4 CRITÉRIOS ATUAIS UTILIZADOS NA PONDERAÇÃO ENTRE A LIBERDADE DE INFORMAÇÃO E O DIREITO AO ESQUECIMENTO
Antes de emitir juízos de valor acerca das decisões exaradas pelo Superior Tribunal de Justiça, é importante registrar que os critérios atuais de “pessoa pública”, “local público”, “fato criminoso” e “evento histórico” praticamente inviabilizam a implementação do direito ao esquecimento, já que conferem maior força e aplicabilidade à liberdade de informação, sem fazer uma análise mais profunda dos direitos em jogo, ignorando a proteção da dignidade da pessoa humana.[22] Vejamos, de forma sucinta, os critérios atuais.
4.1 Pessoa pública
Um dos critérios mais aplicados pela jurisprudência diz respeito à mitigação dos direitos da personalidade de pessoas públicas. Assim, por este critério permite-se um abrandamento da esfera de proteção dos direitos individuais dos personagens notórios.[23]
Segundo a Resolução 1165, de 1998, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa sobre o direito à vida privada, personagens públicos são as pessoas que desempenham um cargo público e/ou utilizam recursos públicos, e, em um sentido mais amplo, são todos aqueles que desempenham um papel na vida pública, seja na política, na economia, na arte, na esfera social, no esporte ou em qualquer outro campo.
4.2 Local público
A jurisprudência pátria, em geral, entende que, se uma informação é obtida em local público, pode ser veiculada em virtude de “evidência” de interesse público na informação, mitigando-se a proteção dos direitos da personalidade.
Segundo Helder Galvão, tal critério não ampara a utilização de imagens extraídas sem o consentimento prévio do retratado. Ao contrário, a captação dessas imagens para fins de informação deve ser bem orientada, para que não reste configurado o seu uso indevido.[24]
Portanto, utilizar isoladamente o parâmetro “local público” não resolve o conflito entre a liberdade de informação e o direito ao esquecimento.
4.3 Ocorrência de crime
Sustenta-se, em geral, que a existência de crime, por si só, já seria motivo suficiente para demonstrar o interesse público direto na divulgação da informação, mitigando-se, assim, o direito ao esquecimento.[25]
No entanto, como bem assevera Pablo Dominguez Martinez, a ocorrência de um crime não pode, por si só, significar a possibilidade de utilização dessa informação de forma ilimitada, ad aeternum.[26]
4.4 Evento histórico
O critério do evento histórico, na maior parte das vezes, liga-se à ocorrência de um crime.
Da mesma forma que os demais critérios não devem ser analisados isoladamente, a utilização deste parâmetro também não resolve o conflito de direitos.
5 NOVOS CRITÉRIOS PARA A PONDERAÇÃO, SEGUNDO PABLO DOMINGUEZ MARTINEZ[27]
Como já mencionado, o direito ao esquecimento, por não ter previsão legal e uma sistematização que lhe confira autonomia, transparência e balizas mais evidentes, sofre resistência e é encarado com desconfiança.
Embora já seja utilizado de forma indireta, mesmo sem lhe atribuir nomenclatura ou independência, o direito ao esquecimento caminha no sentido de seu reconhecimento, em razão de ter objeto jurídico específico de proteção: a memória individual, em virtude da lembrança de fatos pretéritos sem qualquer utilidade e atualidade.[28]
Desta forma, com o intuito de conferir sistematização ao novo instituto jurídico, Martinez apresenta seus critérios, os quais serão agora analisados.
5.1 Domínio público
Para o mencionado autor, não há como permitir a divulgação de fatos passados, com a possibilidade de violação de direitos individuais fundamentais, se tais fatos, em alguma época, não tenham atingido ampla divulgação e publicidade.
Desse modo, a divulgação de qualquer foto, vídeo, dado, informação ou manifestação pretérita apresenta como requisito fundamental e condicionante a sua prévia divulgação. Em outras palavras, é necessário que a informação tenha alcançado em algum momento o conhecimento público.
Assim, se o fato pretérito já for de domínio público, avança-se ao próximo critério, no intuito de se averiguar se a balança penderá ao final para a legalidade do direito de informar ou se prevalecerá a proteção da memória individual, por meio da aplicação do direito ao esquecimento.
5.2 Preservação do contexto original da informação pretérita
O segundo parâmetro que se propõe a permitir a divulgação de informação previamente propagada (já pertencente ao domínio público) é a sua total contextualização nos termos em que foi originariamente emitida.
A manutenção do contexto inicial ocorrerá se a redivulgação tratar do fato pretérito em sua plenitude, ou seja, preservando a situação passada, indicando minimamente o local, data e as condições em que o dado foi obtido, para que se possa analisar concretamente se a sua redifusão atende à veracidade e mantém todo o conjunto de fatores existentes no momento da formação do que se pretende rememorar.[29]
Quanto maior a distância temporal entre a origem da informação e sua redifusão, mais protegidos estarão a memória individual e os direitos da personalidade, em virtude da erosão evidente de qualquer utilidade e atualidade da informação.
Desse modo, caso a informação que se pretenda redivulgar (que deve ser de domínio público) não esteja totalmente contextualizada, o caminho que conduz à possibilidade de veiculação informativa será interrompido e prevalecerá o direito ao esquecimento. Contudo, caso haja plena contextualização, passa-se ao próximo critério.
5.3 Preservação dos direitos da personalidade na rememoração
O terceiro parâmetro a ser avaliado no cotejo entre a liberdade de informação e o direito ao esquecimento, preservando-se a memória individual, é a necessidade imprescindível da divulgação de dados que poderiam atingir os direitos da personalidade. Portanto, sempre que possível, deve-se defender e salvaguardar nome, imagem, honra, privacidade e qualquer outro direito fundamental do indivíduo.
5.4 Utilidade da informação
O Superior Tribunal de Justiça atribui o efetivo interesse público da informação à sua relevância e utilidade prática, que deve se traduzir em benefício para a sociedade: “A liberdade de informação deve estar atenta ao dever de veracidade, pois a falsidade dos dados divulgados manipula em vez de formar a opinião pública, bem como ao interesse público, pois nem toda informação verdadeira é relevante para o convívio em sociedade”.[30]
Aqui neste ponto é preciso fazer uma diferenciação entre interesse público e interesse do público.
O Tribunal Supremo da Espanha, na sentença n. 545/2015, assim se manifestou quanto à citada diferenciação:
Este interés no puede confundirse con el gusto por el cotilleo o la maledicencia. Como ha dicho algún autor, lo relevante no es tanto el "interés del público" (si se considerara que es amplio el sector de la población que quiera conocer las miserias de sus conciudadanos, aun las sucedidas mucho tiempo antes), sino el "interés público", esto es, el interés en formarse una opinión fundada sobre asuntos con trascendencia para el funcionamiento de una sociedad democrática. Este interés puede justificar que, cuando se trata de personas de relevancia pública, una información sobre hechos que afectan a su privacidad o a su reputación, aun sucedidos mucho tiempo atrás, esté vinculada a sus datos personales en un tratamiento automatizado como el que suponen las consultas a través de motores de búsqueda en Internet que indexan los datos personales existentes en las hemerotecas digitales. Las relaciones sociales se basan en buena medida en la información que tenemos de los demás, y el capital moral con que cuenta cada persona depende, en parte, del grado de confianza que inspire su trayectoria vital. Por eso, cuando concurra este interés en la información, está justificado que puedan ser objeto de tratamiento automatizado informaciones lesivas para la privacidad y la reputación, vinculadas a los datos personales, siempre que sean veraces, cuando se trata de personas de relevancia pública, aunque los hechos hayan sucedido hace mucho tiempo.[31]
Visualiza-se, pois, que é necessária que haja relevância social nos acontecimentos noticiados.
Nessa toada, para que a informação possa ser rememorada, não basta que o fato pretérito tenha sido de domínio público, que esteja contextualizado, que a divulgação dos dados pessoais seja indissociável do caso que se pretenda noticiar ou que a informação seja de efetivo interesse público, traduzida pelo seu caráter de utilidade, mas precisará observar ainda outro parâmetro essencial: a atualidade da informação.
5.5 Atualidade da informação
Toda e qualquer informação que já foi de interesse público, com a ação do tempo, sofre a erosão de sua utilidade e do interesse coletivo, perdendo força e importância. A partir desse momento, o pêndulo que favorecia e pesava para a divulgação da informação passa a ceder e a perder vigor. A ação do tempo transforma uma informação útil e de interesse social em “notícia velha”. Como bem sintetiza Martinez, a lembrança de fato pretérito é plenamente possível, pois o direito ao esquecimento não é absoluto, mas, em razão da ação do tempo, presume-se que a informação tenha perdido sua força em detrimento da proteção da memória individual.
Excetuando-se situações atípicas em que se permitiria a lembrança em nome da memória coletiva, deve-se ter em mente que a Constituição Federal tem como norte e base o princípio da dignidade da pessoa humana, sendo a memória individual um integrante essencial da condição da pessoa.
5.5.1 Sugestão ao tratamento dos prazos de utilidade de uma informação
Como sugestão ao tratamento dos prazos de utilidade de uma informação, Martinez divide a padronização em dois grandes blocos, a saber: fatos criminosos e fatos não criminosos.
Na visão do autor, concebe-se a possibilidade de rememoração de um fato pretérito criminoso que, em razão de sua incindibilidade ou de sua grande repercussão, atingiu níveis históricos e de evidente interesse coletivo, fazendo parte do imaginário popular, ponderando-se favoravelmente à liberdade de informação em detrimento do direito ao esquecimento. Contudo, o mesmo não pode ocorrer quando se busca relembrar fatos típicos de menor reprovabilidade. Nesses casos, a utilização do prazo prescricional de cada crime serviria de auxílio e baliza ao interprete.
Já com relação aos fatos não criminais, não há uma norma que discipline o prazo hábil de rememoração de qualquer fato pretérito. Assim, diante do vácuo legislativo, o autor sugere a aplicação do prazo de dez anos previsto na legislação civil (artigo 205 do Código Civil) como parâmetro a ser utilizado pelo julgador no caso concreto.