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Flexibilização das relações de trabalho no Brasil: pela formação do Direito do Trabalho é possível a sua flexibilização?

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Agenda 10/01/2017 às 12:03

A origem do trabalho remonta a tempos imemoriais, mas ainda assim ele sempre existiu. Do ponto de vista do ocidente ele surgiu como resultado do pecado no jardim do Éden, e a partir dali toda uma interpretação eivada de uma carga negativa.

RESUMO: A origem do trabalho remonta a tempos imemoriais, mas ainda assim ele sempre existiu. Do ponto de vista do ocidente ele surgiu como resultado do pecado no jardim do Éden, e a partir dali toda uma interpretação eivada de uma carga negativa. Percebe-se um avanço à medida que as eras da história vão se sucedendo uma a uma, e com a Revolução Industrial surge uma nova característica que é a exploração da mão de obra trabalhadora. Porque esta massa de operários começa a ser explorada de forma nunca dantes vista nasce o Direito do Trabalho. Do nascedouro até os dias atuais o Direito do Trabalho sempre teve uma característica protetiva dos trabalhadores. Pela dinâmica da vida moderna o tema flexibilização é recorrente. Alguns afirmam que as leis trabalhistas engessam o empregado e o empregador, na mesma medida em que inibe a geração de novos empregos, assim a reflexão é pertinente, ao mesmo em que é necessário limitar o seu alcance.

ABSTRACT: The origin of the work dates back to ancient times, but still it always existed. The western point of view it was the result of sin in the Garden of Eden, and from there a whole riddled interpretation of a negative charge. It is noticed an improvement as the eras of history will be succeeding one by one, and the Industrial Revolution comes a new feature which is the exploitation of the working labor. Because this mass of workers begin to be explored in ways never before seen born labor law. The hatcher to the present day labor law has always had a protective feature of the workers. The dynamics of modern life the theme recurs flexibility. Some claim that labor laws imprison the employee and the employer, in the same measure that inhibits the generation of new jobs, so the reflection is relevant at the same it is necessary to limit its scope .

INTRODUÇÃO

            É indubitável que o trabalho sempre existiu. Se fosse possível uma volta aos tempos imemoriais, da origem do homem, sem sombra de dúvida seria concebível encontrá-lo laborando para garantir a sua subsistência.

            Quando alguém se detém para estudar o tema e tem a necessidade de pontuar algumas coisas sobre a gênese do trabalho necessariamente haverá de perceber que a sociedade ocidental recebeu uma carga de informações onde o trabalho seria algo pesaroso do dia a dia, possivelmente influenciada por características religiosas, e mesmo entre a sociedade clássica grega, tão avançada para o seu tempo, o trabalho era relegado às classes inferiores.

            Essa análise encontrará na história de Roma algo semelhante, saindo de uma sociedade escravista, avançando para um momento em que alguns homens já conseguem vender a sua mão de obra, e como tal serem remunerados. A idade média, passada a fase do feudalismo experimentará o nascimento das Corporações de ofício, e com estas as primeiras regras heterônomas e garantias mínimas para os que pertenciam às suas fileiras.

            Com o advento da Revolução Industrial no Séc. XVIII, e quase que ao mesmo tempo a Revolução Francesa (1789) as corporações deixaram de existir, pois não se coadunavam com os idéias do iluminismo, ao passo que na Inglaterra surge uma nova categoria de trabalhadores: os operários.

            A nova classe, ao mesmo tempo em que vê com espanto os surgimentos das primeiras máquinas também passa a experimentar o desemprego (falta de trabalho) em massa, e os que conseguiram trabalho nas fábricas são explorados com jornadas que podem chegar até a 16 horas diárias.

            Temos assim o ambiente propício para o nascimento do Direito do Trabalho, o Estado intervém de forma a regular a relação capital x trabalho, e logo de plano se percebe o princípio tuitivo nas primeiras leis. As primeiras leis que surgiram ordinárias chegam a alcançar status de leis constitucionais, sendo o México o primeiro país do mundo a ter leis trabalhistas em sua Lei Maior.

            No Brasil o grande ano é 1943, ano da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Das sete Constituições pátrias, cinco delas se ocupam do tema do Direito do Trabalho, e sempre com o viés de um garantir um mínimo necessário à classe trabalhadora. Pela dinâmica da sociedade atual as leis trabalhistas tem sido alvo de constantes críticas, e a flexibilização é vista por parcela significativa do empresariado como um avanço necessário, ao tempo em que os sindicatos e uma maioria da classe trabalhadora cerram fileiras para garantir direitos tão duramente conquistados, o que para a primeira classe é um avanço, para os trabalhadores há o temor de que seja uma precarização e na seqüência uma desregulamentação das relações de trabalho.

            Assim, buscar-se-á uma retrospectiva acerca da formação do Trabalho, Direito do Trabalho e considerações a respeito da flexibilização das leis trabalhistas, chegando ao que alguns entendem ser o limite possível da flexibilização.

1 DIREITO DO TRABALHO: ORIGEM E FORMAÇÃO

            Para adentrar ao tema da flexibilização dos direitos trabalhistas faz-se necessário uma retrospectiva, uma volta no tempo para se verificar o conceito de trabalho, a sua origem e a partir daí o surgimento das primeiras leis trabalhistas; por certo a história pode ajudar na formação do arcabouço conceitual de trabalho. Segundo Alice Monteiro de Barros: O termo trabalho, segundo alguns dicionários etimológicos, é derivado do latim vulgar tripaliare, que significa “martirizar com o tripalium” (instrumento de tortura composto de três paus).[1]

A concepção que hoje nós temos a respeito do Trabalho e a partir dele o Direito do Trabalho é resultado de um grande processo, resulta de uma longa trajetória, não se pode descuidar que o trabalho sempre existiu, mesmo que não fosse realizado de forma organizada, ou que sofresse a tutela de algum órgão, ainda assim o trabalho é inerente à existência humana.

            Para a sociedade ocidental, fortemente influenciada pela cristianismo, Sérgio Pinto Martins Leciona que o primeiro homem, Adão, teve que trabalhar por ter comido o fruto proibido.[2] A partir deste ponto de vista, o trabalho durante muito tempo esteve ligado à idéia de algo que é realizado sem prazer, um castigo, e não como algo que pudesse trazer satisfação; ao contrário, sempre com a conotação de pesar, e que por isto deveria estar restrito às pessoas com menor capacidade. Segundo o citado autor:

Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo. Compreendia apenas a força física. A dignidade do homem consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha significado de realização pessoal.[3]

Assim, é possível perceber que na antiguidade o trabalho esteve ligado diretamente à mão de obra escrava, este assemelhava-se a um objeto, pertencia ao seu amo, era destituído do direito à vida, sem tratamento digno,  contado como um objeto de propriedade.[4]

            Na história Romana, e dentro dela algumas leis consideravam também o escravo como coisa; mas com o incremento da história, da Monarquia, passando pela república e chegando até o império romano houve mudanças, e assim a necessidade da locação de mão de obra, conforme Martins:

Em Roma, o trabalho era feito por escravos. A Lex Aquilia (284 a.C.) considerava o escravo como coisa. Era visto o trabalho como desonroso. A Locatio conductio tinha por objetivo regular a atividade de quem se comprometia a locar suas energias ou resultado de trabalho em troca de pagamento. Estabelecia, portanto, a organização do trabalho do homem livre. Era dividida de três formas: (a) locatio conductio rei, que era o arrendamento de uma coisa; (b) locatio conductio operarum, em que eram locados serviços mediante pagamento; (c) locatio conductio operis, que era a entrega de uma obra ou resultado mediante pagamento (empreitada).[5]

No império romano, com o surgimento e crescimento do Cristianismo este influencia de forma positiva a ideia de trabalho, até porque haveria uma consonância entre o trabalho que o homem realiza com aquele que Deus obrara por ocasião da criação do mundo, há um distanciamento daquela concepção primeira de que o trabalho seria um castigo pela desobediência adâmica, e sim algo que os homens podem e devem praticar.

Finda a idade antiga, adentrando à idade média o sistema econômico e social que vigorou por muito tempo foi o feudalismo, neste intrincado sistema destaca-se a figura do senhor feudal, e a partir dele as relações de suserania e vassalagem, assim leciona Gustavo Filipe Barbosa Garcia a respeito de tal assunto:

No feudalismo, havia o regime de servidão, em que o senhor feudal dava proteção militar e política aos servos, que não tinham liberdade. Os servos eram obrigados a entregar parte da produção rural aos senhores feudais como contrapartida pela permanência e uso da terra, bem como pela defesa recebida.[6]

A partir do século XI, houve o crescimento de algumas cidades, as chamadas burgos, e dentro destas desenvolveu-se as corporações de ofício. As corporações tiveram extrema relevância até serem proibidas e depois extintas no século XVIII. Numa época em que ainda vigorava o trabalho dos camponeses, o escravo que laborava nas pequenas cidades, o surgimento das Corporações de Ofício marca um momento na história pela evolução protetiva aos seus associados bem como pelas normas heterônomas que alí nasceram. O historiador Alfredo Boulos Júnior escreveu a respeito das corporações medievais:

Em muitas cidades medievais existiam associações profissionais que chamamos de corporações de ofício. Essas corporações tinham três finalidades básicas: garantir aos seus associados o monopólio de uma determinada atividade; amparar seus membros na velhice ou em casos de invalidez ou doença; e a defender seus interesses frente ao governo da cidade. As corporações mais antigas foram as de comerciantes. Elas englobavam várias cidades e eram chamadas de “ligas”.[7]

Esta é uma época em que o trabalho escravo sofre uma drástica redução, em especial no período urbano, que se dá do século XI ao XV, ainda a respeito das corporações de ofício, assim a lição de Alice Monteiro de Barros:

Na época medieval, as relações jurídico-laborais que se desenvolviam nas corporações de ofício enquadravam-se dentro de uma orientação heterônoma. A regulamentação das condições de trabalho era estabelecida por normas alheias à vontade dos trabalhadores. Nota-se, entretanto, que, na hipótese de invalidez ou morte do artesão, as corporações os amparavam ou as suas famílias.[8]

Houveram outras formas de trabalho na sociedade pré-industrial; a locação de serviços, como sendo o contrato através do qual alguém se obrigava a prestar serviços, este tinha uma duração pré-definida, e em troca recebia um pagamento. Ainda, a locação de obra ou empreitada, contrato no qual alguém se obrigava a executar determinada obra a outra mediante pagamento.[9]

            Assim, passa-se rapidamente por uma percepção a respeito da origem do trabalho, anteriormente restrito ao ambiente doméstico, depois uma tarefa basicamente de escravos, vai tomando forma dentro da história até as corporações de ofício, com normas heterônomas e com alguma forma de proteção aos seus membros. Houve uma proteção a uma classe de trabalhadores, ainda que esta proteção estivesse adstrita à classe que pertencia a uma ou outra corporação.

2 A ORIGEM DO DIREITO DO TRABALHO

            Logo após a revolução francesa (1789) “foram suprimidas as corporações de ofício, tidas como incompatíveis com o ideal de liberdade individual da pessoa. No liberalismo, o Estado não devia intervir na área econômica”.[10]

            O renomado Justrabalhista Arnado Sussekind assim leciona:

A utilização cada vez maior da máquina, que poderia ter acarretado a diminuição das jornadas de trabalho e a elevação dos salários, como conseqüência do maior rendimento do trabalho produzido, teve, paradoxalmente, efeitos diametralmente opostos. Num retrocesso que afrontava a dignidade humana, a duração normal do trabalho totalizava, comumente, 16 horas diárias; o desemprego atingiu níveis alarmantes e o valor dos salários decresceu.[11]

Foi a revolução industrial que fomentou mudanças no setor produtivo, embora não haja unanimidade a respeito da data inicial desta revolução uma coisa é certa, juntamente com ela veio uma nova concepção de mundo, a ocupação dos espaços urbanos se transformou, e assim como modificou o trabalho fez brotar também as primeiras leis trabalhistas. “A Revolução Industrial acarretou mudanças no setor produtivo e deu origem à classe operária, transformando as relações sociais”.[12] E ainda conforme Vasconcellos Junior, “com a revolução industrial, surge uma nova cultura, a qual possibilitou o desenvolvimento do contrato de trabalho e do próprio Direito do Trabalho”.[13] A respeito das fábricas assim se expressou Alfredo Boulos Junior:

As primeiras fábricas eram sujas, mal iluminadas e insalubres. O vapor e o calor das máquinas tornavam o ar quase irrespirável, causando inúmeras doenças respiratórias. O trabalho fabril era disciplinado, repetitivo e exaustivo; as jornadas duravam de 14 a 18 horas por dias: o trabalhador parava apenas para fazer as refeições rapidamente. O sistema de fabricas aumentou assim a sujeição do trabalho e do trabalhador ao capital e ao capitalista.[14]

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A máquina a vapor, ao mesmo tempo em que reduziu o esforço físico dos homens trouxe para dentro das fábricas as chamadas “meias forças dóceis”.[15] Boulos Junior faz a mesma afirmação:

As primeiras fábricas fizeram uso intenso do trabalho feminino e infantil, pois mulheres e crianças ganhavam cerca de um terço do que era pago a um homem. Os industriais justificavam o emprego de crianças (a partir dos 6 anos de idade) dizendo que sua intenção era livrá-las da fome e da mendicância. Essas crianças, além das tarefas de rotina, realizavam, por vezes, serviços arriscados, como se enfiar por entre as máquinas para limpá-las ou transportar peças pesadas para sua idade.[16]

Como se pode perceber a Revolução Industrial conquanto tenha mudado tudo aquilo que estava posto até então, não teve o condão de melhorar a vida do homem. A Vida dentro da fábrica tornou-se insustentável, e fora dela nas cidades não era de outra forma, a despeito da engenhosidade humana com a invenção das máquinas, a nova matriz energética – vapor- e ainda a máquina de fiar e os teares mecânicos o que se viu na seqüência foi uma exploração dos que se encontravam empregados, e muita gente perdeu o emprego com o advento das máquinas mecanizadas. O historiador anteriormente citado afirma:

Nos primórdios da Revolução industrial, o contraste entre as moradias dos operários e a de seus patrões era gritante, a começar pela localização. As residências das indústrias ficavam no subúrbio, afastadas dos centros fabris; eram imponentes, ajardinadas e possuíam várias divisões internas... os operários moravam próximos das fábricas, no centro, sendo portanto as principais vítimas da poluição do Ar. As famílias operárias, geralmente numerosas, amontoavam-se em cortiços, com um ou dois cômodos, que eram usados para tudo: dormir, cozinhar, lavar roupas... As ruas dos bairros operários eram de chão batido, sujas e com esgotos a céu aberto, o que facilitava a ocorrência de epidemias.[17]

As condições de vida, somadas às “jornadas desumanas, e condições de higiene degradantes, com graves riscos de acidente”[18] fez com que surgisse a necessidade de reivindicação de melhorias:

Nesse contexto, em razão das péssimas condições de trabalho, com excessivas jornadas e exploração do labor de mulheres e menores (a chamada “questão social”), os trabalhadores começam a se reunir para reivindicar melhorias, inclusive salariais, por meio de sindicatos.[19]

Se durante muito tempo o Estado absteve-se, em face do contexto social de então isto não seria mais possível; urgia uma intervenção estatal para regular a relação patrão x empregado que já nascia desequilibrada, conforme Sérgio Pinto Martins:

Começa a haver a necessidade de intervenção estatal nas relações do trabalho, dados os abusos que vinham sendo cometidos, de modo geral, pelos empregadores, a ponto de serem exigidos serviços em jornadas excessivas para menores e mulheres, de mais de 16 horas por dia ou até o por do sol, pagando metade ou menos dos salários que era pagos aos homens.[20]

É neste momento que surge o Direito do Trabalho, nas palavras do renomado doutrinador, Maurício Godinho: “no desenrolar do processo da Revolução Industrial, é que irá efetivamente se estruturar como categoria específica” [21].  Dentro deste momento histórico o Estado precisou se fazer presente. Não havia mais ambiente propício para continuar a exploração da grande massa operária, vários outros ramos do Direito foram se insurgindo contra os princípios do liberalismo, e este clamor exigia uma resposta estatal.[22] Sérgio Pinto Martins afirma: “Passa, portanto, a haver um intervencionismo do Estado, principalmente para realizar o bem-estar social e melhorar as condições de trabalho. O trabalhador passa a ser protegido jurídica e economicamente”.[23]

            Alguns autores fazem uma divisão da história do Direito do Trabalho em períodos, assim Granizo e Rothvoss, autores espanhóis citados por Alice Monteiro de Barros:

Dividiram a história do Direito do Trabalho em quatro períodos, aos quais denominaram formação, intensificação, consolidação e autonomia.

No Período da Formação (1802 a 1848), surge na Inglaterra, a primeira lei verdadeiramente tutelar, dentro do espírito do Direito do Trabalho, intitulada Moral and Health(1802)... no segundo período, intitulado Intensificação (1848 a 1890), os acontecimentos mais importantes foram o Manifesto Comunista de Marx e Engel e a implantação da primeira forma de seguro social na Alemanha, em 1883, no governo de Bismarck.

O terceiro período, chamado de Consolidação (1890 a 1919), é caracterizado pela publicação da Encíclica Papal Rerum Novarum (coisas novas), de Leão XIII, preconizando o salário justo. Ainda nesse período, realizou-se em Berlim, em 1890, importante conferência a respeito do Direito do Trabalho. Por fim, o quarto período, que é o da Autonomia (de 1919 aos nossos dias), caracteriza-se pela criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919.[24]

Na tentativa de delimitar, e ao mesmo tempo posicionar no tempo o nascimento do Direito do Trabalho importante observar as anotações de Maurício Godinho Delgado:

A primeira fase é a das manifestações incipientes ou esparsas, que se estende do início do século XIX (1802), com o Peel’s Act inglês, até 1848. A segunda fase, da sistematização e consolidação do Direito do Trabalho, estende-se de 1848 até 1919. A terceira fase, da institucionalização do Direito do Trabalho, inicia-se em 1919, avançando ao longo do século XX. Sessenta anos depois, em torno de 1979/80, deflagra-se no Ocidente um processo de desestabilização e reforma dos padrões justrabalhistas até então imperantes (que produzirá mais fortes reflexos no Brasil em torno da década de 1990). Trata-se da fase de crise e transição do Direito do Trabalho.[25]

Historicamente sempre houve uma visão protecionista no Direito do Trabalho, em especial em nosso país.[26] Ao se observar o trabalho no contexto da Revolução Industrial, assim como as condições de trabalho e ainda as condições de vida é perfeitamente possível perceber o caráter protecionista do Direito Trabalhista.

            O Direito do Trabalho é, pois resultado de uma conquista obtida ao longo do tempo, percebe-se pelo estudo da história do direito que a classe operária teve que se organizar para conquistar melhores condições de vida, de outra forma não seria possível evitar os abusos que o capital impunha à classe trabalhadora. A proteção do empregado nasce com a formação do Direito do Trabalho.

            Nas palavras de Maria Heika Ivo Aguiar:

           

Assim, surgem as primeiras leis trabalhistas, a princípio de forma tímida, através de textos eventuais e de leis ordinárias, para depois elevar-se a nível constitucional, fenômeno denominado de constitucionalismo social.[27]

            No Brasil, influencias externas e internas faz nascer e florescer o Direito do Trabalho, Gustavo Filipe Barbosa Garcia faz menção a esta época em sua obra:

As transformações ocorridas na Europa, com o crescente surgimento de leis de proteção ao trabalho, e a instituição da OIT em 1919 influenciaram o surgimento de normas trabalhistas no Brasil. Da mesma forma, os imigrantes em nosso país deram origem a movimentos operários, reivindicando melhores condições de trabalho. Começa, assim, a surgir a política trabalhista de Getúlio Vargas em 1930. Antes disso, destaca-se a Lei Eloy Chaves (Decreto 4.682/1923), ao criar a caixa de aposentadoria e pensões para os ferroviários, bem como a estabilidade para estes trabalhadores quando completavam de anos de emprego.[28]

Maurício Godinho aponta fases na formação do Direito do Trabalho no Brasil, sendo uma delas o período das manifestações incipientes ou esparsas,[29] outra a fase da institucionalização (ou oficialização) do Direito do Trabalho. [30] “Em 1943, temos o diploma mais importante para a disciplina, que é a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).[31]

            Quando falamos que houve a Consolidação das Leis Trabalhistas faz crer que já existiam várias leis, o que efetivamente é verdade; uma quantidade de leis esparsas, para diferentes categorias, dispondo das mais diferentes situações, mas não tinha o caráter de contemplar toda a massa de trabalhadores, em consequência disso houve a necessidade de agrupar a legislação vigente, e nasceu a CLT:

Existiam várias normas esparsas sobre os mais diversos assuntos trabalhistas. Houve a necessidade de sistematização dessas regras. Para tanto, foi editado o Decreto-lei nº 5.452 de 1º-5-1943, aprovando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O objetivo da CLT foi apenas o de reunir as leis esparsas existentes na época, consolidando-as. Não se trata de um código, pois este pressupõe um Direito novo. Ao contrário, a CLT apenas reuniu a legislação existente na época, consolidando-a.[32]

Neste momento da história o presidente era Getúlio Vargas, “Líder populista e carismático era tido como “o pai dos pobres” denominação esta associada ao “mito da doação” dos direitos, impostos pela “ideologia trabalhista”.[33] Vargas, populista, e este populismo ficava evidente em relação às leis trabalhistas. “A propaganda getulista, porém, não a apresentava como uma conquista, mas sim como uma “doação”, um presente do presidente Vargas aos trabalhadores.[34]

            Alice Monteiro de Barros contempla este momento histórico:

Discute-se a respeito da existência ou não de movimentos operários impulsionando o processo da legislação trabalhista no Brasil. Há quem sustente que essa legislação adveio da vontade do Estado, enquanto outros afirmam a existência de movimentos operários reivindicando a intervenção legislativa sobre a matéria. [35]

A história lança luz sobre este momento da história do Brasil e Boulos Junior Vaticina:

Nas comemorações do 1º de maio, Vargas anunciava algum tipo de medida popular, que arrancava aplausos da multidão. Exemplo disso foi a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), anunciada na festa de 1º de Maio de 1943. Inspirada na Carta Del Lavoro, da Itália fascista, a CLT sistematizava e ampliava a legislação trabalhista e regulamentava a atividade sindical.[36]

            Esta é em síntese apertada a origem e formação do Direito do Trabalho; o trabalho sempre existiu, de formas completamente diversa, a depender do momento da história que se está a observar,  mas com o advento da Revolução Industrial e o que se seguiu, as condições de vida, as condições de trabalho dos operários demonstrou que se fazia mister a intervenção do Estado; a tutela estatal. O Princípio tuitivo permeou o nascimento, a formação e a consolidação do Direito do Trabalho.

            3 O DIREITO DO TRABALHO NAS CONSTITUIÇÕES

            Do estudo da formação do Direito do Trabalho se vê que as primeiras leis eram ordinárias, mas depois tornam-se constitucionais.[37]Segundo Amauri Mascaro Nascimento:

A primeira Constituição do mundo que dispõe sobre direito do trabalho é a do México, de 1917, que no art. 123 disciplina a jornada diária de 8 horas, a jornada máxima noturna de 7 horas, a proibição do trabalho de menores de 12 anos, a limitação da jornada do menor de 16 anos a 6 horas, o descanso semanal, a proteção à maternidade, o direito ao salário mínimo, à igualdade salarial, à proteção contra acidentes no trabalho, direito de sindicalização, de greve, de conciliação e arbitragem de conflitos, de indenização de dispensa e de seguros sociais.[38]

Estas são as mesmas palavras de Alice Monteiro de Barros, “no contexto mundial, as primeiras constituições que se ocuparam de institutos de Direito do Trabalho foram a Constituição Mexicana, de 1917, e a Constituição Alemã de Weimar, de 1919.[39] De um total de 7 (sete) constituições que o Brasil teve até agora as duas primeiras, no contexto de pós independência e pós proclamação da república, respectivamente, não se ocuparam de tal tema, mas a partir da terceira delas o Direito do Trabalho alcançou status de Direito Constitucional.

            Segundo Sergio Pinto Martins: “A Constituição de 1934 é a primeira constituição brasileira a tratar especificamente do Direito do Trabalho. É a influência do constitucionalismo social, que em nosso país só veio a ser sentida em 1934” [40]. Alguns direitos que antes estavam esculpidos em diferentes legislações ordinárias como, por exemplo, a CLT vão agora aparecer na Carta Magna, dentre estes direitos a liberdade sindical, isonomia salarial, salário mínimo, jornada diária de 8 horas, proteção ao trabalho das mulheres e de menores, e ainda repouso semanal e férias anuais remuneradas.[41] A Constituição de 1937 colocou o trabalho como dever social, assegurando a todos o direito de subsistência mediante trabalho honesto.[42] A justiça do Trabalho foi instituída na estrutura do Poder Judiciário, regulamentada pelo Decreto-Lei nº 1.237 de 1.5.1939, passando a funcionar a partir de maio de 1941. [43]Esta constituição marca uma fase intervencionista do Estado.[44]Em pouco tempo o Brasil passa por uma mudança conceitual e a respeito dela assim o respeitado Sergio Pinto Martins se manifestou:

A Constituição de 1946 é considerada uma norma democrática, rompendo com o corporativismo anterior. Nela encontramos a participação dos trabalhadores nos lucros (art. 157, IV), repouso semanal remunerado (art. 157, VI), estabilidade (art.157, XII), direito de greve (art. 158) e outros direitos que estavam na norma constitucional anterior.[45]

Percebe-se que lenta, mas progressivamente, com propósitos firmes as constituições vão se sucedendo na inserção de novos Direitos que contemplam especificamente a classe trabalhadora. A Constituição de 1967 nas palavras de Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

Manteve direitos trabalhistas das Constituições anteriores e passou a prever o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, que havia sido criado pela Lei. 107, de 13 de setembro de 1966. A emenda constitucional 1, de 17 de outubro de 1969, não alterou os direitos trabalhistas previstos na Constituição de 1967.[46]

Finalmente, a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988 traz inovações e alterações importantes, direitos consagrados dos trabalhadores encontraram ali guarida, e uma série história de inovações, não sem motivo, Garcia se refere a esta Constituição:

A Constituição Federal de 1988, promulgada em 5 de outubro de 1988, em seu título II, trata dos “Direitos e Garantias Fundamentais”, cujo capítulo II refere-se aos “Direitos Sociais”, abordados no art. 6º. Os arts. 7º a 11 versam sobre o Direito do Trabalho.[47]

Este trabalho não se propõe a analisar todas as conquistas históricas dos trabalhadores, nem a fazer um quadro comparativo dos avanços em cada uma das 7 Constituições do Brasil, mas o fato é que com a Carta Magna de 1988 a classe trabalhadora experimentou avanços nunca antes percebidos, e agora o trabalho está entre os direitos fundamentais, Assim Dirley da Cunha Junior:

O direito ao trabalho é um direito social fundamental (CF, art 6º), cuja importância é destacada por diversos dispositivos constitucionais e a proteção é assegurada, de foma específica, pelo art. 7º da Constituição de 1988. A liberdade de exercício profissional, que por sua vez pressupõe a liberdade de escolha de profissão, consiste em um direito individual fundamental (CF, art. 5º, XIII).[48]

                        Do trabalhador visto como objeto, aquele que sequer tinha direito à vida, escravo sem proteção alguma, passando pelo surgimento da classe operária com o advento da Revolução Industrial, esta ao tempo que fez mudar o modo de produção não foi capaz de melhoras as condições de trabalho e menos ainda as condições de vida do trabalhador. Foi necessário que surgisse entre eles uma consciência coletiva que fez com que discutissem melhores condições de trabalho, foram através de manifestações, greves e outros mecanismos que aos poucos o capital foi afrouxando e permitindo leis que tutelassem a parte hipossuficiente desta relação. Passando pelas leis esparsas, a lei ordinária com a CLT e chegando à constitucionalização do Direito do Trabalho foi um grande avanço.

            4 A FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS TRABALHISTAS

            A história é dinâmica; isto se percebe não apenas observando as constantes invenções tecnológicas, mas também o dia a dia das pessoas. Há, porém mudanças que são estruturais, outras, econômicas e de todos os ângulos que se possa olhar as mudanças fazem parte da vida.

            Com o trabalho, e especialmente com o Direito do Trabalho não poderia ser diferente, mesmo porque o momento em que as leis foram criadas, no direito estrangeiro e consolidadas no direito pátrio, a realidade social era outra, o trabalhador que durante muito tempo ficou às margens da lei agora se vê tutelado, há uma legislação com viés protecionista do trabalhador, e justamente em face desta proteção surgem alguns questionamentos, não estaria hoje esta proteção desatualizada? Ela é geradora de desemprego? Não seria possível flexibilizar? A controvérsia está formada, de um lado aqueles que estendem que flexibilização é sinônimo de precarização, e que com isto o trabalhar perderá uma série histórica de direitos conquistados, em outra fileira estão aqueles que afirmam que é possível flexibilizar direitos para garantir empregos, e ainda facilitar a livre negociação daqueles que não seriam necessariamente hipossuficientes no mercado de trabalho, e que ficar limitado ao que a lei diz seria negligenciar a possibilidade de que este trabalhador consiga mais e melhores condições de trabalho. Sendo assim, que é exatamente flexibilizar? Nas palavras do doutrinador Sergio Pinto Martins:

A flexibilização das condições de trabalho é um conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre capital e o trabalho.[49]

Assim, vê-se que o tema versa sobre a possibilidade de uma compatibilização entre o mercado- que é dinâmico- e as leis trabalhistas, que ás vezes parece não acompanhar as mudanças da sociedade, em especial no mercado de trabalho. Ainda, Alice Monteiro de Barros, quando discorre a respeito do mesmo tema assim leciona:

A flexibilização no campo do trabalho, historicamente, tem sido uma reivindicação empresarial identificável com uma explicita solicitação de menores custos sociais e maior governabilidade do fator trabalho.[50]

            Ronaldo Soares, citado por Antonio Vasconcellos Junior afirma:

Adaptabilidade, flexibilidade, capacidade de acomodação, versatilidade, todos são vocábulos que estudiosos procuram caracterizar o fenômeno que alguns juristas italianos chegaram chamar de direito Emergencial do Trabalho.[51]

Da análise da conceituação de Flexibilização e ainda segundo Amauri Mascaro Nascimento “O direito do trabalho, na fase atual é uma obra inacabada”.[52] Em recente artigo de pós graduação, Sueli Alves de Oliveira afirma que:

“Flexibilizar” pode ser entendido no sentido de atenuar, equilibrar, ponderar, de forma a evitar a extinção das empresas e o aumento do desemprego, situações que trariam consigo a degradação das condições econômicas para a sociedade como um todo. A flexibilização do Direito do Trabalho, assim, busca respeitar os limites do sistema jurídico nacional, utilizando mecanismos previstos pela própria lei trabalhista, como, por exemplo: negociação coletiva, contratos individuais, convenções, súmulas, entendimento doutrinário; levando-se em conta que o maior objetivo da flexibilização é a mantença das relações de emprego e do pleno exercício das atividades empresarias e industriais. [53]

Observação semelhante a esta faz Arnaldo Sussekind et al:

O objetivo primordial da flexibilização nas relações de trabalho foi o de propiciar a implementação de nova tecnologia ou novos métodos de trabalho e assim evitar a extinção das empresas, com evidentes reflexos nas taxas de desemprego e agravamento das condições socioeconômicas.[54]

            Pode-se constatar que a flexibilização está atrelada a alguns pressupostos; uma delas a necessidade de dar às leis trabalhistas maior plasticidade, maior maleabilidade, destituindo-as da rigidez tradicional,[55] ainda o desenvolvimento tecnológico e o aumento da produtividade, bem como os processos de globalização, no entendimento de Alcídio Soares Junior.[56]

            A flexibilização é uma realidade presente, ainda mais teórica que fática, e que aos poucos vai tomando contornos mais definidos.

No estudo da flexibilização é importante conceituar e fazer distinções, para uns o instrumento é exatamente o mesmo, e a diferença que existe é questão de semântica, onde ainda seria possível inserir a palavra precarização como sendo sinônimas das duas outras, mas ainda assim a grande maioria dos que militam na área do direito do trabalho costumam delimitar o sentido de cada uma delas, a  flexibilização apresenta-se sob duas modalidades: sob a forma de adaptação, que é uma versão mais branda, e sob a forma da desregulamentação, considerada uma forma mais abrupta.[57] Sergio Pinto Martins, citado por Vasconcellos Junior afirma que:

Na desregulamentação, a lei simplesmente deixa de existir, pois é retirada a proteção do Estado em relação ao trabalhador. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. [58]

O magistrado Jamil Zantut, citado em artigo de Alcídio Soares Junior entende que:

A flexibilização é alçada a condição de teoria, quando menciona que a teoria da flexibilização, tem seu contorno nos princípios da cláusula rebus sic stantibus, ao pretender que as normas e condições das relações de trabalho se ajustem aos ditames das mutações econômicas e sociais, elevando, reduzindo ou mesmo suprimindo bases e vantagens concedidas aos laboristas.[59]

Uma rápida consulta a um sindicato da classe dos trabalhadores será suficiente para se perceber que aos olhos da classe sindical um ou outro instituto é exatamente a mesma coisa, Assim Nelson Mannrich, na obra de Vasconcellos Junior:

A flexibilização também é conhecida por desregulamentação, Direito do Trabalho da Crise ou da emergência, impacto da crise econômica, impacto das novas tecnologias, contratos atípicos, direito da adaptação, segundo as mais diversas ideologias. A expressão flexibilização parece estar consagrada e indica o processo de ajustamento do Direito do Trabalho às atuais realidades da sociedade pós-industrial.[60]

A desregulamentação parece ser algo mais gravoso, tendo em vista o caráter protetivo da legislação laboral fica evidente a dificuldade em lidar com tal tema, já a flexibilização não trata necessariamente da mitigação de direitos trabalhistas, até porque há um mínimo necessário que inclusive goza de proteção constitucional, mas de uma adaptação que muitas vezes faz-se necessária, e a respeito disto distingue Mozart Victor Russomano, citado por Vasconcellos Junior:

No que concerne, propriamente, à flexibilização das normas trabalhistas, é por outro lado, de se ponderar que nenhum de nós, friamente, nega que existe uma flexibilização inteligente, que não só é aconselhável, mas até indispensável, a flexibilização das empresas, dos métodos de trabalho, etc., em função da adaptação dessa empresa às novas tecnologias, que nos deslumbraram no final do último século passado e continuam nos deslumbrando todos os dias, nesses primeiros meses do nosso século atual.

E digo mais: é inteligente a flexibilização quando ela se desenvolve de modo a favorecer uma aplicação prática, fácil e eficiente das normas legais (...)

Ao lado dessa flexibilização inteligente, que tem muitos outros aspectos sobre os quais todos estamos, penso eu, de acordo, existe uma flexibilização que chamo de irracional, que é aquela que pode ser tomada como sinônimo de desregulamentação do Direito do Trabalho. Isso, sim, é inaceitável.[61]

Apesar da grande dificuldade conceitual, no Brasil parece que os termos já estão perfeitamente delimitados, ao menos esta é a impressão que se tem em consulta aos grandes autores da área, e a respeito disto escreveu Maria Herika Ivo Aguiar:

No entanto, a maior parte da doutrina classifica a desregulamentação como a forma mais radical de flexibilização, por consistir na abolição da legislação protetora do trabalho, onde toda a normatização seja estabelecida por meio de negociação coletiva de trabalho, ou seja, através de contrato individual de trabalho, de contrato coletivo e de convenção e acordo coletivos de trabalho. Para esses seguidores da regulamentação estabelecida por meio de negociação coletiva de trabalho, não há necessidade da intervenção do Estado nas relações de trabalho. A desregulamentação e a flexibilização surgem como novas formas de pensar sobre os comportamentos dos tomadores e prestadores de serviços, oriundos da globalização e do maior intercâmbio entre os países.[62]

            A despeito da rigidez de nossas leis trabalhistas, alguns doutrinadores entendem que a flexibilização já vem sendo praticada em nosso ordenamento, a primeira delas teria sido a Lei 5.107 de 13 de Setembro de 1966. Até este momento o empregado que houvesse laborado mais de 10 anos na mesma empresa adquiria estabilidade na empresa, e isto mudou com o advento desta lei, vez que a partir de agora o empregado podia optar pela estabilidade que poderia ser adquirida ou o novo e recém criado fundo, o FGTS.

O panorama desta estabilidade no emprego começou a mudar com a edição da Lei 5.107/1966, alterada pelo Decreto-Lei n.º 20/1946, e regulamentada pelo Decreto 59.820/66, que foi alterado pelo Decreto n.º 61.405/1967. A referida lei criou o regime do FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, como opção a indenização da CLT, o que foi constitucionalizado com a Constituição de 1967 (artigo 165 inciso XIII). Os empregados a partir de então, podiam ao ser contratados optar, pelo regime da indenização da CLT ou pelo regime fundiário, que gerava o direito de um depósito mensal em conta vinculada ao trabalhador, nos mesmos moldes do funcionamento do FGTS hoje. Porém, a indenização em caso de dispensa sem justa causa era no percentual de 10% sobre os depósitos, atualmente esse percentual é de 40%. Sendo assim, o empregado optante do FGTS ao ser dispensado, independentemente do tempo de serviço, levantava os valores depositados e recebia a indenização de 10%, sem direito a estabilidade.[63]

Medidas mais recentes já foram introduzidas e a Constituição de 1988 adotou esta tese:

A Constituição de 1988 adotou a tese da flexibilização, porém de forma tímida e sob tutela sindical (Artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, e Artigo 8º, inciso VI, da CB/88), por vezes delegando a participação de trabalhadores e empregadores em colegiados que tratem de interesses profissionais ou previdenciários, livres, para discussão e deliberação. Assim, assegura meios de permitir o trato das relações de trabalho em reuniões preliminares, evitando a rigidez das normas trabalhistas (Artigo 10 da CB/88). A CLT apresenta-se refratária à tentativa de flexibilidade.[64]

            Em tempos de crise o assunto vem à baila, e imagina-se uma adaptação das leis laborais, com objetivo precípuo de superar aquele momento, mas é preciso sempre ter o norteador que é o artigo 7º da Constituição Federal, e este impõe as garantias sociais, conquistadas ao longo do tempo, para Paulo Sérgio João, flexibilização em momento de crise é:

A flexibilização corresponde ao ajuste da legislação trabalhista com finalidade social e econômica, permitindo que empresas se adaptem na produção, no emprego e nas condições de trabalho.[65]

Assim, flexibilizar seria sair do plano da individualidade e avançar para o bem comum, desta forma vale o interesse da sociedade, em busca da solução de um problema que seria coletivo, isto é, o desemprego.

             5 LIMITES  À FLEXIBILIZAÇÃO

A Constituição Federal é rígida, mas permitiu a tese da flexibilização; até onde é possível ir sem que isto signifique uma perda muito grande aos direitos duramente conquistados? Ou ainda, sem que haja uma desregulamentação, que como foi visto seria uma forma mais abrupta de modificação das leis trabalhistas, permitindo assim que o mercado e o seu espírito liberal regule as relações do trabalho. Neste sentido, a dicção se Sérgio Pinto Martins:

Os principais limites à flexibilização são dois: (a) normas de ordem pública, que não podem ser modificadas pelas partes, sendo um mínimo assegurado ao trabalhador. É o caso da observância das normas mínimas contida na Constituição ou nas leis. (b) quando for contrariada a política econômica do governo. É expresso o art. 623 da CLT de que será nula disposição de convenção ou acordo coletivo que, direta ou indiretamente contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômico-financeira do governo ou concernente à política salarial vigente, não produzindo quaisquer efeitos.[66]

A partir da percepção de uns e outros a flexiblização será vista como avanço ou retrocesso, mas o fato é que há muitas disposições normativas, com destaque às de natureza constitucional, que restaram flexibilizadas, mitigando toda a proteção que se confere ao direito laboral. Há possibilidades por simples acordo entre sindicatos, ainda entre sindicatos e empregadores. Assim o entendimento de Bruno Lessa Pedreira São Pedro em recente artigo:

Vê-se, pois, o Estado, atribuindo aos particulares a possibilidade de pactuação acerca de determinadas condições de trabalho. Dentro de uma lógica civilista de negociação, pautada na autonomia da vontade dos particulares, observa-se, portanto, o Poder Público transferindo aos sujeitos da relação jurídica laboral, a possibilidade de estipularem regras entorno do exercício da atividade do trabalhador.[67]

Assim, constitucionalmente, diante da leitura do artigo 7°, incisos VI, XIII e XIV, já é possível que, por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, se possa estipular regras voltadas ao quantum salarial, bem como, à jornada dos trabalhadores.

            Antônio Vasconcellos Junior afirma que os limites da flexibilização estão esculpidos na nossa Constituição, sendo assim o que lá está é um direito mínimo que só poderão ser flexibilizados pela própria Lei Maior.[68]

            Em Direito do Trabalho, a regra é a aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, princípio este decorrente de outro ainda mais amplo, denominado Protetor.

            Mas esta limitação à aplicação vê-se mitigada, pode ser ainda in pejus, claro que isto é a exceção, e neste sentido pontua Gustavo Filipe Barbosa Garcia:

Em nossa Lei Maior, a flexibilização é prevista apenas para hipóteses específicas, quais sejam: redução de salários, compensação de horários e redução da jornada; além da hipótese de turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, incisos VI, XIII e XIV, respectivamente). Nestas situações é que, através da negociação coletiva, será possível convencionar condições de trabalho inferiores à própria lei, em verdadeiras exceções ao princípio da norma mais favorável.[69]

De qualquer forma percebe-se que a flexibilização dos Direitos trabalhistas deve se concretizar ao lume da Constituição da República, o que estiver fora desta estrita observância deve ser rejeitada pelo Direito.

A flexibilização aparece no cotidiano do trabalhador, nas mesas de negociações entre sindicatos e empregadores, assim como nos gabinetes dos tribunais; em momentos de crise o tema sempre vem à baila. Com a devida permissão legal outorgada pela Constituição Federal toda e qualquer flexibilização não deve fazer com que os trabalhadores percam direitos tão duramente conquistados, sempre é possível adequar trabalho e capital, mas não sem a tutela do Direito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Ainda que o tema da flexibilização seja recorrente, ele encontra restrições. A formação do Direito do Trabalho demonstra que as conquistas foram históricas. A classe dominante passou de largo pelo trabalho, este foi sempre relegado a homens de menor formação, a servos e escravos. Não poucas vezes o trabalho este associado a castigo, aquilo que não pode dar satisfação pessoal, e assim vai desenrolando-se por longo período dentro da História. No contexto da Revolução Industrial a classe operária viu-se explorada, as condições de trabalho eram insalubres em jornadas que poderiam chegar a 16 horas, isto valendo para ambos os sexos e ainda as crianças. Uma massa de pessoas de uma hora para outra se viu sem trabalho, sendo substituída por máquinas e daí a incerteza.

            O grande temor que permeia a flexibilização é a desregulamentação. Em face do passado de conquistas, saindo de nenhuma lei, para no século passado alcançar proteção constitucional vai uma longa trajetória.

            De um lado o empresariado afirma que as leis trabalhistas são anacrônicas, vez que remontam à primeira parte do século passado, ou ainda que há uma proteção excessiva para uma classe sem fazer distinção entre os mais diferentes trabalhadores.

            A Lei Maior do Brasil abre a possibilidade da flexibilização, mas somente naqueles casos em que ela mesma se posicionou. Os princípios da proteção e da irrenunciabilidade estão a permear as relações justrabalhistas. O acirramento da possibilidade/necessidade de flexibilização toma corpo, se tomará forma é uma outra discussão.

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http://arpsadv.jusbrasil.com.br/artigos/283142461/direito-do-trabalho-estabilidade-decenal. Acesso em 17 jun. 2016.

http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12742&revista_caderno=25. Acesso em 17 jun. 2016.

           

Sobre o autor
Leomir Alves da Silva

Servidor do tribunal de Justiça do Paraná- Graduado em Direito- FESP-PR. Pós Graduado em Direito do Trabalho- FESP-PR. Pós Graduado em Filosofia-UFPR.

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