia, acima dos indivíduos, uma autoridade capaz de decidir e impor a sua decisão aos contendores, pelo que o único meio de defesa do indivíduo (ou do grupo) era o emprego da força material ou força bruta contra o adversário, para vencer a sua resistência. [9]
Outra forma de solução de litígios também utilizada nos sistemas rudimentares e que perdura até hoje, consiste na autocomposição. Nesta, os indivíduos em conflito abrem mão de seus interesses ou de parte dele. Três são as formas de autocomposição: "a) desistência (renúncia à pretensão); b) submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão); c) transação (concessões recíprocas)". [10]
Num outro estágio da civilização, os indivíduos, percebendo que nem sempre se obtinha o concurso de vontades necessário à autocomposição, passaram a preferir que o litígio fosse solucionado por um terceiro desinteressado e imparcial, o árbitro. [11] Num primeiro momento, a arbitragem era facultativa, incumbindo aos contendores a eleição do árbitro. Tal função poderia recair sobre um sacerdote, cujas soluções representavam a vontade divina, ou sobre os anciãos, pessoas tidas como sábias pois conheciam os costumes do grupo social integrado pelos litigantes. Posteriormente, com o advento da arbitragem obrigatória, o Estado passou a ter uma pequena participação na solução dos conflitos, pois antes da atuação do árbitro, o litígio era submetido à apreciação do pretor, o qual indicava qual o preceito que prevaleceria no caso concreto. [12]
Vedada a autotutela e como nem sempre os litigantes eram tão altruístas a ponto de chegarem a um acordo (autocomposição), cedendo parte de suas pretensões, o Estado, percebendo que seria verdadeira temeridade deixar ao arbítrio dos particulares a solução das contendas, avocou para si o "monopólio da administração da justiça." [13] Daí surge a noção de Jurisdição.
Assim, em dado momento histórico, o Estado, atribuindo como sua a tarefa exclusiva de compor os litígios através do exercício da jurisdição, passou a intervir como terceiro imparcial, fazendo valer a ordem jurídica e, dessa forma, restabelecer a paz social com a composição da lide.
1.2. Elementos fundamentais do Direito Processual
1.2.1. A tríade processual
Para que se possa ter uma exata compreensão do direito processual, é preciso se dedicar ao estudo de três institutos basilares: Jurisdição, Ação e Processo. São, na expressão de Ramiro Podetti, a "trilogia estrutural do direito processual". [14]
A Jurisdição, expressão da potestade do Estado, fica impedida de atuar sem a observância de princípios e garantias determinadas pela lei. Ora, se o Estado retirou da esfera dos particulares a solução das contendas, justamente em razão das arbitrariedades e desmandos ocorrentes, seria um contra-senso se a atividade jurisdicional não fosse pautada conforme a lei. Destarte, ciente de que as decisões não seriam justas se sua tarefa exclusiva de julgar não fosse restringida, o próprio Estado limitou sua atuação, enunciando princípios e estabelecendo regras de cumprimento obrigatório.
Visando garantir a imparcialidade do órgão jurisdicional, o art. 2º do CPC preceitua: "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou interessado a requerer, nos casos e formas legais". Nesse dispositivo está inserto o princípio da inércia (ne procedat judex ex officio), segundo o qual o juiz não pode dar início ao processo sem ser provocado. Dessa forma, é necessário que o titular da pretensão insatisfeita leve ao conhecimento juiz a questão para que ele possa apreciá-la. É a Ação o instrumento pelo qual se deduz uma pretensão em juízo, provocando a atuação do Estado-juiz.
Ademais, exercício da função jurisdicional é limitado pela garantia constitucional do devido processo legal. Este princípio determina, conforme ensina Humberto Theodoro Júnior, que a tutela jurisdicional seja prestada num Processo "traçado previamente pelas leis processuais, sem discriminação de parte, e com garantia de defesa, instrução contraditória, duplo grau de jurisdição, publicidade dos atos, etc". [15]
A máquina judiciária funciona através da conjunção da Jurisidição, da Ação e do Processo. A Jurisdição, uma vez provocada por meio da Ação, atua através do processo.
1.2.1.1. Jurisdição
Como uma das funções do Estado ao lado da legislativa e da administrativa, a jurisdição é chamada a atuar diante de conflitos desencadeados por um entrechoque de interesses, os quais têm por conseqüência a insatisfação de uma pretensão. Vista por esse ângulo, a jurisdição pode ser conceituada como "função que o Estado exerce para compor processualmente conflitos litigiosos, dando a cada um o que é seu segundo o direito objetivo". [16] É a jurisdição contenciosa.
Entretanto, há situações em que, embora não exista lide, a jurisdição interfere nas relações dos particulares. A importância social de determinados interesses, principalmente aqueles que envolvem direitos indisponíveis, fizeram com que o Estado os amparasse de forma efetiva, tornando a intervenção jurisdicional obrigatória para validade do ato ou negócio jurídico que abranger tais interesses. É o caso, por exemplo, da interdição, da venda de bens de incapazes, etc. Nessas hipóteses, jurisdição "é a atividade administrativa que o Estado exerce para a tutela de direitos subjetivos". [17] É a chamada jurisdição voluntária (graciosa, administrativa ou honorária).
A maior parte da doutrina, adepta da teoria administrativista ou clássica [18], não reconhece a jurisdição voluntária ou graciosa como jurisdição propriamente dita. Para Moacyr Amaral Santos, "somente a jurisdição contenciosa é a verdadeira e legítima jurisdição (...)". [19] No mesmo sentido posiciona-se Humberto Theodoro Júnior, para quem na jurisdição voluntária "o juiz apenas realiza gestão pública de interesses privados (...). Aqui não há lide nem partes, mas apenas um negócio jurídico processual, envolvendo o juiz e os interessados". [20]
Em contraposição à teoria clássica, a teoria revisionista [21] considera a jurisdição voluntária como espécie de jurisdição, rebatendo os principais argumentos da teoria administrativista.
Afirmam os clássicos não existir lide na jurisdição voluntária. Porém, a lide não é indispensável à atuação jurisdicional, pois há casos de jurisdição contenciosa em que inexiste litígio. [22]
Elpídio Donizetti Nunes, adepto da teoria administrativista, sustenta que a decisão do juiz, na jurisdição voluntária, não faz coisa julgada. [23] Entretanto, atenta Alexandre Freitas Câmara que "a coisa julgada é atributo de alguns provimentos jurisdicionais, mas não de todos". [24] Ex.: a sentença cautelar.
Convém, outrossim, fazer menção à crítica que incide sobre o vocábulo "jurisdição voluntária". A impropriedade do termo reside no fato de que essa espécie de jurisdição não é espontânea, mas obrigatória. As partes ou interessados, necessariamente precisam recorrer ao Estado-juiz, pois a chancela jurisdicional é indispensável para a validade do ato ou negócio jurídico. Dessa forma, se um casal, por exemplo, resolve desconstituir a sociedade conjugal, devem recorrer ao Poder Judiciário, sendo vedado aos cônjuges contrair novas núpcias sem a sentença homologatória do divórcio.
A característica essencial da jurisdição é a substitutividade, pois o juiz, através de sua atuação, substitui a atividade das partes envolvidas num conflito, já que não podem fazer valer suas pretensões pessoalmente pois a lei proíbe "fazer justiça por meios próprios". Essa característica também se aplica à jurisdição voluntária, pois os atos dos interessados não são suficientes para dar validade ao ato ou negócio jurídico, sendo necessária a intervenção jurisdicional.
A jurisdição, conforme leciona Elpídio Donizetti Nunes, pode ser vista sob três enfoques distintos: como poder, uma vez que deriva da soberania do Estado. Que avocou para si o monopólio de administração da justiça; como função, pois o Estado é obrigado a prestar a tutela jurisdicional quando provocado (princípio da indeclinabilidade); como atividade, pois a jurisdição atua através de uma série de atos processuais. [25]
Segundo Chiovenda, jurisdição é a
função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei por meio da substituição, pela atividade órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, já no afirmar a existência da vontade da lei, já no torná-la, praticamente efetiva. [26]
1.2.1.2. Ação
Como regra [27], a jurisdição é inerte. Os juízes e tribunais encarregados de exercê-la, não saem "à procura de litígios para serem resolvidos". [28] Assim, o Estado-juiz aguarda a provocação do titular da pretensão insatisfeita para poder atuar.
É a ação, o poder ou direito de invocar a atuação do Estado-juiz para obter um provimento jurisdicional.
A ação representa papel importante para a atuação da jurisdição, funcionando como garantia de imparcialidade, pois se o juiz prestasse a tutela jurisdicional sem que fosse convocado para tanto, sua atuação não seria neutra, ou seja, destituída de interesse no desfecho da causa, características que a jurisdição deve prezar.
Considerado um dos temas mais inquietantes de toda teoria geral do processo, a Ação vem desafiando a argúcia dos processualistas ao longo dos séculos. Até hoje não há unanimidade quanto à sua natureza jurídica, ou seja, sua posição no ordenamento jurídico. Os vários sentidos em que a terminologia é empregada e a complexidade do tema, contribuem para este estado de incerteza sobre a Ação.
Em razão das peculiaridades que envolvem o tema, esse instituto será analisado em capítulo próprio.
1.2.1.3.Processo
Como é vedado ao particular fazer justiça com as próprias mãos, ao invocar a atuação do Estado-juiz, este é obrigado a agir (princípio da inafastabilidade ou do controle jurisdicional).
A atividade jurisdicional, contudo, não é exercida de forma livre, devendo ser conduzida com respeito a determinadas garantias. Assim, a jurisdição atua através de um método, que é o processo.
Nas lições de Cândido Rangel Dinamarco,
processo é uma série de atos interligados e coordenados ao objetivo de produzir a tutela jurisdicional justa, a serem realizados no exercício de poderes ou faculdades ou em cumprimento a deveres ou ônus. [29]
Da análise desse conceito se depreende que o processo é formado por dois elementos associados: [30] o procedimento, o qual representa o conjunto de atos coordenados cronologicamente; e a relação jurídica processual, que é o vínculo que une autor, réu e juiz (actum trium personarum), com produção de efeitos jurídicos [31] (poderes, deveres e ônus).
Etimologicamente não há diferença entre processo e procedimento. Ambos advêm do latim procedere, que significa "seguir adiante", "marcha avante", "caminhada". Por isso a confusão de conceitos. [32] Mas João Mendes Junior é categórico quando afirma: "uma coisa é o processo, outra é o procedimento". [33]
Na arguta visão de Alexandre Freitas Câmara, "o processo é uma entidade complexa, de que o procedimento é um dos elementos formadores". [34] O procedimento revela o processo, é seu aspecto exterior.
Para Luiz Rodrigues Wambier, o que distingue o processo do procedimento, é o cunho finalístico daquele. Ensina ainda, que atualmente
o processo deixou de ser visto sob o prisma da organização dos atos processuais em seqüência, passando a ser observado sob seu aspecto teleológico, ou seja, dos fins que lhe são próprios, especialmente quanto à função de resolver aquela parcela do conflito de interesses submetida ao poder estatal. (...) Já o procedimento, embora esteja ligado ao processo, é meramente o mecanismo pelo qual se operam os processos diante da jurisdição. [35] (grifo nosso)
1.3. O acesso à justiça e a preocupação atual com a efetividade do processo
A Constituição Federal em seu art. 5º, XXXV, consagra o princípio do acesso à justiça, possibilitando a todos aqueles que sofrerem uma lesão ou estiverem com seus direitos ameaçados, recorrerem ao Poder Judiciário.
Contudo, a garantia do acesso à justiça não pode ser meramente formal, ou seja, regulada por dispositivo de lei mas sem qualquer produção de efeitos práticos. Citando as palavras de Luis Guilherme Marinoni: "Todos tem direito à adequada tutela jurisdicional, ou melhor, à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva". [36]
O tempo é, indubitavelmente, o grande inimigo daquele que busca a reparação ou a proteção de seu direito. [37] O titular da pretensão insatisfeita se depara, ao pleitear o amparo do Estado-juiz, com um sistema demasiadamente burocrático, detentor de institutos arcaicos que não se adequam à realidade atual. Como se não bastasse, tem de enfrentar, ainda, a litigância de má-fé do réu, cuja atuação se resume ao emprego de meios meramente protelatórios. Tudo isso contribui para a dilação excessiva do processo, a qual, por corolário, afeta a credibilidade da justiça.
Nesse sentido, José Olivar de Azevedo aduz que
é dever do Estado conduzir o processo em tempo razoável, sem entraves de caráter meramente protelatório, devendo a tutela, para ser efetiva, reclamar uma decisão num lapso de tempo necessário à realização dos atos processuais, sem atropelar o rito, porém, numa proporção adequada à complexidade da causa. [38]
Pode se atribuir essa demora do processo também à fase científica. Nessa época, os processualistas, com o objetivo de caracterizar o direito processual, criaram institutos solenes, de forma a ratificar sua autonomia em face do direito material.
Ao se referir às "três ondas renovatórias do acesso à justiça", Mauro Cappelletti aponta as soluções práticas para os problemas da efetividade do processo:
Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso – a primeira "onda" desse movimento novo – foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses "difuso", especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; o terceiro – e mais recente – é o que nos propomos a chamar simplesmente "enfoque de acesso à justiça" porque inclui os posicionamentos anteriores, mais vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo. [39]
Uma das preocupações do movimento de acesso à justiça, é propiciar às classes menos favorecidas, assistência judiciária gratuita. O acesso ao Poder Judiciário, ou melhor, a possibilidade de se obter a tutela jurisdicional, não pode ser prerrogativa tão-somente dos indivíduos mais abastados. Medidas como o barateamento das custas judiciais e a instituição de Defensorias Públicas em todos os Estados, contribuiriam para uma justiça mais acessível aos pobres.
Avanço digno de menção é a instituição de regras de proteção dos interesses metaindividuais. A Constituição Federal de 1988 concedeu maior iniciativa ao Ministério Público para a defesa dos interesses difusos, principalmente nas questões que envolvem o meio ambiente e as relações de consumo.
O intitulado "novo enfoque do acesso à justiça" é representado pela necessidade de reforma do Poder Judiciário, a informalidade dos procedimentos e a valorização dos meios paraestatais de solução de conflitos.
Kazuo Watanabe, um dos maiores precursores dessa preocupação da processualística moderna em criar mecanismos que assegurem a efetividade do processo, observa que é necessário um melhor estudo dos institutos – prestigiando ou adaptando ou reformulando os institutos tradicionais, ou concebendo institutos novos – sempre com a preocupação de fazer com que o processo tenha plena e total aderência à realidade sócio-jurídica a que se destina, cumprindo sua primordial vocação que é servir de instrumento à efetiva realização dos direitos.40